Parte III - Tolerância das plantas
à salinidade
9
Efeitos dos sais no solo e na planta
Nildo da S. Dias1 & Flávio F. Blanco2
1
2
Universidade Federal Rural do Semi-Árido
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Meio Norte
Introdução
Efeitos dos sais na planta
Efeito osmótico
Efeitos tóxicos
Efeitos indiretos
Efeito dos sais sobre o solo
Efeitos sobre a estrutura
Efeito sobre o pH
Alteração dos parâmetros físico-hídricos do solo
Tolerância das plantas à salinidade
Estado nutricional das plantas
Ajuste osmótico
Sinalização bioquímica e melhoramento genético
Toxidez
Referências
Manejo da salinidade na agricultura: Estudos básicos e aplicados
ISBN 978-85-7563-489-9
Fortaleza - CE
2010
130
Nildo da S. Dias & Flávio F. Blanco
Efeitos dos sais
no solo e na planta
INTRODUÇÃO
EFEITOS DOS SAIS NA PLANTA
A agricultura está enfrentando um grande problema em
todo o mundo com a falta de recursos hídricos adequado,
forçando muitos produtores a utilizar água salobra para a
irrigação das culturas (Reed, 1996). Em muitas áreas de
produção, o uso de água de baixa qualidade para irrigação
e a aplicação de quantidades excessivas de fertilizantes são
as principais razões para o problema do aumento da
salinidade do solo. Em se tratando de regiões áridas e
semiáridas irrigadas, constitui um sério problema, limitando
a produção agrícola e reduzindo a produtividade das
culturas a níveis anti-econômicos.
Os efeitos da salinização sobre as plantas podem ser
causados pelas dificuldades de absorção de água,
toxicidade de íons específicos e pela interferência dos
sais nos processos fisiológicos (efeitos indiretos)
reduzindo o crescimento e o desenvolvimento das
plantas. No solo, os efeitos negativos da salinização são
desestruturação, aumento da densidade aparente e da
retenção de água do solo, redução da infiltração de água
pelo excesso de íons sódicos (Rhoades et al., 2000) e
diminuição da fertilidade físico-química.
A implicação prática da salinidade sobre o solo é a perda
da fertilidade e a susceptibilidade à erosão, além da
contaminação do lençol freático e das reservas hídricas
subterrâneas. Nas plantas, estes efeitos implicam na perda
de produtividade e de qualidade, ou perda total da produção.
O conhecimento dos efeitos dos sais na planta e no
solo, bem como os fenômenos envolvidos são
fundamentais quando se pretende adotar práticas de
manejos adequados da água e de cultivo visando à
produção comercialmente com água salina. Deste modo,
este capítulo trata das interações dos sais com a planta
e o solo em cultivos agrícolas e a tolerâncias das culturas
à salinidade.
Efeito osmótico
As plantas retiram a água do solo quando as forças de
embebição dos tecidos das raízes são superiores às forças
com que a água é retida no solo. A presença de sais na
solução do solo faz com que aumentem as forças de
retenção por seu efeito osmótico e, portanto, a magnitude
do problema de escassez de água na planta. O aumento
da pressão osmótica (PO) causado pelo excesso de sais
solúveis, poderá atingir um nível em que as plantas não
terão forças de sucção suficiente para superar esse PO e,
em consequência, a planta não irá absorver água, mesmo
de um solo aparentemente úmido (seca fisiológica).
Dependendo do grau de salinidade, a planta, em vez
de absorver, poderá até perder a água que se encontra
no seu interior. Esta ação é denominada plasmólise e
ocorre quando uma solução altamente concentrada é
posta em contato com a célula vegetal. O fenômeno é
devido ao movimento da água, que passa das células para
a solução mais concentrada.
A Figura 1 mostra a curva de retenção de água de um
solo franco-argiloso para vários níveis de salinidade.
Observa-se que a disponibilidade de água para a cultura
é reduzida a medida em que a salinidade aumenta.
O potencial osmótico de um solo pode ser estimado
conhecendo-se a CE, a partir da equação:
 o  0,36  CE
(1)
em que:
Ψ o - potencial osmótico, atm
CE - condutividade elétrica, dS m-1
Assim, o potencial total com que a água é retida em
um solo salino, pode ser expresso por:
Efeitos dos sais no solo e na planta
TENSÃO D’ ÁGUA
% DE REDUÇÃO NA
ABSORÇÃO DE
em que:
 S - umidade do solo nas condições de saturação,
3
cm cm-3 ou %
CC e PM - umidade do solo à capacidade de
campo e ponto de murcha permanente, respectivamente,
cm3 cm-3 ou %.
