Faculdade Arquidiocesana de Curvelo
Departamento de Administração
Curso de Pós-Graduação
O Treinamento e o Modelo Burocrático de
Organização
Afonso Ferrão Júnior
Ana Helena Soares Fernandes
José de Anchieta Machado
Renata dos Reis Diniz
Tatiana Ribeiro de Paula Penna
Curvelo - MG
2012
O Treinamento e o Modelo Burocrático de Organização
1
Introdução
O treinamento é considerado fator preponderante para o êxito de uma
organização. Dele é possível estabelecer um ambiente favorável ao progresso
funcional, à otimização dos meios de produção e à atualização de processos e
rotinas, evitando-se improvisações e desperdícios.
Com a evolução da sociedade ao longo dos tempos, as organizações
tornaram-se mais complexas, atuando em um cenário dinâmico e diversificado,
o que determinou o surgimento de teorias administrativas que permitiram às
organizações sobreviverem neste ambiente.
A Teoria Burocrática das Organizações trouxe à luz conceitos que se
amoldaram às necessidades da administração, inserindo na performance
organizacional aspectos relevantes. Neste contexto, o treinamento permeia
algumas das características da mencionada teoria, dando suporte para que tais
conceitos possam ser desenvolvidos dentro dos parâmetros apresentados.
Este trabalho tem por finalidade perambular pelas características da
Teoria Burocrática, identificando suas conexões com o treinamento, permitindo
uma reflexão sobre esta relação.
É apresentado em cinco etapas: preliminarmente pretende-se descrever
as informações básicas sobre a Teoria da Burocracia, com suas características
e críticas, num segundo momento serão descritos os aspectos capitais do
treinamento. Com tais conhecimentos, será possível traçar aquilo que é
congruente e o que é conflitante nesta relação. Por fim, será apresentada uma
conclusão dos apontamentos descritos.
2
A Teoria da Burocracia
Na
atualidade,
quando
termo
o
“burocracia”
é
empregado,
instintivamente surge o entendimento de lentidão e inoperância, forma-se na
mente a ideia de uma máquina obsoleta, grande e que não permite um fluxo
leve e ágil. Para que seja possível estabelecer um perfeito entendimento sobre
a burocracia, é imperioso buscar suas origens e perceber as transformações de
seus conceitos e variáveis, inclusive da sua formação etimológica.
Com origem no latim vulgar bura, variante do latim burra, no século IV
havia o entendimento de “pano grosseiro de lã” (burel), que na França do
século XII acabara servindo como uma “cobertura de mesa” (bureaiux). No
século XV o entendimento passa para a própria “mesa de escrever” e, posterior
(século XVI) para “o cômodo ou lugar em que se encontra tal mesa”. Após
outras transformações que designavam “locais de trabalho de quem
desenvolve atividade profissional em mês” ou “pessoas com tal função”
(garçons), no século XVIII, Jean-Claude Marie Vicent (1712 – 1759),
economista francês, surge com o termo híbrido bureaucratie (bureau e kratia autoridade, do grego krátos - “força”). No século XIX acontece a consolidação
do termo burocracia (em português).
A burocracia não é um fenômeno da atualidade, mas somente no último
século que ganhou força. No passado, os Estados, em sua maioria,
apresentavam-se pequenos e uma frágil organização centralizada. Com a
expansão do sistema de produção, das nações, de suas organizações formais
e da complexidade de suas relações, a burocracia apresentou um enorme
desenvolvimento,
tornando-se,
na
atualidade,
uma
forma
institucional
dominante.
Neste contexto, na década de 1940, baseado nas obras do economista e
sociólogo Marx Weber (1864 – 1920), surge um modelo de organização
administrativa
que
foi
denominado
como
Teoria
da
Burocracia
da
Administração. Baseado em princípios protestantes, a burocracia foi definida
como um poder necessário para a eficaz funcionalidade de uma estrutura
organizacional, qualquer que seja seu domínio (público ou privado).
