Análise da Sentença do Caso Araguaia frente aos critérios da Justiça de Transição no Brasil** Lorenzo Brunelli Casagrande*1 RESUMO: Entre os anos de 1972 e 1974, foi empreendido no Brasil um dos eventos mais cruéis de sua história. Em pleno período de maior repressão no país um grupo de jovens, integrantes do partido comunista do Brasil organiza um movimento de oposição armada ao regime militar, que se concentra no interior do país em uma áreas rural, próxima ao rio Araguaia. Este grupo foi eliminado pelo governo militar que realizou operções militares na região. Até hoje as informações sobre o ocorrido são desencontradas e não se sabe ao certo o que de fato ocorreu e qual é o paradeiro das vítimas, ou de seus restos mortais. O governo brasileiro reconheceu sua responsabilidade sobre o acontecido, porém em relação a informação e obtenção dos corpos destas vítimas nada mudou, e o sofrimento para suas famílias continua o mesmo. Devido a interpretação que se dá a Lei de anistia, aprovada durante o regime militar, ainda hoje o Brasil é o único país da região que não responsabilizou criminalmente os responsáveis por este extermínio e por outros atos considerados crimes de lesahumanidade ocorridos neste período. Estes atos são compreendidos entre os critérios da Justiça de transição que se dedica a analisar a construção de um Estados de direito em Estados que sofreram com regimes autoritários. Com isto a atuação de cortes regionais que visam garantir o cumprimento de normas internacionais de direitos humanos, tem atuado de maneira significante. É o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em novembro de 2010 condenou o Estado brasileiro, pela violação de responsabilidades assumidas ao firmar a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. O objetivo deste trabalho é traçar um paralelo entre, os principais conceitos da justiça de transição e a sentença da Corte Interamericana, a fim de se observar se os princípios da justiça de transição foram respeitados por este Tribunal ao proferir a sentença. Palavras Chave: Justiça de Transição; Direitos Humanos; Sistema interamericano de Proteção aos Direitos Humanos; Lei de Anistía; Ditadura Militar RESUMEN: Entre los años 1972 y 1974, se llevó a cabo en Brasil uno de los más crueles acontecimientos de su historia. En el período en que la represión atingió sus niveles más grandes en el país un grupo de jóvenes, miembros del Partido Comunista de Brasil organizo un movimiento de oposición armada contra el régimen militar, que se centró en el campo en un área rural cerca del río Araguaia. Este grupo fue eliminado por el gobierno militar que realizó varias operaciones militares en la región. Hasta ahora, las informaciones sobre el incidente son incompatibles y no hay certeza sobre lo que sucedió realmente y cuál fue el destino de las víctimas o sus restos mortales. El * Graduando do Curso de Relações Internacionais da UNIVALI. ** Artigo utilizado como Trabalho de Conclusão de Curso de Relações Internacionais gobierno brasileño ha reconocido su responsabilidad por lo sucedido, pero en relación a la información y al recogimiento de los cuerpos de las víctimas no ha cambiado, y el sufrimiento a sus familias sigue siendo el mismo. Debido a la interpretación que se ha hecho sobre la ley de amnistía, aprobada durante el régimen militar, hoy en día Brasil es el único país de la región a no culpar penalmente responsables de este asesinato y otros actos considerados crímenes de lesa humanidad ocurridos durante este período. Estos actos se incluyen entre los criterios de la justicia transicional que se dedica a analizar la construcción de un imperio de la ley en los estados que han sufrido los regímenes autoritarios. Con esto, la acción de los tribunales regionales para garantizar el cumplimiento de normas internacionales de derechos humanos, se ha vuelto una importante herramienta de protección actuado de una manera significativa por la protección de estos derechos. Esto se aplica a la Corte Interamericana de Derechos Humanos, que en noviembre de 2010 condenó al gobierno brasileño, por la violación de las responsabilidades asumidas en la firma de la Convención Interamericana de Derechos Humanos. El objetivo de este proyecto es trazar un paralelo entre los principales conceptos de la justicia transicional y la decisión de la Corte Interamericana, con el fin de observar el respeto a los principios de la justicia de transición al elaborar la sentencia. Palabras Clave: Justicia de Transición; Derechos Humanos; Sistema interamericano de Protección a los Derechos humanos; Ley de Amnistía; Dictadura Militar 1. INTRODUÇÃO Entre os anos de 1972 e 1974, foi empreendido no Brasil um dos atos mais cruéis da história recente do país. Em pleno período mais duro da repressão brasileira, os chamados “anos de chumbo”, fugindo da grande violência encontrada nas cidades promovidas pelos aparelhos repressivos do Estado, um grupo de jovens integrantes do PC do B composto por 70 pessoas, se instalou as margens do Rio Araguaia, onde hoje é a divisa entre os Estados do Tocantins e Pará. O objetivo deste grupo era instalar um foco de luta armada contra o regime. Esses jovens conviveram durante anos com os camponeses da região, em um convívio pacífico onde ensinavam a estes métodos de agricultura e de proteção a saúde. Em 1972 as atividades deste grupo, denominado de Guerrilha do Araguaia foram descobertas pelo Estado, que iniciou pesadas investidas armadas contra o grupo a fim de exterminá-lo. Essas ações foram realizadas ao longo de dois anos, sendo que a final de 1974 já não existia nenhum membro da Guerrilha na região. O Brasil é o único país da região sul que não realizou medidas de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pelo cometimento destes, e de outros crimes graves, considerados crimes de lesa-humanidade. Considerados itens fundamentais para o estabelecimento de uma justiça de transição completa, de um Estado autoritário, a um Estado democrático de Direito. Tendo em vista esta realidade, em que o país mesmo depois de seu retorno a democracia, não garante as famílias das vítimas seus direitos básicos como informação e justiça, Organizações Civis e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entraram com uma demanda contra o Estado brasileiro frente a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em novembro de 2010, a Corte condenou o Brasil pela violação de obrigações assumidas pelo Estado, quando da assinatura da Convenção Americana sobre direitos humanos. A Corte, ao pronunciar as suas sentenças leva em consideração os princípios contidos nos tratados de direitos humanos assinados pelo Estado no âmbito da Organização dos Estados Americanos. Ao se fazer a vigília quanto o cumprimento destes princípios, que geram no Estado signatário, obrigações para com seus cidadãos a Corte Interamericana cumpre grande papel na promoção dos direitos humanos no continente. O presente artigo tem por objetivo analisar a sentença proferida pela Corte frente aos princípios da Justiça de Transição. A fim de identificar, caso sejam cumpridas as disposições proferidas pela Corte, se Brasil conseguirá satisfazer as demandas de respeito aos direitos humanos das vítimas do regime militar, se adequando assim a uma realidade democrática e justa. 2. O QUE É A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO 2.1. A Justiça de Transição e a Evolução dos Direitos Humanos Um dos objetivos centrais da Organização das Nações Unidas (ONU) desde a sua criação sempre foi o estabelecimento de um sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Este sistema, conforme proposto no artigo 1.3 da Carta de São Francisco2, deveria promover e estimular o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem distinção por motivos de raça, sexo, idioma ou religião. O primeiro órgão encarregado do tema no âmbito das Nações Unidas foi a Comissão de direitos humanos, fundada em 1946 com o intuito de estabelecer a estrutura jurídica internacional que protege os direitos e liberdades fundamentais abrigados pelos tratados internacionais. Inicialmente o mandato da Comissão não lhe conferia autoridade para a 2 Carta da Organização das Nações Unidas, ou Carta de San Francisco, assinada em 26 de junho de 1945. emissão de qualquer opinião sobre denúncias de violações de direitos humanos que viesse a tomar conhecimento. Nesse período, porém, foram assinados importantes tratados internacionais que definiriam os direitos humanos e passariam a ser a base normativa internacional sobre o tema. Dentre estes tratados está a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948. Segundo José Augusto Lindgren Alves, estes direitos passaram a ter características de conteúdo jurídico e caráter obrigatório através da elaboração do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos3 (PDCP) e do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais4 (PDESC). Desde a criação dos Organismos acima mencionados, vários países já coincidiam quanto a necessidade do estabelecimento de mecanismos de controle, para garantir a implementação destes instrumentos. Isto ocorre em dois âmbitos distintos, um deles referente ao PIDCP, com a criação do Comitê dos Direitos Humanos. Por sua vez a Comissão recebeu do ECOSOC5 a recomendação para tratar de violações dos direitos humanos, especialmente sobre o caso do Apartheid na África do Sul, e em territórios de ocupação estrangeira. (ALVES, 1994) O conceito de Justiça de transição é difícil de definir uma vez que não há como estabelecer uma norma geral para ser cumprida pelos países, pois trata-se um conceito amplo e plural que adequa-se ao contexto histórico dos países que passam por esta situação. (DE BRITTO, 2009; MEZAROBA, 2009). Tampouco este é o objetivo deste estudo. O que se pretende é estabelecer alguns pontos em que estudiosos e pesquisadores coincidem e defendem, com base nas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como objetivos básicos a serem atingidos, entretanto, o método que os Estados devem adotar para a execução de tais fins cabem a cada um, de acordo com o tipo de regime que cada Estado sofreu. A justiça de transição tem como objeto de estudo justamente os métodos adotados pelos Estados e pela sociedade civil no intuito de agir em relação às violações de direitos humanos cometidas durante um regime de exceção, para que se possa construir um Estado democrático e reduzir ao mínimo a possibilidade de repetição deste tipo de regime e das atrocidades cometidas nele, com a finalidade de que este país possa viver em paz e com justiça. 3 Adotado pela XXI Sessão da Assembléia‐Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966. Adotado pela XXI Sessão da Assembléia‐Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. 5 Conselho Econômico e Social, órgão sob a qual a Comissão de Direitos Humanos está subordinada. 