1 4
8
12
16
SALINIDADE DO SOLO (dS m-1)
0,33
CAPACIDADADE DE CAMPO
Supõe-se:
1. Não há aumento nem diminuição de sais na
água do solo
2. Os efeitos de esgotamento e da salinidade na
disponibilidade de água se somam (Potencial
osmótico = - 0,36 CE)
3. A água disponível é a diferença entre a
capacidade de campo e o ponto de
murchamento
4. A água é extraída do solo por efeito de
evapotranspiração da cultura (ETc)
Figura 1. Curvas de retenção de água de um solo francoargiloso para vários níveis de salinidade (Ayres &
Westcot, 1999)
T  m  o
(2)
em que:
ΨT - potencial total com que a água é retida no solo, atm
Ψm - potencial matricial do solo, atm
Ψ o - potencial osmótico da solução do solo, atm.
Devido à baixa concentração de sais solúveis, o
potencial osmótico em solos não salinos é considerado
desprezível (Ψ o = 0); logo, a água deste solo está
disponível a uma faixa de potencial de -33 e -1500 kPa,
em condições de capacidade de campo e ponto de
murcha permanente, respectivamente, porém a presença
de sais faz com que essa faixa de disponibilidade seja
diminuída, em razão do aumento da tensão total pois,
neste caso, considera-se o potencial osmótico (Ψ0 < 0).
Exemplo:
Procedimentos:
a) Solo à capacidade de campo
- A condutividade elétrica, em dS m-1, à capacidade
de campo (CECC) é obtida considerando-se que a solução
salina se concentra no solo duas vezes, mediante a Eq.
4:
CE cc  2  CE es
(4)
CE cc  2 10  20 dS m 1
- O potencial osmótico deste solo à capacidade de
campo é obtido segundo a Eq. 1:
 o  36  20  720 kPa
- O potencial total com que a água é retida no solo a
capacidade de campo, é obtido substituindo-se os valores
do “Ψm” e “Ψ0” na Eq. 2:
 T  33  720  753 kPa
- A contribuição relativa do Ψ0 na diminuição do
potencial total à capacidade de campo é obtida mediante
a relação percentual entre o potencial osmótico e o
potencial total
  720 
% o  
  100  95% do potencial total
  753 
O procedimento a seguir determina a
salinidade e a contribuição relativa do potencial
osmótico para o aumento do potencial total de um
solo salino de textura média, em condições de
umidade à capacidade de campo e ponto de
murcha permanente.
Dados:
- Salinidade do solo: CEes= 10 dS m-1
- Considerando-se que um solo de textura média tem,
normalmente, umidade à capacidade de campo e ponto
de murcha, respectivamente, igual à metade e a um
quarto da condição de saturação, ou seja:
 S  2 CC  4 PM
131
(3)
b) Solo no ponto de murcha
- A condutividade elétrica, em dS m-1, no ponto de
murcha (CEPM) é obtida, considerando-se que a solução
salina se concentra no solo quatro vezes, conforme a Eq.
3:
CE PM  4 10  40 dS m -1
- O potencial osmótico deste solo no ponto de murcha
é obtido de acordo com a Eq. 1:
 o  36  40  1440 kPa
132
Nildo da S. Dias & Flávio F. Blanco
- O potencial total com que a água é retida no solo em
ponto de murcha é obtido, substituindo-se os valores do
“Ψm” e “PO” na Eq. 8.2:
 T  1500  1440  2940 kPa
- A contribuição relativa do Ψ0 na diminuição do
potencial total no ponto de murcha é obtida mediante a
relação percentual entre o potencial osmótico e o
potencial total
  1440 
% o  
  100  48,97% do potencial total
  2940 
Os cálculos anteriores mostram que a tensão total com
que a água é retida no solo à capacidade de campo e ponto
de murcha é, respectivamente, 753 e 2940 kPa. É obvio
que a contribuição relativa do Ψ0 é maior quando o solo
se encontra à capacidade de campo e a mesma é
aumentada a cada elevação da CEes. A medida em que o
conteúdo de água no solo diminui, a disponibilidade de água
para as plantas varia continuamente em cada camada da
zona radicular, já que tanto o conteúdo de água como Ψ0
variam continuamente, entre dois eventos de irrigação,
devido ao consumo de água pela planta. Para a mesma
profundidade, pouco depois da irrigação o teor de água
no solo se aproxima de seu máximo, enquanto a
concentração dos solutos é mínima; consequentemente,
ambos os teores variam à medida que a água é consumida
pela planta, sendo que o teor de umidade diminui enquanto
os sais aumentam.
A salinidade do solo reduz a disponibilidade da água
no solo; no entanto, nem todas as culturas são igualmente
afetadas pelo mesmo nível de salinidade, pois algumas são
mais tolerantes que outras e podem extrair água com mais
facilidade. Com base na resposta aos sais, as plantas são
classificadas em glicófitas e halófitas. As glicófitas
representam o grupo das plantas cultivadas e, na sua
maioria, são as menos tolerantes à ação dos sais, enquanto
as halófitas compõem o grupo de plantas que adquirem
condições fisiológicas; portanto, ajustam-se osmoticamente
e sobrevivem em meio altamente salino.
