O Arcabouço Regulatório Brasileiro em (Nova) Transição: Os Projetos de Lei das Agências Reguladoras e da Defesa da Concorrência César Mattos - Consultoria da Câmara dos Deputados e Pesquisador Associado da UNB/DF Porque Agências? • Flexibilidade e Agilidade Gerencial • Independência Política • Commitment para Ganhar Credibilidade (Mueller e Pereira 2002), “Amarrando as Mãos do Governo” Nossa análise é consistente com essa última. Variáveis de Escolha do Executivo • Presidente e os Conselheiros das Agências (Os Nomes de “Confiança”) • Estrutura da Agência e seu Processo de Decisão • O Ponto Inicial da Política para o Setor (Marco Regulatório como Interconexão, Unbundling, etc...) Escolha de Regulador pelo Executivo dado Custo de Credibilidade C = (T-A) ´(A)<0 e ´´(A)<0 U= - |A-P| custo de commitment P A3 A2 A1 c d b T a e UT U1 U2 utilidade U3 UP Enquanto > /´a/ valerá a pena para o Executivo escolher reguladores um pouco mais próximos às suas preferências e enquanto < /´a/, faz sentido escolher reguladores um pouco menos sintonizados com suas “convicções”. Escolha do Regulador pelo Executivo • Curva em “U” invertido une os pontos de utilidade líquida do Executivo; • Quando não há custo de credibilidade (C=0), então A=P; • O Executivo escolhe o regulador de forma que a distância de suas preferências seja compensada pelo custo de credibilidade. Daí =/´a/ em A2 (regulador de equilíbrio), com reguladores um pouco menos sintonizados com suas convicções (Ex: Henrique Meirelles). Desenho da Agência - Controle pelo Governo • D - custo da mudança da política pela agência - mais burocráticos os procedimentos impostos para mudar o status quo da política inicial do Executivo. • (D) - Custo para o Executivo por impor custo “D” para a agência mudar a política. Determinantes do Desenho da Agência P x* A x2 x1 D x* DP (D P) U P(x*) - (D x*) Escolha do Custo de Alteração de Política Imposta pelo Executivo à Agência • Regulador em “A” e ponto da política inicial escolhida em “x*”; • Para evitar que a Agência puxe a política para “A”, Executivo impõe “D” para a alteração de políticas à agência; • “D” é calibrado para tornar a agência indiferente entre mudar e não mudar (porque “D” é custoso para o Executivo também em relação à credibilidade, captado por (D) ). Diz-se que “D” “suporta” “x*” Estática Comparativa do Modelo • D/>0 Quanto maior a intensidade da preferência do governo , maiores os constrangimentos ótimos, D, que serão impostos sobre a agência para não alterar o status quo. • D/<0 Quanto maior o custo de credibilidade, , menores os constrangimentos, “D”, de equilíbrio. Críticas à Independência das Agências Regulatórias pelo Grupo de Trabalho da Casa Civil e Comentários - I Críticas à Independência 1) O distanciamento em relação ao Executivo, pode levar à negligência do “regulador para com outros fortes atores políticos do Executivo ou Legislativo” 2) A agência, em sendo menor e mais focalizada que um ministério, ficaria mais vulnerável à captura. Comentários 1) Esse distanciamento é justamente o que gera um credible commitment do aparato regulatório, evitando uma percepção de que pode haver uma expropriação regulatória. Assim, não é claro se esse distanciamento constitui vício ou virtude? Afinal, segundo Mueller e Pereira (2002), o objetivo desse distanciamento criado na montagem do modelo de agências do governo passado era justamente sinalizar aos operadores que não haveria expropriação regulatória ex-post, o que estimularia o investimento. 2) O Ministério das Comunicações não é tão menos focado em telecomunicações como o é a ANATEL. A captura pode ocorrer por vários atores, inclusive pelos usuários e pelos políticos, e não apenas pelos operadores. O Ministério, sendo diretamente vinculado às instâncias políticas, pode sofrer ainda mais captura que a ANATEL. Críticas à Independência das Agências Regulatórias pelo GT e Comentários Críticas à Independência 3) A agência pode se tornar tão forte que venha a se comportar como um poder quase independente dentro do Estado. 4) Independência em excesso é incoerente com controle social. 