Apelação Cível n. 2010.036006-2, de São José
Relator: Desembargador Substituto Odson Cardoso Filho
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE
DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C COBRANÇA DE SEGURO.
DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO.
IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
RESPONSABILIDADE PELO EVENTO DANOSO. AUTOR
QUE PERDE O CONTROLE DO VEÍCULO, INVADE A PISTA
CONTRÁRIA, E DÁ AZO À COLISÃO.
NEGATIVA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA SOB O
ARGUMENTO DE QUE O CONDUTOR DO AUTOMOTOR
ESTAVA EMBRIAGADO. EXISTÊNCIA DE PROVA DO NEXO
CAUSAL ENTRE O SINISTRO E A INGESTÃO DE ÁLCOOL.
AGRAVAMENTO DO RISCO VERIFICADO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2010.036006-2, da comarca de São José (1ª Vara Cível), em que são apelantes Vera
Lúcia Gerber e outro, e apelada Liberty Seguros S/A:
A Quinta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conheceu do
recurso e negou-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 28 de novembro de 2013, foi presidido
pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Izidoro Heil, com voto, e dele
participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Henry Petry Junior.
Florianópolis, 4 de dezembro de 2013.
Odson Cardoso Filho
RELATOR
RELATÓRIO
Na comarca de São José, Vera Lúcia Gerber e Charles Fernando
Gerber ajuizaram "Ação Declaratória de Nulidade de Cláusula Contratual c/c
Indenização" (n. 064.03.004192-2) em face de Liberty Paulista Seguros.
Narra a inicial que Vera entabulou com a acionada contrato de seguro
do veículo GM/Astra, de placas MEN 0180, com vigência de 31-08-2002 a
31-08-2003, e, em 29-11-2002, Charles, na condução do referido automotor,
envolveu-se em acidente de trânsito. A seguradora, instada, negou-se a arcar com as
despesas do conserto do carro, mas "como o contrato foi firmado entre Vera e a ré, as
obrigações e condições nele pactuados tem oponibilidade restritamente entre os
contratantes, [sendo] impraticável que a seguradora objetive eximir-se alegando que o
motorista no momento do acidente não cumpria com uma qualidade atribuída e
pactuada com a requerente" (fls. 2-7).
Formada a relação jurídica processual, observado o contraditório e finda
a instrução, a magistrada a quo, por considerar que o condutor do veículo estava
alcoolizado no momento do acidente, julgou parcialmente procedentes os pedidos
formulados na exordial, apenas para declarar a nulidade da cláusula 3ª, "h", do
contrato de seguro (fls. 307-311).
Insatisfeitos, os autores recorreram. Requerem, em síntese, a
procedência do pedido condenatório (fls. 315-319).
Com as contrarrazões (fls. 326-331), os autos ascenderam a este
Tribunal de Justiça.
É o relatório.
VOTO
Preambularmente, a preliminar aventada nas contrarrazões (fls.
326-327) é descabida. A apelação, ainda que de forma concisa, evidenciou os
fundamentos para a modificação da sentença e o pedido de nova decisão – "requer
seja recebido e provido o presente recurso de apelação, reformando-se a r. sentença
e julgando totalmente procedente a ação" (fl. 319).
O recurso, assim, apresenta-se tempestivo e preenche os demais
requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.
Tocante ao mérito, os demandantes pretendem a reforma da decisão de
primeira instância, sustentando que a embriaguez do condutor não autoriza a negativa
de cobertura por parte da seguradora, pois não implica, necessariamente, o
agravamento do risco.
No caso em apreço, Charles, que figura como “condutor dependente”
(fl. 18) no seguro pactuado com a apelada – o que o equipara à qualidade de
segurado –, no dia 29-11-2002, após perder o controle do veículo GM/Astra, de
placas MEN 0180, e invadir a pista contrária, envolveu-se em acidente automobilístico
no município de Rancho Queimado/SC.
O sinistro resultou na morte de passageiro do automóvel atingido, além
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de lesões em outros, e em diversos danos aos automotores, conforme descrito no
boletim de ocorrência de fls. 21-22. O pedido administrativo de pagamento da
indenização securitária veio embasado na falta de habilitação do condutor e no fato
de este estar embriagado.
Estabelece a cláusula 3ª, alínea l, do contrato de seguros assinado por
Vera e Liberty:
Este seguro não cobre em nenhuma hipótese:
[...]