4 2.2. Contexto Histórico da Justiça de Transição Ao traçar um levantamento sobre a justiça de transição, ou justiça transicional, no mundo se pode observar suas primeiras atuações na Europa, no período pós II Guerra Mundial com o tribunal ad hoc de Nuremberg, que julgou integrantes do regime nazista responsáveis por cometer crimes contra a humanidade. Além de Nuremberg, ocorreram julgamentos na própria Alemanha e em outros países afetados pelo conflito. Logo, em uma segunda iniciativa ocorreu em países como Grécia, Portugal e Espanha, que tiveram de lidar com problemas internos como golpes de Estado e ditaduras militares. Ainda na Europa, na década de 90, houve um movimento nos países do Leste, como Hungria, Bulgária e Romênia, com o intuito de alterar algumas das medidas adotadas pelos regimes comunistas que ocuparam a região. (DE BRITO, 2009). Na África, onde houve, e ainda há muitos focos de guerras civis, sendo que muitos destes envolvendo conflitos étnicos. A atuação de organismos internacionais foi fundamental para implementação de políticas transicionais. Em alguns casos esta situação ocorreu com o próprio objetivo de “construção do Estado”, uma vez que a crença em instituições políticas e a própria noção de Estado eram muito fracas. (DE BRITO, 2009) Na América Latina estes movimentos se iniciaram em meados dos anos 80 início dos 90, com o fim dos regimes ditatoriais do continente. Porém a política adotada para a transição foi diferente em muitos destes países. Em se tratando de Justiça, houve julgamentos que partiram por iniciativa dos próprios governos, como caso da Argentina e da Bolívia. Ainda na Argentina e em outros países como Chile, Equador e Paraguai as iniciativas para execução dos julgamentos partiram de organizações de defesa dos direitos humanos ou por queixas de indivíduos. Ainda houve outro tipo de tratamento como o adotado por Brasil e Uruguai que estabeleceram anistias, tanto seletivas como gerais. (DE BRITO, 2009). Pode-se atestar desta maneira que a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o fim da guerra fria foram um marco no contexto da justiça de transição. Pois a partir do final da década de 80 as políticas de transição para a democracia passaram a se pautar pelas violações de direitos humanos e não mais por violações de justiça, desta maneira passando a ser foco de atenção do direito internacional dos direitos humanos e de seus tratados. (BASTOS JUNIOR e GUENKA CAMPOS,2009.) A concepção de justiça de transição pode ser compreendida, portanto, a partir de quatro pilares: o primeiro é a Justiça, que tem por escopo identificar, processar e punir os agressores; o segundo é a busca da verdade dos fatos ocorridos durante o regime autoritário; o terceiro consiste na reparação, entendida tanto como no sentido de indenização das vítimas, como no de criação de monumentos e museus registrando os fatos ocorridos, assim como em pedidos oficiais de perdão; e, por derradeiro, o quarto diz respeito a reformas institucionais e à criação de instituições comprometidas com o ideal democrático. ( BASTOS JUNIOR; GUENKA CAMPOS, 2010. Pg.297) 2.3. Conceito Paul Van Zyl, define a justiça de transição como o “esforço para construção da paz sustentável após um período de conflito, violência em massa ou violação sistemática dos direitos humanos”. (VAN ZYL, 2009 p.32.) Agregadas a esta definição os objetivos das políticas transicionais de buscarem a justiça, materializam-se da seguinte forma: 1) no fornecimento de reparações as vítimas dos regimes; 2) na revelação de crimes passados; 3) no processamento de perpetradores do regime, assim como, se necessário, 4) na reforma ou extinção de instituições que sirvam aos fins dos governos ditatoriais, visando promover a reconciliação dentro do Estado. Pode-se afirmar, portanto, que os objetivos da política de transição são na verdade deveres do Estado em garantir o respeito aos direitos de seus cidadãos. (VAN ZYL, 2009). Estes deveres podem ser qualificados como quatro princípios, ou quatro direitos que devem ser preservados em qualquer processo que envolva a justiça de transição, que são: a reforma das instituições para a democracia; o direito à memória e à verdade; o direito à reparação e por fim o direito ao igual tratamento legal e à justiça. (ABRÃO e BELLATTO, 2009) Flávia Piovesan afirma que: Ao direito a não ser submetido à tortura somam-se o direito à proteção judicial, o direito à verdade e o direito à prestação jurisdicional efetiva, na hipótese de violação de direitos humanos. Vale dizer, é dever do Estado investigar, processar, punir e reparar a prática da tortura, assegurando à vítima o direito à proteção judicial e a remédios efetivos. Também é dever do Estado assegurar o direito à verdade, em sua dupla dimensão -- individual e coletiva – em prol do direito da vítima e de seus familiares (o que compreende o direito ao luto) e em prol do direito da sociedade de construção da memória e identidade coletivas.(PIOVESAN, 2009. Pg.180) Na última década se observa um amplo crescimento do debate sobre políticas de transição, fato este corroborado pela ação de organismos como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Comitê dos Direitos Humanos que acabaram por formular padrões sobre as obrigações dos Estados, principalmente no que diz respeito ao enfrentamento de violações dos direitos humanos. Em 23 de agosto de 2004 a ONU apresentou um relatório sobre “o Estado de Direito e a Justiça de transição em sociedades em conflito ou pós-conflito”6 onde atenta para a necessidade do fortalecimento do Estado democrático de direito, articulando uma linguagem comum de justiça a todos. Ainda neste relatório as nações unidas definem a justiça de transição como: conjunto de processos e mecanismos associados às tentativas da sociedade em chegar a um acordo quanto ao grande legado de abusos cometidos no passado, a fim de assegurar que os responsáveis prestem conta de seus atos, que seja feita a justiça e se conquiste a reconciliação. (ONU, 2004)7 Somado a estas obrigações legais vinculantes como fator impulsionador para a justiça de transição, percebe-se o fortalecimento da democracia e dos direitos civis e políticos em sociedades antes não acostumadas a defesa destes valores. Estes valores, acima mencionados, formam os elementos-chave da justiça de transição. Como atentam Kathryn Sikkink e Carrie Booth Walling: o julgamento de violações de direitos humanos pode também contribuir para reforçar o Estado de Direito, como ocorreu na Argentina. (...) os cidadãos comuns passam a perceber o sistema legal como mais viável e legítimo se a lei é capaz de alcançar os mais poderosos antigos líderes do país, responsabilizando-os pelas violações de direitos humanos do passado. O mais relevante componente do Estado de Direito é a ideia de que ninguém está acima da lei. Desse modo, é difícil construir um Estado de Direito ignorando graves violações a direitos civis e políticos e fracassando ao responsabilizar agentes governamentais do passado e do presente. (...) Os mecanismos de justiça de transição não são apenas produto de idealistas que não compreendem a realidade política, mas instrumentos capazes de transformar a dinâmica de poder dos atores sociais. (SIKKINK, K.; WALLING, C.B. apud PIOVESAN, 2009. Pg. 185) 6 ONU. Relatório sobre o Estado de Direito e a Justiça de transição em sociedades em conflito ou pós‐ conflito, 2004. 7 Idem 6. Este estudo nos permite observar que o estabelecimento de uma política fundada na justiça de transição deve agir em vários âmbitos. Tanto no julgamento dos responsáveis por crimes contra os direitos humanos, como no estabelecimento de comissões de verdade, dando voz as vítimas do regime em programas de reparação que atuem no sentido de amparar quem sofreu e conscientizar aqueles que não viveram o período de terror. Estas são políticas complementares e devem coexistir para garantir uma maior abrangência em relação ao cumprimento de seus objetivos. Papel vital exerce a sociedade civil neste aspecto, como vigilantes para que estas políticas tenham metas concretas e não sejam meramente decorativas. (VAN ZYL, 2009). Mais uma vez parafraseando Sikkink e Booth a Justiça de transição está compreendida como, o direito à verdade, o direito à justiça, o direito à reparação e reformas institucionais (WALLING; BOOTH apud PIOVESAN, 2009) A seguir, se utiliza esta definição para esclarecer cada um dos pontos considerados fundamentais para a realização de uma Justiça de Transição completa. 3.4. Direito à Memória e à Verdade Para muitos estudiosos do tema da justiça de transição, a busca pelo esclarecimento dos fatos, e a apuração das circunstâncias envolvidas nas violações dos direitos humanos é vital. Para autores como Vannuchi, o esquecimento, designado por pactos de silêncio, é parte da estratégia de regimes autoritários, que através da manipulação de concessões mútuas buscam creditar certa parcela de benefícios aos perseguidos políticos (a ponto) de manter uma distância segura do passado brutal e afastar assim qualquer possibilidade de busca da verdade, garantindo inclusive que esta não se torne conhecida entre as próximas gerações. (VANNUCHI, 2009) Segundo Flávia Piovesan: O direito à verdade assegura o direito à construção da identidade, da história e da memória coletiva. Traduz o anseio civilizatório do conhecimento de graves fatos históricos atentatórios aos direitos humanos. Tal resgate histórico serve a um duplo propósito: assegurar o direito à memória das vítimas e confiar às gerações futuras a responsabilidade de prevenir a repetição de tais práticas. (PIOVESAN, 2009. Pg. 184-185) Evidencia-se neste sentido que a ação do Estado tem como propósito atingir dois âmbitos. O primeiro deles individual, dirigido a família das vítimas, pois tem como principal objetivo o esclarecimento dos fatos e circunstâncias em que seus entes queridos foram subtraídos, ou mesmo mortos. A busca por este tipo de informação é da maior importância para a família das vítimas, muitas delas ainda identificadas como desaparecidas, pois somente assim as famílias poderão encerrar um ciclo, e proceder com o seu devido direito ao luto e encerrar uma história que gera dor até os dias de hoje. A segunda dimensão de atuação do Estado na busca pela verdade é coletiva. No sentido de construção de uma identidade nacional. (PIOVESAN, 2009) Para Paul van Zyl, a conscientização a respeito da verdade sobre as violações de direitos humanos ocorridas e a formação de uma consciência coletiva nacional quanto a não justificação e ilegitimidade destes atos mostram-se imprescindíveis para a prevenção de sua repetição. Pois segundo ele ao se atestar uma versão oficial, reconhecida tanto pelas vítimas, quanto pelos responsáveis pelas violações, contribui-se para que as gerações vindouras estejam cientes da crueldade do passado e possam desta maneira evitar qualquer tentativa de retomada de tais práticas. (VAN ZYL, 2009) Porém, este processo não é simples. Não basta que se tenha acesso a verdade individual de pessoas ligadas aos regimes de exceção. É necessário que Estado elabore políticas voltadas ao conhecimento, e ao reconhecimento, do passado, para que através de um processo cultural se busque e se estabeleça uma verdade que contribua para a formação sólida de uma identidade nacional. (CIURLIZZA, 2009) Portanto para a construção de uma estabilidade democrática é imprescindível que se conheça a verdade sobre o passado de um país, para que seus erros sirvam como aprendizado, a fim de que se possa atuar no presente para estruturação de um futuro de paz. (BARBOSA; VANNUCHI, 2009) Neste sentido, afirma Paulo Sérgio Pinheiro: É extremamente difícil consolidar uma democracia política sem que se constitua um sistema sólido de responsabilidade, de responsabilização pública como política do Estado no presente, sem que também valha em relação ao passado. ( PINHEIRO, 2009. Pg. 15) Portanto, a fim de que se promovam a paz e a justiça, como direitos inerentes a todo o ser humano e resguardados nos tratados de direitos humanos, o resgate a memória e a verdade devem ser conjugadas com outras medidas também descritas no tema da justiça de transição. (BARBOSA; VANNUCHI, 2009) 2.5. Direito a Reparação O direito a reparação é parte da normativa internacional de proteção aos direitos humanos. Uma vez que os direitos fundamentais de um ser humano são desrespeitados, é premissa que esta pessoa receba uma indenização em relação a esta violação. No contexto da justiça transicional, onde a negligência é cometida pelo próprio estado, durante um regime excepcional, faz-se necessário que ao se reconstruir o Estado de Direito, sejam restabelecidos também, os direitos das vítimas deste regime. O direito a reparação nestes casos tem o propósito de corrigir erros do passado. Saliente-se que esse direito à reparação é consagrado no direito internacional, sendo indispensável à restauração da justiça e da confiança das vítimas no Estado e em suas instituições, bem como à superação das máculas deixadas pelos abusos aos direitos humanos. Assim sendo, “independentemente do sistema de justiça de transição que se adote e dos programas de reparação complementares, as demandas por justiça e paz requerem algum tipo de indenização às vítimas”.