5) Reguladores independentes podem, eventualmente, atrasar mudanças estruturais. 6) Coerência de políticas no conjunto do governo pode ser reduzida. Comentários 3) Nunes (2001) foi o primeiro autor brasileiro que trouxe para o país essa idéia do “quarto poder”, criada nos EUA na década de 30, pelo qual as agências replicariam um “estado dentro do estado”, com funções legislativas, executivas e judiciárias. À exceção da perplexidade relacionada ao fato de não se acatar a “ferro e fogo” a divisão de poderes propugnada por Montesquieu, nem o GT e nem o autor esclarecem melhor os efeitos dessa crítica. Note-se que essa mesma crítica é feita a outros órgãos como o Ministério Público (MP) e o Banco Central (se se tornar independente de direito). 4) Esse argumento é, de fato, válido. A questão é se a solução proposta, o contrato de gestão, é adequada para corrigir esse problema. 5) Tanto quanto os “reguladores dependentes”. Mas, a depender dos interesses afetados, reguladores independentes podem ser mais ágeis do que os Ministérios. 6) Esse argumento é válido. No entanto, há um trade-off essencial aqui. Pode-se perder coerência, mas ganha-se compromisso (commitment) com a manutenção de uma estabilidade mínima para a política regulatória, o que é crucial dado o longo prazo dos investimentos, além de sua natureza de custos afundados (sunk costs). Transferência do Poder Concedente da ANATEL para o Poder Executivo PL 3.337/2004 Regras Atuais Transferir poderes da ANATEL para Essas o Poder Executivo (Ministério das prerrogativas Comunicações): são da I) Expedir normas sobre outorga de ANATEL. telecomunicações no regime público; II) Editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração e celebração de contrato de concessão do serviço no regime público, precedendo-se de manifestação da ANATEL e podendo ser delegados à ANATEL. III) Estabelecer diretrizes para posterior delegação de disciplinamento e procedimentos operacionais da licitação dos serviços no regime público para a agência. Substitutivo do Relator na Câmara Basicamente igual ao PL. Definir Diretrizes que incluem objetivos, objeto e cronograma da licitação e Editar atos de outorga e celebrar contratos é com o Ministério. Todos os procedimentos licitatórios, inclusive elaboração do edital é da agência. Não há delegações nem optativas e nem obrigatórias. Mandatos dos Diretores PL 3.337/2004 l Mandatos de 4 anos, admitida uma única recondução Mandatos se encerram entre os dias 1º de janeiro e 30 de junho do 2º ano de mandato do Presidente da República Regras Atuais Mandatos de 5 anos, sem recondução. Substitutivo do Relator Mandatos de 4 anos, sem recondução. O mandato do Presidente encerrarse-á entre os dias 1o de janeiro e 30 de junho do segundo ano de mandato do Presidente da República. Os mandatos dos membros do Conselho Diretor serão sempre não coincidentes, de modo que, pelo menos a cada ano, ocorra o vencimento de um mandato e uma conseqüente nova indicação. Consultas Públicas PL 3.337/2004 Minutas e propostas de alterações de normas legais, atos normativos e decisões da Diretoria Colegiada e Conselhos Diretores de interesse geral dos agentes econômicos, de consumidores ou usuários dos serviços prestados serão submetidos a consulta ou audiência pública. Regras Atuais Atos normativos serão submetidos a consulta pública. Substitutivo do Relator Os pedidos de revisão de tarifas e as minutas e propostas de alterações de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados. As Agências Reguladoras deverão disponibilizar, na sede e no respectivo sítio, na Internet, em até sete dias antes do início da consulta pública, os estudos, dados e material técnico que foram utilizados como fundamento para as propostas colocadas em consulta pública O posicionamento da Agência sobre as críticas ou contribuições apresentadas no processo de consulta pública, inclusive sobre a manifestação da SEAE/MF deverá ser disponibilizado. Cláusula ONG PL 3.337/2004 Regra Atual Assegurar a Associações, que incluam em suas finalidades a proteção ao consumidor, à ordem econômica ou à livre concorrência, o direito