A RELEVÂNCIA DA POLÍTICA-CRIMINAL NA
IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO: NOVOS
ASPECTOS AO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL
BRASILEIRO
Tathiana de Melo Lessa Amorim
RESUMO: Assunto em voga, a imputação objetiva pretende substituir
totalmente a relação de causalidade por uma relação jurídica axiológica entre
conduta e evento. Pretende-se com o presente estudo colocar em definitivo a
imputação objetiva no campo da tipicidade, com ênfase no juízo valorativo
através da concepção teleológica-racional com a primazia da dignidade
humana.
1. Relação de causalidade e imputação objetiva
O vínculo de conhecimento entre a ação do agente e o resultado por ela
produzido é o nexo de causalidade.1 Wessels (1976, p. 39) ao explicar o nexo
de causal entre ação e resultado afirma que a conduta humana pode estar
ligada a certas conseqüências socialmente danosas e que o tipo de injusto
objetivo só se realiza quando entre ação e resultado subsista um nexo de
causalidade e o resultado deva ser imputado ao causador.
Os crimes de resultado2 apresentam maior relevância à questão da
relação de causalidade. Nosso Código Penal determina no artigo 13 que: "o
resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem
lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido".3 Segundo Júnior (1996, p. 26), nesse dispositivo há dois
momentos para o juízo: em primeiro, verifica-se o elo causal entre conduta e
evento, e em segundo, a valoração desse nexo em relação ao Direito.
Depreende-se desse dispositivo a adoção da teoria da equivalência das
condições (conditio sine qua non), acolhida pelo legislador penal como consta
da Exposição de Motivos do Código Penal:
1
"11. Seguindo o exemplo do Código italiano, o projeto entendeu de formular, no
artigo 11, um dispositivo geral sobre a imputação física do crime. Apresenta-se
aqui o problema da causalidade, em torno do qual se multiplicam as teorias. Ao
invés de deixar o problema às elucubrações da doutrina, o projeto pronunciouse expressis verbis, aceitando a advertência de Rocco, ao tempo da
construção legislativa do atual Código italiano: "...adossare la responsabilità
della resoluzione di problemi gravissimi alla giurisprudenza à, da parte del
legislatore, uma vegliaccheria intellettuale" (Lav. Prep., IV, 2º, 117). O projeto
adotou a teoria chamada da equivalência dos antecedentes ou da conditio sine
qua non. Não distingue entre causa e condição: tudo quanto contribui, in
concreto, para o resultado é causa. Ao agente não deixa de ser imputável o
resultado, ainda quando, para a produção deste, se tenha aliado à sua ação ou
omissão uma concausa, isto é, uma outra causa preexistente, concomitante ou
superveniente. Somente no caso em que se verifique uma interrupção de
causalidade, ou seja, quando se sobrevém uma causa que, sem cooperar
propriamente com a ação ou omissão, ou representando uma cadeia causal
autônoma, produz, por si só, o evento, é que este não poderá ser atribuído ao
agente, a quem, em tal caso, apenas será imputado o evento que se tenha
verificado por efeito exclusivo da ação ou omissão."
D'Ávila (2001, pp. 20-1) entende que a Exposição de Motivos
compreende a causalidade natural e a típica, ou seja, o resultado naturalístico
e a imputação normativa, haja vista a imputação objetiva do resultado
preocupar-se com a relevância jurídica da causalidade, sendo essa a atribuição
típica da objetividade como obra do próprio agente.
Toledo (1994, p. 113) afirma que a causalidade (ação e resultado) não é
puramente naturalística, devendo ser valorado conjuntamente como o elemento
subjetivo do agente. A causalidade seria, portanto, aquela prevista, antecipada,
visualizada em mente pelo agente. Se na causa o agente não pode prever o
resultado, esse não comete crime.
Os precursores da teoria da equivalência das condições foram John
Stuart Mill, Glaser e von Buri. Para esses, causa é a condição adequada, não
havendo diferenciação entre os termos. Causa seria todo fator que não possa
ser suprimido mentalmente sem que afaste o resultado, utilizando-se, para
tanto, a fórmula da eliminação hipotética (ou juízo hipotético de eliminação).
