RAC - Revista de Administração
Contemporânea
ISSN: 1415-6555
[email protected]
Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Administração
Brasil
da Silva Añaña, Edar; Vieira, Leandro Maurício; de La Martinière Petroll, Martin; Petersen-Wagner,
Renan; Simm Costa, Ricardo
As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado: uma Abordagem Exploratória, Utilizando
Redes Neurais e Dados da Comunidade Virtual Orkut
RAC - Revista de Administração Contemporânea, vol. 12, núm. Esp, 2008, pp. 41-63
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração
Rio de Janeiro, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84009403
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As Comunidades Virtuais e a Segmentaçăo de
Mercado: uma Abordagem Exploratória,
Utilizando Redes Neurais e Dados da
Comunidade Virtual Orkut
Virtual Communities and Market Segmentation: an
Exploratory Approach, Using Neural Networks and Virtual
Community’s Data
Edar da Silva Añaña *
Doutorando pelo PPGA/EA/UFRGS.
Professor do UFPEL, Pelotas/RS, Brasil.
Leandro Maurício Medeiros Vieira
Mestre pelo PPGA/EA/UFRGS.
Editor do Portal Administradores.com.br, João Pessoa/PB, Brasil.
Martin de La Martinière Petroll
Mestre pelo PPGA/EA/UFRGS, Porto Alegre/RS, Brasil.
Renan Petersen-Wagner
Mestre pelo PPGA/EA/UFRGS, Porto Alegre/RS, Brasil.
Ricardo Simm Costa
Doutorando do PPGA/EA/UFRGS, Porto Alegre/RS, Brasil.
*Endereço: Rua Gonçalves Chaves, 3063, apto. 201-B, Centro, Pelotas/RS, 96010-570.
E-mail: [email protected]
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Edar da S. Añaña, Leandro M. M. Vieira, Martin de La M. Petroll, Renan P.-Wagner e Ricardo S. Costa
RESUMO
A existência de uma infinidade de dados, nos últimos anos, tem disponibilizado para a
área de marketing novos horizontes para a definição e segmentação de mercados, auxiliada
por bancos de dados, tanto privados e internos da organização, quanto públicos e externos.
Um exemplo do segundo tipo são as comunidades virtuais, sendo o Orkut um dos seus
expoentes. Este artigo, de caráter exploratório, tem o intuito de apresentar duas formas
alternativas de segmentação de mercado (regressão logística e redes neurais), por meio
de dados secundários coletados no Orkut, pressupondo que é possível prever
determinadas atitudes de consumo explicitadas por membros das comunidades virtuais.
Para tanto foram escolhidas duas comunidades autodenominadas eu amo cerveja gelada
e eu odeio cerveja, das quais foram coletadas amostras probabilísticas aleatórias de 400
membros cada. Com o processamento e a análise dos dados desenvolvidos em três fases
- limpeza de dados e seleção de variáveis de interesse, análise discriminante e análise
através de redes neurais – confirmou-se a possibilidade de se determinar atitudes de
consumo e, com isso, utilizar comunidades virtuais como bancos de dados para
segmentação. As demais contribuições, limitações e implicações constam no estudo.
Palavras-chave: segmentação; marketing; comunidade virtual; redes neurais; regressão
logística.
A B S T R ACT
During the last few years, endless data have supplied the marketing area with new
perspectives for the definition and segmentation of markets, in addition to the company’s
private and internal data banks as well as of public and external ones. An example of the
latter are the virtual communities, and Orkut is one of its exponents. This article, offers an
exploratory approach to market segmentation using two alternative methods (logistic
regression and neural networks) through secondary data collected from Orkut, assuming
the possibility to predict certain consumption attitudes described by members of virtual
communities. This way, two communities self denominated I love cold beer and I hate beer
were picked up, and each one supplied random probabilistic samples among 400 members.
Processing and analyzing the data collected in three phases - data cleaning and selection
of variables of interest, discriminating analysis, and analysis through neural networks confirmed the possibility of determining consuming attitudes, and consequently of using
the Orkut virtual community as a data bank for segmentation. Further contributions,
limitations and implications are part of this study.
Key words: segmentation; marketing; virtual community; neural networks; logistic
regression.
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
I N T ROD U Ç Ă O
Os profissionais de marketing nunca tiveram acesso a tantos dados para tomar
decisões como atualmente. Com o avanço da microinformática, da Internet e o
desenvolvimento de sistemas específicos para gestão de banco de dados, a área
de marketing passou a contar com uma estrutura bastante robusta para definir e
segmentar mercados. De maneira mais específica, o surgimento das comunidades
virtuais mostra-se uma fonte rica e ainda pouco explorada para definir diferentes
segmentos de mercado e desenvolver estratégias para abordá-los de forma mais
efetiva. Os membros deste tipo de comunidade explicitam características pessoais,
sociais e psicológicas que, se devidamente avaliadas pelos profissionais de
marketing, podem constituir interessante fonte de informação para a segmentação
de mercado, mormente porque a participação em comunidades virtuais torna
possível a caracterização dos consumidores com base em seus estilos de vida e
interesses.
Para que isto seja possível, no entanto, é necessário possuir métodos, técnicas
e ferramentas que permitam o adequado tratamento e uso dessas bases de dados.
Assim, é objetivo deste trabalho apresentar um comparativo entre duas técnicas
de tratamento de dados: a regressão logística e as redes neurais; tem-se em vista
verificar as forças e limitações de cada uma delas na identificação de segmentos
de consumidores.