Plantas mais tolerantes ao meio salino aumentam a
concentração salina no seu interior, de modo que
permaneça um gradiente osmótico favorável para
absorção de água pelas raízes. Este processo é chamado
ajuste osmótico e se dá com o acúmulo dos íons
absorvidos nos vacúolos das células foliares, mantendo a
concentração salina no citoplasma em baixos níveis, de
modo que não haja interferência com os mecanismos
enzimáticos e metabólicos nem com a hidratação de
proteínas das células. Esta compartimentação do sal é
que permite, às plantas tolerantes, viverem em ambientes
salinos, porém as plantas sensíveis à salinidade tendem
a excluir os sais na solução do solo, mas não são
capazes de realizar o ajuste osmótico descrito e sofrem
com decréscimo de turgor, levando as plantas ao estresse
hídrico, por osmose.
Efeitos tóxicos
Esses efeitos acontecem quando as plantas absorvem
os sais do solo, juntamente com a água, permitindo que
haja toxidez na planta por excesso de sais absorvidos.
Este excesso promove, então, desbalanceamento e
danos ao citoplasma, resultando em danos principalmente
na bordadura e no ápice das folhas, a partir de onde a
planta perde, por transpiração, quase que tão somente
água havendo, nessas regiões, acúmulo do sal
translocado do solo para a planta e, obviamente, intensa
toxidez de sais.
Os danos podem reduzir significativamente os
rendimentos e sua magnitude depende do tempo, da
concentração de íons, da tolerância das plantas e do uso
da água pelas culturas. Os problemas de toxicidade
frequentemente acompanham ou complicam os de
salinidade ou permeabilidade, podendo surgir mesmo
quando a salinidade for baixa. Os sintomas de toxicidade
podem aparecer em qualquer cultura se as concentrações
de sais no interior são suficientemente altas ou acima de
níveis de tolerância da cultura.
Normalmente, a toxicidade é provocada pelos íons
cloreto, sódio e boro; entretanto, muitos outros
oligoelementos são tóxicos às plantas, mesmo em
pequenas concentrações.
A absorção foliar acelera a velocidade de acumulação
de sais dos íons tóxicos na planta sendo, muitas vezes, a
fonte principal da toxicidade. Os íons, sódio e cloreto
podem, também, ser absorvidos via foliar, quando se
molham durante a irrigação por aspersão e, sobretudo,
durante períodos de altas temperaturas e baixa umidade.
A Tabela 1 mostra algumas culturas afetadas por íons
específicos.
Cloreto: O cloreto não é retido nem adsorvido pelas
partículas do solo, deslocando-se facilmente com a água
do solo, mas é absorvido pelas raízes e translocado às
folhas, onde se acumula pela transpiração.
O primeiro sintoma deste íon, evidenciado pelas
plantas, é a queimadura do ápice das folhas que, em
estágios avançados, atinge as bordas e promove sua queda
prematura; nas culturas sensíveis, os sintomas aparecem
quando se alcançam concentrações de 0,3 a 1,0 % de
cloreto, em base de peso seco das folhas.
Efeitos dos sais no solo e na planta
Tabela 1. Algumas culturas afetadas por íons específicos
(Pizarro, 1978)
A sensibilidade das culturas a este íon é bastante
variável como, por exemplo, as frutíferas, que começam
a mostrar sintomas de danos a concentrações acima de 0,3
% de cloreto, em base de peso seco, as espécies tolerantes
podem acumular até 4,0 a 5,0 % de cloreto sem manifestar
qualquer sintoma de toxicidade. A Tabela 2 apresenta, para
certas culturas, os valores de tolerância ao cloreto,
medidos no extrato de saturação e na água de irrigação.
É recomendável manter baixos os níveis de salinidade
no solo durante o plantio e lembrar que os dados
publicados na literatura foram obtidos de parcelas com
culturas irrigadas por superfície. Por esta razão, é
necessário considerar-se que a irrigação por aspersão
pode causar queimaduras das folhas a nível inferior a
esses, pois as folhas também absorvem os sais.
Sódio: A toxicidade ao sódio é mais difícil de diagnosticar
que ao cloreto, porém tem sido identificada claramente
como resultado de alta proporção de sódio na água (alto
teor de sódio ou RAS).
Ao contrário dos sintomas de toxicidade do cloreto,
que têm início no ápice das folhas, os sintomas típicos do
sódio aparecem em forma de queimaduras ou necrose,
ao longo das bordas. As concentrações de sódio nas
folhas alcançam níveis tóxicos após vários dias ou
semanas e os sintomas aparecem, de início, nas folhas
mais velhas e em suas bordas e, a medida em que o
problema se intensifica, a necrose se espalha
progressivamente na área internervural, até o centro das
folhas. Para as culturas arbóreas, o nível tóxico nas
folhas se encontra em concentrações acima de 0,25 a
0,50 % de sódio, em base de peso seco. A Tabela 3
classifica a tolerância de várias culturas ao sódio,
utilizando-se três níveis de percentagem de sódio trocável.
