A BUSCA DA RELAÇÃO ENTRE A MATEMÁTICA DOS
AGRICULTORES DE CALÇADO-PE E A MATEMÁTICA ESCOLAR
Maurílio Muniz Vilaça
UPE – Campus Garanhuns
Ernani Martins dos Santos
UPE/UFPE
[email protected]; [email protected]
RESUMO
Esta pesquisa está sendo realizada na esfera da iniciação científica. Muitos dos
jovens agricultores do município de Calçado-PE deixam de estudar para se
dedicarem exclusivamente a agricultura. Supomos que os principais motivos
para essa evasão escolar sejam o cansaço pela exaustiva jornada de trabalho e
a falta de significados nos conteúdos apresentados pela escola, principalmente
em Matemática. Este trabalho tem como objetivo principal, identificar a
Matemática utilizada pelos agricultores do município e levá-la para o meio
escolar com a finalidade de dar significado aos conteúdos matemáticos
apresentados nas escolas que trabalham com a educação de Jovens e Adultos.
Desta forma pretendemos reduzir a evasão escolar mostrando aos alunos e
agricultores que a Matemática do cotidiano do agricultor pode ser parceira da
Matemática Formal ensinada nas escolas.
Palavras-chave: agricultura; conhecimentos cotidianos; evasão escolar.
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Introdução
O município de Calçado está localizado no agreste meridional de Pernambuco, a 210
km de Recife, capital do estado. Sua sede está a 644 m acima do nível do mar, com uma
área total de 144,44 km2, onde 56,8 % estão destinados a uso agrícola. A população do
município é de 11.709 habitantes, onde 3.265 residem na zona urbana e 8.444 residem na
zona rural, que fazem deste, um município predominantemente rural e com uma economia
dependente da agricultura (IBGE, 2004). O feijão, a fava, o milho e a mandioca são os
principais produtos agrícolas, juntos correspondem a 94,5% de toda a riqueza gerada pela
agricultura, que é de R$ 3.948.000,00 (IBGE, 2004).
Aproximadamente 54% da população está ligada a atividades agropecuárias, a
grande maioria são agricultores e praticamente não freqüentaram a escola, cerca de 67,3%
da população nunca foi à escola ou tem no máximo sete anos de estudo. (IBGE, 2006).
O município tem apenas duas escolas que oferecem o ensino de 5ª a 8ª série, sendo
uma municipal e uma estadual, ambas situadas na zona urbana. Essa mesma escola
estadual é a única do município que oferece o ensino médio.
Muitos jovens deixam de estudar para se dedicarem exclusivamente ao trabalho. No
município de Calçado não é diferente, muitos dos jovens deixam de freqüentar a escola para
se dedicarem apenas à agricultura.
Como os pequenos e médios produtores utilizam técnicas agrícolas quase que em
sua totalidade artesanais, os jovens agricultores justificam suas desistências dos estudos
pelo cansaço da dura jornada de trabalho e por não encontrarem nenhum significado nos
conteúdos apresentados pela escola.
Sem conhecimento prévio, esses agricultores utilizam em seu cotidiano princípios
etnomatemáticos para resolverem problemas do seu dia-a-dia, problemas estes que estão
ligados a sua atividade agrícola e com uma Matemática não formal bastante evidente. Desta
forma, idealizou-se o presente estudo que investiga esta matemática cotidiana dos
agricultores, na tentativa de mostrar aos jovens, trabalhadores da agricultura de Calçado,
que os conteúdos matemáticos apresentados nas escolas são de grande importância para
suas vidas. Podemos enxergar a Matemática por diversas vezes no meio agrícola, seja nas
unidades de medidas utilizadas pelos agricultores ou nos cálculos desenvolvidos para
calcular a margem de lucro, a quantidade de adubo em determinada porção de terra, para
determinado produto que esteja sendo cultivado, dentre outras situações.
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Revisão Bibliográfica
Os primeiros passos na Matemática surgiram de situações-problema diárias,
necessidades encontradas pelo homem que “criava” soluções, como pequenos cálculos,
padronização para medições de terra, dentre outros. De acordo com a evolução do estilo de
vida do homem e de novas situações que se apresentavam as soluções foram lapidando-se,
assim se deu a evolução do conhecimento matemático, como posto por Boyer (1996) e Eves
(1995).