O estudo é apresentado da seguinte maneira: na seção 2, é realizada uma revisão
da literatura com relação ao uso e aplicações da segmentação de mercado,
apresentando as principais bases de segmentação. Na seção 3, discutem-se as
comunidades virtuais e o comportamento de seus membros. Em seguida, são
apresentados alguns dados da comunidade virtual, na qual se enfoca este trabalho,
e as variáveis utilizadas para a segmentação. Na seção 4, é realizado um comparativo
entre os métodos de segmentação utilizados, enfatizando os procedimentos realizados;
e, na seção seguinte, apresentam-se os resultados obtidos. Finalmente, na seção 6
são realizadas as conclusões e encaminhamentos cabíveis.
S EGMENTAÇĂO
A segmentação de mercado, segundo Kamineni (2005), foi e é fundamental
para a estratégia de marketing de determinada organização, sendo o seu sucesso
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vinculado à complexa tarefa de compreender os consumidores que possuem
características diferentes entre si e que, portanto, podem reagir de maneiras
diferentes a um determinado apelo (Schiffman & Kanuk, 2000). Logicamente, se
todos os indivíduos fossem iguais, tivessem as mesmas necessidades e reagissem
de maneiras semelhantes a um mesmo apelo, de nada adiantaria uma organização
realizar a segmentação de mercado de seus produtos.
Assim, a proposta da segmentação de mercado, nome este surgido em 1956
por Smith (como citado em Lin, 2002, p. 249), é identificar a taxonomia dos
padrões de consumo, mediante a divisão do mercado em alguns submercados
homogêneos, onde se inserem os consumidores que possuem necessidades,
características e comportamentos semelhantes. Kotler (2000) e Schiffman e
Kanuk (2000) ressaltaram alguns critérios que precisam ser levados em
consideração, no momento em que se decide partir para a segmentação de
mercado. É necessário, na visão dos autores, que os segmentos, por meio de suas
características, sejam: (1) identificáveis mediante algum método; (2) de tamanho
suficiente, ou seja, que possuam um número adequado de indivíduos, justificando,
assim, economicamente uma ação de marketing específica; (3) estáveis no seu
comportamento por determinado período de tempo, de modo que a ação de
marketing empregada tenha o efeito planejado; e (4) acessíveis à organização,
em termos de comunicação e distribuição, a um custo viável.
Kamineni (2005) afirma que o segmento de mercado deve ser também
heterogêneo em relação aos demais segmentos, ou seja, que as características,
necessidades e comportamentos dos consumidores de um segmento sejam, quanto
possível, diferentes daqueles dos consumidores de outros segmentos do mercado.
A diferenciação entre conjuntos de indivíduos advém da seleção de bases de
segmentação. A seguir, apresentam-se as principais bases de segmentação.
Bases de Segmentaçăo
Schiffman e Kanuk (2000) identificaram sete bases para a segmentação do
mercado. São elas: (1) geográfica; (2) demográfica; (3) psicográfica; (4)
sociocultural; (5) relacionada com o uso; (6) por uso-situação; e (7) por benefício.
Já Kotler (2000) e Kamineni (2005), apesar de abordarem intrinsecamente as
sete bases de segmentação acima, conferiram a elas uma divisão mais concisa,
com mesmo conteúdo e, pela visão dos autores deste trabalho, mais interessante:
(1) segmentação geográfica; (2) demográfica; (3) psicográfica; e (4)
comportamental.
A segmentação geográfica leva em consideração a localização do indivíduo
e parte da premissa de que indivíduos residentes em regiões semelhantes
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
tendem a possuir características similares, que diferem dos residentes de
outras regiões.
Por sua vez, a segmentação demográfica, uma das bases mais utilizadas
(Kotler, 2000), em função de sua facilidade na quantificação e classificação do
consumidor, identifica características como idade, gênero, estado civil, número
de filhos e escolaridade. Todavia, muitas vezes, a segmentação demográfica é
pouco sensível no que se refere ao entendimento de todas as variáveis que
interferem no processo de tomada de decisão do consumidor, não sendo, portanto,
capaz de retratá-lo por completo (Oates, Shufeldt, & Vaught, 1996). Isso acontece,
segundo Lin (2002), porque os consumidores pertencentes ao mesmo grupo
demográfico podem apresentar diferentes perfis psicográficos.
Dessa forma, os dados demográficos são, muitas vezes, utilizados na
segmentação psicográfica, que não avalia somente quem está no segmento,
mas principalmente o porquê do consumidor estar em tal segmento (Thompson
& Kaminski, 1993). Assim, as variáveis psicográficas levam em consideração
atividades, interesses, opiniões (Activities, Interests and Opinions [AIO]),
necessidades, valores, atitudes e traços de personalidade do consumidor (Kamineni,
2005). Inseridos, portanto, na segmentação psicográfica, estão os padrões de
estilo de vida do consumidor, que provêem compreensão mais ampla do
comportamento dos indivíduos, o que enriquece o processo de definição do
mercado-alvo pelo profissional de marketing (Shufeldt, Oates, & Vaught, 1998).
Os padrões de estilo de vida do consumidor são definidos por meio da inclusão
do já referido AIO onde: (1) as atividades são o modo como o consumidor despende
seu tempo e dinheiro; (2) os interesses são tudo aquilo que está à sua volta e que
considera mais ou menos importante; e (3) opiniões são como os consumidores
se vêem e como eles vêem o mundo à sua volta (Gonzalez & Bello, 2002). Dessa
forma, o uso do estilo de vida apresenta uma visão geral do mercado sob forma
multidimensional, tornando-se importante fonte de informação para o profissional
de marketing (Shufeldt, Oates, & Vaught, 1998).
