REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 Volume 9 - Número 1 - 1º Semestre 2009 Utilização da PCR na detecção de Mycoplasma sp. em culturas de células contínuas e de Trypanosoma cruzi Gabriela Stephanie Peres Cristo1, Sara Lopes dos Santos1 RESUMO A contaminação de Mycoplasma sp. em linhagens celulares é um evento comum, podendo trazer grandes prejuízos para as culturas de células e parasitos, interferindo nos resultados dos experimentos. A técnica de reação da cadeia da polimerase (PCR) tem se mostrado sensível, segura, rápida e específica na detecção deste procarioto. Neste trabalho foi utilizada a PCR para a detecção do contaminante em 100 amostras provenientes de 3 linhagens celulares e 2 populações de Tripanosoma cruzi.. Foi feito uma triagem das amostras e todas as culturas estavam contaminadas, demonstrando a necessidade do monitoramento da contaminação. Estas amostras foram tratadas, e durante o tratamento sistemático das culturas o número de amostras PCR-positivas diminuiu gradualmente até a eliminação da contaminação. Este trabalho descreve pela primeira vez a detecção e o monitoramento da contaminação por Mycoplasma sp. através da técnica de PCR como parte do controle de qualidade da pesquisa com parasitos protozoários, além do monitoramento das linhagens celulares. Palavras-chave: Mycoplasma, cultivo celular, PCR Use of PCR in the detection of Mycoplasma sp. in cell lines and cultures Trypanosoma cruzi ABSTRACT The presence of Mycoplasma sp. in cell lines is very common but the contamination monitoring it´s rarely used in molecular and cellular research routine. The PCR technique has proven to be sensitive, safe, rapid and specific in the detection of Mycoplasma sp. in cell lines. The detection of Mycoplasma sp. was performed using the PCR in 100 samples from 3 cell lines and 2 T. cruzi populations cultures. All the cultures, including the suspensions of T. cruzi trypomastigotes forms, were contaminated demonstrating the need to maintain a quality control of the cultivation of cell lines with regard to the presence of Mycoplasma sp., since this is a contaminant intracellular and potentially harmful to the cell cultures. During its systematic treatment, the cell lines and parasite cultures were monitored by PCR. The percentage of contaminated samples gradually reduced in till the complete elimination of the contamination. Keywords: Mycoplasma, cell cultures, PCR 1 INTRODUÇÃO O gênero Mycoplasma sp. pertence a classe Mollicutes, procariotos sem parede celular, que pode trazer grandes prejuízos para o cultivo de linhagens celulares e parasitos. Com a introdução de antibióticos nos meios de cultivo de células e parasitos, minimizando o problema das contaminações bacterianas e fúngicas, os Mycoplasmas sp. passaram a ser os contaminantes detectados com maior freqüência (Hakala et al., 1963). A presença de 72 Mycoplasma sp. em linhagens celulares é um evento comum, que tem sido registrados por diversos autores (Miyaki et al., 1989; Hu et al, 1995; Timenetsky et al., 2006). As cepas podem ser carreadas por humanos, suínos ou bovinos (Hayflick, 1965; Uphoff & Drexler, 2002; Timenetsky et al., 2006). O tecido de origem das células, os meios de cultura comercializados usados em seu cultivo, a tripsina, os soros de origem bovina, o pessoal técnico que as repica assim como o aerosol que se forma por ocasião da tripsinização de garrafas de culturas de células contaminadas, podem ser fontes de contaminação por Mycoplasma sp.