Para Weber, a burocracia mostra nos mínimos detalhes como as coisas
devem ser feitas na organização. A organização burocrática é um tipo ideal,
fruto do Estado Moderno, constituída de uma elite dirigente, dotada de poder
para legislar e tributar, emanado dos meios de produção e garantindo a
apropriação do excedente.
Weber não estabeleceu um modelo de organização, buscou identificar
pontos comuns entre elas, estabelecendo algo impessoal, com regras
definidas, com ênfase no processo de autoridade-subordinação, colocando as
pessoas em segundo plano, vez que para ele a burocracia não é um sistema
social, mas um tipo de poder.
As características da Burocracia são:
a) Caráter legal das normas e regulamentos: as normas e regulamentos
são coerentes com os objetivos da organização e transferem às
pessoas investidas da autoridade um poder sobre os subordinados e
capacidade de impor disciplina. O indivíduo pode ser treinado para se
ajustar às exigências da organização.
b) Caráter formal das comunicações: as comunicações são escritas para
que possam gerar comprovação.
c) Caráter racional e divisão do trabalho: cada integrante sabe qual é
sua tarefa, seus limites e seu poder na organização. A divisão atende
aos objetivos da organização (a eficiência), por isso é racional.
d) Impessoalidade nas relações: a distribuição das atividades é coerente
com os cargos e funções, feita impessoalmente. O poder de cada um
deriva de seu cargo e função. Se um indivíduo é afastado da
empresa, imediatamente é substituído, sem quebra de solução de
continuidade.
e) Hierarquia da autoridade: os cargos são estabelecidos de acordo com o
princípio da hierarquia. A estrutura hierárquica estabelece privilégios e
obrigações. A ação arbitrária é evitada pelo estabelecimento de regras
conhecidas.
f) Rotinas e procedimentos padronizados: regras e normas ajustam o
funcionamento às exigências do cargo (desempenho segundo padrões
estabelecidos). Esta racionalização é identificada no condicionamento e
no treinamento racional do desempenho no trabalho.
g) Competência técnica e meritocracia: a escolha da pessoa é baseada no
mérito e na competência técnica, e não na preferência pessoal. Os
critérios de seleção e escolha fundamentam-se na capacidade e na
competência técnica.
h) Especialização na administração: o corpo administrativo é separado dos
meios de produção. O dirigente não é necessariamente o dono do
negócio, mas um profissional especializado. As pessoas são treinadas
para se tornarem especialistas.
i) Profissionalização dos participantes: o profissional é um especialista
(pode ser treinado para se tornar um), assalariado e ocupa um cargo. É
nomeado pelo supervisor e é fiel ao cargo.
j) Completa previsibilidade do funcionamento: o comportamento dos
membros é previsível. Não considera a organização informal (as reações
e o comportamento humano são previsíveis).
A previsibilidade do funcionamento da organização no sentido de se
obter a maior eficiência é o resumo de tudo que se espera da burocracia,
segundo Weber. No entanto, Merton (apud CHIAVENATO, 2011) observou que
a imprevisibilidade leva às imperfeições e à ineficiência. Para ele (Merton), ao
abordar a burocracia, os cientistas deram ênfase aos resultados positivos e não
abordaram as tensões internas, e não existe organização totalmente racional,
assim, estabeleceu algumas situações, denominadas de disfunções da
burocracia:
a) Internalização das regras e apego aos regulamentos: as normas e
regulamentos passam a ser absolutos, transformam-se de meios para
objetivos, tornam-se prioridade, inflexíveis.
b) Excesso de formalismo e papelório: a comunicação por intermédio de
documentos pode conduzir a um excesso de formalismo.
c) Resistência
às
mudanças:
quando
surge
uma
mudança
na
organização, é encarada pelo funcionário como uma ameaça à sua
segurança, provocando resistências.
d) Despersonalização do relacionamento: a impessoalidade enfatizada
no cargo tende a diminuir as relações entre as pessoas.