133
Tabela 2. Tolerância relativa das plantas (variedades e porta
enxerto) ao cloreto, medidas no extrato de saturação e na
água de irrigação (Ayers & Westcot, 1991)
* Valores máximos aplicáveis apenas para culturas irrigadas por superfície. Para culturas irrigadas
por aspersão pode causar queimadura das folhas a nível inferiores a esses
Tabela 3. Tolerância relativa das culturas* ao porcentagem
do sódio trocável (PST) (Ayers & Westcot, 1991)
Sensíveis
Semi-tolerantes
Tolerantes
(PST < 15)
(PST de 15 a 40)
(PST > 40)
Caupi
Trigo
Capim de Rhodes
Grão de bico
Tomate
Capim Angola
Amendoim
Espinafre
Algodão
Lentilha
Sorgo
Capim Bermuda
Beterraba
Tangerina
Centeio
Açucareira
Pêssego
Arroz
Beterraba
Laranja
Rabanete
Cevada
Alfafa
Pomelo (grapefruit) Cebola
Ervilha
Aveia
Milho
Mostarda
Algodão
Trevo
(germinação)
Feijão
Cana-de-açúcar
Noz
Milheto
Frutas caducifólias Alface
Abacate
Fetusca
Cenoura
*
Listada em ordem crescente de tolerância
134
Nildo da S. Dias & Flávio F. Blanco
Boro: O boro é um elemento essencial ao
desenvolvimento das plantas, porém em quantidades
relativamente pequenas. Para algumas culturas, se o
nível de boro na água é de 0,2 mg L -1 , as
concentrações entre 1 e 2 mg L -1 são tóxicas. As
águas superficiais raramente contêm níveis tóxicos de
boro, mas as águas de nascentes e as águas de poços
podem conter concentrações tóxicas, principalmente
nas proximidades de falhas sísmicas e áreas
geotérmicas. De modo geral, os critérios de qualidade
de água em relação ao boro podem ser interpretados
a partir das Tabelas 4 e 5.
Tabela 4. Níveis de tolerância das culturas ao boro na água
de irrigação (Ayers & Westcot, 1999)
Concentração
Interpretação
(mg L-1)
< 0,5
Bom para todas as plantas
Danos ocorrem nas folhas de plantas
0,5 a 1,0
sensíveis sem alterar a produção
Tolerado por semi-tolerantes, mas
1,0 a 2,0
reduz a produção de plantas sensíveis
Somente plantas tolerantes produzem
2,0 a 4,0
satisfatoriamente
> 4,0
Danos em quase todas as plantas
Tabela 5. Tolerância relativa das plantas* ao boro na água
de irrigação (Ayers & Westcot, 1999)
Sensíveis
Semi-tolerantes
Tolerantes
(0,5 a 1,0 mg L-1) (1,0 a 2,0 mg L-1) (2,0 a 4,0 mg L-1)
Limão
Batata Doce
Cenoura
Pomelo (grapefruit)
Pimentão
Alface
Abacate
Tomate
Repolho
Laranja
Morango
Nabo
Amora
Aveia
Cebola
Damasco
Milho
Alfafa
Pêssego
Trigo
Beterraba
Cereja
Cevada
Tâmara
Caqui
Azeitona
Aspargo
Figo
Ervilha
Uva
Algodão
Maçã
Batata
Pera
Girassol
Ameixa
Alcachofra
Noz
Noz Pecan
*
Listadas em ordem crescente de tolerância
Os problemas de toxicidade ocorrem, com maior
frequência, por causa do boro na água que no solo. Os
sintomas causados na folha pelo boro se resumem em
manchas amarelas ou secas, principalmente nas bordas
e no ápice das folhas velhas. Na medida em que o boro
se acumula, os sintomas se estendem pelas áreas
internervurais até o centro das folhas. Em alguns casos,
os sintomas se manifestam mediante exudação gomosa
nos ramos e no tronco como, por exemplo, na amendoeira.
Na maioria das culturas, os sintomas aparecem
quando a concentração de boro nas folhas excede 250 a
300 mg kg-1 de matéria seca.
Efeitos indiretos
Esses efeitos acontecem quando as altas
concentrações de sódio ou outros cátions na solução
interferem nas condições físicas do solo ou na
disponibilidade de alguns elementos, afetando o
crescimento e o desenvolvimento das plantas,
indiretamente.
Quando no extrato de saturação há teores apreciáveis
de carbonato de sódio, o pH do solo poderá alcançar
valores elevados e haver a diminuição na disponibilidade
de zinco, cobre, manganês, ferro e boro, podendo ocorrer
deficiência nas plantas cultivadas nessas condições,
principalmente se em pequenas quantidades. Portanto, o
crescimento da planta é influenciado não diretamente
pelo excesso de carbonato de sódio, mas pelo seu efeito
sobre o pH do solo.