2
Wessels (1976, p. 43) ao mencionar o teria da adequação, afirma que
um fazer ou omitir-se é, então, "condição adequada" do resultado concreto
quando aumentou a possibilidade de sua ocorrência de modo geral (segundo a
experiência geral da vida). O nexo causal adequado será negado quando a
verificação do resultado baseia-se sobre uma corrente causal anormal e
atípica, ou seja, sobre o elo totalmente não costumeiro ou improvável de
circunstâncias, com as quais não era mais de se contar segundo a experiência
diária. Ao juízo de adequação devem ser agregadas aquelas circunstâncias
que eram conhecidas ou objetivamente reconhecíveis no momento e no lugar
do fato e que pudessem ser previstas por um homem criterioso situado no
papel do autor, concluindo que a debilidade dogmática da teoria da adequação
situa-se em que ela registra a luta contra a amplitude sem limites da teoria da
condição em lugar errado, negando o nexo causal, onde na realidade, é de se
negar somente a relevância fundamentadora da responsabilidade, confundindo
"causação" e "imputação" do resultado.
Para Jakobs (1997, p. 54) a fórmula da conditio sine qua non é
supérflua, um erro metodológico. Roxin (1997, p. 350) comunga do mesmo
pensamento, afirmando ser a referida fórmula inútil, induzindo ao erro e
levando ao regressus ad infinitum.
A fórmula da eliminação hipotética vem sido discutida pela "teoria da
causa como condição conforme as leis naturais", formulada por Engisch.
Fundamenta-se essa teoria na apreciação causal de critérios que podem
ser denominados de "lei causal ajustada ao nosso conhecimento experimental"
ou "experiência geral ou de especialistas". A teoria simplifica a apreciação da
causalidade e evita os erros decorrentes da aplicação da fórmula da eliminação
hipotética (ROXIN, 1997, p. 358).
Tal teoria ainda se encontra em desenvolvimento no Brasil. Por essa
razão procura-se, no ordenamento pátrio, limitar o alcance da teoria da
causalidade pela causalidade tipicamente relevante, quando os elementos da
tipicidade (dolo e culpa) devem verificar aquilo que foi devidamente antecipado,
previsto, visualizado em mente pelo agente, pois se não o for, não há que se
falar em crime;4 pela causalidade hipotética, que na ausência da ação do
agente, essa seria praticada por outrem, da mesma forma que fora praticada
pelo agente;5 pela causalidade alternativa, em que dois ou mais agentes
realizam condutas independentes, as quais são capazes de provocar o
3
resultado; e pela causalidade por adiantamento, sendo que os efeitos da
segunda ação adiantam-se à primeira, interrompendo a progressão causal por
esta iniciada6 ( D'ÁVILA, 2001, pp. 25-33).
Bitencourt (2003, pp. 183-8) menciona as limitações do alcance da teoria
da conditio sine qua non na localização do dolo e da culpa no tipo penal, pois
qualquer conduta que não for orientada pelo dolo ou culpa encontra-se no
âmbito do acidental, do fortuito ou força maior (onde não há crime); nas causas
(concausas) absolutamente independentes, subdividindo-as em condições
preexistentes (causas que ocorrem antes da existência da conduta),
concomitantes (causas que ocorrem simultaneamente à conduta) e
supervenientes (causas que ocorrem posteriormente à conduta). Nesses
casos, faz-se o juízo hipotético de eliminação para a cabal verificação de que a
conduta não contribuiu para a produção do evento.
Como limitação há ainda as causas relativamente independentes, sendo
que essas auxiliam ou reforçam o processo causal (soma de esforços para o
resultado), respondendo o agente pelo resultado e a superveniência de causa
relativamente independente que se encontra no artigo 13, § 1º, do Código
Penal: "a superveniência de causa relativamente independente exclui a
imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores,
entretanto, imputam-se a quem os praticou".
Nesse dispositivo trata-se evidentemente de uma independência relativa.
A nova condição provoca um novo nexo de causalidade (pode ser atividade
humana ou acontecimento natural), sendo que essa nova condição determina
"por si só" o resultado. O agente de fatos anteriores responde somente pelos
seus crimes que já tenham sido praticados e consumados.
A teoria da imputação objetiva é considerada nos dias atuais como
complemento à teoria do nexo causal, pertencendo ao plano axiológico. Esse
pensamento dá-se pela crítica que a relação de causalidade recebe, pois não
explica os casos de causalidade hipotética condizentemente, não incide sobre
os delitos omissivos e não está adequada aos casos de tentativa.
