RELAÇÕES ENTRE DIREITO ESTATAL E DIREITO INTERNACIONAL: UMA ANÁLISE NA VISÃO DE HANS KELSEN E LOURIVAL VILANOVA RELATIONS BETWEEN STATE LAW AND INTERNATIONAL LAW: AN ANALYSIS ON THE VISION OF HANS KELSEN AND LOURIVAL VILANOVA José Albenes Bezerra Júnior1 RESUMO Muito se tem discutido acerca das relações entre Direito Interno e Direito internacional. O que se percebe é que estamos diante de duas ordens distanciadas uma da outra, com diferentes fundamentos de validade. Afirma-se, no entanto, que ambas nada mais são que o verso e o inverso de uma mesma moeda. Um estudo acerca desses dois sistemas de Direito, sob a visão de dois grandes juristas, Hans Kelsen e Lourival Vilanova, nos ajudará a compreender melhor três pontos conflitantes acerca desse tema. São eles: o estudo das teorias monista e dualista, a análise acerca da soberania dos Estados e a incorporação de tratados internacionais nos ordenamentos estatais. PALAVRAS CHAVES: Hans Kelsen; Lourival Vilanova; Direito Internacional; Tratados internacionais; Soberania. ABSTRACT Much has been discussed about the relationship between domestic law and international law. What is noticeable is that we are facing two orders distanced from one another, with different grounds of validity. It is said, however, that both are nothing more than the verse and reverse of the same coin. A study of these two systems of law, under the vision of two great jurists, Hans Kelsen and Lourival Vilanova, will help us better understand three conflicting points concerning this subject. They are: the study of monistic and dualistic theories, the analysis about the sovereignty of states and the incorporation of international treaties on the laws state. 1 Advogado, Professor Universitário, Mestre em Direito pela UFRN, Coordenador de Pesquisa e Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica Orbis. KEY WORDS: Hans Kelsen; Lourival Vilanova; International Law; International Treaties; Sovereignty. 1. INTRODUÇÃO A proposta do trabalho é fazer um estudo acerca do Direito Interno e do Direito Internacional, sob a visão de dois grandes juristas. Primeiro será realizada uma análise desse estudo sob o ponto de vista do jurista austríaco, Hans Kelsen, que revelou uma extraordinária capacidade intelectual, além do fato, também, de ter vivido quase um século (1881-1973) e vivenciado uma época repleta de profundas transformações, tendo, com isso, a oportunidade de presenciar e refletir sobre situações jurídicas ímpares. Em seguida, será feita outra análise, agora, sob o ponto de vista do jurista pernambucano, Lourival Vilanova, um dos expoentes do nosso pensamento jurídico atual e jusfilosófico, autor de raros, mas preciosos trabalhos, e que contribuiu para sintetizarmos as idéias centrais do nosso trabalho. O presente estudo não tem pretensões de analisar com profundidade todas as principais obras de Hans Kelsen e de Lourival Vilanova. Trata-se, aqui, de um resgate que se julga indispensável para se pensar o Estado Interno e o Estado Internacional. Com isso, analisaremos a questão da unidade do sistema jurídico nacional e internacional e os seus desdobramentos. Divide-se a questão das relações entre Direito Internacional e Direito Interno em dois pontos. Trata-se das relações entre Direito Internacional e Direito Interno no que se refere a grande discussão acerca das teorias monistas e dualistas. Esse capítulo será subdividido em três pontos, sendo, em cada um deles, feito um comentário crítico sobre os pensamentos de Hans Kelsen e Lourival. Analisa-se, em Kelsen, a questão da unidade do Direito Interno e do Direito Internacional e sua previsão de uma inevitável concretização de uma construção monista. Já em Lourival Vilanova, aborda-se a mesma questão através da questão da sua obra acerca da unidade do sistema de normas. Será analisada, também, das relações entre Direito Internacional e Direito Interno, entretanto, num ponto mais específico que é a questão da incorporação dos tratados internacionais no Direito Interno. Há, de fato, um conflito entre esses direitos? Como se dá a relação entre esses dois sistemas? Enfim, Kelsen aborda todos esses questionamentos em suas principais obras, bem como o jurista Lourival Vilanova tece importantes comentários sobre o assunto. Por conseguinte, uma análise também das lições e ensinamentos de Lourival Vilanova será indispensável para complementação das idéias de Kelsen nesses pontos específicos, através da abordagem da gradação das fontes. 2. AS RELAÇÕES ENTRE DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL: A QUESTÃO DA TEORIA MONISTA E DA TEORIA DUALISTA E A INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO Ao analisar essa questão jurídica e filosófica, encontra-se em meio as doutrinas, duas grandes correntes: uma primeira, denominada de monista, que procura conciliar Direito Internacional e Direito Interno, integrados e unidos pelo mesmo fundamento de validade; a segunda, denominada dualista, que visualiza o Direito Internacional e o Direito Interno como duas ordens completamente distintas. O monismo com prevalência do Direito Interno é a mais antiga das teorias para explicar o relacionamento entre direito interno e internacional. Assim, é justamente em Spinoza e Hegel que será encontrado todo o respaldo filosófico para a justificação da proeminência do direito estatal sobre o direito internacional. A concepção de que os Estados estariam no estado de natureza, a