Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. A LITERATURA INFANTIL FORA DO LIVRO: O JORNAL O SENHOR DOUTOR Lígia Regina Máximo Cavalari MENNA1 RESUMO: Este trabalho abrange parte de nossa pesquisa de doutorado a respeito da literatura infantil e juvenil fora do livro, ou seja, em revistas, jornais e suplementos no Brasil e em Portugal. Há vários estudos sobre as confluências e divergências entre jornalismo e literatura, contudo, quando o assunto é a literatura destinada ao público infantil, pouco foi discutido. Essa é uma lacuna a ser preenchida, uma vez que há um vasto material a ser analisado. Em Portugal, por exemplo, principalmente nos anos 30, houve uma profusão de jornais para o público infantil, repletos de textos, cuja literariedade pode ser questionada, e outros de altíssima qualidade estética. Dentre esses últimos, podemos citar os contos do poeta José Gomes Ferreira, publicados no jornal português O Senhor Doutor, de 1933, sob o pseudônimo de “Avô do cachimbo”. Tais episódios deram origem ao livro Aventuras maravilhosas de João Sem Medo, em 1963. Com o objetivo de contribuir para os estudos da literatura infantil, apresentaremos nossas análises preliminares sobre o jornal O Senhor Doutor. PALAVRAS-CHAVE: Literatura infantil e juvenil; Jornalismo e Literatura; Jornal O Senhor Doutor. Literatura infantil portuguesa nos anos 30 Segundo Natércia Rocha, em sua Breve história da literatura para crianças em Portugal (ROCHA,1984), nos anos 30 , ocorreram vários acontecimentos que refletiram sobre o panorama da literatura portuguesa para crianças. Por um lado, houve a redução do tempo de escolaridade obrigatória para apenas três anos, limitando o contato das crianças com os livros, assim como a consolidação do regime ditatorial instalado por Salazar. Por outro lado, foi também nessa época que surgiram novas formas de leitura, comunicação e lazer, veiculadas à imprensa, ao cinema e ao rádio. 1 MENNA, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Clássicas- Área de Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa. R. João Zeltner, 195. São Paulo, Capital. Brasil. E-mail: [email protected]. 7 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Quanto às graves consequências da redução do tempo escolar e a falta de contato com os livros, a autora enfatiza: A redução do tempo de contato com a escola provocaria naturalmente uma diminuição grande das oportunidades para a possível habituação da criança ao livro, para treino de leitura seguida. Como amar o que não se chega a conhecer? (ROCHA,1984,p-74) Quanto ao regime Salazarista e sua influência na formação escolar e cultural das crianças e jovens, a autora destaca a obrigatoriedade dos alunos das escolas públicas e particulares a se alistarem na Mocidade Portuguesa, organização de jovens criada então pelo Estado Novo, e o consequente acesso a leituras manipuladoras e tendenciosas: Através desta organização e ao serviço do chamado Estado Novo, são editadas ou difundidas obras que têm como objetivo prioritário a apologia ao regime vigente, dando-o como único detentor das virtudes da raça e continuador das glórias passadas. Estas condicionantes suscitam um acréscimo de obras de caráter histórico e apologético, o reforço das tendências moralizantes em detrimento do lúdico e principalmente o retraimento do original perante as adaptações e versões, tanto de contos tradicionais como de extratos de obras consideradas como satisfazendo os objetivos do momento político ( ROCHA, 1984, p.73) Além desses fatores, segundo a mesma autora, a produção de literatura portuguesa para crianças era escassa e de pouca qualidade, constituída, em grande parte, por traduções e adaptações de obras estrangeiras. Ainda podemos acrescentar que a expansão do rádio e do cinema, assim como jornais e programas radiofônicos para crianças, já traziam consigo a influência norte-americana, principalmente nos filmes e nas histórias em quadrinhos (bandas-desenhadas, em Portugal2), 2 Várias das histórias em quadrinhos dessa época não apresentavam balões e sim legendas. Os quadros com ilustrações e as legendas abaixo assemelham-se aos livros para crianças. 