Teoria do Delito 55 § 03 – O RISCO E A IMPUTAÇÃO OBJETIVA Paulo César Busato1 Gabriela Xavier Pereira2 Sumário: 1 Referência Jurisprudencial. 2 O Caso. 3 OS fundamentos da decisão. 4 Problematização; 4.1 As limitações do legislador em função do modelo legislativo superado e sua interferência na decisão da corte; 4.2 A insuficiência da causalidade e a admissão de critérios axiológicos; 4.3 O ingresso do critério do risco no campo da imputação; 4.4 A relação da tratativa axiológica do risco para a imputação e a função ou missão atribuída ao próprio direito penal. Os critérios de imputação objetiva. 5 Referências. 1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL Superior Tribunal de Justiça – REsp. 822.517/DF –– Rel. Min. Gilson Dipp – j. em 11.06.2007. 2 O CASO Após ingerir bebida alcoólica, o agente e a mulher que o acompanhava saíram juntos da boate em que se encontravam. O réu, na condução de veículo automotor leve e de pequeno porte, aproximadamente às 3 h da manhã, em via pública deserta e empreendendo velocidade de 10 km além do limite permitido, colidiu com a guia do meio-fio, perdeu o controle do veículo e capotou. Em decorrência do acidente, a mulher se encontrava no ban1 2 Doutor em problemas atuais do Direito penal pela Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha; Professor Adjunto de Direito penal da UFPR e Promotor de Justiça. Pesquisadora do Grupo de Estudos Modernas Tendências do Sistema Criminal. 56 Paulo César Busato e Gabriela Xavier Pereira co do passageiro, supostamente sem utilizar cinto de segurança, sofreu lesões corporais de tal natureza que provocaram a sua morte. O condutor do veículo foi denunciado como incurso nas sanções do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97). Em primeiro grau, para condenar o réu, o magistrado singular considerou que a causa primária do resultado morte da vítima foi provocada por este e não por aquela, pontuando que o sujeito agiu com imprudência ao conduzir veículo em alta velocidade, após a ingestão de bebida alcoólica, com negligência ao não se certificar de que a vítima utilizava cinto de segurança. Em segundo grau, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mantendo a condenação, destacou que a colisão com a guia do meio-fio, sem motivo aparente, evidencia a inobservância do dever de cuidado objetivo. Esta circunstância afastaria a discussão sobre a teoria do risco permitido porque o nexo causal não teria decorrido da velocidade, mas da direção inábil do motorista, que colidiu, perdeu o controle do veículo, capotou e, com isso, causou lesões à vítima que veio a falecer. O réu, através do manejo de um recurso especial, questionou a fórmula de demonstração do nexo causal através do método hipotético da eliminação, alegando violação ao art. 13, caput, do Código Penal, porque a conduta da vítima de não usar cinto de segurança é que teria dado causa ao resultado morte. Além disso, postula a análise da questão dos limites de risco permitido a fim de afastar a imputação objetiva do resultado, já que, na sua visão, o fato de exceder em apenas 10 km/h os limites de velocidade permitidos para o local, faria com que sua conduta fosse absorvida pela ideia de risco permitido. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO O Superior Tribunal de Justiça, já na ementa do julgado, elencou as hipóteses que entende devam ser analisadas nos casos concretos, derivadas da chamada Teoria da Imputação Objetiva, como sendo: que o resultado não pode ser imputado ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido ou de uma ação que visa a diminuir um risco não permitido; que o risco permitido não realize o resultado concreto; ou que o resultado se encontre fora da esfera de proteção da norma. Entendeu, mais, que o risco permitido deve ser verificado dentro das regras do ordenamento social, para o qual existe uma carga de tolerância Teoria do Delito 57 genérica. Ou seja, que o que deve ser analisado, caso a caso, é se o risco existente no caso é inerente ao convívio social e, portanto, tolerável. No caso concreto, reconheceu-se hipótese em que o agente agiu em desconformidade com as regras de trânsito (criou um risco não permitido), causando resultado jurídico abrangido pelo fim de proteção da norma de cuidado – morte da vítima, atraindo a incidência da imputabilidade objetiva, pelo que entendeuse que, mesmo à luz da teoria da imputação objetiva, o caso era de atribuição de responsabilidade, desde um ponto de vista objetivo. Julgou-se que o réu transitava às 3 h da madrugada, em via deserta, em desconformidade com a legislação de trânsito, o que, na visão da Corte, não é risco permitido, mas atuação proibida. Complementarmente, ainda, a Corte referiu que a averiguação do nexo causal entre a conduta do réu, assim como da vítima, que não teria feito uso do cinto de segurança, com o resultado final, escaparia à via do recurso especial, diante do óbice do enunciado número 07 da Súmula do STJ, que veda a imersão em matéria probatória, não obstante ter feito referência a que nas instâncias ordinárias, ficou demonstrado que, por sua conduta, o agente, em violação ao Código de Trânsito, causou resultado abrangido pelo fim de proteção da norma de cuidado. 4 PROBLEMATIZAÇÃO Como se nota, o foco da discussão diz respeito aos limites da imputação desde o ponto de vista objetivo, incluindo o tema da causalidade e o problema dos critérios axiológicos de imputação objetiva. 4.1 As limitações do legislador em função do modelo legislativo superado e sua interferência na decisão da corte O Código penal brasileiro, em seu art. 13, estrutura a responsabilidade penal a partir da relação de causalidade.3 Diz-se que somente é imputa3 A opção do legislador fica bastante clara na exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal onde consta que: “Pareceu-nos inconveniente manter a definição de causa no dispositivo pertinente à relação de causalidade, quando ainda discrepantes as teorias e consequentemente imprecisa a doutrina sobre a exatidão do conceito. Pôs-se, portanto, em relevo a ação e a omissão como as duas formas básicas do comportamento humano. Se o crime consiste em uma ação humana, positiva ou negativa (nullum crimen sine Adquira já o seu exemplar! Teoria do Delito Organizador: Paulo César Busato ISBN: 978853623982-8 Número de Páginas: 368 R$ 89,90 * Preço sujeito à alteração sem aviso-prévio Encontre esta obra nas melhores livrarias ou faça seu pedido! (41) 3352-1200 - [email protected] www.jurua .com.br