Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). IDOSOS E COMPUTADORES: FACILITADORES E LIMITADORES NO PROCESSO DE APRENDER Maria Auxiliadora Ávila dos Santos Sá Universidade de Taubaté UNITAU – Brasil Laurinda Ramalho de Almeida Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - Brasil Resumo: O analfabetismo digital entre os idosos é um dos desafios da sociedade atual, marcada por mudanças tecnológicas intensas. O presente trabalho, orientado pelo modelo de envelhecimento bem-sucedido, buscou conhecer as condições facilitadoras e as limitadoras no aprendizado do uso do computador, percebidas por alunos idosos de uma Universidade Aberta à Terceira Idade (UNATI) do vale do Paraíba. A primeira parte da pesquisa traçou o perfil de 101 alunos dos diversos cursos oferecidos pela UNATI. Na segunda parte, 11 alunos de uma das turmas do curso de informática foram acompanhados ao longo do período de aprendizagem. Eles responderam a um questionário no primeiro dia de aula e durante o curso cada um deles escreveu um diário relatando suas dificuldades e facilidades no uso do computador. Ao final do curso, novo questionário foi respondido por esses alunos. Entrevistas com o professor e os monitores permitiram aprofundar a compreensão das necessidades pedagógicas dos idosos no processo de aprendizagem de uma nova habilidade durante a velhice. As principais condições facilitadoras apontadas pelos idosos referiram-se às atitudes do professor e dos monitores, aos recursos pedagógicos por eles utilizados durante o curso e, para alguns, à datilografia enquanto habilidade adquirida no passado. Tanto a não familiaridade dos alunos com a terminologia, como as dificuldades de atenção, de memória e de motivação, constituíram as condições limitadoras mais apontadas pelos alunos. Concluindo, estratégias pedagógicas que, por exemplo, permitissem a descoberta das vantagens pessoais com o uso do computador, poderiam facilitar o processo de aprendizagem. Palavras chaves: uso do computador, idosos, aprendizagem na velhice Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). A população mundial está envelhecendo e as projeções indicam que esse crescimento vai continuar em função da diminuição das taxas de natalidade e dos avanços científicos e tecnológicos que prolongam cada vez mais a vida do ser humano. No estudo do envelhecimento, por um longo período enfatizaram-se as perdas ocorridas na velhice e reforçaram-se as crenças na impossibilidade de aprender nessa fase da vida. (Salgado, 1982). Neri e Wagner (1985) contribuíram para a reformulação dessa visão ressaltando que o envelhecimento humano ocorre em nível biológico, psicológico e social. Essas autoras ressaltaram que as mudanças fisiológicas, anatômicas, hormonais e bioquímicas, que afetam o declínio das capacidades do organismo e as mudanças comportamentais, são especialmente influenciadas pelas normas e expectativas sociais relativas ao envelhecimento. Com as mudanças comportamentais que ocorrem na velhice, surgem conflitos e a necessidade de novas aprendizagens. Estudos sobre atitudes em relação à velhice demonstram que as pessoas, inclusive os velhos, desenvolvem expectativas em relação à velhice, aprendem e incorporam os desempenhos esperados da pessoa idosa (Neri, 1990). Portanto, para compreender o processo de envelhecimento, há que se considerar também, os contornos sócio-culturais e psicológicos que a envolvem, pois eles são determinantes nas relações intergeracionas, nas relações entre as pessoas idosas e, ainda, nas que as pessoas mais velhas estabelecem consigo mesmas. Apesar dos estudos indicarem que possíveis diferenças na capacidade de aprendizagem do idoso devem-se mais a circunstâncias sociais, bloqueios e falta de motivação, a sociedade ainda continua tratando os idosos como incapazes de produção intelectual. No Brasil, embora os programas dirigidos aos idosos estejam disponíveis desde os anos 60, e tenham crescido nas duas últimas décadas, os estudos sobre a aprendizagem de pessoas idosas ainda são escassos, em especial as pesquisas sobre a pedagogia para a população idosa. Erbolato (1997) afirmava que a psicologia escolar mantinha concentradas suas pesquisas no processo de aprendizagem de crianças, adolescentes e adultos, como os estudantes de graduação e os profissionais de nível universitário. Parece que esse quadro pouco se alterou. Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). Sá (2000), buscando colaborar para a melhor compreensão da aprendizagem na fase da velhice, desenvolveu pesquisa em nível de Mestrado que propunha a investigação das condições facilitadoras e dificultadoras para o aprendizado do uso do computador por adultos mais velhos. Reapresenta, agora, os resultados desse trabalho que se mostra atual, pois o analfabetismo digital entre os idosos continua a ser um dos desafios em uma sociedade marcada por mudanças tecnológicas intensas. Importante ressaltar que outras investigações sobre a aprendizagem de novas tecnologias e novas habilidades pelas pessoas idosas confirmam os resultados do trabalho ora apresentado, como em Pereira (2009), Tavares Filho (2003) e Leal (2005). A necessidade de pesquisas no Brasil sobre essa área foi ressaltada por Dimenstein (1998), quando refletia sobre o surgimento entre nós de um novo tipo de analfabetismo: o digital, afirmando a urgência desse tipo de alfabetização, que determina, inclusive, a inclusão ou exclusão social. Nos Estados Unidos da América do Norte, as pesquisas realizadas sobre a habilidade no uso do computador por pessoas idosas datam dos anos 80 e têm como justificativa as intensas transformações tecnológicas do fim de século XX. Sua relevância prende-se, principalmente, às possibilidades do computador ser um recurso importante para auxiliar as pessoas idosas na superação ou minimização de deficiências como as físicas, de cognição e de memória, assim como para diminuir a sensação de isolamento e de exclusão provocadas pelo mesmo progresso tecnológico. O computador e as novas tecnologias podem ser instrumentos úteis para a desconstrução dos mitos que limitam a velhice, na medida em que o seu uso: confere aos idosos um sentimento de inserção na sociedade, possibilita mudanças positivas na saúde mental, melhora na auto-estima e na estimulação da memória de curto prazo. (LAWHON T. et al., 1996; JAMES D.T.D. et al., 1997; MORRIS J. M ., 1994; NERI, 2005). O perfil dos alunos da UNATI mostrou um grupo majoritário de mulheres, em maioria com idade entre 50 e 59 anos e entre 60 e 69 anos. Casadas, constituíam também um grupo heteregêneo em relação à escolaridade, que variava do ensino Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). fundamental ao superior. Eram pessoas, em maioria, aposentadas, que e indicavam como principal interesse ao se matricular na Universidade Aberta a vontade de aprender coisas novas. Para a pesquisa foi organizada uma turma com 15 alunos de 60 anos ou mais, para o curso de Iniciação à Informática de uma Universidade Aberta à Terceira Idade, selecionados entre os inscritos no início do semestre. Dos 15 alunos que confirmaram a presença, 11 iniciaram e 10 concluíram o curso. No primeiro dia de aula os alunos responderam um questionário, cujo objetivo era conhecer a familiaridade dos alunos com o computador. Solicitou-se também que os alunos registrassem num diário todas as dificuldades e facilidades que percebessem no aprendizado do uso do computador durante o curso. Ao final da última aula foi apresentada aos alunos uma listagem de condições dificultadoras e facilitadoras da aprendizagem do uso do computador, organizada com base nos indicadores presentes na literatura consultada, para que os mesmos assinalassem as condições que dificultaram, facilitaram ou não inteferiram no seu aprendizado. Este último instrumento tinha como objetivo a comparação das condições registradas nos diários com as condições indicadas pela literatura consultada. Os sujeitos da pesquisa eram pessoas cujas vidas profissionais foram marcadas pelo contato com pessoas e não com máquinas. Por ocasião da pesquisa indicaram como principais problemas de saúde as relativas à visão e à memória. As respostas ao questionário inicial indicaram como principais receios em relação ao curso, em primeiro lugar, o medo de não conseguir aprender, em