8 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. destacando-se as aventuras de cowboys, índios e piratas.Vale ressaltar que várias histórias em quadrinhos eram apenas decalques e traduções das versões estrangeiras. Além do jornal O Senhor Doutor, outros jornais para crianças surgiram nesse período como O papagaio, O mosquito e O diabrete, contudo, os comics books, material importado da Kings Features, passaram a dominar o mercado. Foi o início da “americanização da imprensa infanto-juvenil”. A partir dos anos 60, esses jornais perderam força, sendo substituídos por revistas somente com histórias em quadrinhos. A professora Maria Lúcia Pimentel Góes, em seu livro Em busca da Matriz3, que trata de literatura infantil e juvenil em Portugal em diferentes épocas, cita poucos escritores relevantes para os anos 30. O primeiro é Adolfo Simões Muller, fundador do semanário infantil O Papagaio, autor de vários livros para crianças como Sola Sapato Rei Rainha e tradutor e adaptador de clássicos como As mil e uma noites. Góes também cita Maria de Figueiredo, autora de Aventuras de Traga-bolas e colaboradora do suplemento “O Faísca”; e Odette Passos y Ortega de Saint-Maurice4, segundo a autora, uma das figuras que mais se destacaram no movimento cultural português a partir dos anos 30, autora de vários livros como O Canto da Mocidade, “estórias para crianças, modelar como expressão dos valores tradicionais cristão-burgueses”. Como pudemos observar, houve grande profusão de jornais para crianças nessa época. Dessa forma, acreditamos que a análise desse material jornalístico é de extrema importância para os estudos da literatura infantil e juvenil. 3 4 No capítulo “ Década de 30”, p.94 a 116. No anexo 4, há um conto da autora. Sua produção para o jornal O Senhor Doutor foi rara. 9 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. O jornal O Senhor Doutor O Jornal O Senhor Doutor, com o sub-título "um amigo que diverte, educa e instrui", foi um dos jornais infantis que marcaram a sua época. Era propriedade da Sociedade Editorial ABC, tendo iniciado a sua publicação a 18 de março de 1933 e terminado em 15 de maio de 19445. O seu diretor foi Carlos Filipe Correia da Silva Ribeiro, também ilustrador, que assinava apenas Carlos Ribeiro. O jornal tinha uma periodicidade semanal, aos sábados, com 12 páginas e um preço de 1$50 ou quinze tostões. Além de contos e poesias de escritores consagrados, traduções e textos instrucionais, o jornal já apresentava várias histórias em quadrinhos, com temas e personagens americanizados, provavelmente compradas e traduzidas, e algumas nacionais, com personagens de nomes bem curiosos como Zuca, Zaruca e Bazaruca, por exemplo. Havia concursos, como o “concurso do borrão”, encartes para montar e vários eventos para atrair as crianças. Em 1934, com o apoio do jornal, começaram as primeiras emissões radiofônicas do Sr. Doutor, pela RCP, Rádio Clube Português,com a locução de Henrique Samorano, também redator do jornal. As transmissões duravam 15 minutos aos domingos, quando eram lidos poemas e contos diversos. José de Oliveira Cosme, convidado por Samorano para colaborar nas transmissões, assume o comando após a morte de colega. O programa chegou a ser transmitido por uma hora, com músicas, dramatizações e as lições do menino Tonecas. Denominou-se, então, “Emissões recreativas para miúdos e graúdos”6 5 O material analisado compreende os períodos de 18/03/1933 a 30/09/1933, período em que os contos do “ Avô do cachimbo” foram publicados. 