JC Jornal do Comércio - Porto Alegre Terça-feira, 12 de agosto de 2014 JornaldaLei DIA DO ADVOGADO 3 U. DETTMAR/FOLHAPRESS/JC A ambiguidade dos dois lados da lei Manifestações populares de rua se espalharam por todo o Brasil Uma norma relevante como a Lei da Anistia porta mais de um significado. Partiu tanto da demanda dos perseguidos do regime político como de uma estratégia em curso para iniciar um processo de transição que garantisse a impunibilidade dos agentes desse mesmo regime. “Na época, o principal debate girava em torno da volta dos exilados e da devolução dos direitos políticos aos cassados. Hoje, a questão é outra: fala-se muito sobre a impunidade dos agentes da ditadura. Uma vez que o Senado estava repleto de representantes escolhidos pelo regime militar, a discussão se voltou, principalmente, nas exclusões. O esclarecimento e a punição dos crimes conexos ficaram em segundo plano”, relata Carla. Segundo a pesquisadora, ao mesmo tempo que existia um grupo que afirmava que todos, sem exceção, deveriam ser perdoados, outro bradava que crimes cometidos por agentes do Estado não deveriam ser inclusos na lei. “Ela acabou sendo aprovada daquela forma e o sentimento de vitória acabou sendo suficiente, na época, à medida que as pessoas retornavam da situação de exílio, mesmo que os agentes permanecessem protegidos.” Apesar de a criação das Comissões da Verdade terem feito com que o País voltasse os olhos para as lembranças da ditadura, para a professora, engana-se quem pensa que a punição desses agentes está próxima. “Falta muito para que isso aconteça. Quando a Comissão da Verdade foi No mês de junho de 1969, foi criada a máquina de repressão da ditadura: a Operação Bandeirantes. A estrutura de investigação e caça aos que se opunham com mais vigor ao regime teve origem em São Paulo, financiada por empresários, mas se espalhou por todo o País. A Oban foi o embrião do Destacamento de Operações de Informações (Doi), ligado ao Centro de Operações de Defesa Interna (Codi), o famoso Doi-Codi, que se caracterizou pela brutal violência aos subversivos, disseminando a prática da tortura como forma de se obter informações. A Operação atuou com vigor entre os anos de 1969 e 1975. Embaixador sequestrado FOLHAPRESS/JC Setembro de 1969 ficou marcado por uma das mais ousadas ações do movimento armado contra a ditadura. No dia 4 daquele mês, em uma ação articulada e executada pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e pela Ação Libertadora Nacional (ALN), o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick, foi capturado e mantido em cativeiro por quase três dias. Em troca da libertação, os militantes exigiram a soltura de 15 presos políticos. Em março de 1979, os metalúrgicos da região do ABC, em São Paulo, liderados por Luiz Inácio Lula da Silva, desencadeiam a primeira greve geral de uma categoria no Brasil desde que a ditadura foi instaurada. Costa e Silva foi afastado de suas funções em razão de problemas de saúde e, em 31 de agosto, uma junta militar assume o poder. Dois meses depois, o general Emílio Garrastazu Médici, gaúcho de Bagé, assume a presidência. A morte do inimigo nº 1 Em novembro de 1968, o governo militar declarou que o comunista Carlos Marighella, líder da ALN, era o inimigo número um do regime. No dia 4 de novembro do ano seguinte, o guerrilheiro foi assassinado em uma emboscada, em São Paulo. LEI DA ANISTIA O Congresso nacional aprova, em 22 de agosto de 1979, por 206 a 201 votos, a proposta de Lei da Anistia do governo. Diferentemente do projeto do MDB, de uma anistia ampla, geral e irrestrita, a lei aprovada é recíproca, parcial e restrita. Mesmo sem ser completa, a legislação é celebrada como uma conquista, na medida em que possibilita que exilados políticos, como Leonel Brizola, retornem ao País. U. DETTMAR/FOLHAPRESS/JC Metalúrgicos em greve 1979 O terceiro ditador No início de 1970, o decreto 1.077 instala a censura prévia à imprensa brasileira, sob o argumento de que não serão toleradas publicações “contrárias à moral e aos bons costumes”. Diversos jornais, da grande imprensa e alternativos, sofreram nas mãos dos censores. Para ocupar os espaços das matérias impedidas de serem publicadas, receitas culinárias e versos de Camões eram usados. 