Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora
ISBN: 978-972-99292-4-3
SLT 59 – Literatura infantil e juvenil: diálogos em Língua Portuguesa.
NARRATIVAS DE LÍNGUA PORTUGUESA: TEMAS DE FRONTEIRA PARA
CRIANÇAS E JOVENS
Alice Áurea Penteado MARTHA1
Resumo - Neste texto observamos como jovens leitores podem reconhecer suas
angústias, faces diversas do medo – morte, separações, violência, crises de identidade,
escolhas, relacionamentos, perdas, afetividades - a partir da leitura de narrativas
contemporâneas, destinadas ao público infantil e juvenil, cuja temática envolva
acontecimentos problemáticos para os seres humanos em qualquer tempo e espaço. E
como reside, justamente, na possibilidade de perceber nos textos que lemos aquilo que
nos incomoda, esperança de encontrar soluções para nossos problemas, podemos
pressupor a existência de umas das principais funções da literatura em tais narrativas:
expressar, traduzir e dar forma às emoções e aos sentimentos que nos enlevam e
atormentam, muitas vezes, ao mesmo tempo. A compreensão da natureza e função da
literatura leva-nos à abordagem de “temas de fronteira” na literatura brasileira
contemporânea para jovens leitores, enfim, situações-limite, que configurem, no plano
ficcional, etapas da evolução vividas pelo ser humano e que possam traduzir modos de
preservação da identidade individual e sociocultural sem abster-se da participação do
processo de universalização. Em razão da necessidade de um recorte na produção,
elegemos, como corpus literário para análise, narrativas de língua portuguesa como Os
olhos de Ana Marta (Caminho, 1990), de Alice Vieira, Cruzando caminhos (Ática,
1994), de Fanny Abramovich, O jogo de amarelinha (Manati, 2007), de Graziela B.
Hetzel, O tempo das surpresas (SM, 2007), de Caio Riter, O guarda-chuva do vovô
(DCL, 2008), de Carolina Moreyra, O gato e o escuro (Cia das Letrinhas, 2008), de Mia
Couto, e Todos contra Dante (Cia das Letras, 2008), de Luís Dill. A partir dos modos
de construção nas obras selecionadas, considerando especialmente elementos
fundamentais da estrutura narrativa, narrador/focalizador e personagens, procuramos
estabelecer o grau de proximidade pretendido com os leitores e acompanhamos a
instauração do processo de identificação entre crianças e jovens e os seres do mundo
ficcional, responsável por propiciar aos receptores a possibilidade de refletir sobre sua
condição e elaborar sua imagem enquanto seres-no-mundo.
Palavras-chave: Literatura infantil e juvenil; narrativa; temas de fronteira; leitores.
1
Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Letras/Programa de Pós-Graduação em Letras.
Rua Carlos Chagas, 1055. CEP: 87015-240. Paraná. Brasil.
[email protected]
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Temas de fronteira
Em suas origens, a literatura para crianças e jovens não privou seus leitores de
temas violentos, mesmo porque as raízes do gênero estão profundamente arraigadas em
contos populares, narrativas pródigas em violência de toda sorte, como muitos contos de
fadas, que veiculam relatos macabros, cenas sangrentas, com sacrifícios humanos,
inclusive. Um dos motivos recorrentes em tais contos é o assassinato: irmão que mata
irmão; marido assassina esposa; madrasta envenena filhos do marido; súditos matam o
rei, entre outros. Em tais contos, os temas violentos foram, na passagem do receptor
adulto para o infantil, muitas vezes, abrandados com o poder da magia e da vara de
condão. Belas adormecidas voltavam à vida com o beijo de um príncipe; princesas eram
desenterradas vivas ao lado de figueiras e avós saiam ilesas de ventres de lobos vorazes,
em versões mais brandas de Chapeuzinho Vermelho.
No Brasil, na década de 70 do século passado, o propósito de mostrar aos
leitores a vida a partir de uma visão “realista” de mundo, originou, na literatura para
crianças e jovens, a corrente denominada “verista”, cujos pressupostos se
materializaram na Coleção do pinto, da editora Comunicação, de Belo Horizonte. Os
resultados dessa empreitada podem ser observados em textos como O menino e o pinto
do menino e Os rios morrem de sede, de Wander Piroli; Pivete, de Henry Corrêa de
Araújo, para citar apenas alguns desses títulos. Entretanto, como observa Zilberman
(2003, p.199), o fato dos temas de denúncia serem tratados em livros para crianças
acabou gerando uma série de questões não resolvidas, especialmente porque as causas
dos problemas denunciados não foram esclarecidas, as situações problemáticas
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continuavam, de modo geral, insolúveis, além de que o ponto de vista da narrativa era o
do adulto, inviabilizando a participação das crianças.