ausência de uma autoridade a eles superior, e a idéia de que, na ausência de um acorde vontades, uma disputa entre Estados poderia ser solucionado unicamente pela guerra, trazem à tona a influencia exercida por Spinoza e Hegel e, por conseqüência, a influencia do último no Direito Internacional dos séculos XIX e XX2. Para os dualistas, é importante caracterizar a não-identificação entre as fontes produtoras do Direito Interno e do Direito Internacional, apontando que toda a validade 2 GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados internacionais de Direitos Humanos e Constituição Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 16. da ordem internacional é extraída, retirada da própria ordem estatal, interna. Dessa forma, o Direito Internacional não tem validade interna até que seja recepcionado pelo Estado de acordo com os procedimentos previstos pela própria ordem jurídica interna. As idéias decorrentes dessa teoria dualista ligam-se de forma mais adequada a um pluralismo, já que são várias ordens jurídicas internas coordenadas pela ordem internacional. No entanto, é imperioso ressalvar que a expressão dualismo apenas será válida, caso tenha em mente apenas o estudo de uma única ordem jurídica interna em relação com a ordem jurídica internacional. Encontra-se no dualismo a resposta para o relacionamento entre Direito Internacional e Direito Interno. Os sistemas jurídicos internos não seriam derivados do Direito Internacional. A validade do Direito Interno serai um fato, tendo suas funções sócio-psicológicas nas funções internas da comunicação. A corrente dualista deveria, portanto, ser considerada a correta, uma vez que o Direito Internacional e Direito Interno seriam sistemas independentes3. Para os defensores do monismo, a argumentação utilizada é a de que existe uma clara relação entre Direito Interno e Direito Internacional, sob a esfera de uma única relação de fundamentação. Contudo, identificamos duas construções monistas diferenciadas: uma construção que defende a unicidade da ordem jurídica com ênfase no Direito Internacional; e a outra construção monista que dá ênfase a ordem jurídica interna. Portanto, serão fruto de uma necessária análise, as visões de Kelsen e Lourival acerca desse tema tão discutido. 2.1 UMA VISÃO CRÍTICA EM HANS KELSEN Hans Kelsen entendia que todo o movimento técnico-jurídico entre direito internacional e direito interno tinha como motivo principal: o desaparecimento da linha fronteiriça entre o direito internacional e o ordenamento estatal singular. Dito isso, a meta final dessa evolução dirigia-se a uma crescente centralização da unidade 3 ROSS, Alf. A textbook of international law. London: Longman, 1987. p. 60-61. organizada de uma comunidade universal de direito mundial, o que formaria o que o referido autor chamaria de um Estado mundial4. Com isso, encontramos em Kelsen a seguinte sustentação de que: “apenas existe uma unidade cognoscitiva de todo o Direito, o que significa que podemos conceber o conjunto formado pelo Direito internacional e as ordens jurídicas nacionais como um sistema unitário de normas – justamente como estamos acostumados a considerar como uma unidade a ordem jurídica do Estado singular5”. Observa-se, no entanto, que a visão de Hans Kelsen entra em contradição com a concepção tradicional que visualiza no Direito internacional e no Direito de cada Estado dois sistemas normativos completamente diferentes e independentes um do outro, uma vez que as duas normas fundamentais repousam em sistemas normativos diversos. Essa construção dualística, ou seja, pluralidade dos ordenamentos jurídicos singulares é logicamente insustentável, uma vez que as normas de Direito internacional como, também, as normas das ordens jurídicas estatais devem ser consideradas como normas jurídicas. Para o mencionado jurista, no entanto, apenas na existência de conflitos insolúveis entre dois sistemas de normas é que ficaria excluída a unidade do Direito internacional e Direito Estatal. Mesmo assim, em tal hipótese, também não se pode falar em validade simultânea de ambos, como acontece, por exemplo, entre o confronto das relações entre o Direito e a Moral, já que uma determinada ordem moral proíbe a morte do homem, seja em que circunstâncias for, e uma ordem jurídica positiva estatui a pena de morte e confere ao governo poder para recorrer à guerra sob os pressupostos determinados pelo Direito Internacional. Em tais casos, quem considera o Direito como um sistema de normas válidas tem de desatender a Moral, a quem considere a Moral como um sistema de normas válidas tem de desatender o Direito. Com isto, porém, nada 4 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.360. 