e) Categorização como base no processo decisório: quem decide é
quem possui o nível hierárquico mais elevado, mesmo que nada saiba
a respeito do problema a ser resolvido.
f) Superconformidade às rotinas e aos processos: como as regras e
rotinas passam a ser sagradas, o funcionário passa a ficar limitado em
sua
liberdade,
criatividade
e
espontaneidade,
levando-o
à
“incapacidade treinada” (VEBLEN apud CHIAVENATO, 2011). Para
Bennis, a burocracia modifica a personalidade das pessoas que se
tornam obtusas, limitadas e obscuras, o “homem organizacional”
condicionado,
não
considera
o
crescimento
pessoal
e
o
desenvolvimento da personalidade das pessoas.
g) Exibição de sinais de autoridade: com o fortalecimento da hierarquia
de autoridade, surge a utilização de símbolos ou sinais de status para
demonstrar a posição hierárquica.
h) Dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o público: o
funcionário volta-se para dentro da organização, para suas rotinas,
seus regulamentos e seus chefes, levando aos conflitos com os
clientes. As pretensões do cliente para um atendimento personalizado
as transformam em pressões junto ao funcionário, que se sente
ameaçado.
Em 1950, os modelos clássicos (Administração Científica de Taylor,
Teoria Clássica de Fayol e Modelo Burocrático de Weber) recebem de Worthy
a denominação de “teoria das máquinas”, considerando que tais teorias
comparava a organização com uma máquina construída para cumprir uma
tarefa. Dentre os conceitos da teoria das máquinas, Katz e Kahn salientam
algumas fraquezas, dentre elas, a pouca importância do intercâmbio da
organização com o ambiente interno, que está em constante mudança,
exigindo modificação da organização.
3
Treinamento
Dentre os fatores que propiciaram o incremento da burocracia estava um
ambiente de diferenças acentuadas, o que levava à necessidade da
profissionalização dos componentes da organização e, por consequência, de
um treinamento que permitisse aos indivíduos o desenvolvimento de suas
capacidades e que atendesse a critérios uniformes e burocráticos, no
recrutamento, seleção e motivação.
Assim, entende-se por treinamento, no sentido lato, como sendo um
esforço planejado, organizado, especialmente projetado para auxiliar os
indivíduos a desenvolver suas capacidades (LAKATOS, 1997).
Pode ser entendido também como o conjunto de processos pelos quais
se dão ou se aperfeiçoam as qualidades individuais adquiridas (conhecimento)
para o trabalho. Tais qualidades podem ser fornecidas (quando o trabalhador
não as possui) ou aperfeiçoadas (quando as possui de maneira insuficiente).
O exercício de cargos mais elevados, inserido numa política de
promoções, depende de uma determinada coleção de conhecimentos,
absorvida por intermédio do treinamento. Avaliação de mérito só pode ocorrer
quando recebe amparo de eficiente treinamento, eliminando deficiências
decorrentes de falhas na formação técnica. Neste sentido, no enfoque da
administração salarial, o treinamento quando implica em promoção faz a
empresa assumir sua função social.
Por outra ótica, o treinamento é um dos mais poderosos instrumentos de
ação direta da racionalização, pois seus resultados são efetivamente
percebidos na elevação da eficiência, ao desenvolver no trabalhador a
aplicação do menor esforço para se atingir o melhor resultado.
Conforme os objetivos da empresa, a natureza e a finalidade do
treinamento podem variar, no entanto seus propósitos podem ser considerados
da seguinte forma:
a) Aperfeiçoamento do conhecimento e habilidades de trabalho voltado para o trabalho em si, não só para habilidades manuais, mas
engloba também atividades como supervisão e planejamento.
b) Transmissão de informações – mais gerais, são informações sobre a
empresa, seus produtos, políticas.
c) Modificação de atitudes – desenvolver atitudes mais favoráveis entre
os trabalhadores, aumentar motivação e a sensibilidade para com os
sentimentos e reações das pessoas.