(Hayflick and Chanock, 1965; Stanbridge, 1971; Kihara et al., 1981; Kaplan et al., 1984). Resultados de vários experimentos provenientes de cultivo celular e parasitos quando contaminados com Mycoplasma sp., devem ser avaliados com cautela, uma vez que carecem de confiabilidade. Portanto é importante que as culturas celulares e de parasitos ao serem utilizadas estejam livres deste contaminante (Miyaki et al., 1989). A infecção por Mycoplasma sp. pode provocar alterações metabólicas, cromossômicas e interferência na infecção de células hospedeiras por outros microorganismos. Como este tipo de contaminante não altera necessariamente, a morfologia ou a cinética de multiplicação celular, somente testes específicos possibilitam sua detecção (Timenetsky et al., 1992; Hu et al., 1995; Ossewaarde et al., 1996). Atualmente é conhecida uma grande variedade de técnicas tais como coloração histoquímica, ELISA, imunofluorescência, ensaios bioquímicos e Reação em cadeia da polimerase (PCR) para detecção de contaminação por Mycoplasma sp. (Kong et al., 2001; Uphoff & Drexler, 2002; Sung et al., 2006; Gopalkrishna et al., 2007). Dentre todas essas técnicas, a PCR têm se mostrado de grande valia devido a sua alta sensibilidade e especificidade quando comparada com as outras utilizadas (Sung et al., 2006, Uphoff & Drexler, 2002). Portanto o presente trabalho tem como objetivo a utilização da PCR no diagnóstico da infecção por Mycoplasma sp. em culturas de células e parasitos. Além disso, descreve pela primeira vez a utilização da PCR para detecção de Mycoplasma sp. como parte do controle de qualidade da protozoários. pesquisa com parasitos 2 MATERIAIS E MÉTODOS Para a realização deste estudo foram utilizadas 100 amostras provenientes do Laboratório de Parasitologia Celular e Molecular, Instituto de Pesquisa René Rachou / FIOCRUZ, tais como culturas de células: Vero (originária do rim de macaco Cercopithecus aethiops), LLC-MK2 (de rim de Rhesus Macaca mulatta) e L-929 (de fibroblastos de camundongo Mus musculus); e formas tripomastigotas de duas populações de T. cruzi: resistente ao benzonidazol (BZR) e sensíveis ao benzonidazol – BZS. As linhagens celulares foram cultivadas em DMEM ou RPMI 1640 suplementado com SBF (Gibco®) a 2mM, contendo sulfato de gentamicina 50µg/mL e mantidas a 37°C em ambiente úmido contendo 5% de CO2. Para a cultura in vitro do T. cruzi foram utilizadas células vero como hospedeiras, cultivadas em DMEM suplementado como descrito (Murta & Romanha, 1998). A PCR adaptada para as condições do Laboratório de Parasitologia Celular e Molecular utilizou iniciadores para amplificar parte do gene da unidade 16s do rRNA de qualquer espécie do gênero Mycoplasma sp. (Timenetsky et al., 2006). Para extração do DNA das culturas aproximadamente 100 µL da suspensão de células foram coletados e aquecidos a 70ºC por 10 min. Em seguida as amostras foram centrifugadas a 13000 rpm por 5 min à temperatura ambiente e o sobrenadante foi mantido a -20°C. Para a reação de PCR foi utilizado 1µL do DNA das amostras extraídas, 200 µM de cada desoxinucleotídeo trifosfatado (dTTP, dATP, dCTP, dGTP), 10 pmol dos iniciadores MGSO [TGC ACC ATC TGT CAC TCT GTT AAC CTC] e GPO3 [GGG AGC AAA CAG GAT AGA TAC CCT] (Timenetsky et al. 2006) em solução contendo Tris-HCL 10 mM pH 8,0, KCl 50 mM e MgCl2 1,5 mM para um volume final de 10 µL. As condições de reação foram: desnaturação inicial a 94°C por 5 min, 35 ciclos a 94°C por 30 seg, anelamento dos iniciadores a 55°C por 30 seg e extensão a 72°C por 30 seg, e o último passo a 72°C por 5 73 min para extensão final. O produto de PCR esperado de 270 pb foi visualizado através de corrida eletroforética em gel de poliacrilamida a 6%, corado pela prata. A contaminação da PCR foi monitorada através da utilização de controles positivos e negativos da reação. As amostras que apresentaram contaminação por Mycoplasma sp. foram tratadas com os antibióticos Ciprofloxacin e Enrofloxacin. corresponde