Imputação Objetiva
Com o objetivo de racionalizar a intervenção do Estado na sociedade, a teoria da imputação objetiva surge como
paradigma do funcionalismo concebido por Claus Roxin, ao estabelecer a maneira pela qual os comportamentos
humanos, descritos nos tipos penais, devem ser valorados. A partir desta valoração da conduta, amparada em elementos
de política criminal, a teoria ora estudada redimensiona a análise do nexo de causalidade, visto até então sob a óptica da
teoria da “conditio sine qua non”.
Tradicionalmente, o nexo de causalidade é apreciado sob dois aspectos: um objetivo, que corresponde à própria teoria
da “conditio sine qua non”, segundo a qual considera-se causa toda conduta que, eliminada mentalmente, teria o condão
de suprimir o resultado produzido – procedimento de eliminação hipotética de Thyrén; um segundo aspecto, de natureza
subjetiva, que afirma apenas existir nexo de causalidade nas condutas praticadas com dolo ou, ao menos, com culpa
pelo agente.
A teoria da imputação objetiva, por sua vez, restringe a responsabilização do agente no tocante ao primeiro aspecto –
puramente objetivo – ao afirmar que a conduta deve criar para o bem jurídico um risco acima do permitido, isto é,
inadequado, e que o resultado seja decorrência dessa conduta.
Diz-se, portanto, que enquanto a causalidade é ontológica, a imputação é axiológica, ao introduzir um elemento
normativo implícito no tipo penal.
No que tange ao enquadramento da imputação objetiva dentre os elementos do fato típico, diverge a moderna doutrina
se tal teoria refere-se ao nexo de causalidade – âmbito considerado no presente estudo – ou à tipicidade.
Com efeito, há forte tendência doutrinária no sentido de se apreciar a imputação objetiva quando da análise da tipicidade
material, considerada como elemento do tipo conglobante.
Uma vez situada a teoria da imputação objetiva na estrutura do crime, passemos à enunciação dos três “níveis de
imputação” propostos por Roxin.
O primeiro “nível de imputação” corresponde à criação de um risco jurídico-penalmente relevante ou não permitido.
De fato, não é função do direito penal punir todo e qualquer evento que produza riscos. Exclui-se, portanto, as condutas
que geram riscos permitidos. Tal idéia se coaduna ao próprio aspecto material do crime, no sentido de que a lei só pode
incriminar condutas que violam direitos fundamentais ao convívio social – princípio da intervenção mínima, necessidade
ou “ultima ratio” – e, nessa medida, criam riscos desaprovados pela norma penal que inspira o tipo.
Infere-se, portanto, que a valoração da conduta como criadora de um risco ao bem jurídico acima do permitido, gera a
ausência de imputação das condutas em que o agente visa justamente diminuir o risco. É o caso da pessoa que empurra
a outra ao chão, lesionando-a, ao perceber que terceiro iria atirar de forma fatal na vítima da lesão.
Igualmente, o agente não responde quando atua dentro dos limites do risco permitido, isto é, se o agente cumpre as
normas que dizem respeito ao risco de sua atividade, como por exemplo o fabrico de explosivos, ao menos na esfera
penal, não haverá responsabilização por eventuais danos.
Considera-se aqui também a conduta que não incrementa o risco de forma mensurável, se comparado com o perigo
existente. Inaplicável, desta feita, a teoria do incremento do risco. Discute-se aqui, por exemplo, se uma pessoa
responde pelo crime de inundação ao verter um jarro de água em uma represa, fazendo com que esta transborde e
rompa um dique.
Roxin aponta como segundo “nível de imputação” a realização do risco desaprovado no resultado lesivo. Com efeito,
este aspecto evidencia o objeto de análise da imputação objetiva, qual seja, o nexo causal. De fato, a exigência ora
tratada tão-somente requer que o resultado naturalístico produzido derive dos riscos da conduta, valorados segundo o
primeiro “nível de imputação”.
No entanto, ressalva que referido liame causal é excluído em duas situações. Primeiramente, quando o resultado deriva
do perigo causado pela própria vítima. Trata-se da aplicação do princípio da auto-responsabilidade, segundo o qual o
agente conhece os riscos da conduta e, ainda assim, os assume (consente ou participa de uma auto-colocação em
perigo). Em segundo lugar, exclui-se a imputação quando o resultado é provocado por pessoa que tinha o dever jurídico
de enfrentar o perigo. Há aqui traslado do risco do âmbito de responsabilidade alheio, a partir do momento em que o
“garante” interfere na linha causal.
Questiona ainda Roxin se no juízo da criação de um risco se podem considerar os cursos causais hipotéticos. Estes
ocorrem quando se constata que o resultado gerado pela conduta se produziria de forma inexorável. A título de exemplo:
segundos antes da execução da pena de morte pelo algoz, o pai da vítima mata o réu condenado. Neste caso, a doutrina
majoritária considera que a imputação objetiva não pode ser excluída somente porque um autor substituto estaria pronto
para realizar a conduta desempenhada pelo autor do fato, em caso de ausência deste (princípio da tomada de posição).
Todavia, mister ressaltar que alguns autores somente aceitam a exclusão da imputação nos casos de cursos causais
hipotéticos, tratando-se de bens jurídicos com conteúdo patrimonial.
Finalmente, enunciamos o terceiro “nível de imputação”: a infringência ao fim de proteção do tipo penal ou alcance do
tipo.
A partir deste aspecto pretende Roxin excluir da imputação condutas que escapam ao objeto jurídico do tipo penal, muito
embora pudessem ser atribuídas ao agente segundo a equivalência dos antecedentes. É o caso de uma pessoa que
provoca a morte de outra ao noticiar algo ruim (“dano causado por um choque”).
Em verdade, este terceiro “nível” se confunde com o primeiro, tendo em vista que o alcance do tipo penal será
estabelecido de acordo com a valoração do risco criado. Assim procedendo o aplicador do direito, considerará a lesão ou
ameaça de lesão aos bens jurídicos penalmente tutelados, o que remonta ao aspecto material do conceito de crime, tal
qual já afirmado.
Cumpre evidenciar que a teoria da imputação objetiva não é senão um modelo teórico em formação, que de fato
soluciona inúmeros problemas não resolvidos pela adotada “conditio sine qua non”. Todavia, não oferece ainda resposta
suficiente a todas as críticas que têm sido contra ela articuladas.
Karina Jemengovac
Aluna do Curso FMB
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