Além dos estilos de vida, a segmentação psicográfica também possui outra
faceta: a da personalidade (Lin, 2002). Nesse sentido, mesclam-se as duas,
resultando na chamada Values and Lifestyle Segmentation [VALS]. Segundo
Kahle e Kennedy (1989), a idéia principal empunhada pela VALS era de que os
consumidores compram produtos em parte para refletir seus valores e estilos de
vida. Assim, está intrínseco o princípio da abstração, ou seja, associando um
conceito abstrato (por exemplo, um valor) a algo específico (por exemplo, um
produto) faz-se com que o algo específico do produto receba afeições positivas,
associadas ao conceito abstrato do valor. A VALS, desenvolvida por Mitchell em
1983, baseou-se na hierarquia das necessidades de Maslow e no conceito da
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característica social (Kahle, Beatty, & Homer, 1986). Todavia, após críticas de
muitos estudiosos, foi desenvolvida, em 1989, a VALS2. Esta, além de definir
melhor os segmentos de mercado, leva em consideração mudanças sociais e
econômicas. A diferença, portanto, entre a VALS e a VALS2 é que a primeira se
preocupa com o que o consumidor valoriza, enquanto a segunda explica por que
e como o consumidor decide comprar certo produto (Gates, 1989).
Já a List of Values [LOV], ou seja, a lista de valores, foi desenvolvida por
Kahle em 1983 e serviu como instrumento de medida do valor no estudo das
tendências das similaridades e diferenças do consumidor, ou seja, na natureza do
consumidor (Kahle & Kennedy, 1989). A vantagem de se utilizar LOV ao invés
de VALS é que esta última estuda demasiadamente aspectos demográficos,
enquanto LOV estuda, com mais afinco, o comportamento do consumidor. Além
disso, LOV é mais interessante que Rokeach Value System [RVS], pois ela,
além de ser baseada na RVS, relaciona-se mais proximamente com a vida e com
as situações diárias das pessoas, além de não ter certos problemas metodológicos
que a RVS apresenta (ver Kahle & Kennedy, 1989).
Um dos pontos, contudo, que dificulta a utilização das bases psicográficas nas
organizações é a dificuldade de identificação e mensuração das variáveis que as
compõem (Schiffman & Kanuk, 2000). No meio acadêmico, o desenvolvimento
de escalas específicas e a proliferação de técnicas de validação de escalas multiitens, tais como o alfa de Cronbach e a análise fatorial, tornaram bastante atrativas
as variáveis psicográficas, que na sua maioria não são mensuráveis diretamente
por meio de uma questão (Wind, 1978).
Com a divulgação da microinformática e o advento de técnicas estatísticas
avançadas, parece não haver mais razão para utilizar uma única base de
segmentação, já que são muitos os critérios que determinam a resposta do
consumidor ao estímulo. Entretanto, conforme o que foi escrito até aqui, parece
que a maioria dos pesquisadores ainda utiliza uma única base de segmentação.
Numa tentativa de ampliar o espectro da segmentação, composição híbrida,
Wind (1978) apresentou dois métodos capazes de oferecer contribuições
importantes: (1) segmentação a priori, em que o pesquisador determina
previamente as variáveis de interesse, levando em consideração diretamente as
bases de segmentação - para, após, classificar os diferentes segmentos; e (2)
segmentação a posteriori, em que o pesquisador seleciona um conjunto de
variáveis inter-relacionadas, que podem pertencer a diferentes bases de
segmentação, e busca definir segmentos por meio de análises estatísticas ou de
agrupamentos, a partir das similaridades. Na segmentação a posteriori, portanto,
a definição de bases de segmentação é relegada a um segundo plano, e a análise
estatística passa a ter papel mais importante.
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
A partir da segmentação a posteriori, apresentam-se os procedimentos
metodológicos para a segmentação de mercado: (1) decidir as variáveis-bases
(dependentes) e as que as descrevem (independentes) para realizar a
segmentação; (2) decidir a metodologia de análise de dados; (3) aplicar a
metodologia para identificar vários segmentos; (4) descrever todos os segmentos,
usando as variáveis dependentes e as variáveis independentes; (5) selecionar os
melhores segmentos para direcionar atividades de marketing; e (6) desenvolver o
marketing mix para cada segmento-alvo (Porto & Torres, 2005).
Nesta linha, Ramaswamy, Chaterjee e Cohen (1996) apresentam uma
metodologia inovadora para a identificação de segmentos de mercado, que vai
além da segmentação descritiva. A partir de um conjunto de variáveis interrelacionadas, os autores procuraram, além de agrupar indivíduos com
características semelhantes, definir equações capazes de predizer o
comportamento de cada segmento definido, por meio de modelos de
segmentação latente. Tal metodologia, apesar de ainda estar em fase de
consolidação, possui potencial de aplicação e vem recebendo a atenção de estudos
na área. Um desses estudos, que converge com o foco do presente trabalho, é o
de Fonsêca e Omaki (2004), um dos poucos trabalhos publicados no Brasil sobre
a identificação e predição de segmentos de mercado mediante o uso das Redes
Neurais.
C OMUNIDADES V IRTUAIS
Segundo Tajra (2002), o termo comunidades virtuais foi criado em 1993,
com o seguinte significado: “(...) agregações sociais que surgem da Internet,
quando pessoas suficientes mantêm suficientes debates públicos, com suficiente
sentimento humano, para formar teias de relacionamento no ciberespaço” (p.
37). Nota-se, primeiramente, que mesmo nas relações decorrentes de ambientes
ditos virtuais, haveria criação de sentimentos entre os integrantes das comunidades.
Em segundo lugar, no significado está presente a conotação de público, o inverso
de privado, fazendo com que tanto os dados quanto as informações e os debates
etc. sejam de livre acesso.