Apesar dos percalços, como observamos no caso brasileiro, a produção
contemporânea de literatura para crianças e jovens consolidou uma vertente bastante
fértil que se caracteriza pelo abandono da concepção idealizada da infância e juventude
como paraíso perdido, época de despreocupação e felicidade da vida, crença bastante
útil a instituições como a escola e a família. A literatura higienizada, cujo processo de
criação ou adaptação primava por apagar todo sofrimento e crueldade, parece estar em
decadência. Personagens idealizados e perfeitos, criados em ambientes igualmente
impolutos, são substituídos por crianças e adolescentes que se debatem em conflitos
psicológicos, vivem ambientes inóspitos e experimentam sentimentos e emoções
violentas. Os temas de fronteira em obras para crianças e jovens – compreendidos como
situações-limite que configurem, no plano ficcional, etapas da evolução vividas pelo ser
humano – ganharam força e podem ser aliados importantes para que esses leitores
reconheçam suas angústias, faces diversas do medo que enfrentam cotidianamente –
morte, separações, violência, crises de identidade, escolhas, relacionamentos, perdas,
afetividades - a partir da leitura de narrativas contemporâneas.
Os livros lidos por crianças e jovens, como toda literatura, são espelhos nos
quais os leitores recebem, pela percepção estética, situações e sentimentos direta ou
indiretamente ligados a questões prementes para o ser humano. Desse modo, parece ser
quase impossível selecionar temas e assuntos que não possam constar do cardápio
literário para crianças e jovens, pois, na literatura infantil e juvenil, ajustados às
peculiaridades do gênero, todos os sentimentos, desejos, aspirações e medos do homem
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devem estar presentes, especialmente, porque sabemos que a violência, estampada em
sua plenitude na mídia impressa e televisa, além de jogos e do cinema, atinge seu
apogeu no cotidiano de crianças e jovens abandonados, drogados, prostituídos e
atingidos por balas perdidas no caos da vida contemporânea. Entretanto, como a
literatura para essas faixas etárias não deve tratar as questões existenciais com a mesma
intensidade que a literatura para adultos, acreditamos que se trata de descobrir, nos
livros infanto-juvenis, modos como os conflitos enfrentados por todo ser humano em
momentos semelhantes aos que vivem seus leitores, em qualquer época ou espaço, são
apresentados a esse público diferenciado.
Narrativas de Língua Portuguesa
Em razão da necessidade de um recorte no corpus literário para a composição
deste texto, elegemos narrativas de língua portuguesa como Os olhos de Ana Marta
(Lisboa: Caminho, 1990), de Alice Vieira, Cruzando caminhos (Ática, 1994), de Fanny
Abramovich, O jogo de amarelinha (Manati, 2007), de Graziela B. Hetzel, O tempo das
surpresas (SM, 2007), de Caio Riter, O gato e o escuro (Cia das Letrinhas, 2008), de
Mia Couto, Todos contra Dante (Cia das Letras, 2008), de Luís Dill, e O guarda-chuva
do vovô (DCL, 2008), de Carolina Moreyra.
Os modos de construção das obras selecionadas são observados por meio de
elementos fundamentais da estrutura narrativa, narrador/focalizador e personagens. A
partir deles, procuramos estabelecer o grau de proximidade pretendido com os leitores e
acompanhamos a instauração do processo de identificação entre jovens leitores e os
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seres do mundo ficcional, que oferece aos receptores a possibilidade de refletir sobre
sua condição e elaborar sua imagem enquanto seres-no-mundo.
As narrativas em questão apresentam maneiras diferenciadas de contar fatos e
emoções vividas pelas personagens. O narrador ora se apresenta como protagonista,
narra situações e conflitos por que passa, ora a voz narrativa está fora da história, não
participa dos eventos que relata. Considerar o modo de manifestação da voz narrativa é
fundamental para avaliarmos o grau de proximidade entre personagens e leitores,
propiciado pela atuação desse elemento na estrutura textual. Acreditamos que o narrador
de uma obra pode alcançar efeitos artísticos bastante complexos, pois sua atuação pode
ser mais arbitrária, introduzindo comentários e manipulando emoções, ou mais
emancipadora, permitindo que o leitor reflita criticamente tanto sobre o mundo do texto
como sobre o seu próprio (ZILBERMAN, 1982). Como observamos anteriormente, nas
produções da chamada corrente “verista” da literatura infanto-juvenil brasileira, nos
anos 70, um dos problemas levantados por Zilberman foi exatamente a predominância
do ponto de vista do narrador adulto.
Nas obras em pauta, como narrador protagonista, temos Os olhos de Ana Marta,
de Alice Vieira, O tempo das surpresas, de Caio Riter e Todos contra D@nte, de Luís
Dill e O guarda-chuva do vovô, de Carolina Moreyra. Nas demais, Cruzando caminhos,
de Fanny Abramovich, O jogo de amarelinha, de Graziela Hetzel, e O gato e o escuro,
de Mia Couto, a voz narrativa, ainda que fora do relato, mostra-se muito próxima das
suas personagens, como pretendemos observar.