(ONU apud BASTOS JUNOR; GUENKA CAMPOS, 2009) Como bem ressaltado pelos autores anteriormente, a grande finalidade das políticas de reparação é garantir a reinserção das pessoas que foram marginalizadas a época do Estado autoritário, fazendo com que estas possam acreditar que o país, agora democrático, atribui ao Estado o papel de garantidor de seus direitos e não mais uma ferramenta de exclusão e ameaça. Para tanto é necessário, assim como observado em relação ao direito à memória e à verdade, que se adotem ações de cunho individual e coletivo, além de reparações de aspectos materiais e simbólicos. Como intera Paulo Abraão: As reparações simbólicas “representam uma série de ações orientadas a reconstruir a memória coletiva, o patrimônio histórico e cultural, a fim de restabelecer a dignidade da vítima e da comunidade afetada, recuperando os laços de confiança e solidariedade”21. São medidas adotadas que visam obter do Estado um gesto de arrependimento e de reconhecimento da ilicitude de seu ato e, ainda mais, da legitimidade do ato de resistência contra ele interposto quando passou a agir contrariamente às disposições legais ilegítimas. (ABRAÃO; CARLET; FRANTZ; FERREIRA; OLIVEIRA, 2009. Pg.120) Portanto parte-se da premissa que tão importante, ou mais ainda que a distribuição de compensações financeiras, é vital que o sentido de reparação seja com o intuito de se fazer justiça. Justiça com aqueles que resistiram a um regime opressor, e portanto, o reconhecimento destes atos por si só empregam-se como reparação para as famílias das vítimas, reintegrando-as de maneira honrosa em uma sociedade a que permaneceram excluídas por muito tempo.(ABRAÃO; CARLET; FRANTZ; FERREIRA; OLIVEIRA, 2009) Cabe, porém, a ressalva que as reparações financeiras devem atuar para sanar as perdas conseqüentes de abusos por parte do regime opressor, e agir como fator que possibilite as famílias das vítimas, ou as próprias vítimas, se posicionem com dignidade frente a sociedade. A reparação, portanto, deve ser realista de modo que não passe a ser outro motivo de exclusão ou de marginalização daqueles que a receberam como meio de enriquecimento. (VAN ZYL, 2009) 2.6. Direito ao Igual Tratamento Legal (Justiça) Como se vem reiterando ao longo deste estudo, a Justiça de transição se estabelece através de um conjunto de mecanismos. Estes são complementares uns aos outros e, portanto um país que realize um destes princípios sem prestar atenção aos outros estará descumprindo obrigações internacionais e não estará sanando por completo sua dívida com o seu passado nem com sua população. Este esclarecimento é necessário, pois o direito ao igual tratamento legal, classificado por alguns como direito a justiça, tem a mesma finalidade de reinserção a sociedade, e confiança no Estado como protetor e não como ameaça, por parte das vítimas de um regime opressor. Isto de deve porque o igual tratamento legal é um direito concebido no direito internacional dos direitos humanos, onde se especifica que todo ser humanos tem direito a garantias judiciais. Muito embora Mauro Capelletti tenha antecipado que o acesso à justiça deva ser entendido como “requisito fundamental – o mais básico dos direitos– de um sistema jurídico moderno e igualitário e que pretenda garantir e não apenas proclamar direitos”, ainda são recorrentes as abordagens que identificam no Poder Judiciário a centralização da garantia do acesso à justiça. (CAPELLETTI, apud ABRÃO; CARLET; FRANTZ; FERREIRA; OLIVEIRA, 2009) O igual tratamento no contexto da justiça de transição, significa que toda pessoa, tendo sido vítima de uma violação de direitos humanos, tem direito a buscar por meios jurídicos a responsabilização dos responsáveis e o reparo de seus danos, ainda mais tendo estes sido cometidos em um cenário de perseguição política e utilização do aparelho estatal para fins obscuros. Portanto quando se trata da transição de períodos de exceção para regimes democráticos, os julgamentos, muito mais do que garantias individuais, quanto a própria vítima ou família da vítima, pode atuar como um instrumento cultural e educacional no sentido de demonstrar a população a prioridade do Estado em proteger os direitos humanos como princípio básico deste.(FRISO, 2009) 2.7. Reformas Institucionais A transição de um regime autoritário, a um Estado de Direito, passa impreterivelmente pela adequação da estrutura institucional do país. É essencial que a organização do Estado democrático esteja de acordo com normas e princípios internacionais, principalmente no que diz respeito a proteção dos direitos humanos. Uma vez que o Estado autoritário tenha feito modificações no ordenamento interno a fim de manipular o sistema a sua mera vontade, para que este pudesse atuar em benefício de seus governantes, é forçoso que o país, para deixar pra trás este passado, expurgue de sua estrutura quaisquer práticas que possam vir a macular a nova proposta do Estado. Segundo Bastos Jr.: o mecanismo de reforma institucional, que, por sua vez, consiste em uma reforma legal, judicial, policial, penal e militar para impedir a repetição de violações dos direitos humanos e fomentar o Estado de direito.(BASTOS JUNIOR; GUENKA CAMPOS, 2009.Pg. 307) Desta maneira o que se pretende é o Estado perca completamente o seu caráter repressor, que ainda possa estar presente em seu ordenamento. (REMÍGIO, 2009) Sendo assim, para que se consolide o acesso à justiça é necessário que as instituições sejam apares com as premissas democráticas, inserindo toda a sociedade civil sob o manto dos direitos civis e da justiça. (ABRÃO; CARLET; FRANTZ; FERREIRA; OLIVEIRA, 2009) Após a análise dos critérios norteadores da justiça de transição, caberá neste momento apresentar a construção histórica dos direitos humanos no sistema interamericano de proteção, para demonstrara forte relação existente entre a consolidação da justiça de transição e a efetiva promoção dos Direitos humanos. 3. A OEA E A EVOLUÇÃO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS A OEA é uma organização internacional criada pelos Estados do continente americano. Foi criada em 1948, durante a Nona Conferência Internacional Americana, onde foi adotada a Carta da Organização dos Estados Americanos8. Na mesma data foi a provada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem9. A Organização entrou em vigor no ano de 195110. Dentre os propósitos da Organização estão a busca e manutenção da ordem de paz e justiça, bem como a promoção da solidariedade a defesa das soberanias dos Estados, de sua integridade territorial e sua independência11. Além disso, a Carta ainda proclama os direitos fundamentais da pessoa humana como princípio básico sob o qual se funda a Organização12. Desde que foi criada a OEA adotou um conjunto de instrumentos internacionais que acabaram por se converter na base normativa de um sistema regional de promoção e proteção dos direitos humanos. Para tal, ao serem reconhecidos estes direitos foram estabelecidas obrigações aos Estados para a promoção, bem como para a proteção dos mesmos. Como instrumentos regionais de promoção e proteção aos direitos humanos pode-se citar a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 3.1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos Durante a Quinta Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores realizado em Santiago do Chile em 1959, tendo em vista o fato de que “diversos instrumentos da OEA consagraram e reafirmaram que a liberdade a justiça e a paz têm como base o reconhecimento da dignidade intrínseca e dos direitos iguais e inalienáveis da pessoa humana”,13 decidiram por criar um projeto de convenção sobre direitos humanos e sobre a criação de uma Corte Interamericana de proteção dos Direitos Humanos e de outros organismos adequados para a tutela e a observância dos mesmos.14 Para tanto estabeleceu-se na Declaração de Santiago, de 1959 a criação de uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 8 Subscrita em Bogotá, 1948 e reformada pelo Protocolo de Buenos Aires em 1967, pelo Protocolo de Cartagena de Índias em 1985, pelo Protocolo de Washington em 1992 e pelo Protocolo de Manágua em 1993. 9 A Declaração é o primeiro instrumento internacional de direitos humanos de natureza geral. 10 Art. 140 da Carta dispõe: A presente Carta entrará em vigor entre os Estados que a ratificarem, quando dois terços dos Estados signatários tiverem depositado suas ratificações.[...] 11 Art.1 da Carta 12 Art. 3, “letra L” da Carta. 13 Documentos básicos em matéria de derechos humanos em el sistema interamericano. Actualizado a junio de 2010. OEA 14 Declaração de Santiago do Chile de 12 de agosto de 1959. Ata Final, pg. 4‐6 apud Documentos básicos em matéria de derechos humanos em el sistema interamericano. Actualizado a junio de 2010. OEA A CIDH tem como principal função promover a observância e a defesa dos direitos humanos nas Américas. Dentre as atribuições da Comissão está o recebimento, análise e investigação de denúncias ou petições de pessoas, grupos de pessoas ou organizações em que se alegam violações de direitos humanos, tanto de Estados membros que já ratificaram a Convenção. Além disso, cabe a Comissão elaborar recomendações aos Estados membros da OEA para que estes adotem medidas que contribuam para a proteção dos direitos humanos nos países do hemisfério. Ao longo da tramitação de um caso, a Comissão procura facilitar um acordo entre as partes para que cheguem a uma solução amigável. Caso este acordo não seja aceito por uma das partes e a Comissão entender que houve uma violação dos direitos humanos esta pode levar o caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Se o caso não puder ser levado a Corte por algum Estado não ter aceitado a cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, instrumento pelo qual os Estados reconhecem a jurisdição da Corte, a Comissão poderá publicar recomendações e conclusões no seu relatório anual. 3.2. Corte Interamericana de Direitos Humanos A Corte Interamericana de Direitos Humanos foi criada em 1969, junto com a assinatura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, porém só pôde ser estabelecida e organizada depois da entrada em vigor do tratado. Os primeiros juízes foram eleitos pelos Estados parte em maio de 1979. Os juízes da Corte são indicados pelos seus Estados dentre juristas da mais alta respeitabilidade e competência em matéria de direitos humanos. Dentre os indicados elegem-se sete para um mandato de seis anos, com possibilidade de reeleição uma única vez. A Corte é uma instituição autônoma cujo objetivo é a interpretação e aplicação da Convenção. Para isso a Corte acumula duas funções, uma delas consultiva e outra jurisdicional. Quanto a função jurisdicional, somente os Estados que reconheceram a competência da Corte15 estão autorizados a submeter à sua decisão casos relativos à interpretação ou à aplicação da Convenção. Este pré-requisito também se faz necessário para apresentar um caso contra um Estado membro. Quanto a função consultiva qualquer Estado membro pode consultar a Corte sobre a interpretação da Convenção ou de algum dos tratados relativos à proteção dos direitos humanos. A Corte também expressar-se sobre a compatibilidade 15 A 30 de junho de 2010, 21 Estados haviam reconhecido a competência contenciosa da Corte, dentre eles o Brasil. de normas internas destes Estados frente a normativa americana sobre os direitos humanos. 3.3. A Justiça de transição na Convenção Americana de Direitos Humanos Já em seus artigos iniciais, a Convenção Americana16 estipula que os Estados signatários devem adequar seus ordenamentos jurídicos internos, de modo que estes venham a garantir o cumprimento dos Direitos Humanos a todas as pessoas que estejam dentro de seus territórios. Em relação ao que especifica o art. 2º da Convenção17, bem como estipula o Direito Internacional Consuetudinário, é dever do Estado signatário ajustar seu ordenamento interno de modo que as disposições deste estejam de acordo com seus compromissos internacionais. O art. 2º ainda estabelece que o Estado não deve somente criar leis que estejam de acordo com os tratados internacionais firmados pelo mesmo, bem como derrogar quaisquer leis que sejam contrárias a este. Se tratando da Convenção Americana, o Estado deve garantir o respeito aos direitos humanos. Com estes dois artigos a Convenção, bem como a Corte IDH18 deixam especificado o seu repúdio a impunidade contra violadores dos direitos humanos. A Corte IDH define impunidade como “a falta em seu conjunto de investigação, persecução, captura, julgamento e condenação dos responsáveis das violações dos direitos protegidos pela Convenção Americana [...]”