A origem das comunidades virtuais, conforme Castells (2003), está muito
associada aos movimentos de contracultura e às maneiras alternativas de vida
que emergiram no final dos anos 60. Além disso, com o advento da Internet, elas
se tornaram instrumento essencial para arquivar, informar e trocar conhecimento
no mundo corporativo, reproduzindo comunidades reais típicas, como vizinhanças,
clubes ou associações (Turban & King, 2004).
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Assim como as comunidades reais, as virtuais se agrupam segundo afinidades
de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de
cooperação ou de troca, não havendo, por fim, barreiras geográficas (Levy, 1999).
Por serem comunidades por escolha, diferentemente das comunidades
compulsórias reais, os membros das comunidades virtuais são capazes de
abandoná-las sem aviso e com pouco custo pessoal. Porém eles se filiam a elas
porque se identificam com os seus propósitos e valores, permitindo que as
comunidades virtuais exerçam considerável influência na definição de quem uma
pessoa é como ser humano. É o caso, por exemplo, do Orkut, comunidade virtual
com enorme penetração no Brasil.
O Exemplo do Orkut
O Orkut é um dos mais recentes fenômenos de agremiação em escala mundial.
Trata-se de um software norte-americano, criado por Orkut Buyukokkten e lançado
pelo Google em janeiro de 2004. Recuero (2006) o descreve como uma espécie
de conjunto de perfis de pessoas e suas comunidades virtuais. O Orkut foi
desenvolvido com base na idéia de “software social”, sistema que visa proporcionar
conexões entre as pessoas, incentivando a formação de grupos e comunidades,
tal qual uma organização social.
Para fazer parte do Orkut, é necessário ser convidado por um membro efetivo.
O primeiro integrante foi o seu criador, que convidou seus conhecidos que, por
sua vez, convidaram seus conhecidos e assim sucessivamente, até envolver
praticamente todos os países do mundo com acesso à Internet.
O software permite ao usuário criar o seu perfil, incluindo fotos, descrição,
atributos físicos, detalhes de sua personalidade, preferências, entre outros aspectos,
além de possibilitar a formação de uma rede de amigos e a criação e participação
de comunidades, com propósitos variados o mais possível. Esse perfil é visível a
todos os demais membros, que até podem visualizar as conexões diretas (amigos)
e indiretas (amigos dos amigos), e convidar os amigos dessa pessoa a fazerem
parte de sua rede pessoal. Além disso, há diversas formas de interação, por meio
de sistemas de fóruns, mensagens privadas e públicas etc.
Apesar de ter surgido nos Estados Unidos, os brasileiros são maioria no Orkut.
Segundo dados divulgados no próprio Orkut, 74% dos usuários são brasileiros,
enquanto os norte-americanos ocupam a segunda posição na escala de
nacionalidades, com apenas 9% de participação.
Sendo a imensa maioria dos membros de nacionalidade brasileira, o Orkut
pode ser considerado um software valioso de marketing no país, possibilitando
nova forma de conversação e sendo capaz de gerar reações sociais em cadeia
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
em torno de um produto, de uma idéia, de uma marca, além de fornecer dados
potencialmente preciosos no que tange à segmentação de mercado.
Comunidades Virtuais x Marketing
A análise das comunidades virtuais sob a ótica do marketing é fenômeno novo
(Solomon, 2002). Trabalhos nacionais estudaram outras questões como a relação
de websites com brand equity (Cunha & Cunha, 1999), com valor para o cliente
(Koetz, 2004), como forma de vantagem competitiva (Yamashita & Gouvea, 2004).
Além destes, outros estudos referiram-se às ferramentas de marketing e sua
potencial utilização em ambientes virtuais (Gonçalves, Gonçalves, Soares, & Santo,
1998; Ramos-e-Silva & Oliveira, 1997), às mudanças estruturais nas organizações
com o ambiente virtual, como forma de marketing (Cunha, 2000), além de técnicas
de pesquisa que poderiam ser utilizadas em ambiente virtual, como o laddering
(Leão & Mello, 2001, 2002) e a netnografia (Rocha, Barros, & Pereira, 2005).
Sobre este último, Rocha et al. (2005) consideraram a netnografia como a
parte escrita de uma cibercultura compreendida pela antropologia cultural. E,
tal qual outras técnicas qualitativas, a netnografia passa pelos mesmos problemas
e preocupações referentes à validade dos seus achados (Kozinets, 1997). Apesar
disso, ele descobriu em seu estudo, uma subcultura de admiradores do seriado XFiles, unidos por sentimentos, compartilhando gosto pelo mistério, pelo estético, e
um desejo de consumir bens relacionados ao seriado. Nesse último, percebe-se a
troca de informações sobre produtos, e até a troca de produtos entre os membros
das comunidades, aspectos esses interessantes para o profissional de marketing.
Já Ward (1999) apresentou a cyber-etnografia, termo por ele cunhado para
diferenciá-la da etnografia tradicional. Segundo a autora, a diferença está na
ausência de delimitação do espaço físico, já que a cyber-etnografia estuda
comunidades que estão baseadas em um ciberespaço. Ward (1999) ainda criticou
o uso indiscriminado de técnicas construídas para serem utilizadas em ambientes
reais em ambientes virtuais. Por fim, a autora define cyber-etnografia como o
estudo de interações on-line, permitindo que os sujeitos estudados interajam
durante o processo de pesquisa, parte esta essencial daquele método.
Por fim, existem outros estudos inseridos no marketing e, mais especificamente,
no comportamento do consumidor. Um exemplo é o estudo de Langerack, Verhoef,
Verlegh e Valck (2004), que buscou entender as razões para a participação dos
usuários em comunidades virtuais, que seriam a satisfação do contato com outros
membros, entre o organizador da comunidade e os membros, e com o site que
hospeda a comunidade virtual. Outro exemplo é o estudo de Mattar (2003), o
qual defende que as subculturas são entendidas, nas comunidades virtuais, como
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grupos de pessoas que compartilham crenças e valores confinados a um espaço
virtual compartilhado por pessoas de todo o mundo.