segundo, o receio de estragar o computador ao tentar aprender e, por fim, a possibilidade de não receber a ajuda dos colegas para superar as dificuldades de aprendizado. As três principais razões para frequentarem o curso foi o fato de sentirem-se desatualizados numa sociedade informatizada, o gostar de aprender coisas novas e o incentivo dos familiares. As condições apontadas pelos sujeitos, enquanto facilitadoras ou dificultadoras do aprendizado, foram categorizadas em condições pessoais e ambientais. Como condições pessoais foram identificadas condições relativas à idade, escolaridade, condições físicas, motivação e relacionamento em sala de aula. Os recursos pedagógicos, os recursos relativos ao computador, os procedimentos e atitudes do Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). professor e dos monitores, assim como as condições para treino fora da sala de aula foram consideradas como condições ambientais. Quanto às condições físicas, 7 alunos disseram que tem problemas de visão e memória, 9 não tem problemas de audição, articulação, mobilidade e 7 indicaram não ter problemas de cognição. No entanto, apenas 3 indicaram os problemas de memória como dificultadores da aprendizagem, embora no diário 6 apontem dificuldades em memorizar os procedimentos relativos ao uso do computador e sugiram a confecção de um manual detalhado para facilitar o aprendizado.. O nível de escolaridade é indicado pelos alunos como facilitador da aprendizagem, explicado pelo fato de 6 deles terem nível superior e os outros 4 nível médio. Quanto aos aspectos motivacionais, 7 alunos indicaram como facilitadores a percepção de melhora no próprio rendimento à medida em que o curso se desenvolvia, o fato de terem tido contato com outros aparelhos eletrônicos anteriormente e os outros conhecimentos e habilidades aprendidos durante a vida, como a datilografia. Essa habilidade foi apontada como facilitadora do aprendizado do uso do computador, e o contrário, como limitadora. Nove alunos consideraram que a crença de que pessoas adultas não precisam aprender informática não interferiu em seu aprendizado. Em relação ao relacionamento em sala de aula, 9 alunos consideraram como facilitadores receber a ajuda dos monitores, poder trocar idéias com os colegas e o fato do professor dar atenção à toda turma igualmente. Em seguida, 8 alunos colocam ainda como facilitadores a turma ser formada por pessoas da mesma faixa etária, fazer novos amigos durante o cursos e o bom relacionamento entre professor e alunos. Quanto às condições ambientais, em sua totalidade, os alunos consideraram a sala de aula, a iluminação, a ventilação, a limpeza e a organização do mobiliário, adequadas e, por isso, facilitadoras do aprendizado. Apenas 1 aluno indicou o uso do mouse como um limitador para a aprendizagem. Embora os alunos tenham opinado que a apostila foi adequada e facilitadora do aprendizado, eles também sugeriram a confecção de um manual para a superação das dificuldades em memorizar os procedimentos necessários à operacionalização do computador. Os procedimentos utilizados pelo professor, como as explicações do conteúdo do curso, as anotações no quadro negro e o tom de voz, foram considerados Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). adequados pelos alunos e favoráveis ao aprendizado. Todos os alunos consideraram positivo que o professor e os monitores tenham demonstrado conhecer a matéria objeto do curso e 7 consideraram que o fato do professor ser mais jovem que os alunos facilitou o aprendizado. Os outros 3 disseram que esse fato não interferiu no aprendizado, mas consideraram positivo o fato dos monitores serem da mesma faixa etária que eles. Quatro alunos consideraram favorável ao aprendizado possuírem computador em casa para treinar. Três consideraram desfavorável não terem computador para treinar e os outros três disseram que não ter computador para treinar não interferiu em sua aprendizagem. Tanto os dados obtidos nos diários como nas respostas dos questionários demonstram o entusiasmo pela oportunidade do aprendizado do uso do computador, compatíveis com resultados de pesquisas anteriores