5 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.364. mais se diz senão que não há qualquer ponto de vista do qual a Moral e o Direito possam ser vistos simultaneamente como ordens normativas válidas6. Observa-se, portanto, que se houvessem conflitos insolúveis entre Direito internacional e Direito estatal e se, portanto, fosse inevitável uma construção dualista, desde que considerássemos o Direito estatal como um sistema de normas válidas, não só poderíamos conceber o Direito internacional como Direito, como também o não poderíamos sequer conceber como uma ordem normativa vinculante que se encontra em vigor ao mesmo tempo em que o Direito estatal. Quando se oferecem ao conhecimento jurídico normas jurídicas que, além disso, se contradizem no conteúdo, esforçam-se em resolver essa contradição, por meio de uma interpretação razoável, como mera contradição aparente. Se isso não for conseguido, elimina-se o material interpretado como algo sem sentido e, por essa razão, não existente na esfera jurídica. A generalidade dos representantes da teoria dualista vê-se forçada a considerar o Direito internacional e o Direito estatal como ordens jurídicas com vigência simultânea que são independentes uma da outra nessa sua vigência e podem entrar em conflito com uma com a outra. Ele, com isso, considera essa doutrina insustentável7. Em suma, para não há qualquer conflito entre Direito internacional e Direito estatal, uma vez que a concepção de que o Direito estatal e o Direito internacional são ordens jurídicas distintas e independentes uma das outras na sua validade, ou seja, ainda é comum a existência de conflitos entre o Direito internacional e o Direito estatal. Uma análise mais aprofundada, porém, que considere o conflito entre tais normas, não é de fato um conflito de normas, ou uma situação que pode ser descrita em proposições jurídicas que de modo algum se contradizem logicamente. É válido ressaltar a pessoa de Karl Heinrich Triepel, defensor do dualismo e um dos mais importantes doutrinadores do direito público alemão da primeira metade do século XX. O ponto básico de seus ensinamentos é que, quando se fala em direito internacional, tem-se uma impressão de ser algo diverso em relação ao direito interno. 6 Idem, ibidem. p.365. KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 366. 7 Seriam, primordialmente, duas bases de distinção: as relações sociais que são regidas pelas normas jurídicas e a vontade da qual elas emanam as fontes do direito8. O mencionado autor, afirma, ainda, que é possível uma evolução em que se reconheçam certos grupos no interior dos Estados como sujeitos internacionais independentes. Além de ser um ramo distinto do Direito Interno, o Direito Internacional também é um sistema jurídico diferenciado, ou seja, são dois círculos em íntimo contato mas que jamais se superpõem. Como não regem as mesmas relações sociais, não pode haver concordância entre as fontes9. Conflito dessa espécie é visto principalmente no fato de uma lei do Estado poder estar em contradição com um tratado internacional. Para Hans Kelsen10: [...] a fixação da norma pode ser ligada a sanções e a norma assim fixada ser, no entanto, válida, não só no sentido que permanece em vigor até a sua anulação por meio de um ato jurídico, através de um processo especial para o efeito previsto pela ordem jurídica, mas ainda no sentido de que não pode sequer ser anulada através de um tal processo quando a ordem jurídica não o preveja. Assim é no caso das relações entre o Direito internacional e Direito estatal. Percebe-se, portanto, que uma norma criada com violação do Direito Internacional permanece válida, mesmo do ponto de vista desse Direito Internacional. Não há como essa norma violadora ser anulada pelo Direito Internacional, uma vez que tal possibilidade só existiria no domínio do Direito internacional particular. Ao tratar das relações mútuas entre dois sistemas de normas, afirma-se que dois complexos de normas do tipo dinâmico como o ordenamento jurídico internacional e um ordenamento jurídico estatal, podem formar um sistema unitário, tal que um desses ordenamentos se apresente como subordinado ao outro, porque um contém uma norma que determina a produção das normas do outro e, por conseguinte, este encontra naquele 8 TRIEPEL, Karl Heinrich. As relações entre o direito interno e o direito internacional. Trad. Amílcar de Castro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n.6, v.17, p. 7-64, 1966. 9 TRIEPEL, Karl Heinrich. As relações entre o direito interno e o direito internacional. Trad. Amílcar de Castro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, n.6, v.17, p. 7-64, 1966. 10 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 367. o seu fundamento de validade. Logo, a norma fundamental do ordenamento superior é, neste caso, também o fundamento do inferior11. Uma vez que formam um sistema unitário, o Direito internacional tem de ser concebido, ou como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estatal e, por conseguinte, como incorporada nesta, ou como uma ordem jurídica total que delega nas ordens jurídicas estatais, supra-ordenada a estas e abrangendo-as a todas como ordens jurídicas parciais (construção monista). A primeira significa o primado da ordem jurídica de cada Estado, a segunda traduz o primado da ordem jurídica internacional. O Direito internacional apenas vigora em relação a um Estado quando seja reconhecido por este Estado como vinculante. Esse reconhecimento que se dá por meio do instituto da recepção pode operar-se expressamente por um ato de legislação ou de governo, ou tacitamente, pela efetiva aplicação das normas de Direito internacional, pela conclusão de convênios internacionais, etc. Assim, o Direito internacional encontra-se efetivamente em vigor com relação a todos os Estados, mas só através do reconhecimento expresso ou tácito, ele entrará em vigor. A tudo exposto, convêm afirmar o que Kelsen12 afirma: [...] o reconhecimento do Direito Internacional pelo Estado não é um pressuposto estatuído pelo próprio Direito Internacional do qual ele faça depender a sua própria validade em relação a cada Estado. Uma norma vigente do Direito Internacional não pode estatuir um tal pressuposto, pois a própria vigência dessa norma não pode estar na dependência desse pressuposto. Mas nada obsta que os tribunais e outros órgãos aplicadores do Direito apenas considerem o Direito internacional como vinculante em relação ao respectivo Estado quando ele seja reconhecido por este como vinculante em relação a si. Se o fundamento de validade do Direito Internacional tem de ser encontrado na ordem jurídica estatal, isto é a admissão do primado da ordem jurídica do próprio Estado, ou seja, da sua soberania (fator decisivo para a admissão do primado da ordem jurídica estatal). Esta soberania do Estado é o fator decisivo para a admissão do primado da ordem jurídica estatal. 