Em Os olhos de Ana Marta, de Alice Vieira, no que se refere especificamente à
estrutura, a narrativa é organizada em vinte e sete capítulos, narrados pela voz de Marta,
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a protagonista de onze anos que, condenada a viver a vida de Ana Marta, a irmã morta,
descobre lentamente os fios que a ligam à tragédia familiar e à conseqüente insanidade
materna. As ações e atitudes das personagens deflagram, mantêm e, por fim, solucionam
o conflito instaurado pelo desejo de reconhecimento e afirmação da identidade de
Marta.
As principais perspectivas no texto de Vieira são perspectivizadas, caso do
narrador que se divide em múltiplas visões e das personagens que também se
fragmentam em protagonistas e secundárias. Esse processo de múltiplos olhares
promove relações diferentes com o objeto em pauta e, em conseqüência, nenhum deles
pode representar integralmente o objeto estético, que somente se constitui graças às
relações estabelecidas entre as diferentes perspectivas. O que parece fundamental na
construção narrativa da escritora portuguesa é o modo como o narrador instaura, na
estrutura e organização do mundo narrado, a interdição, pois, a partir dessa estratégia,
atitudes e sentimentos do protagonista/narrador e das demais personagens enredam-se e,
constituindo a constelação de perspectivas da narrativa, possibilitam a emersão do
objeto estético. Procurando esclarecer o que chama de estrutura de lugares vazios no
texto ficcional, o teórico afirma que é necessário ter em mente os diferentes modos
como os segmentos são apresentados ao leitor, especialmente, no plano do mundo
narrado, a forma mais elementar de manifestação desse fenômeno, ou seja, a
perspectividade. (ISER, 1999, p.147)
O modo de narrar, o relato dos acontecimentos pela protagonista a um interlocutor
determinado - a irmã morta – como projeção de sua consciência, configura a catarse,
uma vez que o ato de contar a libera da repressão a que foi submetida em toda a
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infância. Entretanto, mesmo sendo o relato posterior aos fatos, o que significa pleno
domínio no momento em que os narra, a voz narradora, com o intuito de infligir a seus
leitores clima de interdição semelhante ao que sofreu, priva-os também do acesso ao
conhecimento, liberando-o, pouco a pouco, processo com o qual rompeu as barreiras da
interdição. Desse modo, vai abrindo trilhas, que ela mesma, Marta, buscou para o
deciframento de sua história. Os leitores, a partir dessa dinâmica, procuram entender os
meandros do narrado, acompanhando perspectivas inconclusas de outras personagens:
mãe, pai, Leonor, D. Pepa e Lumena, principalmente.
Nas linhas iniciais do primeiro capítulo, Marta, dirige-se ao interlocutor, cujo
reconhecimento ainda é interditado aos leitores, revela as incertezas acerca de sua
origem, procurando justificar o fato da mãe não pronunciar seu nome:
Trocaram-me de mãe no hospital. Como nos filmes, sabes.
[...]
Juro-te: durante muitos anos foi o que pensei.
[...]
Só assim entendia que ela nunca dissesse o meu nome, que repetisse
tantas vezes que estava velha demais para ser mãe fosse de quem fosse
[...]. (VIEIRA, 2005, p 9. Grifamos)
A voz narrativa responsabiliza o bloqueio da história de Marta como gerador de
suas crises íntimas e conseqüentes dificuldades de relacionamento com o pai e com as
demais criaturas ficcionais. O caráter irremediavelmente comprometido das ligações
com o mundo que a cerca pode ser observado na recusa materna em pronunciar seu
nome e no silêncio do pai, que teme pela sanidade da esposa caso o segredo seja
revelado. Entretanto, os leitores podem superar, da mesma forma que ela, as barreiras
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encontradas no percurso da reconstituição de sua identidade, manifestas, inclusive, na
atitude cerceadora das personagens que a cercam, a partir da rede de perspectividade do
texto. As dificuldades da tarefa são imediatamente explicitadas pela voz narrativa que,
metalingüisticamente, enfatiza os percalços da busca. Os “quartos fechados” - metáfora
da impossibilidade de reconhecimento - não se abrem tão facilmente, pois as
perspectivas textuais não ultrapassam os obstáculos impostos pela tragédia:
Lembro-me de ter passado muitos dias a espreitar pelo buraco da
fechadura dos quartos fechados para ver se descobria, nalguns deles, o
tal berço de ouro. Mas o ângulo de visão era fraco, e sempre o mesmo.
Acabei por desistir. (VIEIRA, 2005, p.10. Grifamos)
Os fios da existência de Marta tramam-se também a partir da perspectiva da mãe,
Flávia, e da de Leonor, a velha ama que acompanha a família desde a infância do pai, e
que lhe conta histórias como as do Príncipe Graciano e da Alminha–da-Senhora,
garantindo a integridade psíquica, afetiva e social da menina.