.19 A impunidade tratada pela Corte refere-se aquela em que o Estado atua como protetor dos agentes violadores dos direitos humanos através da cobertura pelo poder público, garantindo que estes não sejam levados a julgamento, muito menos investigados ou castigados. Esta atuação atenta gravemente contra os direitos humanos e contra a Convenção Americana, e é uma 16 Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ou Pacto de San Jose da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de 1969. Entrou em vigor em 1978. 17 O artigo 2. Da Convenção Americana dispõe:Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem‐se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades. 18 A Corte Interamericana de Direitos Humanos foi criada em 1978 com a entrada em vigor do Pacto de San José da Costa Rica. A jurisdição da Corte é válida somente para Estados que reconhecem sua competência. 19 OEA. Corte IDH. Caso da “Panel Blanca” (Paniagua Morales e outros) versus Guatemala. Mérito. Sentença de 08 de março de 1998. CIDH pratica freqüente se tratando dos resquícios das ditaduras na América Latina. Além de atentado contra as normas este tipo de comportamento do Estado torna-se um risco para toda a sociedade, pois envolve os violadores em uma espécie de redoma onde a lei não os alcança, o que acaba gerando a consciência da impunidade, e com isso possíveis repetições de tais crimes. 3.4. As violações e a questão da impunidade A questão da impunidade assume outras proporções quando se tratam de crimes considerados de lesa-humanidade, que são os considerados de maior gravidade contra os direitos humanos. Segundo Nikken, “trata-se de atentados que se contrapõem a uma proibição absoluta e que ofendem em tal grau a consciência universal que sua punição é obrigatória.” (NIKKEN, 2009. Pg.262). A corte estabelece como crimes deste caráter a tortura e o desaparecimento forçado, bem como reafirma o dever do Estado, no caso da existência destas violações, de investigar e punir os responsáveis. No mesmo sentido de combate a impunidade surge no Sistema Interamericano à questão do direito a verdade, ainda que não esteja presente no texto da Convenção, a Corte afirma que, “o direito à verdade está incluído no direito da vítima ou seus familiares a obter dos órgãos competentes do Estado o esclarecimento dos fatos violadores e as responsabilidades correspondentes, através da investigação e o julgamento previstos nos artigos 820 e 2521 da Convenção.”22. Já o Escritório do Alto Comissariado de Direitos Humanos23 no ano de 2007 preparou um relatório sobre o direito a verdade onde afirma que, “o direito à verdade é um direito individual que presta assistência tanto às vítimas como a seus familiares, porém também tem uma dimensão coletiva e social” (ONU, parágrafo 83, 2004). Esta dimensão coletiva e social ocorre no sentido de reencontro do Estado com a sociedade civil, através de uma relação 20 O artigo 8. 1 da Convenção Americana dispõe: Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 21 O artigo 25.1 da convenção Americana dispõe:Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 22 Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14 de março de 2001. CIDH 23 Principal órgão encarregado do tema no âmbito das nações unidas. de confiança. A partir do momento que o próprio Estado julga seus agentes, demonstra as prioridades de suas políticas, sendo neste caso o cidadão que tem seus direitos violados, parte essencial na reaproximação e reunião nacional. Porém o que ocorre muitas vezes é a busca pelo não enfrentamento com o passado, sob as mais variadas alegações, muitas delas de caráter jurídico, que tentam desclassificar a responsabilização destes criminosos alegando que ao fazê-lo, o Estado estaria infringindo normas jurídicas internas. Nesse sentido, é motivo de grande atenção do sistema interamericano a prática das anistias. Na região da América do Sul, marcada por ditaduras durante a década de 70, essa prática se tornou comum, porém sob a manipulação dos governos autoritários que faziam desta uma maneira de proteção quanto a possíveis punições futuras. A seguir se apresentará o conceito de anistia e a maneira que esta prática vem sendo tratada na sistema interamericano. 3.5. Conceito de Anistia O conceito de anistia não é unanimidade entre os pesquisadores e estudiosos do tema, se adotará o conceito utilizado por Swensson Junior, que define anistia como: atos legislativos do Poder Público que extinguem as conseqüências punitivas de uma condenação penal total ou parcialmente; que declaram a impossibilidade de se aplicar no futuro ou de continuar sendo aplicada a sanção penal para determinados casos ou então são atos que diminuem a intensidade da sanção. (SWENSSON, 2010) Ainda segundo Swensson, este dispositivo legal é encontrado hoje em quase todas as Convenções do mundo. A anistia não é uma ação benevolente do Estado, mas sim um acordo que serve a uma finalidade, este acordo é, portanto, o desfecho de uma negociação entre o Estado e parte da sociedade civil interessada nesta prática, que estabelece a renúncia à imposição de sanções ou nulifica as que já tenham sido declaradas. Além disso, impede a própria investigação dos crimes que tenham sido anistiados. O problema encontrado na questão da anistia é quando esta é manipulada por governos autoritários, a fim de eximirem da culpa pelo cometimento de crimes contra a humanidade. Tendo em conta este fato, a Corte Interamericana, tem atentado em sua jurisprudência estes fatos, a fim de demonstrar os casos em que as anistia atua como uma continuação dos crimes, ao menos no sentido da injustiça cometida com a família das vítimas dos desaparecidos políticos. Neste sentido se explica o que é chamado pela Corte de autoanistias, que é descrito a seguir. 3.6. A questão das Autoanistias Algumas destas tentativas de fuga de atribuição de responsabilidade se dão através de anistias e alegação de prescrição dos crimes cometidos. Quanto a estes trâmites legais a Corte ressalta muito bem em sua jurisprudência que os crimes considerados de lesa-humanidade são considerados normas de ius cogens24 e que portanto “estas instituições jurídicas não são aplicáveis às violações mais graves dos direitos humanos”.(NIKKEN,Pedro. 2009. Pg.267). Justamente pelo fato de muitos crimes cometidos na época das ditaduras latino-americanas assumirem o caráter de crimes de lesa-humanidade, pois foram cometidos em um contexto em que se fazia o uso do aparelho estatal para perseguir membros da sociedade civil considerados uma ameaça ao governo vigente, as alegações levantadas como impedimento a responsabilização dos atores destes delitos não é aplicável. Neste mesmo sentido a Corte faz referência ao modelo de anistias que foi praticado na América Latina nos anos 80, quando muitos países do continente transigiram de um governo ditatorial para a democracia, onde os governantes da época fizeram uso de seu poder para deturpar o instrumento da anistia, e para usá-la de maneira a se eximirem contra possíveis acusações pelos crimes cometidos por membros de seus governos, ou até mesmo pelos próprios governantes. A este modelo a Corte dá o nome de autoanistias. Porém contra este tipo de prática a Corte estabeleceu, no caso Barrios Altos que: São inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e a punição dos responsáveis das violações graves dos direitos humanos tais como a tortura, as execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todas proibidas por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos”.25 (OEA. Corte IDH.Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença 14 de março de2001. ) 24 Segundo a Convenção de Viena, art. 53 [...]uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza 25 OEA. Corte IDH. Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14 de março de 2001. Ainda na mesma sentença a Corte estabeleceu que as autoanistias “deixam as vítimas indefesas e conduzem à perpetuação da impunidade, o que as torna manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito da Convenção Americana”. E como dever do Estado contra este tipo de dispositivo a Corte reiterou no caso Almonacid Arellano que é dever do Estado: assegurar que não sigam representando um obstáculo para a investigação da execução extrajudicial [a vítima] e para a identificação e, neste caso, punição dos responsáveis, e II) assegurar que o decreto Lei nº2.191 [anistia] não siga representando um obstáculo para a investigação, julgamento e, neste caso, punição dos responsáveis de outras violações similares 26 Uma vez elaboradas as sentenças da Corte em que caracterizavam as autoanistias como incompatíveis com a Convenção Americana, aqueles Estados que sofriam com o problema e tinham intuito de prestar contas para com seus cidadãos e suas obrigações internacionais, possuíam respaldo jurídico para fazê-lo. Foi o caso da Argentina, que através de sua Suprema Corte derrogou as leis de Obediência Debida27 e de Punto Final28 baseando-se na jurisprudência da Corte IDH. Quanto a alegação de prescritibilidade alegada por alguns em sua defesa a Corte volta a afirmar, que se tratando de crimes de lesa-humanidade, os obstáculos jurídicos internos para a não investigação e possível punição não são aplicáveis. (NIKKEN, 2009). 3.7. O princípio da irretroatividade da Lei e o caso brasileiro Outro argumento que merece destaque, no que diz respeito à aplicação das normas da Convenção para crimes cometidos na época das ditaduras militares latinoamericanas é quanto a aplicação das normas em relação ao período de tempo em que estas foram assinadas e ratificadas pelos Estados membros. Trata-se do princípio da 26 OEA. Corte IDH. Caso Almonacid Arellano e outros versus Chile. Exceções Preliminares, Reparações e Custas. Sentença de 26 de setembro de 2006. CIDH 27 Lei de anistia Argentina promulgada em 1987, durante o governo de Raúl Alfonsín que classificava os militares como ininputáveis perante a Justiça. 28 Lei de anistia Argentina promulgada em 1986, durante a presidência de Raúl Alfonsín, que impedia o julgamento de militares acusados de crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar argentina. irretroatividade, vigente no art. 28 da Convenção de Viena29 sobre o direito dos tratados, que estabelece que uma norma de direito internacional só passa a ter validade para fatos ocorridos após a ratificação de um tratado. É dizer, o alcance das normas estabelecidas em um tratado internacional, como é o caso da Convenção Americana de Direitos Humanos, só passa a ter validade para o Brasil após 1992, quando foi ratificada pelo mesmo. Sendo assim, os crimes cometidos na época da ditadura militar brasileira, que durou de 1964 até 1985, não poderiam ser julgados sob estes parâmetros. Porém, de acordo com a jurisprudência da Corte, este fato não exime os autores de alguns crimes cometidos a época do regime militar de assumir suas responsabilidades é o caso, por exemplo, dos crimes de desaparecimento forçado, onde até os dias de hoje as famílias das vítimas não sabem a sorte nem mesmo o paradeiro de seus familiares. Outro crime que não escapa a jurisdição da Corte é o de ocultação de cadáver, para os casos em que a vítima tenha sido executada por membros de regime e tenha tido seus restos mortais escondidos e que estejam até hoje desaparecidos. Estes crimes são passíveis de interpretação sob os termos da Convenção, pois produzem efeito que vai além da data de cometimento dos crimes, e portanto ultrapassam a data de entrada em vigor da Convenção, e com isso pode ser julgado de acordo com a mesma. (NIKKEN, 2009) A Corte Interamericana vem reiterando em sua jurisprudência que é uma obrigação dos Estados, a partir do momento de ratificação da Convenção, promover e proteger os direitos humanos dentro de seus territórios. No entanto segundo o princípio de irretroatividade o Estado não pode ser responsabilizado pela violação de uma norma contida na Convenção que tenha sido cometida antes da ratificação. Todavia o Estado não está eximido de suas responsabilidades quanto a garantia do devido processo legal as vítimas destas violações, mesmo que estas tenham sido cometidas antes da vigência do tratado internacional. Portanto cabe ao Estado investigar, e quando for necessário, punir os responsáveis e reparar as vítimas, mesmo em casos que não estejam temporalmente regidos pela Convenção. (NIKKEN, 2009) 29 O art.28 da Convenção de Viena dispõe: A não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, suas disposições não obrigam uma parte em relação a um ato ou fato anterior ou a uma situação que deixou de existir antes da entrada em vigor do tratado, em relação a essa parte. 