Partindo da História da Matemática, sabemos que o conhecimento é o resultado de
uma mistura de culturas que são igualmente importantes, influenciando umas as outras.
Dessa maneira, temos que todas as culturas possuem sua Ciência, melhor definindo, sua
Etnociência, que segundo D’Ambrósio (1994) designa o estudo dos fenômenos científicos e,
por extensão, tecnológicos numa relação direta com as formações sociais, econômicas e
culturais.
A Matemática apresentada na sala de aula geralmente obedece a uma ordem de
conteúdos que está entrelaçado a mesma que é apresenta no livro didático adotado,
mostrando a evolução do conhecimento matemático de maneira linear e “partida”. De
maneira geral, a Matemática apresentada nas escolas costuma seguir um modelo curricular
linear, importado da visão eurocêntrica apontada por Bicudo e Garnica (2003), onde
comumente o objetivo é a preparação para a vida universitária. Muitas vezes
desconsiderando o ambiente cultural do lugar.
A formação do aluno como cidadão hoje é uma das questões contempladas pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (Brasil, 1998). A preocupação dos
educadores em geral, é a de transformar a sala de aula em um ambiente que contribua para
essa formação.
A resistência do sistema educacional em adaptar os conteúdos matemáticos às
condições determinadas pela dinâmica cultural do lugar acaba distanciando o aluno da
escola.
O que se tem observado em relação ao aprendizado matemático nas escolas,
quanto ao entendimento do que se produz em Matemática, é que não há uma compreensão
dos conteúdos, só uma reprodução destes com o objetivo de “decorar” para passar na
prova. Não há um aprendizado real, o que acaba produzindo uma repulsa à disciplina, já
que não se vê uma utilidade no que está sendo aprendido. Essa constatação fica evidente
nos diversos trabalhos apresentados e publicados nos Encontros de Educação Matemática
realizados no Brasil, como o Encontro Nacional de Educação Matemática, por exemplo.
As aulas formais de matemática não favorecem o aluno a desenvolver relações entre
o mundo que o circunda e o leque de conhecimento que esta disciplina é capaz de
proporcionar. É preciso que o aluno reconheça que a matemática é usada para favorecer
seu processo cognitivo de modo a desenvolver seu raciocínio lógico. A Etnomatemática
procura mostrar a valorização do conhecimento do aluno, da sua cultura, do seu meio social
para uma aprendizagem significativa e crítica da matemática.
O pesquisador que melhor conseguiu enfatizar o Programa Etnomatemática,
considerado por muitos como “Pai da Etnomatemática” no Brasil, explica:
“... etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e,
portanto, inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e
símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai à direção de explicar, de conhecer, de entender;
e tica vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz de arte e de técnica. Assim,
poderíamos dizer que etnomatemática é a arte ou a técnica de explicar, de conhecer, de
entender nos diversos contextos culturais.” (D’AMBRÓSIO, 1998, p. 05).
Todos produzem alguma forma de conhecimento matemático, como mostram as
pesquisas Costa e Silva (2005); Esquincalha (2004); Bandeira & Morey (2002); Menezes et
ali (2004), dentre muitos outros. É claro que estes conhecimentos estão fortemente ligados
às práticas, vivências e às necessidades de cada um destes grupos em questão. O
cotidiano está impregnado de saberes e fazeres próprios da cultura. A todo instante os
indivíduos
estão
comparando,
classificando,
quantificando,
medindo,
explicando,
generalizando, inferindo e de algum modo avaliando, usando assim os instrumentos
materiais e intelectuais que são próprios à sua cultura.
As raízes culturais que compõem a sociedade são as mais variadas. A Matemática é
uma forma cultural, do ponto de vista da etnomatemática, que tem suas origens num modo
de trabalhar quantidades, medidas, formas e operações, características de um modo de
pensar, de raciocinar e de seguir uma lógica localizada num determinado sistema de
pensamento.