11 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 369. 12 Idem, ibidem. p. 371. [...] A questão de saber se um Estado é soberano é a questão de saber se pressupõe a ordem estatal como suprema. É o que faz quando se considera o Direito internacional, não como uma ordem jurídica que está acima da ordem jurídica estatal, mas como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estatal, quer dizer, quando apenas se considera o Direito internacional como válido em relação ao Estado se ele é reconhecido por este [...] Se se vê o fundamento de validade da ordem jurídica estatal no reconhecimento deste por parte de um indivíduo relativamente ao qual ela vigora, parte-se da soberania do indivíduo, da sua liberdade; tal como se vê o fundamento de validade do Direito internacional no seu reconhecimento pelo Estado, se parte da soberania do Estado13. O Direito Internacional apenas pode ser definido ou determinado pela forma como as suas normas são produzidas. É um sistema de normas jurídicas que são produzidas pelo costume dos Estados, por tratados entre Estados e por órgãos internacionais que são instituídos por tratados concluídos entre Estados. Se o último fundamento de validade dessas normas é a norma fundamental pressuposta dessa ordem jurídica, então obteremos a conclusão de que a unidade de Direito Internacional e Direito Interno é obtida não com base no primado da ordem jurídica internacional, mas com base no primado da ordem jurídica de cada Estado. Com isso, não pode haver conflito entre ambos os direitos, como normas jurídicas válidas, uma vez que ambas se apóiam, para nos exprimirmos na linguagem da jurisprudência tradicional, sobre a “vontade” de um e mesmo Estado. Uma segunda via pela qual se alcança o conhecimento da unidade de Direito internacional e do Direito estatal toma por ponto de partida o Direito internacional como ordem jurídica válida. Surge a dúvida, então, de saber como se poderá fundamentar a validade da ordem jurídica estatal. Neste caso, o fundamento deverá ser encontrado na ordem jurídica internacional. E Kelsen14, citando trechos de sua obra Principles of International Law, afirma o seguinte: [...] O princípio da efetividade, que é uma norma de Direito Internacional positivo, determina, tanto o fundamento de validade, como domínio territorial, pessoal e temporal de validade das ordens jurídicas estatais e estas, por conseguinte, podem ser concebidas como delegadas pelo Direito Internacional como subordinadas a este, portanto, e com ordens jurídicas 13 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 372. 14 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 374. parciais incluídas nele como numa ordem universal, sendo a coexistência no espaço e a sucessão no tempo de tais ordens parcelares tornadas juridicamente possíveis através do Direito Internacional e só através dele. Isso significa o primado da ordem jurídica internacional. Partindo-se da validade do Direito internacional, que não exige qualquer reconhecimento por parte do Estado, o mencionado preceito constitucional significa não que o Direito Internacional seja posto em vigor relativamente ao respectivo Estado, mas que ele é transformado em Direito Estatal através de uma cláusula geral. Como o Direito Internacional regula a conduta de Estados, ou seja, a conduta dos indivíduos que, com base nas ordens jurídicas estatais, exercem a função de governo, chega-se a conclusão que a comunidade constituída por uma ordem coercitiva é um Estado, e que a ordem coercitiva que a constitui é uma ordem jurídica válida no sentido do Direito Internacional. É possível, portanto, juridicamente, a coexistência no espaço de uma pluralidade de Estados, isto é, uma pluralidade de ordens coercitivas. O início e o fim da validade da ordem jurídica estatal regem-se pelo princípio jurídico da efetividade. Com isso, se partirmos do Direito internacional como uma ordem jurídica válida, o conceito de Estado não pode ser definido sem referência ao Direito Internacional. Assim, ele seria uma ordem jurídica parcial, imediata em face do Direito Internacional, relativamente centralizada, com um domínio de validade territorial e temporal jurídico-internacionalmente limitado e, relativamente à esfera de validade material, com uma pretensão à totalidade apenas limitada pela reserva do Direito Internacional15. A diferença entre essas duas construções respeita apenas o fundamento da validade do Direito internacional, não ao seu conteúdo. A primeira está no fundamento de validade do Direito internacional, ou seja, que é a norma fundamental pressuposta por força da qual a fixação da primeira Constituição histórica do Estado, cujo ordenamento forma o ponto de partida da construção, é um fato gerador do Direito. O seu fundamento de validade é a norma fundamental pressuposta por virtude da qual o costume dos Estados é um fato gerador. 