1981 1984 Na noite de 30 de abril de 1981, uma bomba explodiu dentro de um veículo no estacionamento do Riocentro, no Rio. O incidente matou um sargento do Exército e deixou um capitão ferido. O governo responsabilizou radicais de esquerda. O que ocorreu, porém, foi uma tentativa das alas linha-dura do governo de acirrar os ânimos entre o regime e os oposicionistas. Ficou provado, depois, que a ação planejava instalar duas bombas onde ocorria um show comemorativo ao Dia do Trabalhador. No dia 27 de novembro de 1983, 10 mil pessoas participam do primeiro comício pró-eleições diretas, em São Paulo. Em 16 de abril de 1984, 1,7 milhão se aglomeravam no Vale do Anhangabaú. Apesar da mobilização, a Câmara rejeitou, em 25 de abril, a emenda Dante de Oliveira, que definia eleições diretas para presidente. Para ser aprovada, a proposta precisaria de dois terços dos votos (320). Faltaram 22. Resultado da votação: 298 votos favoráveis, 65 contrários, três abstenções e 113 ausências. Riocentro Diretas Já Carlos Lamarca era capitão do Exército, e militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), quando desertou levando consigo 63 fuzis em janeiro de 1969. Ele instalou sua guerrilha na região do Vale do Ribeira, em São Paulo, mas, após um cerco dos militares ao local, conseguiu escapar. Pouco mais de um ano depois, já no MR-8, foi para a Bahia estabelecer uma base do grupo no sertão. Depois de fugir por 20 dias, percorrendo 300 km, Lamarca foi morto a tiros quando descansava à sombra de uma árvore. CÉLIO AZEVEDO/SENADO/DIVULGAÇÃO/JC Operação Bandeirantes O capitão desertor é executado 1970 1971 A imprensa na mira 1969 criada, houve, inclusive, uma insistência grande em afirmar que o órgão não teria prerrogativa para punir culpados, mesmo que seja óbvio que o objetivo da comissão era apenas o esclarecimento dos crimes”, argumenta. “Ainda existe uma grande divisão de opiniões. Há os que acreditam que seguir em busca de respostas não levará a nada. Outros acham que trazer a público o nome dos torturadores já é uma forma de punição. Há, também, aqueles que pensam que não importa que os acusados já estejam em idade avançada ou que os crimes estejam prescritos, eles precisam prestar contas com relação a isso.” Aos familiares das vítimas, resta o peso de ter que lidar com uma perda que pode jamais vir a ser esclarecida. Caso seja, há também uma questão de cunho individual: como perdoar um torturador que não admite o que fez e tampouco se arrepende do sofrimento que causou? Para a professora, não há como adivinhar como cada envolvido lidaria com essa situação. Entretanto, segundo ela, a valorização pública dessa experiência gera certo conforto, servindo como uma recompensa simbólica. “Aampla divulgação da história dessas famílias faz com que elas sejam mais facilmente comunicáveis, uma vez que há mais ouvidos atentos. Com boa vontade do Judiciário, há diversos caminhos a serem trilhados.Aavaliação de desaparecimentos como crimes continuados e a responsabilização civil dos torturadores são exemplos”, aponta. 1985 1972 Araguaia Em abril de 1972, o governo dá início ao combate ao grupo de guerrilheiros armados organizado pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que haviam alocado na região do entorno do rio Araguaia, no Norte do País. A Guerrilha do Araguaia resistiu às primeiras tentativas de desarticulação, mas acabou sucumbindo no terceiro avanço, entre o final de 1973 e meados de 1974. TEXTO: JULIANO TATSCH ARTE: JULIANO BRUNI O fim Mesmo com a derrota na Câmara, a mobilização em prol das eleições diretas deu resultados. Na eleição do colégio eleitoral de 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves (PMDB) foi eleito presidente, com 480 votos. Paulo Maluf, candidato pelo PDS, formado por parlamentares da extinta Arena, o partido governista, recebeu 180 votos. O Brasil tinha um mandatário civil 21 anos depois.