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Atividades em desenvolvimento
Na fase atual deste projeto estamos em campo, realizando a coleta de informações
através de questionários e observações sistemáticas. Estão sendo realizadas entrevistas
com agricultores do município de Calçado e demais pessoas ligadas ao meio rural,
estudantes e professores da EJA. Estamos fazendo a opção de gravar as entrevistas com
os agricultores, já que é possível que alguns sejam analfabetos ou semi-analfabetos.
Também há a possibilidades dos agricultores sentirem-se intimidados, devido ao seu grau
de instrução, com papel e caneta e com isso não responderem o questionário.
Posteriormente, iremos analisá-los e em seguida discutir com o grupo de pesquisa.
Durante esta coleta de informações, estamos observando o cotidiano de alguns
agricultores do município, desde o preparo da terra até a venda dos produtos cultivados,
observando o plantio, cultivo, colheita e armazenamento, e vamos buscar as possíveis
ligações entre esse cotidiano e a Matemática ensinada nas escolas, ou seja, a Matemática
formal. Um ponto a observar é o método utilizado para fazer as medições de terra. Com
isso, queremos saber como eles desenvolvem os cálculos para determinar a margem de
lucro, saber como eles calculam a quantidade de adubo necessária para determinada
porção de terra e para determinada cultura. Também serão realizadas entrevistas com os
agricultores do município e demais pessoas ligadas ao meio rural, estudantes e professores
da EJA, com a finalidade de entendermos as causas da evasão escolar e da reprovação em
Matemática. Supomos que para muitos agricultores o principal motivo para essa evasão
escolar é a falta de significados dos conteúdos matemáticos apresentados pela escola,
seguido do cansaço provocado pela exaustiva jornada de trabalho.
Posteriormente, pretendemos propor uma modelagem dos conteúdos matemáticos, a
partir dos dados levantados, de forma que estes conteúdos gerem algum interesse nos
agricultores e para que os mesmos percebam que a Matemática escolar está bem mais
próxima deles. Dessa forma, pretendemos mostrar que tanto a Matemática escolar pode se
fazer presente no cotidiano do agricultor como também a Matemática do cotidiano do
agricultor pode se fazer presente no meio escolar. Para isso contamos com a colaboração
dos professores e gestores das escolas do município.
Abaixo apresentamos um mapa do município de Calçado e sua abrangência na
região, na tentativa de situar a área que pretendemos atingir com a realização deste
trabalho de pesquisa.
Mapa do Agreste Meridional de Pernambuco
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Referências
BANDEIRA, Francisco de Assis & MOREY, Bernadete Barbosa. A matemática e a cultura de
hortaliças: Uma pesquisa em etnomatemática in: Anais do V EPEM (em CDROOM),
Garanhuns, 2002.
BICUDO, Maria Aparecida Viggiani & GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. Etnoargumentações: ultrapassando o panorama eurocêntrico in: Filosofia da Educação
Matemática. Belo Horizonte, Autêntica, 2003.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais de matemática. Brasília, MEC:SNEF, 1998.
BOYER, Carl B. História da matemática. São Paulo, Edgard Blucher, Segunda edição, 1996.
COSTA, Wanderleya Nara Gonçalves & SILVA, Evanisio da. Matemática do negro no Brasil
in: Scientific American Brasil. Edição Especial: Etnomatemática. São Paulo, Duetto, 2005.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. A Etnomatemática no processo de construção de uma escola
indígena. Em Aberto, Brasília, a. 14, n. 63, p. 92-99, jul./set. 1994.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1998.
ESQUINCALHA, Agnaldo C. Etnomatemática: Um estudo da evolução das idéias in: Anais
do VIII ENEM (em CDROOM), Recife, 2004.
IBGE, Produção Agrícola Municipal 2005; Malha municipal digital do Brasil: situação em
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Rio
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Disponível
em:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 10 set. 2007.
IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000 - Malha municipal digital do
Brasil:
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Disponível
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MENEZES, Josinalva Estácio et ali. A etnomatemática e os processos agroindustriais da
produção de açúcar e álcool numa usina in: Anais do VIII ENEM (em CDROOM), Recife,
2004.
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