4
2. A questão da imputação objetiva na tipicidade
O juízo de tipicidade é a operação intelectual de conexão entre a infinita
variedade de fatos possíveis da vida real e o modelo típico descrito na lei. Se o
resultado desse juízo for positivo, a conduta é típica; se negativo é atípica.
Zaffaroni (2004, pp. 422-3) nos aclara que o juízo de tipicidade cumpre
uma função fundamental na sistemática penal. Sem ele a teoria ficaria sem
base, porque a antijuridicidade (ou ilicitude) deambularia sem estabilidade e a
culpabilidade perderia sustentação pelo desmoronamento do seu objeto.
A tipicidade é decorrência do princípio da reserva legal,7 sendo aquela a
correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada
espécie de infração contida na lei penal incriminadora. A conduta do agente
deve subsumir-se na moldura descrita na lei.
Subdivide-se em tipicidade formal, sendo essa a justaposição da
conduta ao tipo, sem qualquer juízo axiológico (ou valorativo); e material, pelo
fato de ser materialmente lesivo a bem jurídico relevante ou socialmente
reprovável.
Na tipicidade material há a aplicação do princípio da adequação social, e
o princípio da ofensividade. O princípio da ofensividade (lesividade ou exclusiva
proteção dos bens jurídicos) consiste na tipificação e punição de condutas que
efetivamente causem um dano direto a bem jurídico tutelado pela norma. Logo,
deve estar configurado uma ofensa considerável e determinado interesse
protegido.
O princípio da adequação social, por sua vez, conduz à tipificação de
condutas que tenham relevância social. Sendo assim, condutas toleradas
socialmente não podem constituir delitos, não se revestindo de tipicidade. A
tipicidade material (inserida no plano axiológico) é abarcada pelo desvalor da
conduta e do resultado, sendo que o fato em si deve lesar efetivamente um
bem juridicamente protegido. Determinado comportamento que esteja previsto
em uma descrição típica formal, porém irrelevante (materialmente), e que
esteja adequada ao socialmente permitido ou tolerado, não há que se falar em
5
realização material da descrição típica, por faltar o conteúdo típico do injusto
(JESCHECK apud Bitencourt, 2003, p. 17). A adequação social é, antes de
tudo, uma interpretação teleológica-restritiva dos tipos penais, abarcando
concepções de cunho político, social e jurídico, influindo diretamente na tutela
dos bens jurídicos.
Escamilla (1992, pp. 71-8) admite a imputação objetiva no âmbito da
tipicidade por considerar que a imputação seja uma superação definitiva do
dogma causal. Sancinetti (1997, p. 42) entende que a teoria objetiva do
resultado é um conjunto de princípios delimitadores e corretivos da tipicidade,
especialmente nos crimes de resultado.
A teoria constitucionalista do delito formulada por Gomes (2006, pp. 11835), indica a imputação objetiva (utilizando a teoria dualista) na tipicidade
material. O autor subdivide a tipicidade formal em: conduta voluntária
(concepção clássica ou causalista, sem dolo ou culpa); conduta dolosa ou
culposa (concepção finalista); resultado naturalístico (nos crimes materiais); o
nexo de causalidade; e a adequação do fato à lei.
A tipicidade material é subdividida em: imputação objetiva da conduta,
com a presença do desvalor da ação; resultado naturalístico; imputação
objetiva do resultado, com a presença do desvalor do resultado; e a imputação
subjetiva (nos crimes dolosos).
Comungamos do entendimento que a imputação objetiva está inserida
no âmbito da tipicidade. Cancio Meliá (1994, p. 65) explicita que para se
encontrar a imputação objetiva é necessária sua introdução na figura típica.
Para Ordeig (1999, p. 55), o precursor da doutrina da imputação objetiva em
doutrinas penais logo após a Segunda Guerra Mundial, na tipicidade estão
inseridos os planos ontológicos (ação e causalidade) e axiológicos (dolo,
elemento subjetivo, infração do dever de cuidado), adepto do princípio da
adequação social.