4. A DITADURA MILITAR NO BRASIL 4.1. Contexto Histórico A América Latina dos anos 60 foi marcada por uma grande conturbação política. Neste período todos os países do Cone Sul conviveram com regimes ditatoriais repressivos. No Brasil, a situação não era diferente. Em 1º de abril de 1964 os militares tomam o poder através de um golpe de Estado, motivado principalmente por um conturbado contexto político internacional, que envolvia forte pressão por parte dos EUA, no auge de sua luta contra o comunismo. (FAUSTO, 1999) Esta influência americana começa a se mostrar, na própria doutrinação ideológica militar, a partir do final da II Guerra Mundial quando o país entrou no conflito ao lado dos aliados. Como exemplo desta influência doutrinária pode-se citar a criação, em 1949, da Escola Superior de Guerra (ESG). Essa instituição, fortemente vinculada a uma doutrina anticomunista e pela Doutrina de Segurança Nacional30 estabeleceu um método de análise e interpretação de fatores políticos, econômicos e militares que condicionariam o conceito estratégico. (FAUSTO, 1999) O grupo de militares responsáveis por arquitetar o golpe de 64 se identificava com essa linha de pensamento. Liderados por Humberto de Alencar Castello Branco, tomaram o poder sob o pretexto de livrar o país da corrupção e do comunismo para restaurar a democracia. 4.2. O Regime militar e as violações aos Direitos Humanos O regime militar que se instaurou no Brasil nunca assumiu explicitamente seu caráter autoritário. Através dos chamados Atos Institucionais promoveram, durante todo o período, o que se pode chamar de “manipulação da legalidade”. (FAUSTO, 1999) O primeiro destes “AIs” entrou em vigor no dia 9 de abril de 1964, com o objetivo de concentrar o Poder do Executivo e conseqüentemente diminuir o campo de influência do Congresso. O AI-1 suspendeu imunidades parlamentares e autorizou o comando supremo da revolução a cassar mandatos em qualquer nível e a suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos. Também estabeleceu as bases para a criação dos Inquéritos Policiais Militares (IPM’s), instrumentos a que estavam sujeitos aqueles acusados de “crimes contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou 30 Doutrina desenvolvida na ESG, que afirmava que o país tinha que se preparar para se defender de um inimigo interno. por atos de guerra revolucionária.” (FAUSTO, 1999. Pg. 467) Percebe-se a utilização de uma normativa própria do regime autoritário, que servia a salvaguardar as forças repressivas, “impondo remodelações profundas na estrutura do sistema de segurança do Estado através de uma continua proliferação de órgãos e regulamentos de segurança.” (Direito à Memória e à Verdade, 2007) Um dos mais importantes órgãos de controle da população, o Sistema Nacional de Informações (SNI), foi instalado ainda em junho de 64. Sob comando de Golbery do Couto e Silva, militar de extrema ligação com os ensinamentos da ESG e apontado como um dos principais idealizadores do golpe, tinha por objetivo a coleta de informações pertinentes à segurança nacional.(FAUSTO, 1999) Com a “eleição”31 de Castelo Branco as divergências entre os militares pertencentes a ESG, e aos chamados “linha-dura” ficou mais evidente. Esse segundo grupo, que pregava um maior controle do sistema de decisões por parte do Estado, visava também o prolongamento do governo militar. (GASPARI, 2002) Com a vitória de candidatos opositores do regime em estados importantes nas eleições estaduais de 1965, os chamados “linha-dura” intensificaram as pressões frente ao governo de Castelo Branco alegando condescendência com seus adversários políticos. Neste contexto, o governo decreta o AI-2 que acaba com todos partidos políticos e permite ao Executivo fechar o Congresso nacional quando conveniente. O mesmo ato institucional também tornava indireta a eleição para presidente da República, além de estender á civis a jurisdição da Justiça Militar.( GASPARI, 2002) Posteriormente o AI-3, decretado em fevereiro de 1966, estabelece eleições indiretas também para os Estados, através de suas Assembléias Estaduais. Entre as mudanças impostas pelos dois atos mencionados destaca-se aqui a proibição dos partidos políticos, que foram remanejados sob a ótica do regime. Formaram-se então o partido dos representantes do governo - ARENA (sigla de Aliança Renovadora Nacional) e o MDB, Movimento Democrático Brasileiro, que reunia a oposição. Esta oposição tinha um papel definido dentro do regime. Uma vez que o aparato militar buscava sempre aparentar legitimidade, a existência do MDB era imprescindível, ainda que estivesse totalmente amordaçada pelo regime. (FAUSTO, 1999) Desta maneira, em março de 67 toma posse como presidente do Brasil o general Arthur da Costa e Silva. Este, militar representante da “linha-dura”, não pertencia a 31 Por votação Indireta do Congresso Nacional. mesma corrente ideológica de Castelo Branco. Sua eleição acontece devido ao descontentamento por parte destes membros das Forças Armadas com a política castelista de aproximação com os Estados Unidos e de facilidades concedidas a empresas estrangeiras para instalação no país. Inclusive esta orientação política dos “linhas-dura” pode ser definida como uma forte orientação nacionalista. (FAUSTO, 476) Outro importante fator de descontentamento por parte dos militares com relação a política de Castelo Branco foi a ascensão da oposição que denunciava os abusos do regime no congresso, articulava manifestações nas ruas e em alguns casos organizou grupos de resistência armada. Neste período surgiram movimentos que partilhavam da premissa da luta armada como a ALP liderada por Carlos Marighella, outros movimentos surgiram neste período como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8). Além destes, outros movimentos contavam com grande participação de militares de esquerda dissidentes das forças armadas, como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Estes grupos começaram a realizar ações no ano de 1968, abrindo caminho para a criação de novos instrumentos que visavam controlar os movimentos subversivos pelos militares que acreditavam que existia uma ameaça interna perigosa. Nesse contexto, em 13 de dezembro de 1968, decretou-se o AI-5, iniciando o período de maior repressão do governo militar, conhecido como os anos de chumbo.(FAUSTO, 1999) 4.3. O AI-5 Desde o primeiro Ato institucional, instalou-se no país uma grande onde de violência e repressão. Baseado na Doutrina de Segurança Nacional, a ditadura teve de estruturar um poderoso aparato repressivo. Porém com o AI-5 a repressão assumiu outros níveis, e a “linha-dura” assumiu o total controle interno do regime. Diferentemente do outros atos institucionais, o AI-5 não tinha prazo determinado de vigência. Este decreto voltou a conceder ao presidente o poder de clausura do Congresso, de livre intervenção em Estados e municípios, de cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos. Ficou suspensa a garantia de habeas-corpus a acusados de crimes contra a segurança nacional. (FAUSTO, 1999) Com o AI-5, a comunidade de informações do aparelho estatal ganhou grande força, e passou a representar um importante instrumento no comando de órgãos de vigilância e repressão, foi neste período que a tortura instalou-se de vez como método de ação do governo. O aparato repressivo podia ser representado pela figura de uma pirâmide, sendo a base dessa figura as câmaras de interrogatório, e no seu ponto mais alto o SNI. Ainda que a institucionalização da repressão estivesse arquitetada, ainda não serviam satisfatoriamente as pretensões do governo de eliminação da oposição esquerdista. Com o intuito de melhorar a eficiência de controle e repressão dos movimentos oposicionistas foi criada em 1969, em São Paulo, a OBAN (Operação Bandeirantes) integrada por membros do Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Política Estadual, departamento de Polícia Federal, Polícia Civil, Força Pública, Guarda Civil e civis paramilitares. (Direito à Memória e à Verdade, 2007) Este grupo agia sem especificação legal o que lhe garantia uma extrema mobilidade, e naturalmente impunidade. A experiência da OBAN foi bem sucedida em seu objetivo de combater a subversão, o que levou o governo militar a estender este projeto para o país inteiro, formalizando uma força composta pelas três armas que comandava todos os organismos de segurança nas áreas em que estivesse localizado, concentrando o poder das ações repressivas. Este órgão foi denominado Destacamento de Operações de Informações/ Centro de Operações de Defesa Interna, DOI-CODI. Em conjunto com o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), as delegacias regionais da Polícia Federal, o CISA (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica) e o CENIMAR (Centro de informações da Marinha) compuseram os centros de repressão que agiam de maneira independente, na tortura e eliminação de opositores do regime. (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito a Memória e à Verdade, 2007; ARNS, 1985) Ainda segundo ARNS: O resultado de todo este arsenal de Atos, decretos, cassações e proibições foi a paralisação quase completa do movimento popular de denúncia, resistência e reivindicação, restando praticamente uma única forma de oposição: a clandestina. (ARNS, 1985. Pg. 62) Em junho de 69, o presidente Costa e Silva é obrigado a afastar-se do poder por motivos médicos e mais uma vez as forças armadas intervém na aparente legalidade existente, pois segundo esta quem deveria assumir o poder era o vice-presidente Pedro Aleixo, um civil contrário ao AI-5. Através do decreto de mais um Ato institucional, assume o poder temporariamente uma junta militar composta por integrantes das três forças militares. De acordo com Dom Paulo Evaristo Arns: Constata-se um círculo vicioso: a resistência armada intensifica suas ações e parte para os seqüestros, exigindo em troca a libertação de presos políticos; a Junta Militar, por sua vez, adota as penas de morte e banimento, tornando mais duras as punições previstas na Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 898)[...] (ARNS, 1985. Pg. 63) Em 30 de outubro de 1969 assume o poder Emílio Garrastazu Médici para o governo que representará o período de maior repressão e violência da história republicana do país. A própria CEMDP32, no ano de 2009, no livro Direito à Memória e à Verdade, classificou a atuação da ditadura neste período como “terror de Estado”. Ainda segundo o documento histórico: Num computo final, a violência repressiva não poupou as organizações clandestinas que não tinham aderido a luta armada, e nem mesmo religiosos que se opuseram ao regime sem filiação a qualquer organização. Os presídios ficaram superlotados e as listas totalizando mortes sob torturas pularam de algumas dezenas de opositores, em 1968, para várias centenas, em 1979, ano da anistia. (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à Memória e à Verdade, pg. 27) Contrapondo esse período obscuro no cenário das liberdades e direitos civis, no campo da economia o país se encontrava em êxtase. Baseando o modelo econômico brasileiro em empréstimos internacionais, e no baixo preço do petróleo, desenvolveu-se uma indústria extremamente dependente de bens externos e de investimentos de capital estrangeiro. Esse período que registrou anos consecutivos de aumento do PIB – de 1969 a 1973 - foi chamado de “milagre brasileiro”. Este crescimento, porém, agravou problemas já existentes, como a concentração de renda e acentuou o abandono por parte do Estado de políticas sociais. Isso se deu graças a uma política representada pelo slogan do ministro da fazendo do período, Delfim Netto, que afirmava que era necessário “fazer crescer o bolo, para depois distribuí-lo.” (FAUSTO, 1999. Pg. 487) Com a crise do petróleo dos anos 70, o modelo do milagre começa a demonstrar sua debilidade, devido a grande dependência de agentes externos. Este pilar econômico muitas vezes acabava por justificar as ações repressivas do governo. Porém com o seu enfraquecimento e o aumento das denúncias internacionais sobre violações dos direitos humanos geravam uma pressão internacional sobre o Brasil e acabaram refletindo internamente na perda de poder do setor da “linha-dura”. Com isso ressurgem os 32 Comissão Especial sobre Mortos e Desaparcidos Políticos, criada em pela lei 9.140, em 1995. militares da corrente castelista, que voltam ao poder com a incumbência de conduzir a distensão, ou seja, uma transição para a democracia. 