15 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.379. Os representantes do primado da ordem jurídica internacional afirmam que o Direito internacional está supra ordenado ao Direito estatal, que aquele é, em face deste, a ordem jurídica mais elevada, que, conseqüentemente, em caso de conflito entre os dois, o Direito internacional goza de prevalência, sendo nulo o direito estatal. Dito isto, pergunta-se: o Direito estatal que contradiga o direito internacional seria então, mesmo nulo? Hans Kelsen16 respondendo a referida indagação dessa forma: Como resulta claramente do que anteriormente se disse, um tal conflito de normas entre direito internacional e direito estatal, não pode de forma alguma existir. Uma norma de direito estatal não pode ser nula: apenas anulável. E somente pode ser anulável por motivo de sua contradição com o direito internacional se o direito internacional ou o próprio direito estatal prevêem um processo que conduza à sua anulação. O direito internacional geral não prevê tal processo. O fato de ele ser pensado como situado acima do direito estatal não pode compensar a falta de uma norma que tal determine. Observa-se, portanto, que o Direito Internacional se situa acima dos Estados, logo, acredita-se que é possível concluir que a soberania do Estado é essencialmente limitada, o que torna possível uma organização mundial eficaz. O primado, portanto, do Direito Internacional desempenha um papel decisivo na ideologia política do pacifismo. Esse primado exclui por completo a soberania do Estado, uma vez que esta é limitada pelo Direito Internacional. A soberania do Estado significa autoridade jurídica suprema enquanto o Direito Internacional significa liberdade de ação do Estado. A limitação dessa soberania do Estado opera-se, através do Direito Internacional, precisamente do mesmo modo, quer este seja pensado como ordem jurídica supra-estadual, quer como ordem jurídica integrada na ordem jurídica estatal. Para o autor austríaco, uma organização mundial eficaz é tão possível pela aceitação de uma corrente como pela aceitação da outra. 2.2 UMA VISÃO CRÍTICA EM LOURIVAL VILANOVA 16 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.381. Segundo o pensamento do jurista pernambucano, temos como dado da experiência, o pluralismo dos sistemas jurídicos dos Estados. Sob o ponto formaljurídico, cada Estado é um sistema. Independente um do outro e uno. A proposição normativa fundamental de um sistema não se transpõe para o outro. Se a norma fundamental é a proposição básica, logicamente é um postulado. Começa o sistema proposicional normativo com ela17. O que confere homogeneidade a todas as regras de Direito positivo, segundo Lourival Vilanova é a sua normatividade. O ponto de partida é normativo. A norma fundamental, para tomarmos o modelo kelseniano de explicação. Não somente a unidade do sistema, mas a unicidade do ponto de partida caracteriza o sistema do Direito positivo. E qualquer forma normativa de relacionar os elementos será apenas mera possibilidade lógica se a forma normativa não pertencer ao sistema. E a pertinencialidade a um sistema existe se pudermos relacionar a forma normativa com as fontes de criação do Direito, e estas fontes técnicas se reconduzirem à fonte última, à última razão de validade, o fundamento de validade de toda a norma: a norma fundamental18. Lourival Vilanova19, ao tratar da questão da unicidade do sistema, recolhe a tese defendida por Hans Kelsen de que poderíamos chamar, de um lado, a teoria do pluralismo dos sistemas normativos – estatais –, de outro, a teoria da unicidade de um sistema global. [...] Empiricamente, a evolução histórica do Direito vai conduzindo a um sistema de Direito internacional, correspondente a uma comunidade universal das nações. Mas Kelsen sublinha que apenas existe a unidade cognoscitiva: podemos conceber todas as normas jurídicas positivas como sistema unitário de normas e, ainda, como sistema único, como um todo fechado em si. Ainda que re-insistimos: o fechamento do sistema é tão só do ponto de vista do conhecimento específico (dogmático) levado a termo pela Ciência do Direito. Acrescenta, ainda, que o sistema jurídico é aberto, em intercâmbio com os subsistemas sociais (econômicos, políticos e éticos), sacando seu conteúdo de referência desses subsistemas que entram no sistema-Direito, através dos 17 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005. p. 153. 18 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005. p. 155. 