Pedro, narrador protagonista de O tempo das surpresas, tem catorze anos e
leucemia; rememora, em longa noite de vigília que antecede o transplante da medula
que recebe do irmão de cinco, seus afetos, a ausência paterna, a amizade e confiança em
Peter, o marido da mãe, bem como a surpresa com a descoberta da doença e seus
desdobramentos, os temores que enfrenta desde então. A partir de um relato bastante
sensível, sem ser piegas, os leitores podem compartilhar as alegrias e as tristezas
daquele tempo de convivência com a doença, responsável, inclusive, pelo
amadurecimento do garoto:
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O tempo corre. O tempo pára. Já não me importo muito com ele. Por
vezes, um desejo de que passe logo e que me traga boas novas. Outras
vezes, fico a querer que pare mesmo, e para sempre, sobretudo quando
minhas forças retornam, ou quando fico sabendo, caçando as palavras
distraídas de uma ou outra enfermeira a dizer que algum dos
adolescentes hospitalizados ali se foi.
[...]
Ela [a mãe] tem seus medos. Assim como eu. Sempre me fala tudo,
porém sei que há coisas em que ela evita tocar. (RITER, 2007, p 11)
Nos momentos em que consegue dormir, sonha recorrentemente que se encontra
em uma floresta, com muitas serpentes, e alguém o segue, mas, no momento em que
verá seu perseguidor, acorda. Somente pouco antes de ir para o centro cirúrgico
consegue terminar o sonho e é o pai quem toca em seus ombros:
Minha mãe se mexe na cama ao lado. Fecho bem meus olhos, não
quero despertar deste sonho inventado, deste sonho acordado. Quero a
resposta.
Os dedos pousam em meu ombro e me viro bem devagar. Olhos nos
olhos, ele me sorri. Diz: Fique tranqüilo, meu filho. Sou eu. (RITER,
2007, p. 98)
Ao contrário do que possa parecer, o garoto não relata apenas esse momento
difícil em que se encontra, com grave problema de saúde. Narra também suas
experiências com as meninas, os primeiros amores; revela a força do sentimento que o
une ao grupo de amigos; trata com naturalidade o segundo casamento da mãe e o bom
relacionamento com o padrasto e não esconde a carência provocada pelo distanciamento
“afetivo” do pai:
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Meu pai teve que retornar aos seus afazeres. Ele sempre tem que
retornar aos seus afazeres. Dia sim, dia não, ele me liga.
Pergunta se tô bem, se preciso de alguma coisa. O “alguma
coisa” dele deve ser dinheiro. Deposita na conta da minha mãe,
sem qualquer dia de atraso, a pensão. (RITER, 2007, p 11)
Já em Todos contra D@nte, de Luís Dill, a narrativa, além daquela que fala de
uma posição exterior aos acontecimentos, apresenta a voz de Dante, garoto que relata
em seu blog, ao poeta florentino de A divina comédia, seus sonhos e as violências
perpetradas contra ele pelos colegas de escola. Da mesma maneira, na caixa de diálogos,
há espaço para outras vozes, as das comunidades de amigos da escola. No que concerne
ao narrador do texto, a exploração do foco narrativo mostrou-se fundamental para
construir a narrativa de maneira inovadora e aproximá-la de seus possíveis leitores; há
estreita coincidência entre os dois mundos, uma vez que tanto o tema - a violência entre
jovens - como o ambiente escolar constituem o cotidiano do jovem leitor.
A diversidade de vozes narrativas - com onisciência neutra, narradorpersonagem e fluxo de consciência, por exemplo - enriquece o texto, pois, ao evitar a
voz autoritária, que poderia conduzir a leitura por um único caminho, a estrutura textual
permite ao leitor maior liberdade de interpretação:
Manuela olhou para a mesa posta. A claridade vinda da rua penetrava
fácil pelas amplas janelas em L da sala, parecia ressaltar a cor e a
textura dos pratos: suflê de legumes, salada de alface roxa com cubos
de ricota e aipo, carne de frango ao molho de nata e alecrim.
Esforçava-se para conter a tontura... (DILL, 2008, p. 08).
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Olá, meu xará florentino. Estou aqui de novo. Por quantos tormentos
tiveste que passar até chegar ao Paraíso? O Inferno, depois o
Purgatório, não é mesmo? Seiscentos e oitenta e cinco anos após tua
morte, meu velho amigo, estou aqui em pleno Inferno. Tenho treze
anos, o que me faz ter esperança de que, em breve, pule pra minha
próxima etapa e conquiste o que todos buscam... (DILL, 2008, p. 15).
