TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público Registro: 2014.0000406957 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 000060991.2012.8.26.0218, da Comarca de Guararapes, em que é apelante WILSON DE NOVAIS, são apelados LENIRA MARIA SILVA DE NOVAIS e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Agravo retido não conhecido e recurso de apelação parcialmente provido. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores LUCIANA BRESCIANI (Presidente) e CARLOS VIOLANTE. São Paulo, 1 de julho de 2014 LUÍS GERALDO LANFREDI RELATOR Assinatura Eletrônica TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 Comarca: Guararapes 2ª Vara Judicial Apelantes: Wilson de Novais e Lenira Maria Silva de Novais Apelado: Ministério Público de São Paulo Juiz: Lucas Gajardoni Fernandes Voto nº 582 Ação Civil Pública Ato de Improbidade administrativa praticado pelo então prefeito de Rubiácea, que nomeou sua esposa para ocupar diversos cargos na Administração Municipal Súmula vinculante nº 13 do STF Ato de improbidade administrativa configurado (Art. 11, caput e inciso I da Lei nº 8.429/92) Criação e extinção de cargos pelo Chefe do Executivo Municipal e que tinham por único escopo viabilizar a nomeação de sua própria esposa Violação da moralidade administrativa Pena de multa civil que comporta redução, conforme princípio da razoabilidade, diante da extensão do dano provocado e suspensão de direitos políticos a prevalecerem, em face da conexão com o caso analisado Agravo retido não conhecido e recursos de apelação parcialmente providos. Trata-se de recurso interposto contra a sentença que julgou procedente pedido formulado em ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, objetivando o reconhecimento da nulidade da nomeação de Lenira Maria Silva de Novais, esposa do prefeito de Rubiácea, para o cargo de Secretária Municipal de Promoção e Assistência Social, criado através da Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 2/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público Portaria nº 1.261/2011. A sentença monocrática julgou procedente o pedido, decretando a nulidade da nomeação da requerida Lenira Maria Silva de Novais para o cargo de Secretária Municipal de Promoção e Assistência Social de Rubiácea, efetivada pela Portaria nº 1.261, de 31 de janeiro de 2001, assim como condenando os recorrente Wilson de Novais e Lenira Maria Silva de Novais, pela prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, caput e inciso I da Lei nº 8.429/92, aplicando-lhes as sanções de: 1) ressarcimento integral do dano causado ao erário, consubstanciado nos valores referentes à remuneração recebida por Lenira Maria Silva de Novais enquanto no exercício do cargo de Secretária Municipal de Promoção e Assistência social, efetivada pela Portaria nº 1.261, de 31 de janeiro de 2011, valor este que deverá ser revertido ao Município de Rubiácea, 2) perda da função pública, 3) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 03 (três) anos, 4) pagamento de multa civil equivalente a 10 (dez) vezes o valor da remuneração percebida por cada um deles, quando no exercício da função pública, 5) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, além das custas e despesas processuais. Inconformado, recorreu Wilson de Novais, prefeito de Rubiácea à época (fls. 610/643), pleiteando a reforma da decisão monocrática. Alegou que a contração de Lenira Maria Silva Novais, Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 3/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público sua esposa, para ocupar o cargo de Secretária Municipal de Promoção de Assistência Social, nomeada nos termos da Portaria nº 1.261/2011, se deu conforme o princípio da legalidade. Criado o cargo nos termos da Lei Complementar nº 20, de 28 de fevereiro de 2005, sua ocupação tem natureza estritamente política. Ocorre que o referido cargo foi extinto com o advento da Lei Complementar nº 22, de 21 de dezembro de 2005, que criou o cargo de Diretor Municipal de Promoção e Assistência Social, sendo este apenas um cargo em comissão, além das mudanças de subsídios. Devido a alterações, o cargo transformou-se em Secretaria Municipal de Promoção e Assistência Social, assim estabelecido pela Lei Municipal nº 26/2009. Para todos eles foi nomeada sua esposa, sem que isso, contudo, configure improbidade administrativa. No mais, não poderia ser responsabilizado por atos submetidos a prévia consulta a órgãos técnicos, antes que efetuasse qualquer nomeação, de modo que a responsabilidade do agente público deve ser apurada num plano, estritamente, subjetivo. Pondera que titulares de cargos exercidos nas Secretarias Municipais são agentes políticos e, ainda que haja o vínculo de parentesco entre os agentes, não estaria caracterizado o nepotismo, conforme entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso, afirma que a Súmula Vinculante nº 13 em nada veda a nomeação de parentes de autoridades aos cargos políticos, motivo pelo qual impedir suas contratações seria manifesta discriminação, com afronta ao princípio da isonomia. Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 4/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público Ainda, enfatiza a ausência de dano ao erário ou qualquer proveito patrimonial no caso, uma vez comprovado o efetivo desempenho de sua esposa, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração. Argumenta que não há nada nos autos que comprove a prática de ato de improbidade que atente contra os princípios da administração pública, ou mesmo a sinalização de dolo ou culpa, necessários a sua condenação. O próprio Tribunal de Contas não evidenciou qualquer conduta irregular no caso. Não requeridos fosse destoam isso, dos as penalidades ditames da aplicadas proporcionalidade aos e razoabilidade, já que violados, apenas, princípios da administração, caracterizado por condutas leves ou levíssimas, sem qualquer repercussão no erário, motivo pelo qual nem mesmo deveria aplicarse ao caso a Lei nº 8.429/92. Recorreu, também, Lenira Maria Silva Novais, esposa do prefeito à época dos fatos (fls. 662/706), sob os mesmos fundamentos. Aduziu quanto à legalidade da nomeação de parentes da autoridade nomeante para cargos políticos, não havendo como prantear-se qualquer concessão de vantagem indevida ou favorecimento ilegítimo, vedados pela Constituição Federal. Defendeu, inclusive, a inexistência de dano ao erário, pois efetivamente prestou serviços à municipalidade, sob pena de locupletamento ilícito da Administração, além da inobservância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das penalidades. Os recursos foram processados com a apresentação de contrarrazões pelo Ministério Público (fls. 743/795), subindo os Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 5/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público autos, em seguida, a esta Instância. A Douta Procuradoria de Justiça opinou pela parcial procedência dos apelos, apenas para reduzir a multa civil imposta a três vezes o valor de suas últimas remunerações dos recorrentes (fls. 802/809). É a breve síntese do necessário. Primeiramente, não conheço do agravo retido interposto a fls. 361/384 por Lenira Maria Silva Novais, em face da decisão de fls. 355vº, que recebeu a inicial. Olvidou-se a recorrente de requerer, preliminarmente, ao Tribunal que dele o conhecesse, por ocasião do julgamento da apelação (art. 523, caput e § 1º do Código de Processo Civil). Mas ainda assim não fosse, forçoso considerar, a esta altura, estar aquela decisão superada pela sentença ora hostilizada, motivo pelo qual o objeto mais amplo desta apelação suplanta o do agravo. Consta dos autos que o Ministério Público de São Paulo propôs ação civil pública em razão de pretensa prática de improbidade administrativa, consubstanciada em atos de nepotismo, imputáveis ao então prefeito de Rubiácea. De acordo com o inquérito civil Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 6/18 de nº TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público 14.0274.0000002/10-1, instaurado pela Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de Guararapes, e que subsidia a inicial, apurou-se que o então prefeito Wilson de Novais, tão logo empossado no cargo, nomeou sua esposa, Lenira Maria da Silva de Novais, para o cargo de Secretária de Administração Municipal, perdurando essa situação de 03.01.2005 a 01.03.2005. Concomitantemente à sua exoneração daquele, a mesma Lenira, esposa do prefeito de Rubiácea, foi novamente nomeada, em comissão, para o cargo de Diretora Municipal de Assistência Social, nele permanecendo até 01.10.2008, altura do advento da Súmula Vinculante nº 13, editada pelo Supremo Tribunal federal. No entanto, em 05.01.2009, por meio da Lei Complementar n° 26, de 5 de janeiro de 2009, extinguiu-se o então cargo de Diretor do Departamento de Promoção e Assistência Social e criou-se o de Secretário Municipal de Promoção Social, para o qual foi nomeada, novamente, Lenira, a esposa do prefeito. O Ministério Público, entendendo caracterizada situação de nepotismo, encaminhou recomendação ao prefeito Wilson Novais, em 16.03.2010, que exonerou Lenira Maria Silva de Novais da função em 01.04.2010. Contudo, sem qualquer justificativa plausível, novamente nomeou sua esposa para o cargo anteriormente ocupado, de Secretaria Municipal de Promoção Social, em 01.02.2011. Esses são os fatos. Não se desconhece o fato de que o Colendo Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento segundo o qual a nomeação de parentes para o exercício de cargos políticos, “não afronta os princípios constitucionais que regem a Administração Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 7/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público Pública, em razão da natureza eminentemente política dessas funções”, não a submetendo à disposição da Súmula Vinculante nº 13, que proíbe o nepotismo no serviço público. Na ocasião, assim se manifestou o Pretório Excelso: AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. NOMEAÇÃO DE IRMÃO DE GOVERNADOR DE ESTADO. CARGO DE SECRETÁRIO DE ESTADO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE Nº 13. INAPLICABILIDADE AO CASO. CARGO DE NATUREZA POLÍTICA. AGENTE POLÍTICO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 579.951/RN. OCORRÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO. 1. Impossibilidade de submissão do reclamante, Secretário Estadual de Transporte, agente político, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula Vinculante nº 13, por se tratar de cargo de natureza política. 