19 Idem, ibidem. p. 168. esquemas hipotéticos, os descritores de fatos típicos, e dos esquemas conseqüenciais, onde se dá a função prescritora da norma de Direito Extrai-se do pensamento do jurista pernambucano que a unidade de um sistema de normas é decorrente de um superior fundamento de validade desse sistema, a Constituição positiva, ou, em nível epistemológico a Constituição em sentido lógicojurídico, ou seja, a norma fundamental. A unicidade decorre da possibilidade também gnosiológica de se poder conceber todo o material jurídico dado com um só sistema. No pluralismo dos sistemas (estatais) cada sistema é sistema porque repousa num único fundamento de validade. O pluralismo de normas fundamentais corresponde a cada Estado, com sua morfologia política historicamente diversificada. Mas podemos, pela via empírica, ir a um fundamento normativo de caráter não-pressuposto, como a norma fundamental ou Constituição em sentido lógico-jurídico, mas a uma norma de Direito positivo, colocada no sistema de Direito internacional público geral, aquela que confere “eficacidade” de uma situação concreta de poder a qualidade de fato jurídico fundamental. Mediante o Direito internacional, o poder de fato ingressa, assim, na órbita do poder de jure20. Ao afirmar que temos conjuntos e subconjuntos, Lourival 21 faz a seguinte indagação: [...] O sistema do Direito das Gentes é conjunto, de que são subconjuntos os sistemas normativos estatais? Um conjunto é membro de outro conjunto, ou está ele, em relação a si mesmo, em relação de includência, ou ele se inclui como membro de um conjunto maior no qual figura como parte. Os sistemas jurídicos estatais estão neste caso: excluem-se entre si (por carecerem de igualdade) e incluem-se como parte ou membros do super-conjunto que é o Direito Internacional público. Não é por esse caminho que Kelsen poderia falar na unidade (gnosiológica) de um sistema de normas jurídicas positivadas. A delegação feita pelo sistema de Direito Internacional, distribuindo competências estatais em âmbitos de validade temporal, espacial, pessoal e material, não exaure o conteúdo dos sistemas estatais, cada qual diverso um do outro. Na verdade, o que do sobre-sistema se desprende, por assim dizer, para conferir validade aos sistemas estatais são algumas normas que estão para as normas 20 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005. p. 155. 21 Idem, ibidem. p. 169-170. produzidas pelos sistemas parciais como normas-em-branco ou regras-quadros, meros marcos a preencher pela vontade decisória de cada unidade política. O conteúdo normativo diversificado dos sistemas parciais não deriva do sistema total. Com apoio nos fatos, o que podemos dizer é que há apenas uma porção comum de normas de Direito internacional integrando os sistemas jurídicos parciais. Ora, se nem todos os membros (partes) de um sistema são membros do outro sistema tomando como supersistema, mas tão-só alguns, a relação do Direito internacional público geral ante os sistemas jurídicos é a de conjunto-interseção, e não relação de includência22. O ponto comum dessas normas forma um subconjunto do conjunto que é o Direito internacional: a parte comum que todas as ordens jurídicas positivas têm e que faz sua relação de pertinencialidade ao sistema total. Também, como o conjunto de interseção é subconjunto de qualquer dos conjuntos que interseccionam num segmento comum, do ponto de vista lógico-formal há núcleos de recíproca pertinência nos sistemas parciais. Do ponto de vista jurídico-positivo, os sistemas parciais (estatais) se excluem e só interpenetram através de das fontes normativas indicadas pela Constituição positiva de cada um. O ângulo lógico-formal é insuficiente para dar conta da experiência jurídica. Lourival Vilanova, extraindo o pensamento de Kelsen, através de sua obra Principles of International Law, afirma que Nas relações entre sistemas normativos parciais e o sistema do Direito das Gentes – relação de superordenação e de subordinação – tanto se pode tomar um ou outro termo de referência: o sistema normativo estatal ou o sistema normativo de Direito internacional. Obtém-se pelas duas vias a construção unitária do universo jurídico. Ou o Direito estatal – tido por ponto de referência do conhecimento jurídico – é o fundamento de validade dos demais sistemas estatais e do Direito internacional, ou o Direito internacional é o fundamento de validade do pluralismo de sistemas normativos estatais. Logicamente, são duas construções possíveis. Logicamente, conduzem à unidade e à unicidade do sistema normativo do Direito positivo. 22 Idem, ibidem. p.170. Segundo Lourival Vilanova23: [...] Isto porque o extralógico é o critério de validade para fundamentar um sistema de normas. A categoria gnosiológica de unificação tanto pode ser da norma fundamental de um determinado sistema do Direito estatal, quanto à norma fundamental do Direito internacional público, segundo a qual o comportamento uniforme dos Estados é o fato gerador do Direito. Em outros termos: ou a fonte de validade dos sistemas estatais e do Direito internacional deriva da Constituição positiva e da norma fundamental relativa do Estado, termo-de-referência, ou o fundamento de validade de todos os sistemas estatais deriva do Direito internacional positivo, em cujo ápice está a absolutamente última norma fundamental de todo o universo jurídico. Tem-se, nas duas construções a construção gnosiologicamente una. Num caso, o monismo com o primado do Direito internacional; no outro, o Direito internacional como parte integrante do sistema de Direito estatal (vale porque a Constituição positiva convalida-o, mediante as fontes normativas postas pela própria Constituição). Então, todos os sistemas estatais são-no em referência à norma fundamental do Estado, tido por base. É o monismo com primado do direito estatal soberano. Escolher qual das duas construções unitárias do Direito positivo, segundo ele, é um problema axiológico e ideológico: as valorações em função de contextos sociais concretos, que ultrapassa a potência da Lógica. O desdobramento formal-lógico do sistema começa com a aceitação do postulado. Um, não