O que parece fundamental na construção narrativa de Todos contra D@nte é o
modo como o narrador insere, na estrutura e organização do mundo narrado, a violência,
pois, a partir dessa estratégia, atitudes e sentimentos do narrador, do protagonista e das
demais personagens enredam-se e, constituindo a constelação de perspectivas da
narrativa, possibilitam a emersão do objeto estético. As perspectivas da narrativa são
todas perspectivizadas, especialmente, o narrador que se divide em múltiplas visões. A
organização da narrativa vale-se de diferentes estruturas textuais, bastante apreciadas e
próximas do leitor jovem (links, chats, blogs). Em vários links (1, 2, 3, 5, 6, 7, por
exemplo), situados nas páginas à esquerda, o narrador, onisciente neutro, fala em
terceira pessoa e conhece sentimentos e pensamentos das personagens:
Graças à insistência do colega e vizinho, Davi aceitou manter o
horário que tinham reservado na quadra de saibro. Já no aquecimento,
percebeu o erro: não conseguiria jogar como de costume. Quatro
meses de invencibilidade, já. Perdera apenas um set nesse período.
Rejeitava a idéia de contratar um treinador e seguir carreira. Dizia que
era apenas lazer, não competição. Seus planos eram outros ... (DILL,
2008, p. 12).
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Outros links (4, 8, 12, por exemplo), por sua vez, constituem transcrições de A
divina comédia, de Dante Alighieri, e dialogam com as páginas inseridas à direita,
intituladas Blog, nas quais o narrador é protagonista. Nessas páginas (que são dez), o
menino Dante relata ao escritor Dante Alighieri a falta que sente de Geovana, que é,
segundo ele, "o equivalente aqui no futuro, em pleno século XXI, à morte da tua amada
Beatriz do século XIII" (DILL, 2008: 15) e descreve-lhe os tormentos sofridos na
escola, promovendo a intertextualidade explícita com A divina comédia, como podemos
ler no primeiro texto do blog:
Por quantos tomentos tiveste que passar até chegar ao Paraíso? O
Inferno, depois o Purgatório, não é mesmo? Seiscentos e oitenta e
cinco anos após tua morte, meu velho amigo, estou aqui em pleno
Inferno (DILL, 2008, p. 15).
As questões referentes à representação da fala do narrador e das personagens
constituem outro aspecto diferenciado no texto de Dill. Nas páginas intituladas diálogo
(que são vinte e uma e estão à direita no volume), observamos o emprego do discurso
direto, diálogos entre as personagens no telefone celular e, também, pessoalmente, com
a consequente restrição da voz do narrador. Ainda nas páginas à direita, há a transcrição
da comunidade criada em um site de relacionamento da "internet", intitulada Eu
sacaneio o Dante, na qual seus colegas têm a oportunidade de discutir questões como:
"defina o nariz do Dante", "doença ou feiúra mesmo?", "vc já sacaneou o koisafeia esta
semana?", entre outras. Nessas páginas, a voz do narrador também desaparece, já que os
comentários são transcritos diretamente pelos participantes da comunidade.
Carolina Moreyra (Escritora Revelação/2009-FNLIJ), em O guarda-chuva do
vovô (DCL, 2008), com uma narrativa minimalista, não resvala na pieguice ou no
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chavão ao tratar do tema da morte sob a perspectiva infantil. A linguagem coloquial,
com frases curtas, simples e objetivas, valoriza a voz da criança que relata a visão
singela do afastamento gradual, sem traumas, até culminar no falecimento do avô: “Um
dia achei o vovô diferente e perguntei pro meu pai se ele estava encolhendo”.
(MOREYRA, 2008, s/n)
A construção do texto, em íntima conexão com o desfecho narrativo - após um
período de enfermidade, o avô falece -, revela como as crianças podem compreender
com naturalidade as etapas da vida, aceitam perdas e percebem nelas pequenas
conquistas, como ganhar o guarda-chuva do avô após sua morte:
Começou a chover e ela me deu um guarda-chuva.
- O guarda-chuva do vovô! – eu falei.
Mas ninguém disse nada.
Eu olhei pra casa da vovó, que não era mais a casa do vovô.
E ganhei um guarda-chuva de presente. (MOREYRA, 2008, s/n)
As personagens, mesmo a que narra a história, não têm nomes; são todas
nomeadas de acordo com o grau de parentesco com a garota – vovô, vovó, papai – o que
pode contribuir para a inserção dos leitores no mundo narrado: “A vovó fazia bolo de
chocolate para o lanche e então chamávamos o vovô. Mas ele nunca vinha”.
(MOREYRA, 2008, s/n)
No que se refere às imagens que constituem a narrativa não-verbal, o trabalho de
Odilon Moraes é impecável: delicado, sem deixar de valorizar a alegria das cores, está
em sintonia com a qualidade da linguagem verbal. As ilustrações, luminosas, entre a
capa e a contracapa negras, relatam como a vida pode ser enfrentada com a clareza da
percepção infantil, ainda que surjam momentos difíceis A belíssima capa preta, com
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uma janela recortada, por onde pode entrar a luz da vida, mesmo nesse espaço e tempo
de luto.