A presença de um íon em excesso poderá provocar
deficiência ou inibir a absorção de outro, devido à
precipitação. Por exemplo, o excesso de sulfato,
carbonato e bicarbonato, poderá precipitar o cálcio e
afetar o crescimento da planta pela falta do elemento
precipitado e não pelo excesso de outro íon. Um outro
efeito indireto é o excesso de sódio trocável no solo,
que provoca condições físicas desfavoráveis para
o crescimento das plantas, sobretudo para o
desenvolvimento do sistema radicular. A presença de
sais de sódio também tende a restringir a taxa de
mineralização do nitrogênio (N) já que, com o aumento
de sua concentração no solo, em geral a mineralização
do N orgânico é reduzida, afetando o crescimento da
planta, pela redução do N disponível e não pelo excesso
de sódio.
EFEITO DOS SAIS SOBRE O SOLO
Efeitos sobre a estrutura
O efeito dos sais sobre a estrutura do solo ocorre,
basicamente, pela interação eletroquímica existente entre
os cátions e a argila.
A característica principal deste efeito é a expansão da
argila quando úmida e a contração quando seca, devido
ao excesso de sódio trocável. Se a expansão for
exagerada, poderá ocorrer a fragmentação das
partículas, causando a dispersão da argila e modificando
a estrutura do solo. De modo generalizado, os solos
sódicos, ou seja, com excesso de sódio trocável,
Efeitos dos sais no solo e na planta
apresentam problemas de permeabilidade e qualquer
excesso de água causará encharcamento na superfície
do solo, impedindo a germinação das sementes e o
crescimento das plantas, por falta de aeração.
A dispersão do solo pode ser explicada com base na
interação dos cátions com a argila. Como já mencionado,
a micela do solo ou partícula de argila tem cargas
predominantemente negativas que são neutralizadas por
atraírem cátions presentes no sistema coloidal. Por outro
lado, os ânions, por terem cargas negativas, são repelidos,
afastando-se da partícula de argila. Deste modo, é
formada ao redor da argila uma dupla camada iônica.
O modelo mais aceitável desta dupla camada é o de
Stern, que consiste de uma camada de íons adsorvidos na
superfície da argila e de uma camada difusa de cátions,
de concentração decrescente, à medida que se afasta da
partícula de argila. A certa distância da argila a
concentração de cátions diminui e a de ânions aumenta
na solução a medida que se afasta da partícula, tornadose balanceadas (Figura 2).
Contraíons
Líquido polar
Partícula
Camada difusa
Camada adsorvida (Stern)
Figura 2. Modelo de Stern (distribuição dos íons em solução
em função da distância da superfície da argila)
Quanto maior a carga, maior também será a força de
atração, razão pela qual os cátions bivalentes (como Ca2+
e Mg2+) são atraídos pela superfície da argila com maior
força eletrostática que os monovalentes (como Na+ e K+).
A força de atração entre as cargas opostas (positiva
e negativa) é inversamente proporcional ao quadrado da
distância entre as cargas, ou seja, quanto maior o raio
iônico, menor é a espessura da dupla camada, porém a
hidratação dos cátions é um fator importante a se
considerar quando se refere ao raio iônico. Assim,
embora o lítio seja o cátion de menor raio iônico, ao se
hidratar ele tem maior raio e, portanto produzirá menor
espessura da dupla camada (Tabela 6).
A força eletrostática dos bivalentes é superior ao efeito
da hidratação, diminuindo a espessura entre cargas
negativas da argila e as cargas positivas dos cátions;
135
Tabela 6. Raio iônico hidratado e não hidratado em Aº
(angstrons)
Raio não
Raio
Íon
hidratado
hidratado
Lítio
0,60
10,03
Sódio
0,98
7,90
Potássio
1,33
5,32
Magnésio
1,43
5,37
assim, a força de hidratação é superada com mais
facilidade pelos bivalentes, fazendo com que o cálcio e o
magnésio sejam mais atraídos à argila que, por exemplo,
o sódio; então, a dupla camada de íons existente ao redor
da argila tem espessura menor quando predominam
cátions bivalentes ou mesmo trivalentes, como o Al3+.
Por outro lado, o aumento da concentração da solução
do solo faz com que os cátions sejam atraídos fortemente
pela superfície da argila (Tabela 7); assim, com o aumento
da relação Ca/Na na solução do solo, a espessura da dupla
camada diminui porém, quando a dupla camada de íons
junto à argila contiver muito sódio e poucos íons em
solução (solo irrigado com água de baixa concentração
de sais) terá espessura relativamente maior. Então, a alta
concentração de sais solúveis no solo (salinidade) não
altera a estrutura do solo com argilas expansivas mas, sim,
a baixa concentração de sais (CE < 0,2 dS m-1) e/ou a
alta concentração de sódio.