4.4. Distensão Geisel toma posse em março de 1974, com o objetivo de conduzir uma transição lenta, gradual e segura. De acordo com os planos de Geisel, a reabertura política deveria ser feita de um modo lento para que pudesse ser mantido o controle do Estado pelo grupo político aliado a ditadura, a fim de evitar que a oposição conseguisse atingir o poder rapidamente, estabelecendo o que seria uma “democracia conservadora” nas palavras de Geisel. Entretanto, como afirma Fausto para a manutenção deste controle por parte dos castelistas, o governo tinha que se preocupar além da subversão dos grupos opositores, com o grupo dos “linha-dura” que permaneciam com influência dentro das Forças Armadas e representavam um perigo aos planos de transição. Portanto observa Fausto: “Para restaurar a hierarquia, tornava-se necessário neutralizar a “linhadura”, abrandar a repressão e, ordenadamente, promover a “volta dos militares aos quartéis”. (FAUSTO, 1999. Pg. 490) O cenário político seguia conturbado e ao mesmo tempo em que, às escuras, os opositores continuavam a ser torturados e mortos, nas ruas a esquerda ganhava força. O crescimento do MDB frente aos candidatos da Arena se tornou notorio nas eleições municipais de 1976. No ano seguinte, em 1977, o governo não consegue apoio para aprovar no Congresso estabelecimento de reformas no judiciário, o que leva Geisel a fechar a casa e decretar o “Pacote de Abril”. Esse conjunto de medidas criadas pelo pacote estabelece a figura do senador biônico, que seria eleito por um colégio eleitoral, visando manter a maioria do Congresso nas mãos dos aliados. Uma emenda constitucional, que entra em vigor em janeiro de 1979, proíbe o fechamento do Congresso, assim como a cassação de mandatos e demissão de funcionários públicos sem justificativa. Da mesma maneira nenhum cidadão poderia ser privado de seus direitos políticos. No entanto, o Estado ainda mantinha algumas garantias legais para que não houvesse uma inversão de poderes como o poder de adotar medidas de emergência, a fim de restabelecer a ordem em locais específicos considerados instáveis, ou sob ameaça. que fossem Para a continuação a abertura, foi “eleito”33 o general João Batista Figueiredo, figura contraditória para a condução da transição, uma vez que este havia sido chefe do SNI durante o governo Geisel. Em agosto de 1979 foi aprovada pelo Congresso a Lei de Anistia, que em um sentido possibilita o retorno de exilados políticos, marca um importante passo na ampliação de liberdades públicas, em outro concede um grande benefício aos militares da ditadura. Pois anistia responsáveis pela realização de torturas, relacionando esta prática abominável a crimes de motivação política. Neste mesmo ano foi aprovada a Lei Orgânica dos partidos, que extingue a Arena e o MDB e permite a criação de novos partidos. Em 1982, pela primeira vez em 17 anos, aconteceram eleições diretas a nível municipal e estadual. Como estratégia política o governo estabeleceu o voto vinculado, que determinava que o eleitor deveria votar em candidatos do mesmo partido em todas as esferas. Com o afrouxamento da repressão e a liberalização política formou-se no país um grande movimento social chamado “Diretas Já”, que clamava por uma eleição direta para a presidência da República. Esse movimento teve início dentro de partidos políticos, como o PT e o PMDB e depois contou com a o apoio de outros partidos como o PDT, além de organizações de trabalhadores, caso da CUT e da Conclat. Rapidamente o movimento tornou-se uma unanimidade nacional, movimentando e unindo milhões de brasileiros. Infelizmente o Congresso, essa época ainda composto por uma maioria vinculada ao governo, vetou a emenda constitucional que visava realizar o desejo de eleições diretas da nação. (FAUSTO, 1999) A eleição foi então realizada pelo Colégio Eleitoral dando vitória a Chapa de Tancredo Neves e José Sarney formada por um acordo entre o PMDB, que havia lançado Tancredo como candidato, e o Partido da Frente Liberal, formada por exintegrantes do PDS, outrora Arena. Tancredo porém não chegaria a assumir o poder. Assume Sarney, que por ter sido durante muitos anos membro do partido político que representava a ditadura, não encontrava apoio político dentro do PMDB. Seu governo enfrentou desafios como a tarefa de convocar uma Assembléia Constituinte e de remover os resquícios de ditadura que ainda podiam ser encontrados 33 Eleição Indireta, feita por um colégio eleitoral composto por membros do Congresso e de Assembléias Legislativas dos Estados. Estabelecida pela emenda nº 1 da Constituição de 1967. no ordenamento interno brasileiro. Como exemplo destes resquícios pode-se citar o fato de o SNI continuar a funcionar e a receber importantes verbas. (FAUSTO, 1999) Finalmente, no mesmo ano, foram restabelecidas as eleições diretas para a Presidência da República, assim como o direito a voto dos analfabetos, e a legalização de todos os partidos políticos. Com isso saem da clandestinidade o PCB e o PC do B. Em novembro de 1986 ocorreria a eleição para a Assembléia Constituinte. Os trabalhos da constituinte se iniciaram em 1º de fevereiro de 1987, e só forma encerrados em 5 de outubro de 1988. Nesta mesma data foi promulgada a Constituição de 1988, também conhecida como a Constituição Cidadã34. A carta representa um garnde avanço do país no rumo da democracia, porém ainda encontra vestígios de uma transição incompleta que foi marcada pela manutenção de forças políticas pertencentes ao antigo regime, que tentavam garantir no texto constitucional a continuação de seus interesses. 4.5. A Anistia Brasileira Para se tratar do contexto em que a Lei de anistia brasileira foi aprovada se fará o que Heloísa Amélia Grecco chama de “dimensões fundacionais da luta pela anistia”35 onde refletirá sobre a luta dos movimentos sociais, encabeçados pelos Comitês Brasileiros de Anistia (CBA’s), em conjunto com o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), os presos políticos e os exilados brasileiros. Este movimento ganhou força em 1975, através do movimento organizado pela advogada Terezinha Zerbini, chamado Movimento Feminino pela Anistia, que conseguiu reunir 20 mil assinaturas em todo o país, a fim de manifestar em carta entregue a primeira dama dos EUA, Rosalynn Carter, em que saudava a concessão de anistia dada a resistentes de guerra em seu país. No período em que surgem os movimentos de demanda da Anistia, o contexto em que o país se encontrava era de total controle de manifestações políticas, em que o congresso e os partidos existentes se encontram completamente compelidos pela ditadura, que durava já quase 20 anos. Este período final do regime é chamado, por alguns autores de “normalização defeituosa” em que a abertura política é concebida para impedir a reconstituição e recuperação do poder político. (CARDOSO. I. 1990, pg. 39 apud GRECCO, 2009.) Aproveitando-se de brechas da abertura política os movimentos começam a dar sinais de organização, em que passou de resistência a uma iniciativa política. E é neste 34 Assim batizada por Ulysses Guimarães, por garantir direitos civis e políticos a população. Tese de Doutorado defendida em 2003 na UFMG. 35 clima de despertar da sociedade civil que o combate ao projeto de institucionalização da ditadura militar que os CBA’s vão atuar. A criação oficial se dá em fevereiro de 78 assumindo o papel de protagonista na oposição ao regime, superando o campo político e atraindo grandes públicos para discussão do tema da Anistia Ampla Geral e Irrestrita. Ampla: por abrigar todas as manifestações de oposição ao regime – Geral: para todas as vítimas da repressão e – Irrestrita: sem discriminações e restrições. (GRECCO, 2009) Antes mesmo de assumir o poder, João Batista Figueiredo em entrevista a VEJA em 1978, afirma que: [É] um prejuízo para o próprio andamento das reformas políticas nos termos em que [a anistia] vem sendo colocada. Tenta-se avançar demais, o que é um erro. ( VEJA, 1978 apud GRECCO. Pg. 208) Quando assume o poder em Março de 1979, Figueiredo assume a missão de conduzir o projeto de abertura política. Em agosto deste mesmo ano é promulgada a Lei nº 6.683, a Lei de Anistia. Essa Lei não cumpriu as expectativas dos movimentos de anistia, sendo considerada por estes, uma Anistia Parcial, por seu caráter de alegada reciprocidade, onde incluía os crimes conexos, excluía os guerrilheiros, aqueles que praticaram crime de sangue, e estabeleciam a declaração de ausência36 aos familiares de desaparecidos políticos. Desaparecidos políticos, na concepção do Estado, é a designação que se dá aqueles que foram assassinados por este e cujas mortes não tenham sido esclarecidas. (GRECCO, 2010.) Por estas características os CBA’s rejeitam esta anistia, e convocam a população para seguirem na luta pela anistia Ampla Geral e Irrestrita. 4.6. A Guerrilha do Araguaia O movimento que ficou conhecido como a Guerrilha do Araguaia, foi um movimento composto por integrantes do PC do B que se instalaram as margens do Rio Araguaia, próximos a Marabá, no Pará, para oferecer ações de resistência armada ao regime. Entre os anos de 1972-1974 aproximadamente 70 pessoas ligadas ao Partido, especialmente jovens, estabelecem ligações com os camponeses locais, lhes ensinando práticas de cultivo agrícolas e cuidados com a saúde. Em 1972 esse grupo foi descoberto pelo Exército, que iniciou a primeira campanha das várias ações que seriam 36 Em caso de comprovação do desaparecimento, feita por parte da família da vítima, o Estado atestava a presunção de suas mortes, sem dar explicações ou justificativas. empreendidas pelo Estado a fim de eliminar a guerrilha. As ações do Exército consistiam em aterrorizar a população das localidades próximas, com o intuito de conseguir alguma informação que pudesse levá-los aos guerrilheiros. Essas ações reuniam um grande número de militares especialmente treinadas em táticas de combate anti-guerrilha. A finais de 1974 já não havia guerrilheiros no Araguaia, e não foram deixados vestígios das operações por parte dos militares. Até hoje as famílias da vítimas buscam a localização dos corpos de seus entes queridos. (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à Memória e à Verdade, 2007) 3.7. A sentença do Caso Araguaia Em 26 de março de 2009 a Comissão Interamericana de Direitos humanos submete a Corte uma demanda contra o Estado brasileiro, originada na petição apresentada em 7 de agosto de 1995 pelo Centro pela Justiça e o Direito internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/ Americas em nome de pessoas desaparecidas envolvidas na Guerrilhe do Araguaia. A demanda se refere a alegada responsabilidade do Estado pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região, como conseqüência das operações do Exército brasileiro realizadas entre 1972 e 1975 no contexto da ditadura militar brasileira. Outro objeto de demanda da Comissão é o fato do Estado não ter realizado nenhuma investigação com intuito de julgar e punir os responsáveis por estes crimes, baseando-se na Lei 6.683/79. A comissão solicitou a Corte que declare o Estado brasileiro responsável pela violação dos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 ( direito à integridade pessoal), 7 (direito a liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial) da Convenção Americana de direitos humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 ( obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposição de direito interno), da mesma convenção. 