Quanto aos narradores que se apresentam fora do mundo narrado, temos em
Cruzando caminhos (Ática, 1994), uma narrativa organizada em forma de diário, com
quatro blocos, nomeados de acordo com os dias de um feriado prolongado, que relatam
as atividades de cada personagem, dia a dia, na pequena cidadezinha praiana, mas o
narrador está fora do relato, não participa dos fatos narrados.
Entretanto, além da voz do narrador, há outra, veiculada no paratexto, espécie de
mensagem que antecede e ajuda a explicar a narrativa aos leitores. De quem é essa voz?
Da editora? Da autora? Ou de todas essas instâncias juntas? O que parece significativo é
que ela encaminha a leitura, marcando a perspectividade como elemento fundamental
do texto. Não temos dúvidas que o objetivo desse paratexto é, sejamos favoráveis ou
não, a condução do leitor pelos caminhos que podem ser trilhados na leitura da
narrativa:
Siga com seus olhos os olhos de cada personagem. Questão de ponto
de vista.
Siga com seus olhos os olhos de cada personagem. Muda o que
aconteceu conforme o lugar onde cada um estava ou a vontade do
momento. Questão de aproximação ou distanciamento. Siga com seus
olhos os olhos de cada personagem. Cada um vive a mesma história
de outro jeito. Questão de cada um ser diferente do outro e enxergar
conforme o seu envolvimento.
Siga com seus olhos os olhos de cada personagem. Cada um altera os
fatos conforme o que viu e como viu. Questão de localização na
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mesma hora. Siga com seus olhos os olhos de cada personagem. Cada
um mostra como sentiu, como se viu. Questão de olho.
(ABRAMOVICH, 1994, p.06)
No primeiro capítulo, Quinta-feira à noite, o olhar perspectivizado do narrador
nos revela as expectativas de cada uma das personagens para o final de semana em uma
pequena cidade praiana. São quatro jovens – Leila, David, Cléa e Nélson acompanhados de amigos, primos ou irmãos, que pretendem usufruir toda diversão que
o local puder oferecer. Não se conhecem, mas o encontro é inevitável dada a exigüidade
de espaços para a diversão na cidadezinha. Os jovens terão um rápido e casual encontro
com o garoto alcoolizado e passam ao leitor uma visão quase unívoca sobre a questão
discutida no texto: o excesso do consumo de bebida por adolescentes. Percebemos
também o distanciamento das personagens em relação ao problema; é como se a questão
não lhes dissesse absolutamente respeito. Leila, sempre muito preocupada consigo
mesma, egoísta, como ela se definirá mais tarde, tem uma visão limitada sobre o garoto
e a bebida; vê o fato como uma “baixaria”; David também não tem muita paciência para
o que ocorre com o garoto: “uma praga”. Quanto à Cléa, que vê o menino embriagado
na companhia da amiga Melissa, há dois sentimentos antagônicos: “um nojo e um dó”;
entretanto, em razão da atuação das meninas em momentos posteriores, percebemos que
o “nojo” é de Melissa e o “dó”, de Cléa; já, a partir da perspectiva de Nélson, recebemos
maiores informações sobre o garoto: era da vizinhança e devia ter uns quinze anos,
idade média das personagens da narrativa.
O fato de alguns dos jovens presenciarem a morte do garoto foi, naturalmente,
traumático, mas a situação tende a se agravar com a divulgação da notícia de que houve
suicídio. Se já lhes parecia incompreensível a morte por acidente ou imprudência, que
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um adolescente quisesse morrer e que conseguisse realizar seu intento é algo
inconcebível para aquela turma do feriado prolongado na praia.
No velório, David e Benjamin leem o bilhete suicida, texto que explica, sob a
perspectiva de um jovem, a vida e a morte. Para o adolescente, a solução de seus
conflitos pode se traduzir na atitude de recorrer às drogas, ao álcool, à rebeldia e
desobediência, à promiscuidade sexual, aos comportamentos agressivos e, inclusive, ao
suicídio. Em discurso indireto, uma espécie de autópsia psicológica, o conteúdo da
carta de despedida é dissecado, expondo a angústia do garoto em relação à dependência
alcoólica e com ela a impossibilidade de relacionar-se afetivamente com a família, com
amigos e amores.
Ao tomar conhecimento como ocorreu a morte do garoto e a revelação do
conteúdo do bilhete, os jovens reunidos no barzinho passam por sofrido processo de
reflexão, questionando atitudes e valores do ser humano e, naturalmente, não têm, nesse
momento, respostas, que somente poderão vir com o tempo, com a vida vivida. Nesse
momento, as perguntas não têm um emissor definido, não revelam dúvidas desta ou
daquela personagem, indicam uma perspectiva única, a visão da juventude posta à
prova, frente a um momento ímpar da vida, a morte. O teor do bilhete deprime e assusta
os adolescentes, pois têm consciência de que todos seus sonhos e expectativas são
semelhantes aos do garoto morto e que a impossibilidade de realização deles levou-o ao
trágico desfecho. O bilhete é o relato do desamparo de um menino como eles.