Nota-se que os estudos que envolvem comunidades virtuais e marketing estão
muito ligados a métodos interpretativos (ex.: netnografia e cyber-etnografia),
enquanto estudos que utilizam os dados postados pelos membros dessas
comunidades (por exemplo o perfil e os interesses) como fonte secundária para
trabalhos de natureza quantitativa, ainda não foram desenvolvidos em sua plenitude.
Desta maneira, o presente trabalho busca suprir, mediante a tabulação de padrões
de consumo e do adequado processamento dos seus dados secundários, esta
importante lacuna de conhecimento.
M E TODOLO G I A
O presente trabalho é pesquisa exploratória que utiliza dados secundários
existentes na comunidade de relacionamento Orkut, para determinar possíveis
atitudes em relação a um produto de consumo (cerveja), dados estes referentes
ao perfil, preferências e hábitos, que são voluntariamente veiculados pelos próprios
interessados.
A pesquisa parte do pressuposto de que é possível prever determinadas atitudes
de consumo, como gostar ou não de cerveja, a partir do cruzamento e interpretação
de outras informações explicitadas pelos membros das comunidades virtuais. Para
isso busca identificar, no emaranhado de dados existentes no Orkut, algumas
variáveis que, tratadas estatisticamente e utilizando técnicas de mineração de
dados, permitam prever aquelas atitudes de consumo, com vistas à segmentação
de mercado.
Seleçăo e Coleta das Amostras
O trabalho utiliza duas amostras probabilísticas de 400 elementos cada,
colhidas das comunidades autodenominadas eu amo cerveja gelada (52.000
membros) e eu odeio cerveja (32.000 membros). A amostragem probabilística
aleatória simples, conforme Malhotra (2001), é aquela em que “cada elemento
da população tem uma probabilidade conhecida e igual de escolha e na qual a
amostra é extraída de um arcabouço amostral por processo aleatório” (p.
309). Para a pesquisa, foram colhidos aleatoriamente os logins de 400
usuários de cada uma das duas comunidades incluídas no estudo, através do
sorteio de 400 telas, cada tela com cerca de 15 usuários, das quais foram
capturados os links dos usuários localizados no canto superior esquerdo. Após
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
a captura dos links, realizada numa única passagem para garantir a
aleatoriedade, foi feita a coleta dos dados correspondentes a 787 usuários,
uma vez que dos 800 links sorteados, 13 não apresentavam dados ou não
estavam mais disponíveis por ocasião da coleta, correspondendo a uma
mortalidade de 1,6%.
Processamento e Análise dos Dados
A mineração de dados tem orientação tipicamente exploratória de busca
por conhecimento obscurecido pelos complexos padrões de associação e
grandes quantidades de dados. Segundo Hair, Anderson, Tatham e Black
(2005), “umas poucas ‘pepitas’ podem ser encontradas somente depois de se
processar vastas quantidades de informação” (p. 538) e, para isto, diversas
técnicas analíticas podem ser empregadas, desde as mais básicas (abordagens
descritivas ou gráficas) até análises multivariadas sofisticadas: análise de
agrupamentos, de regressão ou logística, além de redes neurais e algoritmos
genéticos.
O processamento e a análise dos dados utilizados no presente trabalho foram
desenvolvidos em três fases: 1) limpeza de dados, dicotomização e identificação
das variáveis de interesse; 2) análise discriminante; e 3) análise com redes neurais.
Na primeira fase foram utilizados os testes t e Qui-Quadrado para limpar os
dados e descartar as variáveis não significativas que, por apresentarem
características comuns a ambos os grupos, não contribuiriam para a explicação
do fenômeno em estudo. No segundo momento foi realizada a análise discriminante
com o pacote estatístico SPSS, e finalmente foi utilizado um algoritmo de redes
neurais como técnica alternativa, cujo poder de explicação e previsão é comparado
à análise discriminante convencional.
O trabalho utiliza um conjunto de dados, com variáveis contínuas e categóricas,
tratadas como variáveis independentes; e uma variável dicotômica que representa
uma atitude em relação ao consumo de cerveja, odiar ou gostar de, assumida
como variável dependente. A fim de facilitar a inclusão nos modelos multivariados,
as variáveis independentes categóricas, que apresentaram significância estatística
entre os grupos, foram convertidas em variáveis binárias do tipo ausência-presença
de determinada característica (dummies). A transformação de variáveis
categóricas em variáveis do tipo dummy e sua inclusão em modelos de regressão
logística foi preconizada por Hosmer e Lameshow (2000), os quais defenderam
que “se algumas variáveis independentes forem discretas, variáveis nominais como
sexo, grupo racial e outras, não são apropriadas para incluir no modelo como se
fossem variáveis de intervalo” (p. 32), uma vez que os números utilizados para
representar as categorias são meros identificadores, não possuindo nenhum
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significado numérico. Neste caso, dizem aqueles autores, a solução é utilizar uma
série de dummies ou variáveis de desenho, obtidas a partir da transformação das
variáveis categóricas em binárias (0 e 1). No caso presente, das 63 variáveis
categóricas, 61 foram transformadas em dummies. Assim, por exemplo, a variável
arte no corpo, que permitia o preenchimento de seis opções (piercing na orelha,
piercing na língua etc.), foi convertida em uso de piercing na orelha (S/N),
uso de piercing na língua (S/N) etc.