Tabela 7. Efeito da concentração de cátions no tamanho da
dupla camada difusa
Concentração
(Normal)
10-5
10-4
10-3
10-2
10-1
10 0
Tamanho da dupla
camada iônica (Å)
NaCl
CaCl2
AlCl3
954
302
95
30
10
3
477
151
48
15
5
1,5
318
101
32
10
3
1
A espessura da dupla camada exerce efeito
pronunciado no comportamento físico do solo e quando
este se encontra mais ou menos em capacidade de
campo, a espessura da dupla camada desenvolve seu
potencial máximo e, a medida em que o solo vai perdendo
água, pode alcançar níveis em que a dupla camada não
poderá permanecer em sua espessura normal,
particularmente as camadas grossas encontradas em
solos sódicos, transformando-se em uma dupla camada
truncada. Ao umedecer o solo, a dupla camada se
expande, causando o fechamento dos poros
interagregados e reduzindo a condutividade hidráulica do
solo; além disso, a pressão que originou a expansão
empurra as partículas individuais de argila uma contra a
136
Nildo da S. Dias & Flávio F. Blanco
outra, dispersando o solo e seus agregados, fazendo-os
desaparecer em partes. As partículas finas que ficam
soltas, obstruem os poros do solo, reduzindo ainda mais
a permeabilidade à água e ao ar.
Efeito sobre o pH
Em geral, para reduzidas concentrações de sais o pH
das águas pode ser elevado, pois a medida em que
aumenta a salinidade da água, o pH diminui. Para
salinidade maior que 5 dS m-1 as águas têm pH neutro.
Fenômeno semelhante ocorre com a solução do solo. Por
exemplo, a Figura 3 mostra como o pH de um solo
aluvial, textura argilosa e pobre em matéria orgânica,
diminui quando se aumenta a condutividade elétrica,
cujos valores não podem ser generalizados para outros
tipos de solo, pois esta diminuição varia com as
características do solo.
pH do solo
PST > 10
PST < 10
Retenção de água no solo: Os solos, cuja estrutura foi
modificada pela sodicidade e/ou ausência de íons em
solução, tendem a armazenar mais água quando
expostos aos mesmos níveis de potencial matricial (Russo
& Bresler, 1980). As alterações na curva característica
de água do solo são maiores para níveis de umidade
próximos da saturação, podendo ocorrer mesmo sob
baixos níveis de potencial como 1,5 MPa. Lima et al.
(1990) estudaram os efeitos da sodicidade e da
concentração de sais sobre as curvas características de
um solo argiloso e também observaram aumento da
umidade retida quando o solo era exposto a maior
concentração de sódio na fase trocável e/ou menor
concentração de sais em solução. Após ajustarem os
dados obtidos à equação de van Genuchten (1980),
conforme a Eq. 5, observaram que a sodicidade reduz o
valor do parâmetro  (alfa), enquanto aumenta os valores
de n e m.
  r 
s   r
1  (h) 
n m
(5)
em que:
 - umidade volumétrica,
h - é o potencial matricial e os subscritos r e s
correspondem, respectivamente, aos níveis de umidade
residual e de saturação.
TOLERÂNCIA DAS PLANTAS
À SALINIDADE
-1
CEes (mS cm a 25 ºC)
Figura 3. Relação entre o pH de um solo aluvial e a
condutividade elétrica (Pizarro, 1977)
Alteração dos parâmetros físico-hídricos do solo
Densidade aparente: A contração das partículas de
argila com a redução da umidade do solo pode ser
caracterizada pela curva de encolhimento que relaciona
o volume ocupado pelo solo com a umidade. Lima &
Grismer (1994) observaram que solos sódicos encolhemse mais acentuadamente com a redução da umidade do
que solos normais, apresentando densidade aparente
maior, provavelmente como consequência da
desestruturação do solo que elimina os poros. As
diferenças notadas no encolhimento dos solos permitiram
observar, através de análise computadorizada de
imagens, que solos normais apresentam, quando secos,
cerca de 8% de sua superfície aberta na forma de fendas,
enquanto nos solos sódicos esta área varia de 15 a 20%
(Lima & Grismer, 1994).
A redução do crescimento da planta devido o estresse
salino pode estar relacionado com os efeitos adversos do
excesso de sais sob homeostase iônica, balanço hídrico,
nutrição mineral e metabolismo de carbono fotossintético
(Zhu, 2001; Munns, 2002). Os mecanismos pelo qual o
estresse salino deprecia as plantas ainda é uma questão
discutida devido à natureza muito complexa do estresse
salino na planta.
Devido ao rápido acúmulo de sais no solo das áreas
irrigadas, os problemas de salinização é um fator crítico
para produção vegetal. Entre as espécies sensíveis ao
estresse salino, o efeito da salinidade manifesta-se por
severas reduções do crescimento e distúrbio na
permeabilidade da membrana, atividade de troca hídrica,
condutância estomática, fotossíntese e equilíbrio iônico
(Shannon & Grieve, 1999; Navarro et al., 2003;
Cabanero et al., 2004).
Existem na literatura muitas tabelas de tolerância das
plantas à salinidade, expressando o efeito generalizado de
sais sobre as plantas. Entre estas, pode-se destacar os
dados publicados por Berstein (1974), Maas e Hoffman
Efeitos dos sais no solo e na planta
(1977), Ayers (1977), Bresler et al. (1982), Maas (1984),
e Ayers e Westcot (1999). Alguns valores extraídos
dessas publicações são listados na Tabela 8.