6 Trechos do programa podem ser ouvidos em http://www.classicosdaradio.com/licoesTonecas.htm 10 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Em muitos desses textos, nota-se, claramente, o tom moralizante e a valorização dos ideais salazaristas, assim como o intuito de produzir um público leitor ideal: boas crianças e bons cidadãos. Como exemplo do conteúdo, apresentamos um quadro com os títulos de cada seção da primeira edição: Primeira Edição do Jornal O senhor Doutor-18/03/19337 Capa: Um episódio heróico de nossa acção em África: O escudo (coluna à esquerda com bandeiras) As sentenças do “Senhor Doutor” Os homens célebres do mundo - Os sete sábios da Grécia- Thales Editorial- carta aos meninos (p.1) O choco/ A pólvora/ Como fazem as fitas faladas (p.2) Tex da polícia montada- narrativa ilustrada das As proezas do cabo Carola: “O bolo do major” emocionantes aventuras do soldado Tex, do seu (HQ) cão “caçador” e do seu cavalo “starlight” 1º episódio: “Os ladrões de gado” (HQ) Assim brincando...Divagações mitológicas- o (p. 3) senhor Saturno. (p. 4) “Aldeia de Choramingas’- Conto fantástico- avô do “ Que feio ser invejoso” - um conto de Emília de cachimbo (p. 5) Sousa Costa- cont. p. 11.(p.6) “Aventuras dos autênticos Zuca, Zaruca e Bazaruca” Stuart de carvalhais (HQ- cont. p.11) “Zacarias pratica ski “(HQ) (p.6 e 7) “ O desgosto da carranca”- conto de Virgínia Lopes Mendonça(p.7) Barnabé, guarda do Jardim Zoológico: “um sarau nas laranjeiras” (HQ) Coisas ouvidas durante as aulas - Ass: O ouvinte ( piadinhas)(p.8) “O colar de cobre” de J. Mahan- 1a parte-(p.9) A página das meninas Flores de feltro- um presente para mãezinha Uma doença grave (Yvonne é demasiadamente falante) Como se pratica o bem (notícia - doação de roupas para bebês pobres) Piloto busca um jantar ( HQ) (p.10) 7 Cada quadro representa uma página do jornal. Algumas são subdividas em seções. 11 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Nossa mirabolante flutuante- nº1 Término das histórias Charadas - (p.11) construção: A ilha Plataforma para montar (p. 12) Logo de início, encontramos uma história em quadrinhos, “Um episódio heróico de nossa acção em África: O escudo” (Anexos 1 e 2) 8 , fora dos padrões atuais, pois as ilustrações em quadros são acompanhadas por legendas. Nessa história, podemos observar a valorização do imperialismo colonial em África e a banalização do ataque aos nativos. O negrinho Pete, ao ser “salvo” pelo capitão Albuquerque, torna-se seu maior defensor. Nota-se a intenção de se exaltar uma imagem “multirracial” e tolerante com as diferenças. Ao defender o menino de seu agressor, “o cruel colono”, o capitão é chamado de herói. Uma atitude mais do que esperada de um ser minimamente humano é dimensionada e exageradamente valorizada como um grande feito. Outro texto bastante significativo e revelador é o editorial (Anexo 3). Primeiramente, fica clara a postura moralizante e controladora da época, já que a criança deveria ser obediente e não poderia questionar o conteúdo do jornal. Esperava-se que o leitor fosse uniforme e seus gostos fossem os mesmos, escolhidos com grande sabedoria pelo editor: “[...] atendendo às vossas predilecções, aos vossos gostos, gostos que têm a vantagem de serem uniforme, sem as diferenças que distinguem as das pessoas crescidas [...]”. A mocidade é superestimada como o momento mais maravilhoso de nossas vidas, ideal já abonado pelo senso comum: Pois o SENHOR DOUTOR, que é um burro velho, sabe isso muito bem, e está disposto a fornecer-lhes todos os sábados, copiosamente a lenha de que 8 Capa e transcrição estão anexadas ao final deste trabalho. 12 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. vocês precisam para atear o fôgo sagrado da mocidade bem-disposta que é o melhor que se leva desse mundo. Em outras partes do jornal, podemos observar o moralismo e a distinção clara entre os gêneros. Como exemplos, encontramos “A página das meninas”, em que se ensina a confeccionar florzinhas de feltro para a mãezinha, fazer doações e não ser uma menina muito falante. Para os meninos, instruções de como montar uma plataforma flutuante para aterrissagem de aviões transatlânticos. A cada exemplar, o menino terá uma parte da plataforma que deverá ser montada com cartolina e goma arábica. Temos um período entre guerras, no qual os arsenais e o espírito bélicos são valorizados. Esses breves apontamentos já comprovam as afirmações de Natércia Rocha quanto às influências do Estado Novo. Contudo, podemos encontrar exceções, como os contos de José Gomes Ferreira, que deram