PROCESSO PGT/CCR/ICP/N. 6433/2011
PRT 15a. REGIÃO
ÓRGÀO OFICIANTE: DRA. MARIA STELA GUIMARÃES DE MARTIN
INTERESSADO 1: MPT/PRT 15ª REGIÃO
INTERESSADO 2: BOLA PRA FRENTE - ONG
ASSUNTOS: Fraude à Relação do Trabalho (3.1.); Estágio (3.1.1.)
FRAUDE
Á
ENTIDADE
RELAÇÃO
DO
TRABALHO.
ESTÁGIO.
ASSISTENCIAL. O número de estagiários
mantidos pela entidade investigada ultrapassa em muito o
número
de
professores
contratados,
importando
em
descumprimento do art. 17 da Lei nº 11.788/2008, não sendo
justificativa para tanto o fato de a entidade desenvolver
trabalho sócio-educativo. Ademais, os autos são silentes
sobre o cumprimento das exigências contidas no art. 3º da
Lei, em especial, a do seu § 1º. Promoção de arquivamento
não homologada.
I – RELATÓRIO
Trata-se de inquérito civil instaurado em face da organização não
governamental Bola Pra Frente - ONG, qualificada como organização da
sociedade civil de interesse público pelo Ministério da Justiça (documento 1 do
Anexo 1), em razão de notícia de desvirtuamento do instituto do estágio, em
fraude à legislação trabalhista.
O Órgão oficiante arquivou o feito, aduzindo que, embora constatado nos
autos o descumprimento da Lei nº 11.788/2008, no tocante ao percentual
estipulado no art. 17, o trabalho sócio-educativo desenvolvido pela denunciada
justifica o procedimento (fls. 44/44v).
É, em síntese, o relatório.
II – VOTO
Em sua promoção de arquivamento, o Órgão oficiante concluiu nos
seguintes termos, verbis:
“Analisando os autos, podemos constatar que os Convênios firmados pela
inquirida com as Faculdades, estão descumprindo a Lei 11.788/2008, no tocante o
percentual de 20% estipulado no art. 17, pois conforme constou no relatório fiscal, existem
ao todo 81 professores nas Faculdades que firmaram Termo com a entidade Bola pra
Frente para 166 estagiários – quadro de fls. 32.
No entanto, considerando o trabalho sócio-educativo desenvolvido pela inquirida é
mantido pelos convênios com as faculdades; considerando que não provado que o
objetivo é baratear custo de mão-de-obra; considerando que o auditor fiscal apurou que o
trabalho do estagiário contribui para sua formação acadêmica e, por fim, considerando a
situação de violência que assola o país e o fato da existência de fonte de
ocupação/atividade para mais de 18.000 crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social, inobstante os convênios apresentem a irregularidade, por não
observarem o percentual correto entre número de professores/estagiários, entendo que o
trabalho sócio-educativo desenvolvido pela inquirida justifica o percentual apurado.” (fls.
44/44v)
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Cabe observar de início que o fato de a denunciada prestar trabalho sócioeducativo, oferecendo ocupação/atividade para mais de 18.000 crianças e
adolescentes
em
situação
de
vulnerabilidade
social
não
justifica
o
descumprimento de normas legais, em especial, daquelas relativas ao estágio,
considerando as peculiaridades inerentes à relação de trabalho específica,
voltada à complementação de ensino do estudante envolvido. Ainda mais quando
se está diante de uma entidade reconhecida pela autoridade competente como
organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), reconhecimento
este renovado na forma do art. 18, § 1º, da Lei específica, de nº 9.790/1999,
podendo ser destinatária de recursos públicos na forma prevista no Capítulo II da
lei. Frise-se que referida legislação prevê no art. 4º a exigência, entre outras, de a
entidade observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, economicidade e eficiência (inciso I).
Por outro lado, deve-se registrar a importância da atividade desenvolvida,
voltada para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, a
justificar uma atuação de qualidade e condizente com as exigências inerentes ao
segmento da população beneficiado.
Frise-se que, à parte o trabalho desenvolvido junto às crianças e
adolescentes, de responsabilidade, e a exigir cuidados especiais, de igual forma a
circunstância de a entidade oferecer complementação de ensino a estudantes do
curso superior de educação física, por meio do estágio, exige esforços e cuidados
especiais, haja vista a responsabilidade de lhe oferecer espaço e condições para
que tenham oportunidade de adquirir prática e experiência do conhecimento
teórico obtido na entidade de ensino superior a que se vincula. A prática exige
acompanhamento
e,
portanto,
a presença de professores formados,
empregados da entidade, que possam estar presentes no desempenho das
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atividades inerentes ao estágio, e exercerem a supervisão necessária do
aprendizado. O número excessivo de estagiários dificulta esta supervisão, sequer
demonstrada nos presentes autos.
A promoção de arquivamento nada diz a respeito, apenas levou em
consideração o fato de o número de estagiários ultrapassar em muito o de
empregados, em descumprimento do art. 17 da Lei de Estágio, nº 11.788/2008.
Entendeu irregular a situação, mas a relevou, considerando o trabalho sócioeducativo prestado. Não adentrou nas exigências legais, cujo cumprimento não
restou demonstrado pela instituição investigada com a documentação juntada, o
que se impunha, para então dizer legítima a relação de trabalho mantida pela
entidade com os estagiários contratados.
Não
é
demais
lembrar
que
estágio
“é
ato
educativo
escolar
supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à
preparação para
o trabalho produtivo de
educandos que
estejam
freqüentando o ensino regular” (art. 1º da Lei nº 11.788/2008). Nesse sentido,
as exigências contidas no art. 3º, das quais destacamos a freqüência escolar, a
compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas
no termo de compromisso e a supervisão, pela entidade de ensino por professor
para tanto destacado, e pela parte concedente, por pessoa do seu quadro de
pessoal.
Nada a respeito é demonstrado, uma vez que a instituição se limitou a
juntar aos autos convênios firmados com entidades de ensino superior e termos
de compromisso firmados com o estagiário e a entidade de ensino a que se
vincula.
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Registre-se que o relatório da fiscalização trabalhista realizada na
denunciada (fl. 19) nada fala sobre a regularidade do estágio, apenas destaca o
descumprimento por esta do disposto no art. 17 da Lei sob enfoque.
Por fim, a relação estagiários/professores mantida pela denunciada, além
de irregular, denuncia sim forma de baratear o custo da mão-de-obra,
considerando-se os direitos trabalhistas inerentes ao contrato de trabalho,
inexistentes no caso. Por outro lado, a situação fragiliza o objetivo do estágio,
uma vez que, como exposto, dificulta, ou mesmo impossibilita, a necessária
supervisão do estágio, para que se garanta a complementação de ensino
buscada pelo estudante. Ademais, retira das atividades oferecidas pela entidade a
necessária qualidade, haja vista não somente os seus objetivos sociais, mas,
principalmente, o público a que estas se destinam.
Nessas condições, entendo que a investigação deve prosseguir para os
esclarecimentos devidos, razão por que não homologo o arquivamento do feito.
III – CONCLUSÃO
Deixo, no entanto, de aplicar o inciso II do § 4º do art. 10 da Resolução nº
69/70, devendo a designação atender às práticas da Regional.
Brasília, 10 de junho de 2011.
Eliane Araque dos Santos
Relatora
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