e posteriores sobre a importância de criar oportunidades para que os adultos mais velhos sintam-se inseridos no mundo atual. As condições apontadas pelos alunos como dificultadoras ou facilitadoras do aprendizado do uso do computador podem indicar aspectos importantes a serem considerados no processo ensino-aprendizagem de adultos mais velhos, consideradas as limitações quanto à generalização do presente trabalho. Finalmente, os resultados apresentados são coerentes com as proposições teóricas sobre a velhice bem-sucedida, principalmente as que afirmam: a) “o envelhecimento é uma experiência heterogênea”, b) “na velhice fica resquardado o potencial de desenvolvimento, dentro dos limites da plasticidade individual”, c) “os prejuízos do envelhecimento podem se minimizados pela ativação das capacidades de reserva para o desenvolvimento, dentro dos lmites da plasticidade individual. (NERI, 2005). Referências Bibliográficas DIMENSTEIN, G. (1998). Somos mais analfabetos de que imaginamos, Folha de São Paulo, Caderno Mundo . Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). JAMES, D.T.D. et al. (1997). Introducing older learners to information technology through life history writing. Educational Gerontology, 23:497-513. LAWHON T. et al. (1996). Senior adults and computers in the 1990s. Educational Gerontology, 22: 193-201. ERBOLATO, R. M. P. L. (1997). Psicologia escolar e estudantes de terceira idade: algumas questões sobre produção científica. Estudos de Psicologia, Campinas: PUC, 4 :11-27. LEAL, I. (2005). Tecnologia para uma vida melhor? Os direitos dos idosos e o uso dos serviços eletrônicos. (Trabalho de Conclusão de Curso de Serviço Social – Universidade de Taubaté). Taubaté, SP. MORRIS, J. Morgan. (1994). Computer training needs of older adults. Educational Gerontology, 29: 541-555. NERI, A L. (1990). Atitudes em relação à velhice: uma revisão de literatura – 3a parte, Estudos de Psicologia: Campinas: 7 ( 1). NERI, A L.; WAGNER, E.C. A e M.(1985). Opiniões de Pessoas de diferentes Faixas Etárias sobre a Velhice: um estudo exploratório. Estudos de Psicologia: Campinas: 2 ( 2 e 3). NERI, A.L. (1995). Psicologia do envelhecimento. Campinas: Papirus, SP. PEREIRA, E. T. (2009). A terceira idade na universidade aberta: navegando, buscando , aprendendo em um mar sem fim. (Tese de Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). São Paulo, SP. SA, M. A. A. dos S.(1999). O idoso e o computador: condições facilitadoras e dificultadoras para o aprendizado. (Dissertação de Mestrado em Educação: Psicologia da Educação – PUCSP), SP. Trabalho apresentado no III Congresso Ibero-americano de Psicogerontologia, sendo de total responsabilidade de seu(s) autor(es). SALGADO, M. A. (1982). Velhice, uma Nova Questão Social. Biblioteca Científica do SESC. SP. TAVARES FILHO, J. P. (2003) A interação do idoso com os caixas de Autoatendimento bancário. (Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção Universidade Federal de Santa Catarina). Florianópolis, SC. Mini-currículo Doutora em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004), Mestre em Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999) e graduada em Serviço Social pela Universidade de Taubaté (1974). Como assistente social atuou nas áreas da assistência social, educação e saúde. Atualmente, é professora assistente doutor na Universidade de Taubaté, com inserção na graduação e na pós-graduação (lato sensu) em Serviço Social, sendo responsável pelas disciplinas Política Social e Metodologia do Trabalho Científico e Didática do Ensino Superior, respectivamente. Ministrou aulas de planejamento social, pesquisa social e supervisão acadêmica no Curso de Serviço Social e de Metodologia Científica no Curso de Direito. Orienta trabalhos de conclusão de curso desde 1998. Participou em bancas de Mestrado em Programas de Pós-graduação em Psicologia da Educação e em Fonoaudiologia, em razão de seu trabalho e estudo sobre o envelhecimento. Como coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Envelhecimento (NEPENV), desenvolve pesquisas sobre política social do idoso, envelhecimento vital e envelhecimento profissional.