Para a configuração da tipicidade material seria necessário tão-somente
o juízo de desvalor da ação que é a valoração negativa que se realiza em
relação à conduta do agente; o juízo de desvalor do resultado jurídico (ou
normativo, aplicado o princípio necessitas sine iniuria), pois não há crime sem
6
lesão ou perigo de lesão a bem jurídico relevante; e a imputação objetiva do
resultado.8
Bustos Ramírez (1994, p. 198) explicita que se considerado somente o
desvalor da ação, o Direito Penal se desprenderia do ordenamento jurídico e
passaria a ser prima ratio, desrespeitando frontalmente o princípio da ultima
ratio.
Prado aponta para quatro requisitos à configuração do desvalor do
resultado jurídico, quais sejam: a) resultado concreto ou real: que não se
coaduna com o perigo abstrato, pois o agente deve afetar de modo concreto
bens jurídicos de terceiros; b) resultado transcendental: pois só é relevante o
resultado que afeta terceiras pessoas ou interesses de terceiros (princípio da
alteridade); c) resultado grave ou significativo: não há resultado jurídico
relevante quando ele é insignificante (princípio da insignificância); e d)
resultado intolerável: não se aceita a conduta tolerada socialmente (PRADO,
2002, p. 280).
Depreende-se da análise que se houver a presença do terceiro e quarto
requisitos o fato deve ser tido por materialmente atípico.
3. Imputação objetiva do resultado
3.1. Origem e conceito
Aristóteles (1991, p.79) centrou-se nas categorias ontológicas para
explicar a imputatio. Imputa-se àquele que voluntariamente fez uso de sua
liberdade natural (nekusión) com ou sem ânimo de praticar determinado delito.
O filósofo Hegel (1990, p.111) entende que um fato só pode ser
imputado ao agente como responsabilidade da vontade, assim como acontece
no juízo teleológico, pois o fato encontra-se vinculado aos propósitos do
agente.9
7
Pufendorf (apud Prado, 2002, pp. 21-6) adepto do direito natural
racionalista, nos aclara o que venha a ser o conceito de imputação.
Imputativitas é o fato da ação pertencer ao agente quando for expressão de
sua livre autodeterminação (consciência e vontade); a imputatio é a valoração
do acontecimento (juízo); a entia moralia são as leis estruturais; e a entia
physica que são as leis da natureza e os fatores psíquicos.
Nas leis estruturais (mundo da cultura), não há obediência às leis
naturais; segue-se a lei da liberdade que cria significados, sentidos e valores
(havendo a valoração da ação). A entia physica é subdividida em momento
material, sendo esse o movimento corporal posterior à modificação causal
(resultado), os atos do intelecto e da vontade. O momento formal é a
determinação livre, não havendo ainda a valoração da ação (imputativitas).
Para Larenz (apud Prado, 2002, pp. 30-4) a ação não contém a vontade
do agente. Essa vontade deve ser vista por um conceito de finalidade objetivo e
as conseqüências acidentais podem se transformar em fato próximo do agente
e a ele imputável. Sendo assim, imputa-se ao agente não somente o que era
conhecido e querido pelo agente, mas também o que era conhecido e passível
de ser abarcado pela vontade.
Honig (apud Prado, 2002. pp. 34-8) enfatiza a imputação objetiva do
resultado. Utiliza a vontade, previsibilidade do agente e a finalidade objetiva. O
juízo de imputação objetiva seria o juízo axiológico (valorativo) da relação de
causalidade para com o ordenamento jurídico. Examinam-se as capacidades
potenciais do homem, perguntando sempre se o sujeito podia com o seu
comportamento realizar ou evitar o resultado.
Para a imputação objetiva somente é imputável aquele resultado10 que
pode ser finalmente previsto e dirigido pela vontade. Logo, exige-se a vontade
humana para a criação de um risco juridicamente relevante (ou juridicamente
desvalorado) de lesão típica a um bem jurídico. Para Wessels (1976, p. 40),
objetivamente imputáveis são somente aquelas conseqüências do fato que se
baseiam em uma corrente causal jurídico-penalmente relevante, pois para esse
autor, para o direito penal o importante não é só a relação de causa e efeito,
mas o fato do resultado socialmente danoso ser imputado ao autor sob o
atendimento da possibilidade de realização humana, como "obra sua".
8
O conceito de imputação objetiva do resultado de Jeschech (1993, p.