5. ANÁLISE DA SENTENÇA DO CASO ARAGUAIA O método de análise utilizado para este trabalho consiste na comparação entre os princípios adotados no item 1, considerados como os principais objetivos para a construção de uma transição adequada, em relação as disposições estabelecidas pela Corte interamericana de Direitos Humanos no caso Araguaia para o Brasil. A ponto de se avaliar se o cumprimento destas disposições adequará o país aos princípios considerados fundamentais da Justiça de Transição. 5.1. Direito à Memória e à Verdade Atualmente no Brasil, o direito de acesso à informação está previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Além deste, há ainda no ordenamento interno a lei 8.159, de 1991, que regulamenta a política nacional de arquivos públicos e privados, o acesso e o sigilo de documentos públicos, entre outras providências; Decreto nº 2.134, de 1997, que regulamenta o artigo 23 da lei 8.159/91 sobre a categoria dos documentos públicos secretos; Decreto nº 4.553, de 2002, que regulamenta a proteção de dados, informações, documentos e materiais reservados, de interesse da segurança do Estado e da sociedade no âmbito da administração pública Federal; Decreto nº 5.301, de 2004, que criou a Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas; Lei 11.111, de 2005, que introduz a possibilidade de sigilo permanente de arquivos oficiais classificados como ultrassecretos, e Decreto nº 5.584 de 2005, que regulamenta a entrega ao Arquivo Nacional de todos os documentos que estavam sob custódia da Agência Brasileira de Inteligência e prevê a aplicação de restrições previstas no decreto nº 4.453. ( Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil, Pg. 74) O Estado ainda alega que em honra e memória as vítimas do referente caso o Estado já adotou medidas que considera satisfatórias. Uma delas é a elaboração da Lei 9.140/95. Esta lei reconhece a responsabilidade do Estado pelo assassinato de opositores políticos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, e confere a 136 vítimas o status de perseguidos políticos. Dentre as quais 60 das pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, além de Maria Lúcia Petit da Silva, que foi privada de sua vida durante as operações de combate a Guerrilha. A referida lei também criou a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos que tem por objetivo reconhecer outros perseguidos que ainda não se encontrem abrigados pela lei. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil, Pg. 75) Quanto a busca pelos restos mortais já foram empreendidas inúmeras expedições a região do Araguaia a fim de se esclarecer a realidade dos fatos, bem como a localização dos possíveis restos mortais das pessoas desaparecidas. Em nenhuma delas se obteve resultados. Outra atuação do Estado, através da Comissão Especial é a montagem de um bando de dados genéticos, ou banco de DNA, que tem por objetivo recolher amostras de DNA dos familiares das vítimas, para o caso de serem encontrados restos mortais se possa realizar o reconhecimento o mais rápido possível.( Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 37) A Corte estabelece que o direito a liberdade de expressão não se aplica apenas ao direito de se expressar livremente, mas também ao direito de buscar, receber e divulgar informações, corroborada pelo art. 13 da Convenção. Este mesmo artigo também o protege o direito de toda pessoa a buscar e solicitar informações com seu Estado, bem como a obrigação positiva do Estado em fornecê-la. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg.75) Caso contrário, que o Estado justifique a restrição alegando motivo previsto na Convenção. Este direito é, portanto, estendido a familiares de vítimas de graves violações dos direitos humanos. Também é determinado na sentença da Corte, que a motivação a restrição a informação por parte do Estado, se tratando de casos envolvendo violações dos direitos humanos, não pode ser baseada em argumentos como a Segurança nacional, ou interesse público. Da mesma maneira estabelece que não deve depender unicamente do Estado que tenha agentes envolvidos em demandas judiciais, o poder de decisão quanto a entrega ou não de informações pertinentes a este. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 77) A Corte reconhece os esforços empreendidos pelo Estado em relação a memória e as famílias das vítimas, porém recorda que o Estado continua sem definir o paradeiro de 60 das vítimas desaparecidas, e não ofereceu uma resposta definitiva sobre seus destinos. Tendo em vista esta situação a Corte reitera que “o desaparecimento forçado tem caráter permanente e persiste enquanto não se conheça o paradeiro da vítima ou se encontrem seus restos, de modo que se determine com certeza sua identidade”. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg.45) Por fim conclui a Corte, que o Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, o que também constitui uma forma de reparação. O Estado deve realizar a publicação desta sentença no Diário oficial, o resumo da sentença em diário de circulação nacional, bem como a íntegra da sentença em meio eletrônico e a publicação desta em forma de livro. Condena o Estado a realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional a respeito dos fatos relacionados nesta sentença. Também deve seguir desenvolvendo iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda informação sobre a guerrilha do Araguaia, assim como toda informação relativa a violações dos direitos humanos ocorridas durante o regime militar. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 115) 5.2. Direito a Reparação O direito a reparação é regido no ordenamento interno pela Lei 9.140 que além de determinar o já exposto anteriormente ainda rege a questão da reparação pecuniária aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos. O órgão responsável pela identificação dos perseguidos e o pagamento de indenizações a seus familiares é a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, também criada pela Lei de 95. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 34) Com base no disposto no artigo 63.137 da Convenção Americana, a corte indicou que toda violação de uma obrigação internacional que tenha provocado dano compreende o dever de repará-lo adequadamente. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 93) Tendo como base esta argumentação, a corte determina o pagamento da quantia de U$ 3.000,00 a favor de cada um dos familiares que sejam considerados vítimas. Porém com relação ao dano imaterial a sentença per se caracteriza uma forma de reparação e a Corte julga pertinente fixar uma quantia a título de compensação em relação a danos imateriais, como o sofrimento ocasionado em virtude das violações cometidas e a negação de informações e conseqüentemente de justiça. Essa quantia ficou estabelecida em U$ 45.000 para cada familiar direto e U$ 15.000 a familiares indiretos. 5.3. Direito ao Igual Tratamento Legal (Justiça) Segundo a comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos, cerca de 50 mil pessoas teriam sido detidas somente nos primeiros meses da ditadura; cerca de 20 mil presos foram submetidos a torturas; há 354 mortos e desaparecidos políticos; 130 pessoas foram expulsas do país; 4.862 pessoas tiveram seus mandatos e direitos políticos suspensos, e centenas de camponeses foram assassinados. A Comissão Especial destacou ainda que o Brasil é o único país da região que não trilhou procedimentos penais para examinar violações de direitos humanos ocorridas em seu 37 É dever do Estado reparar um direito violado, uma vez que seja comprovada esta violação. período ditatorial, mesmo tendo oficializado o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas mortes e desaparecimentos denunciados. Isso tudo devido a edição da Lei de anistia de 1979. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg 32-33) Como bem especificado pela Corte, o objetivo do crime de desaparecimento forçado é impedir que esta pessoa tenha acesso às suas garantias judiciais. Se a própria vítima não pode ter acesso, é fundamental que seus familiares tenham esse direito preservado, com recursos judiciais rápidos e eficazes para que se possa encontrar e vítima e se possível a condição de saúde, ou mesmo para responsabilizar de maneira individual o responsável pela prática deste crime. É, portanto, obrigação do Estado investigar de maneira séria as denúncias de desaparecimento forçado. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 40) “Portanto o desaparecimento implica a vulnerabilidade do direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, estabelecido no art. 3 da Convenção Americana.” (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 45-46) Em 29 de abril de 2010, a OAB entro com uma ADPF junto ao STF brasileiro onde questionava a constitucionalidade da interpretação dada a Lei de anistia no país. O judiciário brasileiro destacou que a lei foi produto de um consenso político que possibilitou a transição para o Estado de direito, portanto, por se tratar de uma lei, caberia somente ao Legislativo proceder uma alteração em seu texto. Quanto a sua origem, o STF afirmou que se tratava de uma norma inserida a nova ordem constitucional e, portanto, aplicável. A corte afirma que ao se fazer parte de um tratado internacional, todos seus órgãos estão submetidos a este. De modo que o poder judiciário está obrigado a exercer um “controle de convencionalidade”. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg.65) A Corte declara que as disposições da anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações dos direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana, ocorridos no Brasil. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil Pg. 114) Declarou o Estado também responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos de reconhecimento de personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3,4,5 e 7 da Convenção, em relação com o art. 1.1 da mesma. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 114) Além disso, o Estado descumpriu sua obrigação de adequar o ordenamento interno à convenção Americana sobre Direitos humanos, contida no art. 2, em relação ao art. 8.1, 25 e 1.1, como conseqüência da interpretação que foi dada à Lei de Anistia. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 em conjunto com os artigos 1.1 e 2 pela falta de investigações dos fatos do presente caso, bem como pela falta de sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa executada (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 114) O Estado também foi considerado responsável pela violação do direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5.1 da Convenção em relação com o artigo 1.1. (Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 114) Portanto a Corte determina que o Brasil deve conduzir investigações penais a fim de esclarecer os fatos, determinar os responsáveis e aplicar as sanções correspondentes, determinadas em lei. Também deve realizar todos os esforços a fim de determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas, e, se for o caso identificar e entregar os restos mortais a seus familiares. Também deve tipificar o delito do desaparecimento forçado de pessoas. Enquanto cumpre esta medida, o Estado deve adotar todas ações que garantam o efetivo julgamento, e se for o caso, a punição em relação aos fatos de desaparecimento forçado através dos mecanismos existentes no direito interno.( Caso Gomes Lund e outros VS. Brasil. Pg. 115) 5.4. Reformas Institucionais A Corte não inclui dentre as suas deliberações qualquer decreto relativo ao tema das Reformas Institucionais. A característica brasileira é especial, pois como demonstrado no Item 3, houve uma pretensa legalidade durante o regime, que fez com que as instituições democráticas fossem mantidas, ainda que sob a forte influência das arbitrariedades militares. Outro fator que contribui para manutenção desta realidade foi a distensão negociada, que fez com que não houvesse rupturas com o antigo regime e marcasse a abertura pela manutenção de antigas forças políticas que tentavam garantir a continuação de seus interesses. Prova disso é que alguns órgãos de repressão não foram extintos logo após a transição, como o caso do SNI, que só teve suas atividades encerradas no ano de 1988. Dessa maneira a sentença da Corte deixa de observar um importante critério, e permite que o Estado brasileiro siga sem atender as expectativas da sociedade em relação a idoneidade de suas instituições. 