origem ao livro As aventuras de João Sem Medo, 1963, analisado em nossa dissertação de mestrado, textos que, inclusive, condenam o sistema vigente e não foram censurados, vale dizer que por mero descuido ou incapacidade, para não dizer ignorância, do censor, uma vez que todos os textos tinham que passar pelo crivo da censura. Em linhas gerais, como nos ensina Nelly Novaes Coelho (2006, p.19), vale ressaltar que a literatura infantil e juvenil das primeiras décadas do século XX, tanto em Portugal como no Brasil, foi marcada por um conjunto de valores e preceitos tradicionais, por exemplo a obediência absoluta à autoridade, a moral dogmática, a reverência ao passado, o racismo e a visão da criança como um adulto em miniatura, entre outros. Podemos acrescentar que tais valores também são observáveis em textos não-literários, como os jornalísticos. 13 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Quanto às histórias em quadrinhos, ou bandas desenhadas, vale ressaltar que, em quase todos os episódios analisados, podemos encontrar a produção de Stuart de Magalhães, José Herculano Stuart Torrie d’Almeida Carvalhais, artista gráfico, considerado o “pai” das histórias em quadrinhos em Portugal. A literatura infantil no jornal O Senhor Doutor Como “texto de literatura infantil”, estamos considerando somente os contos e os poemas . Acreditamos que as histórias quadrinizadas 9 , que deram origem às histórias em quadrinhos, também podem ser consideradas literatura infantil, principalmente pela relação verbal e não verbal, pelos intercódigos tão comuns a esse gênero na atualidade. Contudo, por uma questão de seleção de corpus, optamos por textos já consagrados como literários, levando-se em conta as polêmicas que envolvem a literariedade dessas produções. Além disso, destacaremos apenas textos de autores portugueses e não as traduções. Como mencionado anteriormente, encontramos, no jornal O Senhor Doutor, contos de José Gomes Ferreira 10 (1900-1985), escritos sob o pseudônimo de Avô do Cachimbo e publicados de março a setembro de 1933, sob os seguintes títulos: “Aldeia de Choramingas”; “O aeroplano mágico”; “O tempo em que os homens não falavam”; “As maravilhosas aventuras de João Sem Medo”; “Colina de Cristal”(anexo 4); “A ilha dos corcundas”; “O gramofone com asas”; “A varinha de condão”; “A sala sem portas”; “A cidade da confusão”; “O gigante barbudo”; ”O príncipe das orelhas de burro”; “A princesa 46.734”; “O planalto 9 Consideramos que as histórias quadrinizadas são aquelas formatadas em quadros, com legendas. As Histórias em quadrinhos já apresentam balões com as falas. 10 No anexo 4, apresentamos alguns fac-símiles de contos dos autores mencionados. 14 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. dos imortais”; “O fato, a condecoração e a coroa de louros”; “A bruxa moderna”; “O encontro com João Medroso”; “O gigante do monóculo”; “O ar envenenado”; “O país das fábulas”; “A porta de oiro e a porta de ferro”; “História do João Sem Medo”; “O subterrâneo negro”; “A menina dos pés ocos”(Anexo 4); “A torre sinistra”; “O peixe das escamas vermelhas”; “A cidade do fundo do mar” e “O peixe papagaio”. Com base em análises comparativas já realizadas, podemos dizer que a versão em livro apresenta mudanças tanto estéticas quanto ideológicas, além do que, vários episódios foram suprimidos e tantos outros adaptados. Em 1933, quando o salazarismo se iniciava, José Gomes Ferreira, já envolto na estética neorrealista, mas sem abandonar o posicionamento humanista do Presencismo, fazia críticas diretas ao conformismo português e à miséria em que se encontrava o país e, em um tom bastante pessimista, constatava que as mudanças eram uma ilusão. Já em 1963, o autor não só resgatou os episódios do jornal, como os moldou à Literatura carnavalizada e ao Surrealismo, mantendo as mesmas críticas, mas em tom mais cômico, apontando o riso carnavalesco contra o poder despótico estabelecido. Nessa época, no auge do salazarismo, o tom pessimista dos episódios do jornal permanece, mas ganha uma esperança, pois o autor vislumbra uma mudança, mesmo que distante. Além de José Gomes Ferreira, muito mais conhecido por sua poesia para o público adulto, escritoras consagradas da literatura para crianças colaboraram para o jornal, como Odette de Saint-Maurice, Ana de Castro Osório, Laura Chaves e Virgínia Lopes de Mendonça. Devido à extensão deste trabalho, não faremos análises, mas um breve panorama do material encontrado em nome dessas autoras. 