de indicar até 3 experts no objeto da consulta pública para acompanhar o processo e dar assessoramento àquelas. A agência regulatória deverá arcar com as despesas decorrentes. Substitutivo do Relator Basicamente Igual ao PL 3.337/2004, mas removendo a indicação de que a agência arcará com as despesas. Contrato de Gestão PL 3.337/2004 Regras Atuais Introduz contrato de gestão entre a Agência e o Ministério das Comunicações a ser submetido ao Conselho de Política Setorial ou ao Conselho de Governo. Substitutivo Troca o contrato de gestão pelos Planos Estratégico de Trabalho e de Gestão e Desempenho. Sem caráter disciplinar ou punitivo. Relatório dos planos deve ser encaminhado ao Congresso. Ouvidor PL 3.337/2004 Ouvidor nomeado pelo presidente da república para mandato de dois anos, admitida uma recondução, com acesso a todos os assuntos da agência e com a missão expressa de zelar pela qualidade dos serviços, acompanhar o processo interno de apuração de denúncias e reclamações dos usuários, seja contra a atuação da agência seja contra a atuação dos entes regulados. Regras Atuais Ouvidor nomeado pelo presidente da república para mandato de dois anos, admitida uma recondução, com acesso a todos os assuntos da agência. Substitutivo do Relator Basicamente igual ao PL 3.337/2004, com acesso a todos os assuntos da agência e com a missão expressa de zelar pela qualidade dos serviços prestados pela agência Reguladora e acompanhar o processo interno de apuração das denúncias e reclamações dos interessados contra a atuação dela ou contra a atuação dos entes regulados. Defesa da Concorrência PL 3.337/2004 SDE e SEAE retomam as prerrogativas quanto à instrução de atos de concentração e processos relativos a condutas potencialmente anticompetitivas. Papel da ANATEL é de tão somente auxiliar SDE, SEAE e CADE, quando provocada. CADE permanece como instância julgadora. ANATEL solicitará parecer da SEAE previamente à adoção de normas ou regulamentos que possam implicar efeitos sobre a concorrência. Regras Atuais ANATEL instaura o processo e instrui atos de concentração e processos relativos a condutas potencialmente anticompetitivas, em substituição à SDE e SEAE e encaminha para o CADE julgar. Substitutivo do Relator Igual PL 3.337/2004, só que órgão de instrução será a nova agência de defesa da concorrência. Dois Grupos de Alterações no PL 3.337/2004 Relacionadas ao Modelo Teórico • Mudança no Perfil de quem Decide: Transferência do Poder Concedente para Ministério, Mandatos dos Diretores e Contrato de Gestão. Valor de “A” mais próximo a “P” no modelo teórico; • Constrangimento dos Processos de Decisão das Agências: Consulta Pública, intervenção das ONGs, Ouvidor, Possibilidade de SEAE analisar decisões da agência. Alterações em “D” no modelo teórico. Conclusões PL 3.337/2004 • O novo governo possuía em 2004 preferências “” mais intensas a respeito das políticas regulatórias e um custo de credibilidade percebido menor “”, procurando aumentar “D” no PL 3.337/2004 e tornar “A” mais próximo de “P”. • A flexibilização da posição observada em 2007 sinaliza uma possível redução de e aumento de . • No entanto, também pode ter havido um deslocamento de “A” em direção a “P”, sem requerer mudança na Lei (o governo agora tem mais conselheiros seus nas agências). • Note-se que justamente as medidas onde houve maior flexibilização foram as que procuravam alterar o tipo do regulador: Poder Concedente para Ministério, Mandatos dos Diretores e Contrato de Gestão. Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência Reestruturação Institucional Atual Lei 8.884/94 Instrução SDE SEAE Dirigentes demissíveis ad nutum Projeto de Lei nº 5.877/2005 Superintendência Geral Filtro de Processos Julgamento CADE Conselheiros com Mandato fixo SEAE Dirigentes demissíveis ad nutum Departamento Econômico CADE Todos Dirigentes com Mandatos Fixos Advocacia da Concorrência Diferenças da Nova Legislação com a Atual I Lei Atual 8.884/94 Projeto de Lei 5.877/2005 • Mandatos de 2 anos com recondução • Quarentena (Quatro Meses) prevista em Resolução. • Notificação 15 dias após operação de concentração • Qualquer parte com faturamento superior a R$ 400 milhões ou quando concentração resultante for superior a 20% do mercado relevante. • Mandatos de 4 anos sem recondução • Quarentena (Quatro Meses) prevista em Lei. • Notificação prévia de operações de concentração. • Faturamento de R$ 150 milhões, só que adicionando uma “segunda trava”, pela qual a outra parte deve ter um faturamento de pelo menos R$ 30 milhões. Critério do mercado relevante é removido. CADE pode requerer submissão de atos não enquadrados neste critério até 1 ano após a operação. Diferenças da Nova Legislação com a Atual II Lei Atual 8.884/94 Projeto de Lei 5.877/2005 • Compromissos de Desempenho (Imposição Unilateral da Agência) • Multa à empresa: De 1 a 30% do faturamento • Multa ao administrador: 10 a 50% do valor aplicável à empresa. • O Compromisso de Cessação de Prática não se aplica a cartel. • Acordos em controles de concentração (Consent Decree) • Multa à empresa: de R$ 6 mil a R$ 200 milhões. • Multa ao administrador: Igual ao valor aplicável à empresa. • O Compromisso de Cessação de Prática passou a se aplicar a cartel com o PLV 12/2007, com previsão de potencial penalidade. (Apesar de PL 5.877/2005 falar o contrário) • • • • • • • • PL 5877/2005 - Diferença Ato de Concentração X Reestruturação Societária É ato de concentração: I - duas ou mais empresas anteriormente independentes se fundem; II - uma ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas; III - uma ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas; ou IV - duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture. Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do art. 89, as transações e as negociações de ações, quotas ou outros títulos, por conta própria ou de terceiros, em caráter temporário, ou participações adquiridas para fins de revenda, desde que os adquirentes: I - não detenham o poder de determinar, direta ou indiretamente, ou ainda a capacidade de influenciar o comportamento concorrencial da empresa adquirida; ou II - apenas exerçam o direito de voto com o objetivo exclusivo de preparar a alienação, total ou parcial, da empresa adquirida, seus ativos ou dessas participações, devendo tal alienação ocorrer no prazo regulamentar. Definição de Condutas Anticompetitivas no Projeto e na Lei Atual Art. 31. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II. § 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. § 3º A posição dominante a que se refere o § 2º é presumida quando a empresa ou grupo de empresas controla vinte por cento de mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia. Passos Básicos da Análise de uma Conduta I) Caracterização da conduta: Enquadramento e evidência de sua existência. II) Análise da Posição dominante: Mercado Relevante, Barreiras à entrada III) Análise da economia de custos de transação e outras eficiências. Análise Custo-Benefício O que poderia ser alterado no Capítulo de Condutas? • Remover “dominar mercado relevante” e “aumentar arbitrariamente os lucros”. • Remover a ênfase da posição dominante da “participação de mercado” para “capacidade de agir, em larga medida, independente dos concorrentes, dos clientes e dos consumidores” (ou só dos concorrentes). • Prever explicitamente a função das eficiências; • Remover a referência a preços excessivos. Fases da Análise de um Ato de Concentração I) Definição de Mercado Relevante II) Exame das Barreiras à Entrada III) Eficiências Análise Custo(I+II) e Benefício (III) O que mudou nos critérios de análise de atos de concentração? PL Art. 89 § 6º Os atos de concentração poderão ser autorizados, desde que atendidas pelo menos três das seguintes condições, quando necessários por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum: I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente a) aumentar a produtividade ou a competitividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro; III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços; ou IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados. Na Lei 8.884/94 todos os 4 itens devem ser preenchidos