5.5. Comparação Ao se traçar um paralelo entre a sentença da Corte frente aos critérios da Justiça de Transição, se percebe que este tribunal não observa os princípios elencados como fundamentais para a transição a um Estado democrático de direito. Ainda que o trabalho na observância dos direitos humanos, previstos na Convenção, faça com que a sentença aborde temas e direitos previstos nos princípios transicionais, estes não são completamente atendidos. Este trabalho se dedica a observação destes princípios em relação às disposições da decisão da Corte, assim como a avaliar se o Brasil, adotando estas medidas, quitará o débito com as vítimas violadas e com a sociedade de um modo geral. Pode-se dizer que os direitos à memória e à verdade foram considerados pela Corte e se encontrem adequados aos princípios da justiça de transição. Também se pode afirmar que os âmbitos individuais e coletivos foram alcançados uma vez que o país deverá reconhecer internacionalmente sua responsabilidade nos crimes, tornar publica a sentença, além de qualquer informação relacionada a guerrilha do Araguaia. O empenho do Estado na busca aos restos mortais das vitimas é outro ponto fundamental na decisão da Corte. Com essas medidas, o esclarecimento das circunstâncias do desaparecimento dos opositores vira juntamente com o sentimento de reconhecimento do sofrimento dos familiares pelo Estado. Sendo assim, cabe tanto à Corte quanto à sociedade o monitoramento do cumprimento real das disposições da sentença. Para tal se faz necessário que representantes da sociedade civil tenham autonomia para regular estas questões e dirigir os trabalhos, tendo em vista que os projetos sob a responsabilidade do governo não obtiveram sucesso. A realização do ato público também é positiva em vários níveis. Além de ganhar o reconhecimento da população como protetor dos direitos humanos, o Estado ao aceitar sua responsabilidade e manter a sociedade informada a respeito dos avanços nas buscas do Araguaia, atrairá maior atenção da sociedade ao tema, o que servira á estimular o debate sobre o período, contribuindo dessa forma para que o povo conheça seu passado e valorize o seu presente democrático. Em relação ao critério da reparação, a Corte considerou positivas as atitudes do Estado, previstas na Lei 9.140/95. Porém, ao não propor medidas de sentido coletivo, como se espera segundo os critérios da Justiça de Transição, o Estado fica obrigado a assumir o reconhecimento internacional, mas não se vê obrigado a estabelecer internamente medidas de cunho educativo para as futuras gerações. Quanto ao princípio do igual tratamento legal, as expectativas da Justiça de Transição vão ao encontro das decisões da sentença. Afinal a Corte é muito precisa quando afirma que a Lei de Anistia não deve seguir sendo empecilho para a investigação dos fatos relacionados ao caso. Esta decisão terá reflexos não somente nos casos relativos à Guerrilha do Araguaia, mas a todos aqueles que foram praticados no contexto da ditadura militar. Portanto, segundo estabelecido na Corte o Estado deverá proceder a investigação, julgamento e punição dos crimes contra os direitos humanos cometidos por agentes estatais a época da ditadura, bem como seguir o estabelecido no ordenamento interno quanto a qualquer demanda feita em relação a violações cometidas por estes agentes estatais no período em questão. Outra disposição satisfatória neste sentido se refere a adequação do ordenamento interno ao se declarar que o Estado deve tipificar o crime de desaparecimento forçado dentro de seu ordenamento. Quanto às reformas políticas, estas não foram observadas pela sentença da Corte. A única atenção que houve ocorreu quanto à instrução dos membros das Forças Armadas na área dos direitos humanos, através de cursos de capacitação. Porém, segundo os critérios analisados da Justiça de Transição, o Estado deveria fazer o expurgo de qualquer uma das normas que provém do regime autoritário. Um grande passo será dado ao se declarar a falta de efeito jurídico da Lei de Anistia, porém ainda hoje leis estabelecidas naquele período seguem sendo utilizadas para a regulação das atividades da sociedade civil, sendo utilizadas por alguns membros do judiciário como cláusulas legais e aceitáveis. Portanto se conclui ao analisar a sentença do Caso Araguaia proferida pela Corte Interamericana, se observa que não foram cumpridas todas as normas dispostas nos princípios considerados fundamentais para o estabelecimento de uma justiça transicional completa. Porém se reconhece nesta uma grande oportunidade para o país avançar em rumos democráticos e reconhecer a todos os seus cidadãos os direitos fundamentais estabelecidos nos tratados internacionais firmados pelo país. Cabe ressaltar que os critérios da Justiça de Transição são meios utilizados para que uma sociedade que tenha passado por um período de exceção, onde houve uma reiterada prática de desrespeito aos direitos humanos, passem a ser Estados respeitadores e garantidores dos Direitos fundamentais. A observância e cumprimento de seus critérios servem a um propósito de garantia democrática à medida que a população possa a reconhecer em seu Estado um garantidor e provedor de direitos fundamentais. Dessa maneira, ao proporcionar a população o conhecimento de seu passado, e reconhecer seus direitos civis, políticos e fundamentais se aprofunda a democracia, e se garante a não repetição destas atrocidades contra o povo brasileiro. Ao cumprir o estabelecido na sentença da Corte, o Brasil avançará muito no que diz respeito à construção de um Estado democrático e defensor dos direitos humanos e sairá da incomoda condição de único país da região a não ter lidado com seu passado ditatorial em defesa dos princípios universais dos direitos humanos. 6. Considerações Finais Este trabalho se dedicou a analisar a sentença da corte interamericana, referente ao caso Araguaia, em que o Brasil foi réu pela violação de inúmeros direitos de opositores do regime militar brasileiro e de camponeses que habitavam a região, frente aos princípios estabelecidos da Justiça de Transição. Desta forma se procurou demonstrar que a sentença, é um importante marco para o país no sentido de suas políticas em relação ao seu passado ditatorial, pois determina mudanças relevantes em relação ao tratamento que é dado hoje no país as famílias daqueles que lutaram contra um período obscuro e cruel de nossa história. No item 1. procurou-se demonstrar o surgimento do debate a cerca do tema da Justiça de transição no cenário internacional, com o crescimento do reconhecimento dos direitos humanos. Esta atenção se deu devido ao grande numero de governos autoritários que surgiram no período pós-segunda guerra. Com a transição destes países a democracia, o contencioso sobre as graves violações de direitos humanos cometidas neste período ganhou volume e a sociedade internacional teve de preocupar-se em como lidar com esta transição. Para tanto, determinou-se princípios que deveriam ser seguidos a fim de satisfazer as demandas de direitos humanos nestes países. Estes princípios estabelecem metas a serem atingidas que devem respeitar a realidade de cada Estado. Tendo em vista a atuação positiva da Corte Interamericana neste sentido em países vizinhos e a demanda sobre o Caso Araguaia respectivo ao Brasil, se procurou apresentar no item 2. O funcionamento do Sistema Interamericano de proteção aos direitos humanos, demonstrando o papel da Comissão e da Corte. Em seguida se faz a abordagem sobre como o tema dos direitos humanos em períodos de exceção vem sendo tratados por este tribunal. Com isso, aprofundou-se sobre o contexto da ditadura militar brasileira. Demonstrando em que contexto se deu o golpe que levou os militares ao poder e a dura realidade que as pessoas que se opunham ao regime enfrentaram. Em um conturbado contexto político milhares de brasileiros forma mortos ao lutar por um país livre e justo. Um dos casos mais emblemáticos deste período foi o que ficou conhecido como a Guerrilha do Araguaia. Justamente sobre este episódio que trata a sentença da Corte estudada neste trabalho. A corte interamericana de direitos humanos, ao elaborar suas sentenças, considera as responsabilidades assumidas pelos Estados signatários dos tratados de direitos humanos vigentes no continente. O principal destes é a Convenção Interamericana sobre direitos humanos. O Brasil é membro deste acordo, como também reconhece a Corte e sua jurisdição. Portanto cabe a Corte julgar o Estado em relação as violações cometidas em relação aos seus compromissos internacionais. A Justiça de transição é uma vertente dos direitos humanos, uma vez que seus critérios visam o melhor estabelecimento de uma sociedade democrática em países que tenham passado por períodos de violência, ou terror de Estado, como o caso do Brasil durante a ditadura. Tendo em vista a matéria em que atua a Corte é natural que se atendam alguns dos princípios da Justiça transicional ao se avaliar as condições de respeito aos direitos humanos dentro do país. Contudo, se observa que a sentença da Corte não abrange todos os níveis pretendidos pelos critérios da Justiça de Transição. Como por exemplo, as reparações simbólicas a nível de conhecimento e educação em relação a história recente do país e sobre o real significado das lutas sociais por liberdade e justiça, para as futuras gerações. Outro ponto esquecido pela Corte é o referente às reformas institucionais, que nunca foram realizadas no país. Se abordou o contexto em que eram decididas as leis na época da ditadura, e como ocorreu a transição para a democracia no Brasil. Não se pretende com a atual situação se estabelecer uma política revanchista, no sentido de realizar uma caça as bruxas, condenando indiscriminadamente todos aqueles que participaram de alguma maneira do regime militar brasileiro. Reconhece-se o valor da Anistia, e seus pontos positivos, como o retorno dos exilados para sua pátria natal. O que não se admite é que responsáveis por graves crimes contra a humanidade estejam livres e se valham de um benefício do qual não são dignos. Isso se afirma dado o caráter de crimes imprescritíveis e inanistiáveis que é atribuído as graves violações de direitos humanos. Muitas das reivindicações daqueles que trabalham e lutam pela afirmação dos direitos humanos no Brasil, especialmente no tocantes as vítimas da ditadura, são atendidas com a sentença da Corte. Porém cabe atentar, que a decisão, ainda que tenha caráter vinculante e se atribua a esta obrigatoriedade, ainda não foi cumprida pelo país. Cabe agora que seja feito o monitoramento das ações do Estado, para que este cumpra com suas obrigações e caminhe para a construção de um real Estado democrático de direito, onde todas as pessoas possam reconhecer neste um garantidor do direitos humanos. Dessa maneira, conhecendo o passado, a sociedade pode se reconhecer nos princípios que nos trouxeram até aqui. E somente com o respeito aos direitos fundamentais de todo ser humanos é que se caminhará para a construção de um Estado que prime pelos direitos de todos que se encontram sob sua proteção. Referências ABRÃO, Paulo e BELLATTO, Sueli Aparecida. Justiça de Transição no Brasil: O papel da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. In: Revista Anistia política e Justiça de Transição/Ministério da Justiça nº1. Brasília, jan-jun.2009. p. 12-23. ABRÃO, Paulo; CARLET, Flávia; FRANTZ, Daniela; FERREIRA, Kelen Meregali Model; OLIVEIRA, Vanda Davi Fernandes. As Caravanas da Anistia: Um mecanismo privilegiado da justiça de transição brasileira. In: Revista Anistia política e Justiça de Transição/Ministério da Justiça nº 02. Brasília, jul-dez.2009. Pg.112- 149. ARNS, Dom Paulo Evaristo. Um relato para a História: Brasil Nunca Mais. São Paulo; Editora vozes. 1985. BARBOSA, Marco Antônio Rodrigues; VANNUCHI, Paulo. Resgate da Memória e da verdade: um direito de todos. 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