A análise discriminante e a regressão logística são as técnicas estatísticas
apropriadas, quando a variável dependente é categórica, nominal ou não métrica,
e as variáveis independentes são métricas (Hair et al., 2005). A análise
discriminante envolve determinar uma variável estatística, a combinação linear
de duas ou mais variáveis independentes, que discriminarão melhor entre os grupos
definidos a priori. A discriminação é conseguida estabelecendo-se os pesos da
variável estatística para cada variável, para maximizar a variância entre os grupos
relativa à variância dentro dos grupos. A função discriminante normalmente assume
a forma:
Zjk = a + W1X1k + W2X2k + ... + WnXnk
onde
Zjk = escore Z discriminante da função discriminante j para o objeto k.
a = intercepto vertical.
Wi = peso discriminante para a variável i.
Xik = variável independente i para o objeto k.
Redes neurais são uma das ferramentas mais adequadas para serem associadas
com a mineração de dados (Hair et al., 2005). O modelo é composto de nós, que
atuam como entradas, saídas ou processadores intermediários. Cada nó conectase ao próximo conjunto de nós por uma série de caminhos ponderados, semelhantes
aos pesos em um modelo de regressão (Haykin, 2001). São chamadas neurais ou
neuronais, por serem inspiradas na funcionalidade das células nervosas no cérebro.
Semelhantes aos humanos, as redes neurais podem aprender a reconhecer padrões
pela exposição repetida de exemplos diferentes. Elas podem ser usadas para
reconhecer padrões ou salientar características, quer sejam caracteres manuscritos,
fisionomias ou outras características pessoais. Assim como os seres humanos
têm a capacidade de reconhecer um caráter manuscrito ou a voz de uma pessoa
que lhe é familiar, também as redes neurais podem reconhecer padrões em dados
que são inexatos e incompletos, como o caso presente.
52
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
Similar às redes biológicas, uma RNA pode ser organizada de vários modos
diferentes (topologias); isto é, os neurônios podem ser conectados de vários modos.
Portanto as RNAs aparecem em muitas configurações. No processamento da
informação, muitos dos elementos deste executam seus cálculos ao mesmo tempo.
Este processamento paralelo assemelha-se ao modo como o cérebro trabalha, e
difere do processamento serial dos cálculos tradicionais. Um algoritmo de
aprendizado muito usado é o Algoritmo Back-propagation (Dandolini, 1997).
No algoritmo Back-Propagation, um padrão de entrada é apresentado na
camada de entrada e é propagado através das camadas intermediárias, passando
por todos os processos, para produzir uma saída. Esta saída é então comparada
com a saída objetivo, e o erro é propagado para trás (da última camada para a
camada de entrada) através das camadas da rede. O erro propagado é usado
para ajustar os pesos das conexões. Este processo de treinamento é então repetido
com novo par de entrada, e novo erro é propagado para trás. Este processo é
repetido muitas vezes com muitos pares de amostras de padrões, até que o erro
seja minimizado. A possibilidade que tem a rede de lidar com dados ruidosos e
resolver problemas não linearmente separáveis deriva da capacidade que têm os
neurônios das camadas ocultas de ativarem ou não determinadas áreas e assim
organizarem-se conforme os padrões oriundos da camada de entrada (Freeman
& Skapura, 1991).
Neste estudo, foi utilizada uma rede multicamadas (Multi-Layer Perceptron
[MLP]), com algoritmo back-propagation, cuja estrutura se encontra
representada na Figura 1. Ao longo do trabalho foram testadas diversas
arquiteturas e configurações; o melhor rendimento, em termos de ajuste e de
capacidade de generalização, foi obtido com duas camadas ocultas, com 30 e 10
neurônios, respectivamente, ambas utilizando a tangente hiperbólica como função
de transferência, e uma camada de saída com dois neurônios e função linear, já
que os dados deviam ser classificados em dois grupos.
Figura 1: Rede Neural MLP Back-propagation Feedforward,
de 3 Camadas
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R E S U LTA D O S
O levantamento inicial continha variáveis numéricas e categóricas, das quais
foram aproveitadas 7 variáveis originalmente dicotômicas e geradas outras 59
dummies; ao todo foram incluídas 66 variáveis na análise. Entre as variáveis
numéricas encontra-se o número de comunidades a que o indivíduo pertence, o
número de amigos, o número de recados existentes na sua página, o número de
fãs, o número de testemunhos, o seu carisma(1), a exposição que faz da sua
intimidade (2) e o número de fotos disponíveis. As variáveis categóricas
compreendem as características das fotos divulgadas, o tipo de relacionamento
atual (casado, solteiro, namorando etc.); se comunica ou não a idade, se divulga
ou não endereço de contato, se tem filhos, se fuma, se bebe, se gosta ou não de
animais de estimação, com quem mora, os interesses na comunidade virtual, o
humor, a etnia, a religião, a orientação sexual, a visão política, o estilo, a aparência
física etc.
A análise discriminante foi feita em duas etapas; na primeira delas foram incluídos
todos os 787 casos: 394 membros da comunidade “1”, que se dizem apreciadores
de cerveja, e 393 da comunidade “2”, que dizem odiar aquela bebida; na segunda
fase, a amostra foi “particionada” em duas, para testar o poder preditivo da função
discriminante em dados independentes e, dessa forma, possibilitar a comparação
com a rede neural.
A primeira fase da análise discriminante, com todos os dados da amostra, não
estava interessada no cálculo da variável estatística em si, mas na verificação
dos pressupostos de normalidade e de igualdade das matrizes de variância e
covariância entre os grupos. O teste de Kolmogorov-Smirnov demonstrou que
todas as 66 variáveis apresentam assimetria significativa entre as duas caudas,
em níveis inferiores a 0,001, sendo, portanto, normais. A igualdade de matrizes de
variância e covariância foi comprovada por meio do teste M de Box, cujo resultado
demonstrou a existência de significância estatística entre os grupos, o que neste
caso não era desejável. Tal significância, contudo, segundo Hair et al. (2005),
não impede a continuidade da análise, contanto que se busquem estimativas de
variância separadas por variáveis, na fase de estimação da função discriminante.
