A Desconformidade na
Compra e Venda de Bens
de Consumo
Hierarquia de Remédios?
Eduardo Sáragga Leal – 16 de Novembro
Introdução
Plano do Trabalho:
1.
O Princípio da Conformidade
2.
A Desconformidade e os remédios
Diplomas Legais:
1.
Código Civil
2.
Convenção de Viena de 1980 (sobre os contratos de compra e venda
internacional de mercadorias)
3.
Directiva 1999/44/CE
4.
O Decreto-Lei 67/2003 e o Decreto-Lei 84/2008.
1.

A conformidade – Código Civil
O princípio do Cumprimento Pontual – O paradoxo
(arts.406º e 837º C.C.)

Venda de Coisa Específica
Venda de Coisa Genérica ou
Futura

1. Incumprimento da obrigação
de entrega – Submetida às
regras do incumprimento.
(798º e ss.).
1. Incumprimento da obrigação
de entrega – Submetida às
regras do incumprimento.
(798º e ss. ex vi art. 918º).
2. O “cumprimento defeituoso”
(905º ex vi 913º) – Submetido
ao regime geral do erro.
2. O “cumprimento defeituoso”
(798º e ss. ex vi 918º) Submetido às regras do
incumprimento.
Razão de ser da Diferença de Regimes

A Teoria do Erro de Zitelman (Galvão Telles):

Na obrigação de prestar coisa determinada, a vontade jurídico negocial
abrange apenas a prestação dessa coisa determinada – não se estendendo às
qualidades da coisa.

Uma vez escolhida a coisa ela entra dentro do acordo negocial como “este
objecto”.

Contudo, sendo vendida a coisa especifica constante do contrato, com as
qualidades que na realidade ela tem, mas sem as qualidades que tinham
levado o comprador a comprar a coisa, deve-lhe ser possível anular o
contrato com base no erro que o levou a contratar.
Os efeitos da sujeição do cumprimento defeituoso
ao regime geral do erro

O comprador tem que demonstrar que houve um erro (essencial) seu.

O vendedor só é responsável se se demonstrasse que este conhecia ou devia
conhecer os defeitos da coisa.

A responsabilidade do vendedor estava dependente de culpa sua
relativamente ao defeito da prestação (caveat emptor – o comprador tinha o
ónus de verificar as qualidades e idoneidade da coisa antes da compra).
Crítica do regime de venda de coisas defeituosas

A não conformidade não é um problema da fase estipulativa do negócio, mas
sim um problema da fase de cumprimento do negócio.

Baptista Machado: “bem pode a relevância do vício da coisa estar na
dependência da verificação de um erro e não ser o erro o verdadeiro
fundamento da anulação do negócio”.

São os vícios ou as faltas de qualidade da coisa que constituem o verdadeiro
fundamento de “anulação” do negócio.

O fundamento de “anulação” do negócio cumprido defeituosamente é a falta
de cumprimento da obrigação de entrega da coisa com as qualidades
convencionadas no acordo negocial (princípio do cumprimento pontual).
2.
A Conformidade – Na directiva

Precedentes da Directiva: A Convenção de Viena de 1980 e os esforços de unificação
do direito internacional de compra e venda.

Concepção ampla e unitária do cumprimento, requisitos: a entrega e a conformidade.

Prescinde-se da distinção entre venda de coisa específica e venda de coisa genérica e da
distinção entre venda de coisa diferente e venda de coisa com defeitos.

Prescinde-se do requisito da culpa como fundamento das obrigações do vendedor.

Protecção do comprador: recai sobre o vendedor o risco dos defeitos da coisa.
Requisitos de Conformidade
Código Civil.
(913º e 918º)

A Coisa deve ter:
1.
As qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina;
2.
As qualidades asseguradas pelo vendedor;
3.
Amostra apresentada pelo vendedor como padrão de qualidade.
Requisitos de Conformidade
na Directiva.
(art. 2º)

A coisa deve ser conforme com o contrato (o principal critério de aferição da
conformidade passa a ser aquilo que consta do acordo das partes).

Presunções/Critérios de Conformidade (remissão):
1.
Os bens devem ser conformes com as descrições que deles é feita pelo vendedor;
Os bens devem ter correspondência com a amostra ou modelo apresentados pelo
vendedor;
Os bens têm de ser adequados às finalidades do comprador (trazidas para o acordo
negocial);
Os bens devem ter as qualidades e uso dos bens do mesmo tipo;
Os bens devem ser conformes com a publicidade feita quer pelo vendedor quer
pelo produtor.
2.
3.
4.
5.
Importância da Garantia de Conformidade
(A Ruptura Dogmática)

Ideia de Incumprimento: deixa de fazer sentido falar em “cumprimento”
(defeituoso);

O ónus de verificar a conformidade da coisa passa a caber ao vendedor e não
ao comprador;

Cabe ao vendedor o ónus da prova do cumprimento da obrigação de garantia;
Momento de aferição da Conformidade

O momento relevante para a aferição da conformidade passa a ser o momento de
entrega dos bens e não o momento da conclusão do negócio jurídico (882º e 918º
C.C.);

O vendedor presume-se responsável pela falta da conformidade dos bens por um
período de 2 anos a contar da entrega do bem móvel (ou de 5 anos no caso de bens
imóveis – DL 67/2003);

Divergência Doutrinária - Risco:
1. Existe uma alteração quanto às regras do risco?
2. Luis Menezes Leitão: O risco de deterioração do bem corre por conta do vendedor;
3. Calvão da Silva: A Directiva não importa uma alteração quanto às regras sobre o
risco, o risco de deterioração corre por conta do comprador.
3.
Direitos do Comprador em caso de
Desconformidade dos Bens
No Código Civil (art. 905º ex vi 913º)