2. Existência de precedente do Plenário do Tribunal: RE 579.951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 12.9.2008. 3. Ocorrência da fumaça do bom direito. 4. Ausência de sentido em relação às alegações externadas pelo agravante quanto à conduta do prolator da decisão ora agravada. 5. Existência de equívoco lamentável, ante a impossibilidade lógica de uma decisão devidamente assinada por Ministro desta Casa ter sido enviada, por fac-símile, ao advogado do reclamante, em data anterior à sua própria assinatura. 6. Agravo regimental improvido (STF, Rcl 6650 MC-AgR/PR, AG.REG.NA MEDIDA CAUTELAR NA Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 8/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público RECLAMAÇÃO, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Julgamento: 16.10.2008, Órgão Julgador: Tribunal Pleno). Conforme se faz referência, o mesmo Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 579.951, julgado em 20.08.2008, já havia consignado que a vedação ao nepotismo na Administração Pública tampouco exige a edição de lei formal, uma vez que decorre diretamente dos princípios constitucionais, sobretudo do princípio da moralidade1. No caso dos autos, quer parecer não se estar em debate, pura e simplesmente, a análise da configuração de um cargo como função política ou não. Vai-se muito mais além! De fato, a autêntica engenharia burocrático- administrativa engendrada para a criação de cargos e definição de funções na Prefeitura Municipal de Rubiácea, encampadas pelo então prefeito (ora recorrente), com o intuito, único e exclusivo, de acomodar sua esposa em sua gestão, denotando evidente as manobras para contornar os entraves e empecilhos criados pela Súmula Vinculante nº 13, é no que consiste o âmago da questão. 1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VEDAÇÃO NEPOTISMO. NECESSIDADE DE LEI FORMAL. INEXIGIBILIDADE. PROIBIÇÃO QUE DECORRE DO ART. 37, CAPUT, DA CF. RE PROVIDO EM PARTE. I - Embora restrita ao âmbito do Judiciário, a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional da Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II - A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. III - Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. IV - Precedentes. V - RE conhecido e parcialmente provido para anular a nomeação do servidor, aparentado com agente político, ocupante, de cargo em comissão. Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 9/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público A bem da verdade, o escopo teleológico de todas as providências que levaram à promulgação de leis e nomeações que se relacionaram com a apelante Lenira Maria Silva de Novais, esposa do então prefeito de Rubiácea, e não propriamente a conformação de uma melhor organização administrativa local, que deve ser analisado, à luz da Lei de Improbidade Administrativa. Pois bem, a moralidade administrativa deve ser entendida como critério informador da conduta dos administrador, na medida em que se trata de um standard de justiça e equidade, que traduz uma antiga preocupação sobre a insuficiência da legalidade administrativa para justificar, adequadamente, todos os atos da Administração Pública (MIRAGEM, Bruno. A nova Administração Pública e o Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição revista e atualizada, 2013, p. 223-224). Até porque, a um só tempo, “o ato e a atividade da Administração Pública devem obedecer não só à lei, mas à própria moral, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já afirmavam os romanos (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 17ª edição (atualizada por Fabrício Motta), 2012, p. 64). O significado da moralidade administrativa, portanto, vai um pouco mais além da mera legalidade, na medida em que pressupõe “que a Administração Pública possui um objetivo, qual seja, a realização do interesse público, e, neste sentido, toda ação administrativa que não se orienta neste propósito contraria a moralidade administrativa, considerada como conjunto de valores ético-jurídicos que imprimem o condicionamento da Administração Público a sua finalidade” (MIRAGEM, Bruno. A nova Administração Pública e o Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição revista e Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 0/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público atualizada, 2013, p. 224). Moralidade administrativa e interesse coletivo integram, enfim, a legalidade do ato. Daí que para seguir coerente com essa linha de princípio, a nomeação da Lenira Maria Silva de Novais para o cargo de Secretária Municipal de Promoção Social, a priori, se poderia até mesmo cogitar-se em não estar eivada de vício, ocupando ela, como estava, um cargo político, não deixa de ir de encontro à tão almejada moralidade administrativa. E esse dado fica bastante evidenciado quando se nota que justamente após a edição da Súmula 13 do STF, buscou-se