Uma carta de quem tinha resolvido que aquele era o caminho.
Um sofrimento só. Pasmo geral. Como alguém acaba com a própria
vida aos quinze anos?? Por que tais coisas aconteciam? O que girava
na cabeça e que cabeça era esta?? Morrer era terrível, era o fim de
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tudo. Se preparar pra morrer, um sofrimento. Agora, querer morrer
não dava pra entender. E se matar em público, no meio da praia, com
gente olhando e alguns, como Nélson, quase se afogando pra tentar
salva-lo. Absurdo, sem cabimento, incompreensível. Não teria escrito
a carta pra tirar sarro, fazer alguma ameaça, sem querer mesmo fazer o
que tinha escrito?? Será que não tinha mudado de idéia na última hora,
escorregado do penhasco, e tinha sido um azar, um acidente??
Ninguém sabia a verdadeira resposta. Ninguém nunca tiraria esta
dúvida. O silêncio se fez. Aumentou. Nenhuma voz se ouvia,
nenhuma mexida da cadeira ou assobio acompanhava a canção que a
banda tocava. Baixo-astral geral. (ABRAMOVICH, 1994, p.61)
Desse modo, desaparecem as perspectivas particulares, individuais, de cada
jovem, porque a angústia diante do imponderável é uma só: é a voz da juventude,
questionando não só a morte, mas o fato de um jovem querer morrer. Ocorre, então, a
interação, configurada como o processo de comunicação, marcado, sobretudo, pelo
confronto, uma vez que o leitor é instigado à compreensão dos embates entre as
diferentes perspectivas: do narrador, das personagens, do próprio enredo e também do
leitor fictício. O prazer da leitura só pode ser alcançado quando os textos permitem que
os leitores exerçam a sua capacidade produtiva. (ISER, 1999, p. 10)
Já em O jogo de amarelinha (Manati, 2007), narrativa de Graziela Hetzel para
crianças, embora relate tema difícil – a superação da perda da mãe e a aceitação da
madrasta – o narrador, em terceira pessoa, focaliza Letícia e conta a história da menina
que, no jogo infantil “amarelinha” não quer chegar ao “céu”, pois ali estão todas as
criaturas que amava e perdeu: “No céu está seu cachorrinho Xerife, a preá Joaninha... no
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céu está Clara, a mãe de Letícia. Será que ninguém entende por que ela nunca vai lá?”
(HETZEL, 2007, p. 08)
Ainda que a voz narrativa esteja em terceira pessoa, o que poderia indicar
distanciamento entre o narrador e os fatos, o recurso empregado pode encurtar essa
distância. Como observamos no excerto anteriormente transcrito, na primeira parte do
enunciado, reconhecemos com certa facilidade a voz de um narrador que se refere à
menina e às perdas sofridas por ela, mas, quando ocorre o questionamento – “Será que
ninguém entende por que ela nunca vai lá?” – os leitores não podem discernir a autoria
da indagação, pois, com o emprego do discurso indireto-livre, as vozes mostram-se
embaralhadas, reduzindo o distanciamento entre a voz que relata e da criança. O
emprego de semelhante recurso lingüístico promove também a aproximação entre
leitores e os fatos relatados.
A voz narrativa de O gato e o escuro, texto de Mia Couto para crianças, parece
assimilar a fala do velho contador de histórias tribais, presente nos contos
moçambicanos; mas é a partir da focalização da mãe que a história de como Pintalgato,
ao encontrar o escuro, um dos seus grandes medos, compreende e supera seus temores:
“Vejam, meus filhos, o gatinho preto, sentado no cimo desta história. Pois ele nem
sempre foi dessa cor. Conta a mãe dele que, antes, tinha sido amarelo, às malhas e às
pintas. Tanto que lhe chamavam Pintalgato.” (COUTO, 2008, p 06)
O conto, ao valorizar a curiosidade natural das crianças que, no processo de
crescimento, arriscam-se a percorrer pela primeira vez os caminhos que as afastam da
proteção familiar, revela como obstáculos criados pela superproteção de adultos podem
atrapalhar a maturidade infantil, fato comentado pelo autor em seu prefácio à obra:
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Espero que o gatinho que habita estas páginas possa afastar
idéias escuras que temos sobre o escuro. A maior parte dos medos que
sofremos, crianças e adultos, foi fabricada para nos roubar curiosidade
e matar a vontade de querermos saber o que existe para além do
horizonte. COUTO, 2008, p.05)
Representação da infância, o gatinho só será capaz de vencer o pavor do
desconhecido quando o enfrentar; por isso, apesar da proibição da mãe, ele namoriscava
o perigo: “O filho dizia que sim, acenava consentindo. Mas fingia obediência. Porque o
Pintalgato chegava ao poente e espreitava o lado de lá”. (COUTO, 2008, p.10)
Literatura e autoconhecimento
A compreensão sobre o modo como se constituem os conflitos na estrutura das
narrativas parece-nos fundamental para que percebamos também como a reação
provocada pelas perspectivas das personagens pode ser observada a partir do que Jauss
denomina “categorias de recepção” (JAUSS, 1974), elementos fundamentais no
reconhecimento da interação entre leitores e texto, desejada por todos que se debruçam
sobre questões relativas à leitura do literário. Acreditamos que as reações adversas
provocadas pela perspectividade das narrativas convergem para a interação entre texto e
leitor, uma vez que a atuação das personagens provoca duas modalidades de
identificação, principalmente: a “catártica”, própria da tragédia, e a “irônica”, que se
manifesta com reações antagônicas do leitor, de aproximação e de rejeição.