I) danos decorrentes de acidente envolvendo o veículo segurado quando
dirigido por pessoa sob o efeito de álcool ou entorpecente". (fl. 76)
A decisão recorrida reconheceu a ausência de obrigação da seguradora
ré em honrar com a avença, em virtude do estado de embriaguez.
Há que se ressaltar que a falta de habilitação, como apontado pela
magistrada a quo, não é motivo suficiente para afastar o dever de indenizar,
sobretudo porque o "nosso ordenamento não abraçou a teoria da culpa contra a
legalidade, segundo a qual a mera transgressão de uma norma regulamentária levaria
à materialização da culpa. A ausência de habilitação do condutor de veículo não o
torna responsável pelo acidente, devem ser analisadas todas as circunstâncias
referentes à colisão para que se possa chegar a uma conclusão acerca da
culpabilidade" (Apelação Cível n. 2010.052152-9, de Canoinhas, rel. Des. Jaime Luiz
Vicari, j. 02-06-2011).
Por sua vez, importante esclarecer que, apesar de me filiar à tese de
que o simples estado etílico do condutor não é suficiente para ensejar a negativa de
pagamento da seguradora (cf. Apelação Cível n. 2013.041940-5, de Santa Rosa do
Sul, j. 31-10-2013), entendo não ser esta a hipótese aqui discutida, em que presente o
nexo entre a conduta do motorista e o resultado.
A ebriedade de Charles é incontroversa, amparada nas provas
acostadas, como o já citado boletim de ocorrência (fls. 21-22), no qual descrito que
“o condutor do veículo 02 exalava odor de álcool e se negou a fazer os testes de
bafômetro e sangue”, nas declarações prestadas em inquérito policial que apurou os
fatos, e nos depoimentos das testemunhas em juízo (fls. 235 e 241-243).
Do relato de Omério Hinckel, residente nas proximidades do local em
que ocorreu o acidente, extrai-se que:
[...] pela colocação dos veículos no local, deduz que o veículo Astra invadiu a
pista contrária; que o condutor do veículo Astra estava muito nervoso e o condutor do
Escort estava inconformado pela morte do filho; que, o condutor do Astra estava
aparentemente embriagado e alterado. (fl. 98)
A declaração foi confirmada em juízo (fl. 235).
O condutor do outro automotor, Valdecir Freitas de Oliveira, declarou
que Charles “vinha no sentido oposto, invadiu a pista em que o depoente trafegava,
girando em alta velocidade, e colidiu no veículo do declarante” e este “inalava um
forte odor de álcool e se negou a fazer o exame de dosagem alcoólica” (fls. 99-100).
O policial rodoviário Márcio Osni Bunn, que atendeu a ocorrência, disse:
[...] que no dia do acidente o autor aqui presente exalava cheiro de álcool; que
o contato que o depoente teve com o autor foi bem depois do acidente, por volta da
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meia noite; que o autor aparentava estar normal; que o autor estava conversando
com o advogado ao telefone, e disse que se recusava em fazer o teste; que o
depoente trouxe o autor até o exército, no Estreito, que fez um exame visual, onde
constatou apenas o odor de álcool, bem como demais exames físicos como andar
em linha reta e executar alguns movimentos, uma vez que o autor se negou em fazer
o exame de sangue e teste de bafômetro [...]. (fl. 241)
Já Osvaldo Rodrigues Alexandre, policial rodoviário, também presente
no local dos fatos, relatou:
[...] que se recorda do acidente descrito no documento de fls. 21; que o
condutor do veículo 02, Astra que ia sentido Florianópolis/Lages aparentava-se
embriagado; que inicialmente o condutor do veículo Astra concordou em fazer o teste
de bafômetro; que o autor desceu em uma viatura da PM em Rancho Queimado para
fazer a coleta do material para o teste de bafômetro, em Santo Amaro; que quando
chegou no hospital o autor se recusou a fazer o referido teste sendo que a PM
comunicou tal fato ao depoente, que estava em Rancho Queimado; que então foi
deslocado outra viatura da polícia rodoviária federal para levar o autor ao IML ou
outro local para fazer a coleta do material; que quando o autor chegava nos locais,
desistia de fazer os testes; [...] que o autor estava acompanhado de uma moça; [...]