o único, postulado é o da norma fundamental, ora terminal num dado de Direito estatal, ora terminal no sistema de Direito internacional. Quanto aos tratados internacionais, não é a ciência do Direito, onde várias controvérsias existem, nem tampouco a lógica jurídica que decidem se a Constituição é igual ou superior ao Direito Internacional geral; se o tratado está no mesmo nível ou em nível inferior às leis ordinárias. Dentro da Ciência do Direito encontramos duas posições contrapostas: o monismo (com duas variantes, primado do Direito Estatal e primado do Direito das Gentes) e o dualismo. De acordo com a posição científica adotada, diversa será a solução do problema. Segundo o entendimento de Lourival Vilanova24: 23 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005. p. 171. [...] O fato objetivo é o prevalecimento do Direito Público Constitucional. Ainda que o Direito das Gentes ingresse no interior do sistema jurídico estatal, ingressa através da Constituição. Não é a lógica que decide que a Constituição Positiva está no nível mais alto. É o ser Direito. É a ontologia do Direito. É a Constituição que, por ato decisório (político, como acentuara Karl Schmitt), inicia o sistema normativo. O poder para positivar as normas de mais alto grau é o factum, cuja expressão jurídica é a soberania estatal (Heller, La Soberanía, págs. 127-142; sobre o poder de decidir a positividade jurídica, v. Miguel Reale, Teoria do Direito e do Estado, págs. 304-317). A Constituição é quem irá estatuir as fontes ou métodos de produção das normas, como estabelece a ordem de validade das fontes e, conseqüentemente, a hierarquia proveniente dessas fontes. Os tratados não podem sobrepor-se à fonte constituinte, pois pressupõem a existência de Estados. Mesmo na hipótese de o tratado colocar-se no mesmo nível das leis constitucionais, não se coloca no mesmo nível da Constituição, em seu núcleo decisório fundamental, ou naquilo de que depende a existência mesma dos órgãos do poder, isto é, do próprio Estado. Conclui Lourival Vilanova afirmando que não é o Direito internacional, geral ou particular, nem a ciência do Direito, nem a lógica, que estatuem a gradação normativa, ou, em termo de fontes do Direito, quais as fontes e qual a ordem de gradação que elas têm no interior do ordenamento positivo. Depende da morforlogia do poder, mas um poder de funções concentradas não estatui a gradação normativa que ostenta um Estado de Direito, dos substratos sociais que mantêm o poder e das ideologias e valorações que justificam a estrutura do poder25. 3. CONCLUSÕES Durante os séculos XIX e XX, muitos autores, principalmente aqueles de língua alemã, buscavam algumas explicações para definição de Direito Internacional. Procuravam por algum conceito ou princípio que harmonizasse, por um lado, a unidade 24 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005. p. 288. 25 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005. p. 289. do Direito Internacional e, por outro, a aceitação da soberania da vontade estatal como princípio fundamental de validade do Direito Internacional. Os autores dessa época tiveram dificuldades em construir esse principio de harmonização, principalmente com relação ao Direito Internacional, pois ao contrário do Direito estatal, faltava ao Direito Internacional uma especial autoridade superior aos Estados para editar as normas e impor o direito. O jurista austríaco, Hans Kelsen, desempenhou, nessa questão da relação entre Direito Internacional e Direito Interno, um papel importantíssimo. Antes, portanto, é válido ressaltar que o jurista preocupou-se em criar uma ciência do Direito livre de qualquer interferência externa. Assim, ele alcançaria a cientificidade. Kelsen em nenhum momento negou fatores alheios aos jurídicos, tais como os econômicos, sociais, políticos e culturais, no entanto, decidiu por afastá-los para a estruturação de uma teoria pura do Direito. Para Kelsen, a soberania como característica do Estado só teria validade se entendêssemos o Estado como uma ordem e se reconhecendo a identidade com a ordem jurídica. Em outras hipóteses, nas quais a ordem jurídica necessita de demarcar as diversas interpretações do conceito de Estado, a soberania é uma característica da ordem jurídica, não do Estado. Ficou bastante esclarecido que Hans Kelsen tinha o Direito Internacional como meio de conteúdo limitado à construção de um governo da Sociedade em nível mundial, isto é, um Estado Mundial. Isso porque o fenômeno do nacionalismo europeu sofreu uma queda com a primeira guerra mundial. Uma nova ordem mundial deveria deter o agressivo nacionalismo através de novas instituições de paz. E Kelsen afirma, na teoria do Direito Internacional, que os portadores de direitos e obrigações na órbita internacional, além dos Estados, serão, também, as organizações internacionais e os indivíduos. Kelsen sempre se mostrou contrário a uma corrente. A corrente dualista, concepção tradicional na época, mesmo na existência de conflitos insolúveis, uma vez que se tratava de normas jurídicas válidas e, também, porque essas contradições poderiam ser solucionadas por meio de uma interpretação razoável. Logo, não há, para Kelsen, qualquer conflito entre Direito internacional e Direito estatal, uma vez que Direito Internacional e Direito estatal são ordens jurídicas distintas e independentes uma das outras na sua validade. Kelsen, ao defender a unidade da ordem