258) aduz que só pode ser objetivamente imputável um resultado causado por
uma ação humana (no sentido da teoria da condição), quando a mesma cria
para o objeto protegido uma situação de perigo juridicamente proibida e o
perigo materializa-se no resultado típico.
Wessels (1976, p. 41) nos aclara que segundo a teoria da condição,
fundada por Glaser e introduzida por von Buri, causa é toda condição de um
resultado que não pode ser mentalmente eliminada sem que o resultado
também o seja em sua manifestação concreta.
3.2. Critérios normativos
É cediço que a imputação objetiva do resultado utiliza-se de casuísmos,
bem como do método indutivo11 para uma possível operação intelectual.
Na década de 70 do século XX, Roxin formulou critérios normativos os
quais seriam introduzidos na imputação objetiva tanto para os delitos dolosos
quanto culposos, para isso desenvolveu a concepção teleológico-racional.
O funcionalismo teleológico-racional12 entende que o dever ser não
pode ser deduzido do ser, mas basear-se em premissas normativas. O injusto
penal é a proteção do indivíduo e da sociedade, a garantia da liberdade dos
cidadãos diante de reações desproporcionadas do Estado. O injusto é a
realização de um risco não permitido para um bem jurídico-penal na esfera do
alcance do tipo (evitação de riscos para o indivíduo e a sociedade).
Para Roxin (1997, p. 221) o crime é composto pela tipicidade,
antijuridicidade e responsabilidade. A tipicidade deve ser formal e material para
a configuração da imputação, sendo que a conduta do agente deve criar um
risco proibido e esse risco deve se concretizar no resultado jurídico. Na
antijuridicidade devem ser resolvidos conflitos a bens jurídicos e na
responsabilidade há dois pressupostos, quais sejam, a culpabilidade e a
necessidade, que consiste nos fins de prevenção geral e especial do delito.13
9
Os critérios normativos delineados por Roxin que se identificam com o
nosso ordenamento jurídico-penal são: diminuição do risco, criação ou nãocriação de um risco juridicamente relevante, aumento do risco permitido,
âmbito de proteção da norma, compreensão do resultado no âmbito de
proteção da norma e realização do plano do autor.
Tavares (2000, p. 224) entende que:
"Embora a base funcional da fundamentação desses critérios possa ser
contestada porque tem em vista que o injusto decorre, na verdade, da violação
a deveres de organização e não de realização de uma conduta que ultrapasse
os lindes da intervenção estatal, podem eles merecer acolhida, na falta de
outros indicadores, desde que subordinados às condições pessoais do sujeito e
de sua liberdade contextual. Isto significa que o processo de imputação objetiva
deve ser visto como um recurso adicional a recuperar a função do sujeito na
realização do injusto, eliminando de seu âmbito aqueles acessórios
absolutamente contingentes, pelos quais esse mesmo sujeito se veria situado
como mero objeto das propostas incriminadoras. Na medida em que esses
critérios possam acentuar essa sua função central delimitadora, segundo o
princípio da integridade racional da ordem jurídica, serão válidos como critérios
normativos."
3.2.1. Diminuição do risco
Não há imputação objetiva quando o sujeito age com o intuito (leia-se
fim) de diminuir o risco de maior dano ao bem jurídico. Reduz-se a intensidade
do risco de dano. O efeito é a atipicidade da conduta.
Exemplo: "A" atira uma pedra na direção da cabeça de "B", com
intenção de matá-lo. O arremesso pela forma de execução é fatal. "C" desvia a
pedra com as mãos, vindo esta a atingir "D", causando-lhe lesões corporais.
Subsiste a tentativa de homicídio de "A" contra "B", mas não há incriminação
de "C" contra "D", pois a interferência de "C" diminuiu o risco à vida "B". Há
atipicidade de "C" pois este não queria ferir "D" (ROXIN, 2002, p. 58).
10
3.2.2. Criação ou não-criação de um risco juridicamente relevante
A criação de um risco não permitido configura o desvalor da ação e a
materialização deste risco configura o desvalor do resultado, logo, há
imputação. O risco deve ser desaprovado e não um risco tolerado (onde há a
atipicidade). No risco tolerado há a aplicação da teoria da adequação social,
onde se busca afastar a intervenção penal das condutas sociais toleradas
socialmente (ROXIN, 1989. pp. 751-2).