que o depoente então levou a acompanhante do autor até o posto da polícia
rodoviária em Rancho Queimado; que no trajeto referida acompanhante disse para o
depoente que o autor havia bebido muito, sendo que no caminho, o autor e sua
acompanhante pararam em um posto de gasolina, onde o autor teria ingerido mais
bebida alcoólica; que a acompanhante ainda pediu para que este não bebesse. Ao
Procurador do Réu respondeu: que o autor estava em evidente estado de
embriagues; que chegou a esta conclusão pelo estado físico do autor, sua postura e
pelo cheiro de álcool que exalava; que inclusive a sua acompanhante confirmou que
o mesmo havia ingerido bebida alcoólica. (fl. 242)
O dirigir em rodovia federal sinuosa (BR-282), no período noturno, com
chuva e neblina, exige cautela e máximo discernimento – o que, in casu, não foi
observado pelo segurado-condutor, pois se encontrava sob a decisiva influência do
álcool. A dinâmica do acidente, com a invasão da pista contrária na passagem por
uma curva, revelam essa circunstância.
Ora, “não há dúvidas de que um motorista embriagado aumenta em
muito as possibilidades de ocorrência de um acidente, exasperando os riscos de
modo a desnaturar a própria álea caracterizadora do contrato de seguro, justo que
transformará (como, no caso, efetivamente transformou) em fato concreto uma mera
probabilidade, influenciando, assim, na própria aferição do valor do prêmio”
(Apelação Cível n. 2013.035769-3, de Ituporanga, rel. Des. Trindade dos Santos, j.
24-10-2013).
Nesse sentido já decidiu este Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO DE VEÍCULO PERDA TOTAL - NEGATIVA DE PAGAMENTO, LASTREADA NO ARGUMENTO DE
QUE O FILHO DO SEGURADO ESTARIA DIRIGINDO SOB O EFEITO DA
INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA - EXCLUSÃO DE COBERTURA
EXPRESSAMENTE ELENCADA NAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE – TESTE
DE ALCOOLEMIA QUE ACUSOU 12,8 DG/L (DOZE VÍRGULA OITO
DECIGRAMAS) DE ÁLCOOL POR LITRO DE AR - EMBRIAGUEZ CONFIGURADA Gabinete Desembargador Substituto Odson Cardoso Filho
CAUSA DETERMINANTE PARA A OCORRÊNCIA DO SINISTRO - CULPA IN
ELIGENDO DO SEGURADO - AGRAVAMENTO DO RISCO CARACTERIZADO ARTS. 765 E 768, AMBOS DO CC - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR AFASTADA RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Nos dias de hoje, onde as campanhas publicitárias e educativas são
absolutamente enfáticas e conhecidas de todos, quem voluntariamente assume, ou
permite que terceiro assuma a condução de veículo automotor depois de ingerir
qualquer quantidade de álcool, deve estar preparado para as consequências diretas
ou indiretas desta conduta, o que, no caso em contenda, inclui a possibilidade de vir
a perder o direito à cobertura do seguro contratado. (Apelação Cível n.
2012.083929-5, da Capital, rel. Des. Luiz Fernando Boller , j. 13-12-2012)
Ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE SEGURO DE
AUTOMÓVEL. EMBRIAGUEZ DO MOTORISTA CONFIGURADA. BOLETIM DE
OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE VERACIDADE. ADEMAIS,
PROVA TESTEMUNHAL QUE CONFIRMA O ESTADO ETÍLICO. QUEBRA DO
EQUILÍBRIO CONTRATUAL. AGRAVAMENTO DO RISCO VERIFICADO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
A embriaguez do condutor, quando devidamente comprovada, configura
agravamento de risco e desobriga a seguradora ao pagamento da indenização do
seguro contratado, ainda que o bem segurado esteja sendo conduzido por terceiro
estranho à relação contratual". (2009.039542-5, de Fraiburgo, rel. Des. Fernando
Carioni, j. 09/11/09) (Apelação Cível n. 2009.028532-0, de Capinzal, rel. Des. Sérgio
Izidoro Heil, j. 15-12-2011)
Ressalta-se, por fim, que o inquérito policial instaurado para averiguar o
ocorrido resultou em Ação Penal (n. 057.03.000058-7) (fl. 96), que em sentença
reconheceu a culpa de Charles, nos termos dos arts. 302 e 303 do Código de Trânsito
Brasileiro c/c o art. 70 do Código Penal.
Assim, deve ser mantida a sentença, afastando-se a obrigação da
seguradora ao pagamento da indenização requerida.
Ante o exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento.
É o voto.
Gabinete Desembargador Substituto Odson Cardoso Filho
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Apelação Cível n. 2010.036006-2, de São José Relator