A violação do pressuposto de igualdade entre as matrizes de variância e covariância
foi superada por meio de uma segunda análise, desta vez utilizando o método
Stepwise pela distância de Mahalanobis, que confirmou existência de 12 variáveis
significantes.
Com as 12 variáveis identificadas foi possível calcular a variável estatística, a
qual conseguiu classificar corretamente 74,5% com todos os dados incluídos e
54
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
72,6% na validação cruzada, quando o dado testado é deixado de parte. Tal
resultado, contudo, tem caráter meramente informativo, uma vez que o propósito
maior deste trabalho era verificar o poder preditivo do modelo com dados
independentes e não na amostra inteira. O processamento relatado até aqui tem
apenas o propósito de verificar a qualidade das variáveis, quanto ao atendimento
dos pressupostos teóricos da Análise Discriminante.
Após a confirmação da adequação dos dados, a amostra foi “particionada”
aleatoriamente em duas: uma para estimação da variável estatística da análise
discriminante e treinamento da rede neural (669 casos), e outra (118 casos) para
validação do poder preditivo de ambos. O novo arranjo amostral, após a partição,
encontra-se na Tabela 1.
Tabela 1: Composição das Amostras após a Partição
A fim de possibilitar a comparação da efetiva capacidade preditiva do modelo
com a rede neural, que será apresentada logo a seguir, tanto a estimação da
variável estatística, quanto os testes da análise discriminante foram refeitos,
novamente utilizando o método Stepwise pela distância de Mahalanobis, desta
vez utilizando apenas os 669 dados da amostra de estimação. Com a nova
amostra, 13 variáveis foram incluídas no modelo e conseguiram classificar
corretamente 75,3% e 74,9%, dos casos, respectivamente com e sem a inclusão
do dado na estimativa; o Lambda de Wilks foi de 0,697 e a significância entre
os grupos < 0,000. Os centróides dos grupos foram estimados em -663 e 553,
respectivamente para os grupos 1 (apreciadores de cerveja) e 2 (avessos à
cerveja). A variável estatística padronizada corresponde a: (fuma*-0,369) +
(gênero*0,602) + (Foto_c_outros*-0,174) + (Extrovert_estravag*-0,195) +
(Est_natural*-0,198) + (Mora_c_AnimEstim* 0,197) +(Mora_c_pais*0,413)
+ (Amig_visit_freq*-,169) + (Relat_cinema* 0,358) + (tatoo_visivel*-0,188)
+ (piercing_lingua*-0,169) + (Alto_Carisma* 0,289) + (Bxssma_Publicida*0,161).
Assim, considerando o intervalo médio entre os centróides (-0,10) e a equação
estimadora da função de separação, obtidos da amostra de estimação, foi feita a
classificação dos dados da amostra de validação. A função estimada conseguiu
classificar corretamente (54+25)/118 = 67% do dados totais da amostra
RAC, Curitiba, Edição Especial 2008, p. 41-63
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independente, porém com graus muito diferentes de exatidão entre os dois grupos
(40,3% no Grupo 1 e 96,4% no Grupo 2), o que limita bastante a sua aplicação. O
resultado encontra-se na Tabela 2.
Tabela 2: Resultado da Classificação Feita através da Função
Discriminante Estimada
A última etapa do trabalho consistiu na classificação dos dados por meio de um
algoritmo de redes neurais, com vistas a comparar o resultado de ambos os
modelos. Para tanto foram apanhadas as duas subamostras anteriormente
preparadas, sendo a primeira delas (669 respostas) destinada ao treinamento, e a
segunda (118 respostas) ao teste da rede.
A modelagem de redes neurais foi feita por meio de uma rede MLP de três
camadas, com algorítmo back-propagation, rodando sobre o pacote MatLab.
Foram utilizados 30 e 10 neurônios, respectivamente, nas duas camadas ocultas,
e dois neurônios na camada de saída; as funções de transferência utilizadas foram
a tangente hiperbólica, nas duas camadas ocultas, e a linear na camada de saída;
o treinamento foi feito em 5.000 épocas.
O resultado do processamento feito com a rede neural demonstrou que a
ferramenta é capaz de lidar com problemas complexos, como é o caso da produção
de informações a partir de dados fragmentados, colhidos de fontes secundárias.
Conforme se vê na Tabela 3, a rede neural superou a capacidade preditiva da
análise discriminante em dois pontos importantes: (a) ao prever corretamente
71,19% dos dados da amostra independente, contra 67% da análise discriminante;
e (b) ao prever corretamente mais de 70% dos dados de ambos os grupos e não
apenas de um deles.
56
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Tabela 3: Resultado da Classificação Feita através da Rede MLP
A análise das saídas da rede neural, por outro lado, demonstra a grande dificuldade
de generalizar o modelo para dados externos, uma característica absolutamente
previsível, tendo em vista tratar-se de dados colhidos anonimamente, sem qualquer
contato com os respondentes, o que impede qualquer tipo de controle sobre a
qualidade do dado. O resultado, conforme se vê na Figura 2, revela excelente
concentração, tanto dos dados (concentrados nos pontos 1;0 e 0;1) como dos
erros (concentrados no centro 0;0), na amostra de treino (A e B), o que já não
ocorre na amostra de teste (C e D).