bancar, por tudo quanto era forma, custe o que custasse, ocupasse a requerida um cargo na Administração Municipal. O agente administrativo, ao longo de toda a sua atuação, não pode desprezar o elemento ético de sua conduta, já que a moralidade administrativa é pressuposto de validade de qualquer ato administrativo (art. 37, caput, da Constituição Federal). E é esse, justamente, o substrato que carrega e compõe a densidade do bom administrador ou da boa administração, enquanto não exclusivamente aferidos do correto exercício de suas competências legais, senão a partir do respeito aos preceitos da moral comum. Neste sentido, é de todo correta a lição de Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, para quem “havendo um vício de fim, Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 1/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público apesar de a lei dizer para valer, não é a legalidade que está em jogo, mas o ato administrativo atacado de não moralidade. Na investigação dos efeitos está toda a razão de ser da exação administrativa. Ou do ato na sua pureza, como vontade, forma e objetivo visado” (O controle da moralidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 150). Evidente, portanto e segundo essa premissa, o desvio de poder (ou desvio de finalidade) inerente à(s) discutida(s) nomeação(ões), pois não visava(m) atender ao fim precípuo da busca do interesse público, configurando hipótese, a bem da verdade, de evidente vício ideológico. Algo que contamina o ato por ofensa a sua finalidade intrínseca. Base para a anulação dos atos administrativos que nele incidem, o desvio de poder difere dos outros casos de abusos, porque não se trata de apreciar objetivamente a conformidade ou não conformidade de um ato com uma regra de direito, mas de procederse a uma dupla investigação de intenções subjetivas: é preciso indagar se os móveis que inspiraram o autor de um ato administrativo são aqueles que, segundo a intenção do legislador, deveriam realmente inspirá-lo. O interesse público, no caso dos autos, ficou em segundo plano. A necessidade de se criar e extinguir cargos e funções, depois novamente criar cargo, alterando-se sua nomenclatura, visando, apenas, à satisfação do interesse próprio ou pessoal, demarcou toda a trajetória da recorrida Lenira Maria Silva de Novais na administração da Prefeitura de Rubiácea, conquanto Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 2/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público mantivesse, numa ou noutras situações pelas quais passou, as mesmas atribuições. Forçoso convir que a probidade administrativa nada mais é do que o desdobramento do princípio da moralidade administrativa. A probidade, enfim, é parte de sua eficácia jurídica, enquanto se constitui num dever de o funcionário servir à administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer (MIRAGEM, Bruno. A nova Administração Pública e o Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição revista e atualizada, 2013, p. 232-233). Acertada, portanto, a condenação dos apelantes pela prática de ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). A intenção dos apelantes, voltada para o encontro de um meio de se aproveitar Lenira Maria Silva de Novais na Administração Municipal, é notória, deixando claro o desejo de que uma pessoa específica, em qualquer circunstância ou situação, fosse beneficiada pelas sucessivas reformas administrativas tendentes a criar ou a modificar, nos quadros do funcionalismo municipal, cargo ou função, desde que manejados pela esposa do então prefeito da Cidade. De fato, repise-se, após a posse de Wilson Novais como prefeito de Rubiácea, em curto espaço de tempo, criaram-se e extinguiram-se cargos de acordo com a própria conveniência do Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 3/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público prefeito municipal, e, em todas as oportunidades, coincidência, sua esposa (em confiança) acabou designada para provê-los, donde decorre a constatação de que ambos os recorrentes, agindo de comum acordo, tinham consciência (ele ao determinar, ela ao se beneficiar) de que agiam na tentativa de satisfazer os próprios interesses, e para o fim de superar a proibição decorrente da Súmula vinculante nº 13 do STF. É o quantum satis para a configuração do elemento subjetivo necessário à caracterização da improbidade, que, neste passo, não censura o Administrador incompetente, senão aquele que é desonesto em relação à coisa pública e conspurca os princípios da boa gestão administrativa. O que está em causa, de fato, não é o trabalho desempenhado por “servidores-parentes”, mesmo porque a obrigação de trabalhar constitui dever de todos os ocupantes de cargos públicos, sejam eles concursados ou não. Tampouco se questiona a qualidade dos serviços por eles realizados. O que está em debate, na verdade, é a dinâmica como se deu o provimento dos cargos ocupados por Lenira Maria Silva de Novais, e que se estabeleceu em detrimento de outros cidadãos igualmente ou mais capacitados para o exercício das mesmas funções, acarretando a presunção de dano à sociedade como um todo. Veja-se