Existem diferentes mecanismos de tolerância das
plantas à salinidade. Tester e Davenport (2003) sugerem
a existência de dois grupos de mecanismos de tolerância:
(1) tolerância individual das células, envolvendo, por
exemplo, a compartimentação intracelular e a sinalização
bioquímica, e (2) tolerância a um nível superior em
relação ao grupo anterior, envolvendo, por exemplo, o
controle da absorção e transporte interno de sais e o
acúmulo de Na nos interior da planta.
Estado nutricional das plantas
Dentre os fatores estudados para caracterizar a
tolerância das plantas à salinidade, uma grande atenção
137
deve ser dada ao estado nutricional das plantas.
Incrementos na concentração de NaCl na solução do
solo prejudicam a absorção radicular de nutrientes,
principalmente de K e Ca, e interferem nas suas funções
fisiológicas (Zhu, 2001; Yoshida, 2002). Então, a
habilidade dos genótipos de plantas em manter altos
teores de K e Ca e baixos níveis de Na dentro do tecido
é um dos mecanismos chaves que contribui para
expressar a maior tolerância à salinidade. Na maioria dos
casos, genótipos tolerantes à salinidade são capazes de
manter altas relações K/Na nos tecidos (Mansour, 2003;
Zeng et al., 2003). Pelo aumento da absorção de K e
consequente redução da absorção de Na, o K contribui
para manter a relação K/Na alta na planta conforme
constatado em plantas de pimentão (Rubio et al., 2003).
A habilidade dos genótipos de excluir Na da raiz é uma
Tabela 8. Valores limites de condutividade elétrica do extrato saturado do solo para evitar efeitos generalizados no
desenvolvimento das plantas
CEes
CEes
Nome
Nome cientifico
Nome
Nome cientifico
(dS m-1)
(dS m-1)
Abacate
Persea americana
1,3
Damasqueiro
Prunus armeniaca
1,6
Abobrinha
Cucumis sativus
2,5
Elimo
Elymus triticoides
2,7
Abobrinha
Cucurbita pepo melopepo
3,2
Ervilha
Pisum sativum L.
2,5
Abobrinha italiana
Cucurbita pepo melopepo
4,7
Espinafre
Spinacia oleracea
2,0
Aipo, salsão
Apium graveolens
1,8
Feijão fava
Vicia faba
1,6
Alface
Lactuca sativa
1,3
Feijoeiro
Phaseolus vulgaris
1,0
Alfafa
Medicago sativa
2,0
Festuca
Festuca elatior
3,9
Algodoeiro
Gossypium hirsutum
7,7
Figo
Ficus carica
2,5
Ameixa
Prunus domestica
1,5
Framboesa
Rubus idaeus
1,0
Amêndoa
Prunus dulcis
1,5
Laranja
Citrus sinensis
1,7
Amendoim
Arachis hypogaea
3,2
Limão
Citrus limon
1,7
Amoreira
Rubus ursinus
1,5
Linho
Linum usitatissimum
1,7
Amoreira preta
Rubus spp,
1,5
Maçã
Malus sylvestris
1,7
Arroz
Oryza sativa
3,0
Melão cantaloupe Cucumis melo
2,2
Azeitona
Olea europaea
2,7
Milho doce
Zea mays
1,7
Azevém
Lolium perenne
5,6
Milho forrageiro
Zea mays
1,8
Batata
Solanum tuberosum
1,7
Milho grão
Zea mays
1,7
Batata doce
Ipomoea batatas
1,5
Morango
Fragaria spp,
1,0
Beterraba
Beta vulgaris
4,0
Nabo
Brassica rapa
0,9
Beterraba açucareira Beta vulgaris
7,0
Noz
Junglans regia
1,7
Brassica oleraceae botrytis
2,8
Pêra
Pyrus communis
1,5
Brócolis
Cana de açucar
Saccharum officinarum
1,7
Pêssego
Prunus pérsica
1,7
Capim bermuda
Cynodon dactylon
6,9
Pimentão
Capsicum annuum
1,5
Capim doce
Phalaris tuberose
4,6
Pomelo (grapefruit) Citrus paradisi
1,8
Capim dos pomares Dactylis gromerata
1,5
Rabanete
Raphanus sativus
1,2
Capim mimoso
Eragrostis spp,
2,0
Repolho
Brassica oleracea capitata
1,8
Capim sudão
Sorghum sudanense
2,8
Romã
Punica granatum
2,5
Cártamo
Carthamus tinctorius
5,3
Sesbânia
Sesbania exaltata
2,3
Caupi
Vigna unguiculata
1,3
Soja
Glycine Max
5,0
Cebola
Allium cepa
1,2
Sorgo
Sorghum bicolor
4,0
Cenoura
Daucus carota
1,0
Tamareira
Phoenix dactylifera
4,0
Cevada (forragem)
Hordeum vulgare
6,0
Tomateiro
Lycopersicon lycopersicum
2,5
Cevada (grão)
Hordeum vulgare
8,0
Trigo
Triticum aestivum
6,0
Cornichão
Lotus uliginosus
2,3
Vagem
Phaseolus vulgaris L.