ao tamanho da banda esperada utilizando-se o par de iniciadores MGSO/GPO3. Os arrastes observados no gel correspondem às proteínas carreadas das amostras para a reação de PCR. MM CP 1 2 3 4 5 6 CN 270 pb 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES Desde a sua invenção, a PCR vem sendo utilizada em um amplo espectro de reações analíticas e diagnósticas, incluindo a identificação da infecção por Mycoplasma sp. em cultivos celulares (Sung et al., 2006; Timenetsky et al., 2006; Uphoff & Drexler, 2002; Ossewaarde el al., 1996). Esta técnica possui como principais vantagens a alta sensibilidade, alta especificidade, rapidez na execução e reprodutibilidade, requisitos necessários para um bom método de detecção (Kuppeveld et al., 1992; Sung et al., 2006; Timenetsky et al., 2006). Após a adaptação da PCR foi feito uma triagem das amostras e todas apresentaram contaminação por Mycoplasma sp. demonstrando a necessidade do monitoramento destas culturas. Uma vez que a presença deste microorganismo pode alterar os resultados obtidos em experimentos que envolvem cultivo celular e de parasitos (Copperman & Morton, 1966; Miyazaki et al., 1990; Ossewaarde et al., 1996). As 100 amostras foram tratadas com os antibióticos Ciprofloxacin e Enrofloxacin, além do uso de boas práticas na manipulação dessas culturas. Durante o tratamento, a percentagem de amostras PCR-positivas gradualmente foram reduzindo até a completa descontaminação. O monitoramento foi realizado através da técnica de PCR. As células da linhagem vero só foram utilizadas como hospedeiras na cultura in vitro de T. cruzi somente após a confirmação da descontaminação pela PCR. A figura 1 é um painel representativo de amostras de culturas de células e parasitos positivas e negativas na PCR para Mycoplasma sp. A presença de um fragmento de 270pb Figura 1- gel de poliacrilamida 6% corado pela prata com o produto da PCR para Mycoplasma das amostras testadas: MM: marcador de tamanho molecular φx; CP: produto da PCR de cultura de células Vero infectadas com Mycoplasma sp., controle positivo da reação; 1 a 6: amostras de cultura de células testadas; CN: controle negativo da reação. 4 CONSLUSÕES A técnica de PCR se mostrou uma ferramenta útil no monitoramento da contaminação do Mycoplasma sp nas culturas de células e parasitos provenientes do Laboratório de Parasitologia Celular e Molecular do Instituto René Rachou. Além disso, se mostrou eficiente no monitoramento desta contaminação em culturas de parasitos protozoários (primeira vez descrito a detecção e o monitoramento por PCR da contaminação por Mycoplasma sp. como parte do controle de qualidade da pesquisa com parasitos protozoários). Enfim, faz necessário a implantação de um programa de controle de qualidade nos cultivos celulares e de parasitos no que se refere à presença de Mycoplasma sp. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COPPERMAN, R.; MORTON, H.E. Reversible inhibition of mitosis in lymphocyte cultures by non-viable Mycoplasma. Proceedings of the Society for Experimental Biology and Medicine, New York, v. 123, n. 3, p. 790-795, 1966. 74 GOPALKRISHNA, V.; VERMA, H.; KUMBHAR, N.S.; TOMAR, R.S.; PATIL, P.R. Detection of Mycoplasma species in cell culture by PCR and RFLP based method: effect of BMcyclin to cure infection. Indian Journal of Medical Microbiology, Mumbai, v.25, n.4, p. 364-368, 2007. HAKALA, M.T.; HOLLAND, J.P.; HOROSZEWICZ, J.S. Change in pyrimidine deoxyribonucleoside metabolism in cell culture caused by mycoplasma (PPLO) contamination. Biochemical and biophysical research communications, Orlando, v. 11, n. , p. 466-71, 1963. HAYFLICK, L. Tissue cultures and mycoplasmas. 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