Exemplo: O proprietário de um bar vende bebida alcoólica a um freguês,
que, sob o efeito de embriaguez, dirige de forma perigosa, vindo a matar
culposamente um transeunte. O dono do bar não responde pelo evento morte,
pois o risco criado por ele é socialmente tolerado (permitido), ainda que
desconfiasse que o tomador de bebida alcoólica viria a dirigir veículo de forma
perigosa.
3.2.3. Aumento do risco permitido
Há imputação objetiva quando o sujeito aumenta o risco já existente ou
ultrapassa os limites do risco juridicamente tolerado. É a teoria do incremento
do risco.
Exemplo: Na Alemanha, um industrial fabricante de pincéis de pêlo de
cabra chinesa, que exigia, na confecção, tratamento com desinfetante, sob
pena de contração da doença e morte dos empregados. Um dia, morreram
quatro funcionárias, tendo em vista que o dono da fábrica não lhes tinha
providenciado o desinfetante. A ausência do tratamento com o desinfetante
aumentou o risco de dano às operárias. Já havia risco de periculosidade do
material, aumentada sua intensidade pela conduta omissiva do industrial
(ROXIN, 1989, p. 758)
3.2.4. Âmbito de proteção da norma
O sujeito não responde pelas conseqüências secundárias e pelos danos
indiretos ou resultados que não se encontram na extensão da incriminação da
11
figura típica. O resultado lesa objeto que se encontra fora da esfera de
proteção da norma incriminadora. Afasta-se a imputação nos casos de
autolesão, de provocação de suicídio e de produção de um segundo dano que
são tidas por conseqüências secundárias (ROXIN, 1989, p. 759).
Exemplo: A mãe, ao tomar conhecimento da morte do filho por
atropelamento culposo, sofre um colapso cardíaco e morre. A conduta do
motorista atropelante é típica em termos de crime culposo no trânsito. O
segundo resultado (a morte da mãe da vítima), deve ser considerado atípico,
pois essa morte não se encontra no âmbito de incriminação da norma penal, ou
seja, no artigo 302 do Código de Trânsito, que só aceita a tipicidade dos
eventos diretos.14
3.2.5. Compreensão do resultado no âmbito de proteção da norma
Quando alguém cria um risco não permitido para um bem jurídico
protegido e esse perigo se realiza, a imputação deve ser rechaçada quando
contraria esses princípios: a) princípio da autonomia da vítima. Exemplo: Um
viciado entrega ao seu amigo também viciado, droga e seringa. Ele aplica em si
mesmo a substancia tóxica, sofre uma overdose e morre. Não há imputação,
pois a ingestão da droga é ato próprio e responsável do viciado. É a orientação
atual da jurisprudência alemã, pois a vítima tinha o dever de evitar afetações
em si mesma, não injetar a droga ou injetá-la em dose menor. Roxin entende
que só haverá imputação nesse caso se a vítima se encontrava em situação de
incapacidade intelecto-volitiva. b) atribuição do resultado a diversos âmbitos de
responsabilidade: quando alguém assume a responsabilidade de evitar o
resultado, aquele que inicialmente a detinha deixa de ser responsável, caso
esse se produza por meio de ação de outrem. Exemplo: "A" dirigindo de forma
imprudente ocasiona um acidente. Seu acompanhante "B" que tem a perna
fraturada nesse acidente é levado a um hospital e morre em razão de uma
intervenção cirúrgica realizada com imperícia pelo médico "C". Ao ser o
paciente conduzido ao hospital e atendido pelo médico, entra na esfera de
responsabilidade deste, que cria e realiza um risco para sua vida. O acidente
não gerou um risco para a vida do transeunte, mas sim a intervenção médica.
"C" responde pela morte de "B" (ROXIN, 1989, pp. 761-4).
12
3.2.6. Realização do plano do autor
Entende a imputação à esfera do dolo (intenção). É um critério
intermediário entre a teoria da concreção (que sustenta a relevância do erro em
todo caso e a existência da tentativa) e a teoria da igualdade de valor (hipótese
de delito doloso consumado).