15 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Ana de Castro Osório (1872-1935) aparece raramente. Conhecida como defensora dos ideais republicanos e dos direitos femininos, é também considerada por muitos como a iniciadora da literatura infantil em Portugal. Como editora, foi responsável, por exemplo, pela coleção “Para as crianças”, que apresentava traduções de contos de Hans Christian Andersen e dos irmãos Grimm, obras de sua autoria ou recolhidas e adaptadas da tradição popular. No início do século XX, várias de suas obras foram muito lidas também no Brasil. Encontramos publicados no jornal O Senhor Doutor alguns de seus contos, como “Conversa com Ana Maria”, “Contos pequeninos”(anexo 4), “As limpas, as lavaduras e as arestas” e “O telefone do Menino Jesus”. Uma autora que aparece de forma constante é Laura Chaves (1888-1966), conhecida por ser compositora, escultora, dramaturga e poetisa. Colaborou para outros periódicos como o Almanaque das Senhoras e o Jornal da Mulher, além dos suplementos infantis de O século e do Diário de Notícias. No jornal, há mais poemas que normalmente são intitulados por contos. Temos, por exemplo, “Cesta de ovos”, “Poemas para meninas recitarem”, “O elefante e o rato”, “ O fogareiro comilão”, “ A cerejeira dos pardais”, “O julgamento do homem”(anexo 4) e um hino para o jornal, com partitura, intitulado “A grande parada”. Outra autora que merece destaque é Virgínia Lopes de Mendonça (1881-1969), filha do dramaturgo Henrique Lopes de Mendonça. Começou a se destacar na literatura somente nos anos 30, principalmente pelas contribuições para os jornais e por sua parceria com Laura Chaves na peça Maria Migalha, de 1937. Seu primeiro romance juvenil, “Ar puro”, data de 1945. Muitos de seus trabalhos foram ilustrados por seu irmão, o caricaturista Vasco Lopes de Mendonça. Em O Senhor Doutor, podemos encontrar os seguintes contos: “O desgosto da 16 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. carranca”, “Por causa da parreirinha”, “Para manhoso...”, “A princesa Belina e o anão folião”, “Os pretendentes à mão da princesinha”( Anexo 4), entre outros. Finalizando, ratificamos que nosso objetivo neste trabalho foi apresentar um breve panorama do conteúdo do jornal O Senhor Doutor, principalmente no que concerne à produção literária, assim como introduzir reflexões e breves análises preliminares de uma vasta pesquisa e reflexão ainda a ser feita. Referências O SENHOR DOUTOR. Lisboa, de 18 março a 30 setembro 1933- Microfilme. GÓES, Maria Lúcia P. de S. Em Busca da Matriz. São Paulo: Clíper, 1998. _______. Introdução à literatura infantil e juvenil. São Paulo: Pioneira, 1984. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. 7. ed. São Paulo: Moderna, 2006. ROCHA, Natércia. Breve história da literatura para crianças em Portugal. Biblioteca Breve, 1992. Lisboa: Fontes eletrônicas DGLB - Direcção geral do livro e das bibliotecas. Disponível em: http://www.iplb.pt/sites/DGLB/. Acesso em: 10-09-2009. 17 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Anexos Anexo 1- Capa da 1ª edição de 18 de março de 1933 18 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Anexo 2 Transcrição- “ Um episódio heróico de nossa acção em África: O escudo11 de 18 de março de 1933 1º Quadro _ Larga êsse rapaz!- gritou o capitão Albuquerque, correndo para um colono que maltratava um pobre negro. E arrancou-lhe o chicote com que lhe batia. _É que êle é um mandrião!... –explicou o colono para desculpar a sua acção. Mas as explicações não lhe valeram de nada e o homem teve que se retirar envergonhado do acampamento. 