Direito de Anulação:
Erro  Exige-se a essencialidade do erro e a cognoscibilidade dessa essencialidade
para o declaratário (215º e 247º); Indemnização requer o conhecimento dos
defeitos por parte do vendedor e está limitada aos danos emergentes do
contrato (909º);
Dolo do Vendedor  É necessário que o Dolo tenha sido determinante da
vontade do declarante (254º nº1); Indemnização limitada aos prejuízos que o
vendedor não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada
(interesse contratual negativo – 908º).
Nota: Só serão analisados os remédios em caso de desconformidade na venda de bens específicos,
visto que o regime seria diferente no caso de venda de bens genéricos ou futuros, como tivemos a
oportunidade de o dizer.
3.
Direitos – Continuação
No Código Civil (art. 914º)

Reparação e Substituição:
Fundamento  Garantia Edílica: O vendedor garante tacitamente a
inexistência de defeitos da coisa vendida.
Requisito  O vendedor não é obrigado a reparar ou a substituir o bem se o
comprador conhecesse ou devesse conhecer os defeitos (cabe ao vendedor o
ónus de examinar a coisa para saber se tem defeitos).
Subsidiariedade  Primazia da solução reparação sobre a solução substituição
do bem.
3.
Direitos – Continuação
No Código Civil (art. 911º)

Redução do Preço:
Requisito  Prova de que o vendedor teria igualmente adquirido o bem desconforme
caso este tivesse um preço mais baixo.
Direito do Vendedor  A redução do preço aparece configurada como um direito
potestativo do vendedor colocado em face de um pedido de anulação do contrato.
Direito do Comprador?  Contudo, parece-nos que o comprador pode exigir à
partida a redução do preço.
A) Elemento Literal: o art. 911º fala num “direito à redução do preço”;
B) Elemento Teleológico: princípio da conservação dos negócios jurídicos (favor negotii).
Hierarquia de Remédios
No Código Civil

Princípio da Boa Fé: O vendedor tem como contra-direito a figura do Abuso de
Direito – art. 334º.

Substituição vs. Reparação: O remédio reparação tem preferência sobre o remédio
substituição – art. 914º.


Princípio da Proporcionalidade:
O comprador não poderá optar pelos remédios reparação ou substituição se estes se
demonstrarem demasiado onerosos para o vendedor – arts. 566º/1, 829º/2; 1221º/2.
A resolução não pode ter lugar se a falta de conformidade for menor ou insignificante.

Resolução/Anulação: Depende da possibilidade da redução do preço.

Hierarquia: Reparação  Substituição  Redução do Preço  Resolução

Direitos do Comprador em caso de
Desconformidade dos Bens
Na Directiva 1999/44/CE

Direitos: Reparação, Substituição, Redução do Preço e Resolução.

Responsabilidade Objectiva: O vendedor responde independentemente de
culpa pela desconformidade dos bens.

Presunção de Desconformidade: O vendedor responde por qualquer falta
de conformidade que apareça no prazo de 2 anos a contar da entrega do bem.

Indemnização: A indemnização não está regulada, a Directiva deixa a
regulação do direito de indemnização aos Direitos Nacionais.
Hierarquia de Remédios
Na Directiva

Hierarquia de Direitos: 1º Reparação/Substituição;
2º Redução/Resolução (art. 5º/3).

Reparação/Substituição  Escolha Electiva dos Consumidores.

2 Grupos de Direitos: 1º grupo “faz valer o contrato” o 2º liquida o
contrato.

Favor Negotii: Têm prioridade as soluções que conservem o negócio
jurídico.

Resolução: Está limitada aos casos que revistam um mínimo de gravidade.
Hierarquia de Remédios
No DL-67/2003, actualizado pelo DL-84/2008

Direitos: 1) Reparação, 2) Substituição, 3) Redução e 4) Resolução (art. 4º/1)

Hierarquia: “O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos (…) salvo se
tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito” – art. 4º/5.

Transposição: O legislador português ignorou a hierarquia de direitos estabelecida na
Directiva.

Abuso de Direito: Remissão redundante – princípio geral que se aplica em todo o
direito privado.

Violação da Directiva?: Objecto do direito do consumo não é apenas a protecção de
uma parte mais fraca – o consumidor.
Hierarquia de Remédios
A aplicação do DL-67/2003 pelos Tribunais

Lei 24/96, de 31 de Julho: Anterior à entrada em vigor do DL-67/2003, o art. 12º
reconhecia um concorrência electiva de pretensões que era atenuada pela
Jurisprudência com recurso à figura do abuso de Direito (na ausência de uma
hierarquia expressa).

Aplicação do DL-67/2003:

1º Decisões no sentido de não haver hierarquia.

2º Decisões no sentido de aplicar a hierarquia já anteriormente aplicada relativamente
ao C.C. e à Lei 24/96: 1) Reparação, 2) Substituição, 3) Redução e 4) Resolução.

3º Decisões no sentido de aplicar uma hierarquia igual à hierarquia estabelecida pela
Directiva.
Debate - Conclusão

Qual a melhor hierarquia sob o ponto de vista político?

O legislador português esteve bem ao ignorar a hierarquia estabelecida pela
Directiva?

Deve/Pode o DL-67/2003 dar uma protecção maior ao consumidor em
detrimento da posição do vendedor?

Como devem os tribunais decidir caso o consumidor pretenda à partida
escolher o remédio da resolução, sem dar oportunidade ao vendedor de
reparar ou substituir o bem?
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