Quanto às personagens das narrativas em questão, destacamos as protagonistas,
crianças e adolescentes, moradores de grandes centros urbanos. A descrição da vivência
individual das personagens, associada à fase de maturação, especialmente em momentos
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incomuns, marcados pela dor e por indagações sobre dificuldades da existência,
corresponde à tendência mais comum. São criaturas construídas, essencialmente, pela
reflexão, de modo que os leitores possam contribuir em sua caracterização. A
elaboração de cada uma delas acontece aos poucos, à medida que atuam e refletem
sobre o mundo narrado ou se expõem aos olhos dos leitores, por meio de recursos
conhecidos como fluxo de consciência, discurso indireto-livre e monólogo interior.
Vivem em espaços essencialmente urbanos, em grandes cidades; pertencem a núcleos
familiares que indicam rupturas e novas formulações – pais separados e com novos
parceiros - frequentam escolas, praticam esportes, namoram, mantêm relações de
amizade e adoram a convivência com jovens da mesma idade. São, enfim,
representações de crianças e adolescentes que conhecemos e, ao lado dos quais, como
coadjuvantes, atuam mães, pais, novos parceiros dos pais, professores e tios, adultos
cumprindo funções nem sempre agradáveis na estrutura das intrigas.
Ainda no que se refere ao processo de construção das personagens, o fato de que
a infância e a adolescência não sejam vistas como preparação para a maturidade, mas
enfocadas como etapas decisivas no processo de vida, plenas de significado e valor,
portanto, desperta a atenção dos leitores. Em outras palavras, as personagens não são
construídas como ainda-não-adultos ou como já-não-mais-crianças, mas como
portadoras de uma identidade própria e completa. É verdade também que se envolvem
em situações que as obrigam a refletir e a reformular conceitos que possuem a respeito
de si mesmas e do mundo.
Quanto à linguagem, as narrativas apresentam o predomínio do registro oral,
tanto na voz do narrador quanto nas falas das personagens, aspecto bastante previsível
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em textos narrados em primeira pessoa e muito importante por não promover o desnível
de vozes no mundo narrado quando há um narrador em terceira pessoa. A linguagem
atua como meio de interação entre leitores e universo ficcional, com períodos de
estruturas simples, ordem direta, uso de expressões correntes entre a faixa etária de
leitores, sem clichês, a não ser aqueles empregados intencionalmente, com o objetivo de
revigorá-los por novos usos.
É a partir desse processo, que a literatura, ao mostrar-se como verdadeira
experiência de autoconhecimento, pode contribuir na formação do sentimento de
identidade de leitores, notadamente, crianças e adolescentes, humanizando-os, no
sentido mais amplo da palavra, ainda que, por vezes, as experiências das personagens
pareçam estar distantes daquelas vividas pelos jovens em seu ambiente real.
Referências bibliográficas
ABRAMOVICH, Fany (1994). O estranho mundo que se mostra às crianças. São
Paulo:Summus.
COUTO, Mia (2008). O gato e o escuro. São Paulo: Companhia das Letrinhas.
DILL, Luís (2008). Todos contra D@nte. São Paulo: Cia das Letras.
HETZEL, Graziela B. (2007). O jogo de amarelinha. Rio de Janeiro: Manati.
ISER, Wolfang. (1999) O ato da leitura (Vol 2). Trad.Johannes Kretschmer. São Paulo:
Editora 34.
JAUSS, Hans Robert (1974). “Levels of identification of hero and audience”. New
literary history. Charlotte Ville, Virgínia (v.5, n.2).
MOREYRA, Carolina (2008). O guarda-chuva do vovô. São Paulo: DCL.
RITER, Caio (2007). O tempo das surpresas. São Paulo: Edições SM.
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VIEIRA, Alice (2005). Os olhos de Ana Marta. São Paulo: Edições SM.
ZILBERMAN,
Regina;
CADERMATORI,
Lígia
infantil:autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática.
(1982).
Literatura
ZILBERMAN, Regina (2003). A literatura infantil na escola. 11a ed. São Paulo:
Global.
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