Exemplo: "A" quer matar "B" com um tiro e após atingi-lo com um
disparo, supõe erroneamente que a vítima, inconsciente, esteja morta e a lança
em um rio com o propósito de ocultar o cadáver, morrendo "B" afogado. Para
Roxin, se presente o dolo direto há imputação por homicídio consumado, já
que, apesar de lograr o resultado pretendido por caminho diverso do
inicialmente imaginado, o autor tinha a finalidade de matar e seu plano se
concretizou. (ROXIN, 1989, p. 766). Esse critério é criticado por ser muito
amplo e vago, devendo ser precisado em cada caso concreto.
4. Política-criminal e dignidade da pessoa humana
Roxin pretende superar a concepção dualista de von Liszt. Para tanto,
utiliza-se de uma concepção sistemática global. Parte-se da frase de von Lizst
(apud Roxin, 2000, p. 01) de que "o direito penal é a barreira intransponível da
política criminal". Essa frase caracteriza de um lado o direito penal como
ciência social e de outro como ciência jurídica, haja vista que:
À política criminal assinalava von Liszt os métodos racionais, em sentido
social global, do combate à criminalidade, o que na sua terminologia era
designado como a tarefa social do direito penal, enquanto ao direito penal, no
sentido jurídico do termo, competiria a função liberal-garantística de assegurar
a uniformidade da aplicação do direito e a liberdade individual em face da
voracidade do Estado Leviatã (ROXIN, 2000, pp. 02-3).
Roxin com o intuito de superar a concepção de von Liszt assevera para
o princípio da reserva legal15 para a proteção da liberdade do indivíduo em
face do arbítrio ilimitado do poder estatal, dando ênfase a uma abordagem
técnico-jurídica, não entregue ao acaso e ao arbítrio (diletantismo).
Reconsidera a práxis pela decisão adequada ao caso concreto, além de
13
considerações
conceituais.
político-criminais16
com
independência
de
construções
Para o autor, o positivismo como teoria jurídica caracterizava-se por
banir da esfera do direito as dimensões do social e do político. A crítica ao
finalismo dá-se, pois no entendimento do autor não mais de acredita em
soluções deduzidos de conceitos sistemáticos superiores, menosprezando a
capacidade da práxis de tais categorias (ROXIN, 2000, pp. 09-10). Um sistema
hermético como o finalismo isola a dogmática das decisões valorativas políticocriminais, ou seja, da realidade social, pois quando da interpretação de tipos
em consonância ao ideal positivista-liberal não alcança soluções claras ou
aceitáveis. A solução, portanto, deve ser procurada teleologicamente, através
do bem jurídico protegido (ROXIN, 2000, pp. 23-6).
A tarefa da lei não se limita somente às funções garantísticas delineadas
por von Lizst. Entre tais tarefas estão os problemas político-criminais que
constituem o conteúdo próprio da teoria do delito:
"Fica claro que o caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas
político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal, de tal forma que
a fundamentação legal, a clareza e a previsibilidade, as interações harmônicas
e as conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada à
versão formal-positivista de proveniência lisztiana (ROXIN, 2000, p. 20)."
A construção teleológica de Roxin inicia-se com o princípio nullum
crimen, por esse postulado possuir a função de proteção e de instrumento de
regulação social. Ênfase é dada ao Estado de Direito e Social como forma de
corroborar a tripartição do crime. O Estado de Direito e Social não são opostos,
mas compõem uma unidade dialética na visão do autor. Uma ordem jurídica
sem justiça social não é um Estado de Direito material, e tampouco pode
utilizar-se da denominação Estado Social um Estado planejador e
providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito
(ROXIN, 2000, p. 20).
Na tipicidade, o tipo está sob a influência da idéia de determinação legal
(nullum crimen sine lege certa). Sendo que o princípio do nullum crimen
assevera uma interpretação restritiva que realize a função constitucional e a
14
natureza fragmentária do direito penal. Para isso são necessários princípios
regulativos como a adequação social, sendo esse um auxílio de interpretação
para restringir formulações literais que abranjam comportamentos socialmente
toleráveis e o princípio da insignificância, que permite excluir de plano as
lesões de bagatela (ROXIN, 2000, p. 47).
