Cuidado com os maus estágios
Roberto Macedo*
Os estágios têm valor pedagógico inquestionável, mas apenas sob determinadas
condições, sem as quais o estudante pode até ser prejudicado, ainda que sem
necessariamente perceber o prejuízo. Essas condições estão, principalmente, na
natureza do trabalho a ser realizado, no local onde ocorrerá e no horário a ser
cumprido.
Quase sempre são condições fixadas por quem oferece o estágio, com o que só
resta ao candidato aceitá-las ou não. E, às vezes, só depois de iniciar a experiência,
pois muitos estagiários só sabem de suas atividades depois de iniciá-las.
A Natureza do Trabalho
O objetivo do estágio é aprender sobre a realidade da profissão escolhida. Muitos
empregadores inescrupulosos, porém, contratam estagiários não para oferecer-lhes
esse aprendizado, mas simplesmente como mão-de-obra barateada, pelo fato de
que na sua contratação não incidem encargos trabalhistas e previdenciários, exceto
um seguro de vida.
Com isso, há estágios cujas atividades nada têm a ver com o objetivo de
aprendizado na área de estudo. Essa distorção se manifesta de várias formas, como
no caso de estagiários que ficam a tirar cópias ou dos contratados para levar e
protocolar documentos em repartições públicas.
Às vezes, as tarefas podem ser simples, como as de pesquisar fontes, levantar
dados, realizar cálculos e preparar gráficos, mas seu propósito pedagógico é
preservado se o estagiário acompanha a utilização de seu trabalho na fase analítica
desenvolvida por seu chefe ou supervisor e é informado do que aí se passa. Enfim,
se dialoga com o profissional que usa o seu trabalho, aprendendo algo do que ele
faz.
O Local
Dependendo da distância entre trabalho, residência e escola, em particular numa
cidade como São Paulo, o tempo gasto no deslocamento entre esses três pontos
onde se dá o dia-a-dia do estagiário pode tornar contraproducente sua experiência
como tal.
Entre outras conseqüências, pode prejudicar o tempo destinado ao estudo fora da
escola, levar a atrasos na chegada a ela, levar a refeições apressadas e/ou de baixa
qualidade, além de todo o cansaço e estresse que vêm com os deslocamentos que
tomam muito tempo.
O Horário
É comum a exigência de uma jornada de oito horas por dia, a qual, para os
trabalhadores não estagiários, é conhecida como de “tempo integral”. Ora, como
compatibilizar essas oito horas de trabalho com mais quatro horas diárias na
escola, mais o tempo de deslocamento entre casa, estágio e escola, e o horário
indispensável para estudar e aprender o material do curso, de forma a alcançar
nele um bom desempenho? E para o lazer, nada?
Como compatibilizar tudo isso é dificílimo, alguma coisa acaba cedendo e,
freqüentemente, é o tempo de estudo fora da escola. Nessas condições, o
aproveitamento escolar usualmente é fraco, voltado apenas para passar de ano, e o
estagiário se ilude ao imaginar que o que interessa é apenas o diploma, valorizando
mais o estágio que o curso.
Essa é uma visão míope, pois, em geral, o bom aproveitamento abre maiores
perspectivas para o desenvolvimento na carreira, como nos casos em que é
valorizado pelos empregadores. Ou, quando, já formado, o profissional busca a
pós-graduação e o aproveitamento passado é um critério de seleção adotado pela
instituição de ensino.
Escolas que têm Regras
Essas distorções levaram algumas escolas a adotar regras restritivas aos estágios
de seus alunos, como sua realização apenas depois de um ou mais anos de curso,
além de jornada de quatro a seis horas diárias. Porém, correm o risco de verem
seus alunos discriminados como estagiários.
Assim, não há outra saída senão uma nova legislação voltada principalmente para
limitar em no máximo seis, conforme o curso, o número de horas diárias. O “tempo
integral” é hoje a maior dificuldade dos estagiários e esse limite à jornada diária
abrirá espaço para o tempo dedicado aos deslocamentos de um lugar para outro e
para o estudo com melhor aproveitamento.
*Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard
(EUA), é professor, consultor econômico e na área educacional, e autor do livro Seu
Diploma, Sua Prancha - Como Escolher a Profissão e Surfar no Mercado de Trabalho
(São Paulo: Saraiva, 1998). Esta coluna é publicada quinzenalmente neste
caderno.
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