2º Quadro O capitão dirigiu-se então a Pete, tal era o nome do negro, e propôs-lhe que ficasse a seu serviço para lhe tratar do cavalo. Horas depois, o destacamento sob o comando do capitão marchava a atacar um bando de indígenas que se tinha(amotinado ?) e enquanto lhe segurava o cavalo, Pete olhava cheio de (ilegível ) o capitão, pelo que tinha feito por êle. 3º Quadro Pete seguiu primeiramente os soldados através dos campos. Mas logo que ouviu o capitão dar a ordem de ataque a uma colina das imediações onde o inimigo se refugiava, escondeu-se por detrás de um penhasco. Qual não foi a sua surpresa ao ver que uma zagaia feria e fazia cair cavalo do capitão, enquanto o inimigo surgia disposto a aproveitar a vantagem. 4º Quadro Empunhando o revólver, o capitão preparou-se a fazer frente aos indígenas. Mas, ao mesmo tempo, Pete, compreendendo o perigo em que se encontrava o seu chefe, surgiu também do seu refúgio e corre, corajosamente, em seu auxílio, disposto a tirá-lo daquela apurada situação. O pequeno indígena não esquecera o nobre gesto do nosso compatriota, livrando-o das mãos do bárbaro colono. 5º Quadro Apanhando um escudo que os indígenas tinham abandonado na sua retirada, Pete correu para o capitão e abigou-o( sic) abrigou-o por detrás do escudo, permitindo assim que o oficial se levantasse, sob inúmeras flechas e zagaias que o inimigo disparava, e que ameaçavam feri-lo a todo momento. Três zagais, com efeito, haviam se cravado no escudo protector... 6º Quadro ...quando os soldados do destacamento apareceram e, fazendo nutrido fôgo, puseram em fuga os rebeldes. Pete então, retirando o escudo, ajudou o chefe a sair debaixo do cavalo morto. 11 A ortografia original foi mantida 19 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. até Dêsde estão o capitão Albuquerque não mais abandonou o negrito, que o acompanhou à Patria quando oficial a ela poude regressar. 20 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Anexo 3 Transcrição do editorial- 1a edição-18/03/1933 Carta aos meninos, Para os pais lerem Meninos: Aqui têm o primeiro número dum jornal que foi feito de propósito para vocês, atendendo às vossas predilecções, aos vossos gostos, gostos que têm a vantagem de serem uniforme, sem as diferenças que distinguem as das pessoas crescidas, e que provocam aquele bonito espetáculo, que muito deve divertir os meninos, delas andarem sempre às turras umas com as outras... Vocês, àparte uma ou outra briga sem importância no pátio do colégio ou do liceu, estão todos de acôrdo, lêem todos pela mesma cartilha. Todos gostam de histórias movimentadas, de bonecos coloridos, de jogos, de sêlos, de berlindes, de fitas de animatógrafo. Não é verdade? Pois o SENHOR DOUTOR, que é um burro velho, sabe isso muito bem, e está disposto a fornecer-lhes todos os sábados, copiosamente a lenha de que vocês precisam para atear o fôgo sagrado da mocidade bem-disposta que é o melhor que se leva desse mundo. Folheiem com atenção as 12 páginas deste primeiro número e vejam lá se não encontram nelas um bocadinho de cada uma das coisas de que vocês mais gostam. Se alguma falta, podem ter a certeza de que não é por esquecimento, nem desleixo, mas pela tão simples como poderosa razão de e não ser possível meter duma só vez o Rossio na rua Betesga. Mas , como o outro que diz que largos dias têm cem anos( Já devem ter reparado que lá na casa há um vastíssimo repertório de anexins)... Em cada número , os leitores deste jornal encontrarão novos atractivos, novas surpresas. Um verdadeiro manancial de coisas bonitas e amáveis! Uma fonte inesgotável de alegrias! ( Pin...) E agora venha de lá esse abraço para celebrar as boas relações que se inicialmente os meninos e este vosso novo grande amigo O Senhor Doutor 21 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. Anexo 4 Fac-símiles de contos de de José Gomes Ferreira, Ana de Castro Osório, Laura Chaves , Odete Passos de Saint-Maurice e Virgínia Lopes de Mendonça. 22 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 58 – A produção literária para crianças e jovens. Tessituras e inovações: a Língua Portuguesa ultrapassando fronteiras, juntando culturas. 23