A antijuridicidade é o âmbito da solução social de conflitos, o campo no
qual interesses individuais conflitantes ou necessidades sociais globais entram
em choque com as individuais (ROXIN, 2000, pp. 60-1); a culpabilidade
importa-se muito mais com a questão normativa de como e até que ponto é
preciso aplicar a pena a um comportamento em princípio punível. Para isso,
vale-se da função limitadora da pena, como considerações de prevenção geral
e especial (ROXIN, 2000, p. 67). O dever do intérprete limita-se a tomar as
considerações legislativas dos fins da pena como parâmetro da descoberta do
direito, na utilização concretizadora das normas legais e no desenvolvimento
cauteloso da dogmática da culpabilidade pelos espaços deixados em aberto
pelo direito vigente (ROXIN, 2000, pp. 95-6).
Conclusões
Depreende-se do estudo que a imputação objetiva visa separar a
causalidade daquilo que é tido como obra do agente; que a tipicidade e
antijuridicidade correspondem a níveis axiológicos distintos; e que a imputação
objetiva do resultado encontra ponto de efetividade com a tipicidade, com os
princípios da adequação social, da ofensividade (ou lesividade) e da
insignificância, pois somente as transformações cotidianas possibilitam a
concretização de determinadas medidas que permitam uma solução correta
sob o prisma da realidade social, adaptada às peculiaridades do caso concreto.
O funcionalismo teleológico-racional, legado do neokantismo (com as
devidas reformulações), abarca as decisões valorativas político-criminais no
sistema do direito penal. Com vistas a um Estado de Direito e Social, Roxin
acolhe uma modalidade dogmática que tome partido na vida social, a serviço
de todos os indivíduos, em respeito ao princípio da dignidade humana como
postulado material a priori.
15
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NOTAS:
1. Trata-se da strafrechtliche Kausalehre (teoria jurídico-penal da causalidade
em Maurach).
2. Entendidos esses como crimes materiais, sendo que o tipo menciona a
conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação.
3. A primeira parte do dispositivo limita-se aos crimes de resultado.
4. Filia-se a essa limitação Francisco de Assis Toledo.
5. Filia-se a essa limitação Günther Jakobs.
6. Filia-se às duas últimas limitações Claus Roxin.
7. Feuerbach, no século XIX, consagrou o princípio da legalidade. Ferrajoli
distingue o princípio da legalidade em lata e estrita. Enquanto o axioma da
mera legalidade se limita a exigir a lei como condição necessária da pena e do
delito (nullum crimen, nulla poena sine lege), o princípio da legalidade estrita
exige outras garantias para a necessária condição da legalidade (nulla lex
poenalis sine necessitate, sine injuria, sine actione, sine culpa, sine judicio, sine
accusatione, sine probatione, sine defensione). Cf. FERRAJOLI, Luigi. Derecho
y Razón: teoría del garatismo penal. Madrid: Trotta, 1997.
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8. Seguindo o posicionamento de Frisch. Cf. FRISCH, Wolfgang. Tipo penal e
imputación objetiva. Madrid: Colex, 1995.
9. O entendimento mais próximo da imputação objetiva do resultado.
10 Trata-se do resultado normativo (ou jurídico), correspondendo à lesão ou
perigo de lesão a um bem tutelado juridicamente relevante (princípio da
lesividade ou ofensividade).
11 Entende-se por método indutivo quando se parte de casos concretos de
verdades particulares para verdades gerais.
12. Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general. Madrid: Civitas, 1997;
ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no direito penal. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002; ROXIN, Claus. Política-criminal e sistema jurídicopenal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
13.Prevenção geral é a idéia da intimidação e a ponderação da racionalidade
do ser humano. Consoante essa teoria, a ameaça da pena produz no indivíduo
uma motivação para não se cometer infrações. Roxin entende que tãosomente a prevenção geral não é capaz de dar "poderes" ao Estado para
aplicar sanções jurídico-penais, além de não conseguir estabelecer
necessários limites para os resultados que essa atividade estatal traz consigo.
A prevenção especial, por sua vez, procura evitar a prática do delito, dirigindose ao agente em particular para que esse não se torne reincidente. Para essa
teoria, o delito não é apenas a violação à ordem jurídica, mas, sobretudo, um
dano social.
14.O exemplo foi adaptado ao nosso ordenamento jurídico-penal.
15.Desde os tempos de Feuerbach que a prevenção de ameaça realizada pelo
princípio nullum crimen é considerado fundamento basilar da política criminal.
16.Kriminalpolitische Zweckmäßigkeit
SELEÇÕES JURÍDICAS ADV DEZ/08
19
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a relevância da política-criminal na imputação