Figura 2: Saídas da Rede Neural: os Painéis A e B Correspondem à
Simulação dos Dados da Própria Amostra de Treino, e os Painéis
C e D às Saídas da Amostra de Validação
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Mesmo revelando alguma dificuldade de generalização, ainda assim o resultado é
encorajador, na medida em que a previsão realizada com a RNA foi capaz de
prever um razoável volume de dados externos, ao longo de todo o espectro de
respostas. Conforme pode ser visto nos painéis C e D da Figura 2, os dados estimados
concentram-se mais em torno dos pontos (1;0) e (0;1) do que longe deles; e o
contrário ocorre com os erros, que se concentram na faixa intermediária (onde não
comprometem a previsão) e se tornam rarefeitos nas proximidades dos pontos.
Comparando-se os dois métodos de estimação, verifica-se que, com os dados
utilizados, a rede neural apresenta poder discriminante e preditivo superior ao da
análise discriminante. Conforme a Tabela 4, mesmo com dados pobres e
fragmentados, capturados de fonte secundária de domínio público, ambas as
técnicas apresentaram razoável capacidade de previsão, o que corrobora um dos
pressupostos do presente trabalho: de que é possível prever atitudes e
comportamentos latentes de consumo, a partir da análise e do processamento de
outras informações disponíveis, mesmo algumas aparentemente inocentes, como
é o caso das informações publicadas voluntariamente nas comunidades virtuais.
Tabela 4: Comparação entre o Desempenho da Análise
Discriminante e da Rede Neural
C ONCLUSŐES , L IMITAÇŐES
E
S UGESTŐES
PARA
P ESQUISAS F UTURAS
Por se tratar de um estudo meramente exploratório, este não tinha o objetivo de
modelar equação ou de descobrir fórmula que fosse capaz de prever, com total
segurança, qualquer comportamento ou atitude. Dessa forma, os achados, por
mais instigantes que sejam, encontram-se limitados pela impossibilidade de se
compreender, em toda a sua dimensão, as razões que levam alguém a beber
(pouco, moderadamente ou em demasia), ou a rejeitar, de forma peremptória, o
consumo de algum tipo de bebida. Tais limitações, ao mesmo tempo, recomendam
cautela como os resultados do presente trabalho, encorajam o aprofundamento
da investigação e o desenvolvimento de futuras pesquisas, tanto de cunho
quantitativo quanto qualitativo.
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As Comunidades Virtuais e a Segmentação de Mercado
Ainda que limitações existam, os resultados foram bastante encorajadores, na
medida em que, mesmo com variáveis escolhidas praticamente ao acaso, foi
possível modelar relações que, no seu conjunto, permitiram prever a existência
de uma atitude latente de consumo de boa parte dos membros de uma comunidade
virtual. A possibilidade de prever atitudes e comportamentos de consumo, a partir
da busca exaustiva e do processamento adequado de informações de domínio
público, confere aos profissionais de marketing a possibilidade de prever
necessidades e oportunidades de mercado antes da concorrência e assim atendêlas mais prontamente e melhor.
O trabalho realizado demonstra claramente a melhor capacidade de lidar com
dados fragmentados e ruidosos e a superioridade do poder preditivo das redes
neurais em relação à análise discriminante, conforme suposição inicial. Pelo
resultado já exposto, a rede neural apresentou grau de ajustamento superior, tanto
na amostra de treino, quanto na amostra independente (dados de teste), o que
encoraja a utilização desta última pelos profissionais de marketing, mormente por
aqueles envolvidos na pesquisa e prospecção de novas oportunidades de negócio.
Futuros estudos que envolvam outras arquiteturas de rede neural poderão
responder se a configuração usada no presente trabalho é mesmo a melhor opção,
ou se outras arquiteturas ou mesmo a modificação de alguns parâmetros não são
capazes de oferecer ajustes ainda melhores. Da mesma forma, outros dados,
como variáveis obtidas a partir da conversão de campos textuais, ou mesmo de
outros cadastros (outras comunidades, listas de discussão, blogs, flogs etc.)
poderão ser incluídos no modelo, com vistas a aumentar o ajuste e melhorar o
poder explicativo das variáveis independentes.
Ainda que a coleta tenha adotado critérios rigorosos de aleatoriedade, não há
nenhuma garantia de que os dados utilizados espelhem a real atitude dos usuários
em relação ao consumo de cerveja, tendo em vista que a coleta foi feita diretamente
da Internet, sem qualquer contato com os respondentes. Por se tratar de uma
divulgação voluntária, é de se supor que as pessoas tornem públicas apenas as
características pessoais com que realmente se identificam, não havendo, assim,
por que dizer-se adepto do consumo de cerveja ou avesso a ele, caso isso não
seja realmente importante para cada um. Entretanto há que considerar o risco de
algum usuário aderir a uma determinada comunidade por modismo, comodidade
ou influência de outros membros da mesma faixa etária ou círculo de relações,
independentemente da sua real atitude em relação ao produto em si. No caso
específico de comunidades ditas avessas ao consumo de álcool, existe ainda o
risco de alguém aderir por motivo de crença religiosa, por pressão do grupo de
referência e porque a bebida lhe faria mal, a ponto de ser odiada ou simplesmente
para fazer campanha contra o consumo por considerá-lo prejudicial à saúde.
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Tais limitações, contudo, não diminuem a importância do trabalho; pelo contrário,
encorajam a realização de trabalhos futuros, com amostras controladas e outras
técnicas de processamento, como forma de corroborar ou negar aquilo que acaba
de ser relatado.
Artigo recebido em 29.06.2006. Aprovado em 14.02.2007.
N OTA S
1
Variável numérica resultante da divisão do número de fãs pelo número de amigos.
2
Variável numérica resultante da divisão do número de recados existentes na página pelo número de
amigos.
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