4
Aspectos congruentes entre a teoria burocrática e o treinamento
Analisando as definições apresentadas da teoria burocrática e do
treinamento, é possível perceber pontos congruentes.
Para que o funcionário neófito saiba e se amolde ao “caráter legal das
normas e regulamentos”, conheça “a coerência da distribuição das atividades
em relação aos cargos e funções”, a “estrutura hierárquica da empresa”, o
“caráter racional e divisão do trabalho”, torna-se imperioso que ele receba
treinamento, cumprindo assim o seus propósitos do “aperfeiçoamento do
conhecimento e habilidades de trabalho” e da “transmissão de informações”
sobre a empresa, seus produtos, políticas.
A teoria burocrática busca a eficiência da organização, então, usa-se o
treinamento como “instrumento de ação direta da racionalização, pois seus
resultados são efetivamente percebidos na elevação da eficiência, ao
desenvolver no trabalhador a aplicação do menor esforço para se atingir o
melhor resultado”.
A especialização e a profissionalização são outras características que
guardam relação direta com o treinamento.
Além das características da teoria burocrática, o treinamento também
possibilita a redução do impacto de parte das disfunções identificadas nesta
teoria, amenizando consideravelmente os efeitos do “apego aos regulamentos”
e da “resistência às mudanças”.
5
Aspectos conflitantes entre a teoria burocrática e o treinamento
A
teoria
burocrática
tem
ênfase
no
processo
de
autoridade-
subordinação, colocando as pessoas em segundo plano, vez que para ela a
burocracia não é um sistema social. O treinamento, quando implica em
promoção, faz a empresa assumir sua função social. Ainda neste enfoque, o
treinamento, quando tem o propósito de modificar atitudes, trabalha
sentimentos e sensações, circunstâncias desconsideradas pela “teoria das
máquinas”.
Ainda no contexto do propósito de modificar atitudes que o treinamento
possui, o “homem condicionado”, descrito por Bennis ao criticar a teoria
burocrática, perde força.
Outra disfunção da teoria que o treinamento acaba amenizando é o olhar
intrínseco que ela assume, não percebendo o externo à organização. Ao
assumir a função social e ampliando as ações do funcionário para além do
meio de produção, a empresa acaba abrindo-se ao ambiente externo.
6
Conclusão
A teoria burocrática acaba por absorver propósitos do treinamento, no
entanto, por suas características, esta absorção acaba sendo parcial. As
disfunções identificadas sobre a teoria também são amenizadas quando os
aspectos do treinamento são considerados.
Desta forma, é possível perceber que a teoria burocrática ainda tem
grande espaço nas organizações atuais, com maior ou menor intensidade,
conforme os objetivos da empresa, mas os conceitos apresentados pelo
treinamento ampliam as possibilidades expostas por aqueles ensinamentos.
BIBLIOGRAFIA
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. Rio de
Janeiro. Elsevier, 2011. 8ª ed. Cap. 11. Pg 241 – 265.
LAKATOS, Eva Maria. Sociologia da administração. São Paulo. Athos, 1997.
Cap. 3. Pg 73 – 95.
LAKATOS, Eva Maria. Sociologia da administração. São Paulo. Athos, 1997.
Cap. 6. Pg 160 e 161.
OLIVEIRA NETTO, Alvim Antônio de. Metodologia da pesquisa científica:
guia prático para apresentação de trabalhos acadêmicos. 2. ed. rev. E atual. /
Alvim Antônio de Oliveira Netto. Florianópolis: Visual Books, 2006.
RIBEIRO, Renato Vieira. Teorias da administração. Curitiba. IESD Brasil S.
A., 2007. Pg. 110 – 136.
SERSON, José. Curso básico de administração do pessoal. 3. ed. Reescrita
São Paulo: Edições São Paulo, 1975. Cap. VI, Pg. 297 – 300.
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