jurídica, deixou evidente a possibilidade de duas espécies de monismo. Uma primeira defendendo a unicidade da ordem jurídica com ênfase no Direito Internacional, o que podemos levar em consideração que se trata de monistas internacionalistas. E uma segunda que enfatiza a ordem jurídica interna, logo, concluímos tratar-se de monistas nacionalistas. Após uma leitura aguçada sobre as principais obras de Kelsen, observa-se neste autor uma visão internacionalista que tem como cerne a unicidade da ordem jurídica sob o primado do direito internacional, de forma que todas as ordem jurídicas internas devem a este se ajustar. Pode-se concluir que esse entendimento representa a defesa do pacifismo, com o respeito ao internacionalismo e contrária a hostilidade. A adesão a essa corrente monista internacionalista fica bastante evidenciada, também, quando Kelsen invoca o princípio da efetividade, em face do Direito Internacional, como forma de fundamento de validade de toda a ordem jurídica estatal, tendo o Direito Internacional, unidade gnesiológica de todo Direito vigente, como sua parte integrante. Observou-se, também, em Kelsen, que em caso de, por exemplo, o choque entre um tratado internacional e o direito interno não quebraria essa unicidade pretendida pelas correntes monistas. Segundo ele, dadas as perspectivas internacionalista e nacionalista como variantes do monismo, é possível, então desde que adote como critérios solucionadores tanto uma como outra. Por fim, observou-se em Kelsen que os dois sistemas são corretos e adequados, uma vez que é impossível, com base no conhecimento da ciência jurídica, decidir por um deles. A opção por uma subcorrente ou outra não deixa de ser meramente política. Ora escolhe-se uma postura beligerante (primazia do direito interno), ora escolhe-se por uma postura pacifista (primazia do direito internacional). Já nas idéias do jurista pernambucano, Lourival Vilanova, observa-se que a experiência nos leva a uma pluralidade de sistemas, ao passo que no formalismo jurídico cada Estado é uno, independente dos demais. A unicidade do sistema é ponto de partida para a caracterização do sistema do Direito positivo. Qualquer forma normativa de relação dos elementos será mera possibilidade lógica se a forma normativa não pertencer ao sistema. Percebe-se em Vilanova a idéia de que a evolução histórica do Direito nos conduz a um sistema de Direito Internacional que corresponde ao que ele denominou de universal das comunidades das nações. Note que Kelsen, também, levou esse fato a uma denominação de Estado Mundial, no entanto, existe, apenas, a unidade cognoscitiva. Contudo, Vilanova ressalta que esse fechamento do sistema é somente do ponto de vista dogmático e acrescenta que o sistema jurídico é aberto, mantendo uma inter-relação com os subsistemas sociais. Em Vilanova, os sistemas jurídicos estatais excluem-se entre si, por carecerem de igualdade e, incluem-se como parte ou membros do superconjunto que é o Direito Internacional. Ele entende que não é por esse caminho que Kelsen poderia falar na unidade gnosiológica de um sistema de normas positivadas, uma vez que a delegação feita pelo Direito Internacional não esgota o conteúdo dos sistemas estatais, cada qual diverso um do outro. O jurista pernambucano entendia, diferente de Kelsen, que há apenas uma pequena parte comum das normas de Direito Internacional integrando os sistemas jurídicos parciais, uma vez que nem todos os membros de um sistema são membros do outro sistema, mas apenas alguns deles. Daí porque, Vilanova entender que a relação entre sistemas jurídicos e Direito Internacional é a de um conjunto-inserção, e não de includência. Quanto a questão tratada por Hans Kelsen, no que se refere ao monismo com primado do Direito estatal e monismo com primado do Direito Internacional, entendia Vilanova que as duas construções eram possíveis, pois, logicamente, elas conduzem à unidade e à unicidade do sistema normativo do Direito Positivo. Observa-se nas lições de Vilanova que o critério para fundamentar um sistema de normas seria o extratológico, onde a fonte de validade dos sistemas estatais e do Direito Internacional ou deriva da Constituição Positiva e da norma fundamental relativa do Estado ou o fundamento de validade de todos os sistemas estatais deriva do Direito Internacional Positivo, onde no ápice estará a última norma fundamental de todo o universo jurídico. Finalizando, entende-se em Vilanova que a escolha entre as duas construções unitárias é um problema axiológico e ideológico, uma vez que se deve levar em consideração as valorações decorrentes de contextos sociais concretos que vão além da lógica. O que se pode confirmar, de certo, é que, ou ora terminando num Direito Estatal, ou ora terminando num Direito Internacional, o postulado será sempre a norma fundamental. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados internacionais de Direitos Humanos e Constituição Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002 KELSEN, Hans .Teoria Pura do Direito Trad.: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. . Jurisdição Constitucional. Trad.: Alexandre Krug. São Paulo: Martins Fontes, 2003. . Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad.: Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ROSS, Alf. A textbook of international law. London: Longman, 1987. TRIEPEL, Karl Heinrich. 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