que o art. 21, II, da LIA (com redação dada Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 4/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público pela Lei nº 2.120/2009) descreve que a aplicação de sanções decorrentes de improbidade administrativa independente da aprovação ou rejeição de contas pelo Tribunal ou Conselho de Contas. Isto porque as competências atribuídas ao Tribunal de Contas (art. 71 da Constituição Federal) não esgotam todas as atribuições deste colegiado, previstas nos incisos I e II, podendo atos de improbidade decorrerem de situações não consideradas ilegais. No mais, o Tribunal de Contas não faz parte do Poder Judiciário e suas decisões não têm força de coisa julgada. Malgrado a condenação, realmente, se justifique, nem por isso todas as sanções cominadas na sentença (previstas que estão no art. 12 da LIA) a quo mostram-se adequadas à hipótese ou justificam a respectiva imposição ou são necessárias para a justa reprovação do contexto. Aliás, note-se que não se tratam de penalidades automáticas, caracterizando-as as notórias diferenças de gravidade entre umas e outras, pressupondo estejam, todas elas, uma vez impostas, devidamente fundamentadas. Essa é a razão pela qual, já não mais causa escândalo algum, admitir-se a possiblidade do afastamento da imposição obrigatória das penas em conjunto, cabendo ao magistrado, de acordo com o caso concreto, escolher, graduar e impor as sanções cabíveis e as mais pertinentes para a situação subjacente, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, podendo aplica-las isoladamente ou cumulativamente. Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 5/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público Daí que malgrado o aproveitamento de Lenira Maria Silva de Novais tenha sido censurável, pela forma como se impôs, dano ao erário público não houve, a pressupor que a requerida, mal ou bem, desempenhou funções e atividades em virtude das nomeações que recebeu. O Ministério Público, aliás, não sinalizou em sentido contrário, de modo que admiti-la, neste lanço, sem qualquer outro fundamento legitimador, para o fim de impor a “devolução dos salários percebidos durante o período em que esteve à frente da Secretaria ou da Diretoria ocupadas” seria renomada injustiça, caracterizando, de fato, enriquecimento ilícito por parte da Administração Municipal, que se beneficiou da dedicação da recorrente, enquanto ela esteve à frente das funções que lhe foram confiadas. Por outro lado, esgotado o mandato e a função que se desempenhava, não constando ocupem os recorrentes outra atividade pública, não vislumbro possa a sanção de “perda da função pública” alcançar os recorrentes. Do mesmo modo, a proibição de contratar com o Poder Público tinha que estar devidamente conectada com o contexto analisado, e também não se afigura compatível ao caso. Sorte outra têm a multa e a perda dos direitos políticos. De fato, consoante esclarece Marino Pazzaglini Filho, se “a multa civil não tem natureza indenizatória, mas simplesmente punitiva”, devendo levar em consideração a gravidade do fato e a capacidade econômico- Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 6/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público financeira do agente público (in Lei de Improbidade Administrativa Comentada. São Paulo: Atlas, 5ª edição, pp. 145/146), nem por isso pode ser admitida, como o fez a sentença, em patamar acima do piso, sem qualquer fundamentação para tanto. Em sendo assim, e para seguir a linha do parecer apresentado pela Douta Procuradoria de Justiça, a multa civil deve se conformar à extensão diminuta do dano causado, ficando reduzida para três vezes a remuneração percebida por cada um dos recorrentes, corrigida monetariamente, de acordo com a Tabela Prática deste Egrégio Tribunal de Justiça, acrescidos de juros de mora no patamar de 12% ao ano, a partir da citação (art. 219 do Código de Processo Civil). A suspensão dos direitos políticos, por outra banda, enquanto sanção político-civil, não resulta destacada do contexto em que decorreu a prática do ato de improbidade e tendo sido imposta no patamar mínimo, deve ser prestigiada e confirmada. Considera-se infraconstitucional e prequestionada constitucional aventada, toda matéria observando ser desnecessária a citação dos dispositivos legais, já que as questões suscitadas nos autos foram amplamente analisadas. Nessas circunstâncias, e nestes termos, não conheço do agravo retido interposto por Lenira Maria Silva Novais e dou parcial provimento aos recursos de apelação, apenas para manter as sanções de multa civil, reduzida, no entanto, ao montante de três vezes o valor da remuneração percebida por cada um dos requeridos, enquanto no exercício da função pública, e suspensão dos direitos Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 7/18 TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo 2ª Câmara de Direito Público políticos pelo prazo de três anos, mantendo-se, no mais, os judiciosos e bem lançados fundamentos da sentença hostilizada. LUÍS GERALDO LANFREDI Relator (assinatura eletrônica) Apelação nº 0000609-91.2012.8.26.0218 - Guararapes - VOTO Nº 1 8/18