A dignidade da pessoa humana consubstanciada pela boa fé objetiva e
o dever de informar nas negociações coletivas de trabalho
O Pós-positivismo jurídico trouxe uma mudança paradigmática ao reaproximar o
direito da justiça, dos valores, o que se irradia por todos os ramos do direito, mediante o uso
de cláusulas gerais e tornando a autonomia privada não um fim e si mesma, mas uma
efetivação dos valores éticos e morais.
A autonomia privada coletiva é a marca primordial do pluralismo jurídico no direito
do trabalho, vez que os grupos sociais trabalhistas, especificadamente os sindicatos ou
organizações sociais podem, mediante negociações coletivas, criar regras de direito e que
repercutem na esfera laborativa de seus representados e de trabalhadores da categoria, sendo
assim exercendo uma função democrática quando se torna um instrumento capaz de atribuir
melhores condições aos trabalhadores, sem a necessidade de se aguardar a iniciativa
legislativa para a edição de leis, fomentando, assim, o diálogo e a composição dos conflitos
coletivos do trabalho.
Reconhecimento constitucional dos acordos coletivos de trabalho faz com que seja
reconhecida a desnecessidade de as empresas de fazerem representar em uma negociação
coletiva exclusivamente por seus sindicatos respectivos. Observa-se, por outro lado, que a
prescindência do sindicato econômico restringe-se aos acordos coletivos, na medida em que é
medida em que é obrigatória a sua participação quando da formalização de uma convenção
coletiva de trabalho. Isto posto, a obrigatoriedade de participação dos sindicatos em uma
negociação coletiva é um mandamento constitucional direcionado à classe trabalhadora.
A negociação coletiva de trabalho não necessariamente põe fim aos conflitos de
interesses entre classe econômica e profissional, sendo mais prudente considerar-se que a
negociação coletiva bem sucedida, ou seja, aquela que originou uma convenção (ou acordo)
coletiva de trabalho, em verdade harmoniza transitoriamente esse conflito, ao estipular
melhores condições de trabalho.
O Sistema Jurídico é concebido não mais como sistema fechado, isolado da realidade
social, sendo, doravante, tomado como um sistema aberto aos influxos dos valores éticos e
morais, fazendo uso das cláusulas abertas ou gerais, porta de entrada para conceitos ligados à
eticidade. Ademais, a boa fé objetiva como princípio jurídico permite que no exercício de
interpretação e aplicação do direito sejam construídos todos os aspectos que circundam a
cláusula geral da boa fé, principalmente quando da produção de deveres jurídicos anexos,
como no caso do dever de informação que atua na negociação coletiva.
Dever de informar é correlato à relação obrigacional desde a sua origem até seu
propósito final, envolvendo as tratativas preliminares, bem como a fase pós contratual, tendo
como fundamento uma necessidade, qual seja, a discrepância no que diz respeito ao acesso e a
posse de determinadas informações, isto é, uma parte possui determinada informação e a
outra parte necessita da mesma.
No âmbito da negociação coletiva, ambas as partes precisam de informação para poder
negociar, na medida em que se torna complicado uma negociação clara sem que se possua a
informação pertinente. Com efeito, a elaboração da estratégia e o manejo de argumentos
racionais e lógicos, que tem como principal função permitir aos negociadores sustentar de
forma consistente suas posições exige que os mesmos, principalmente o sindicato
profissional, tenham domínio e conhecimento adequado dos temas e matérias objeto de
negociação, para as quais é vital a informação.
Dever de informação nas negociações coletivas significa que os sujeitos negociantes
prestarão, de forma recíproca, aquelas informações realmente necessárias à fundamentação de
suas propostas e respostas, na medida em que a negociação coletiva requer o pleno acesso,
por parte dos interlocutores, às informações que se encontram em poder da outra parte,
sobretudo em poder das empresas, conforme estipulado pelos artigos 620 e seguintes da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pelas Convenções 154 e 98 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
Esse dever possibilita uma negociação mais justa, consciente, que protege a saúde, a
integridade, a segurança da categoria de trabalhadores envolvida, e direciona para as
consequências econômicas que a relação de trabalho pode acarretar, isto é, melhores
condições de trabalho, com a certeza de que se faz a melhor negociação (em relação aos
termos consignados), e de que faria novamente, no futuro, efetivando assim a dignidade da
pessoa humana.
Assim, diante do acima exposto, infere-se que há a consubstanciação da dignidade da
pessoa humana pela boa fé objetiva nas negociações coletivas de trabalho quando se há o
correto agir dos negociantes ao informar seus reais interesses no momento da celebração dos
acordos e convenções coletivas de trabalho.
Bibliografia
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