1,5
Couve-flor
Brassica oleracea
2,5
Videira
Vitis spp.
1,5
138
Nildo da S. Dias & Flávio F. Blanco
importante característica da planta, contribuindo para
aumentar a relação K/Na e expressar a alta tolerância
aos sais (Yoshida, 2002; Zhu, 2002).
Como a aplicação de fertilizantes aumenta a
concentração de nutrientes no solo, alguns autores têm
afirmado que a aplicação de fertilizantes em quantidade
maior do que a quantidade recomendada traria benefícios
em condições de salinidade moderada, pois haveria maior
absorção de nutrientes, aumentando as relações K/Na,
Ca/Na e NO3/Cl (Cuatero & Muñoz, 1999).
O aumento da absorção de K, e consequente redução
da absorção de Na, contribuiu para manter a relação K/
Na mais alta em plantas de pimentão (Rubio et al., 2003)
e espinafre (Chow et al., 1990).
Com relação à relação NO 3 /Cl, o aumento na
concentração de NaCl na solução nutritiva promoveu
redução nos teores foliares de NO 3 em plantas de
tomate, e não teve efeito sobre os teores de K, apesar
do aumento dos teores de Na nas folhas (Phills et al.,
1979). Pessarakli e Tucker (1988) verificaram que sob
baixas concentrações de NaCl na solução nutritiva a
absorção de N não foi afetada, porém esta foi reduzida
em 70% sob altos níveis de salinidade. A inibição da
absorção de nitrato pode ocorrer devido à interação NO3/
Cl nos sítios de absorção ou à despolarização da
membrana pelo Na (Suhayda et al., 1990), o que tem sido
associado à inibição não-competitiva de absorção de NO3
(Hawkins e Lewis, 1993).
Além do N e do K, outros íons também podem
conferir certo grau de tolerância das culturas à
salinidade. A aplicação de Si em plantas de moringa
cultivadas em solução nutritiva elevou os teores foliares
de K e Ca e reduziu os de Na e Cl; entretanto, não se
observou redução nos efeitos depressivos do NaCl sobre
a produção de matéria seca das folhas, caule e raízes
(Miranda et al., 2002). Por outro lado, Matoh et al. (1986)
demonstraram que o Si promove aumento do teor de K
e da relação K/Na nas folhas em arroz e da produção de
matéria seca em cevada.
Apesar dessas evidências, existem controvérsias
sobre o aumento da tolerância das culturas à salinidade
pelo aumento da adubação. Em extensa revisão
bibliográfica sobre os efeitos de doses de nutrientes na
tolerância de culturas à salinidade, Grattan e Grieve
(1999) verificaram que muitos estudos têm sido
conduzidos com o solo ou o substrato deficiente em N,
P e/ou K. Com isso, os efeitos benéficos de altas doses
de nutrientes não implicam em aumento da tolerância das
culturas à salinidade, uma vez que as culturas respondem
positivamente aos níveis crescentes de fertilizantes
mesmo nos tratamentos não-salinos. Plantas que se
desenvolvem em solos férteis podem parecer mais
tolerantes aos sais em relação àquelas que crescem em
solos deficientes, pois a fertilidade é o principal fator
limitante do crescimento; então, a adição de fertilizante
extra não alivia a inibição do desenvolvimento causada
pela salinidade (Rhoades et al., 2000). De fato, algumas
pesquisas têm demonstrado que a aplicação de
fertilizantes não resultam em aumento da tolerância à
salinidade de algumas culturas. Blanco et al. (2008a,
2008b) utilizaram água de irrigação de alta salinidade na
irrigação do tomateiro em ambiente protegido e
verificaram, nas folhas, aumento da relação N/Cl com as
doses de N, e da concentração de K e prolina
(aminoácido relacionado à tolerância das plantas à
salinidade) com as doses de K. Entretanto, os efeitos da
salinidade não foram aliviados e a produtividade não foi
alterada, demonstrando que o aumento na dose de
fertilizantes aplicados não conferiu maior tolerância do
tomateiro à salinidade. Resultados apresentados por
Tabatabaei e Fakhrzad (2008) demonstram aumento na
relação K/Na em folhas de azevem somente quando
compararam plantas que receberam nitrato de potássio
com plantas que não receberam (condição de deficiência
em K); já na presença de doses crescentes desse
fertilizante, não houve aumento de K/Na nas folhas do
azevem, corroborando com a afirmação de Rhoades et
al. (2000).
Com base nessa discussão, nota-se que ainda há
controvérsias sobre a eficiência da aplicação de
nutrientes em excesso visando aumentar a tolerância das
culturas à salinidade. De qualquer forma, é fato que
plantas bem nutridas toleram mais à salinidade do que
plantas submetidas à deficiência de algum nutriente e,
portanto, é importante que haja um programa eficiente de
manejo do solo e da adubação para que a convivência
com a salinidade seja possível.
De acordo com Munns e James (2003), o mecanismo
de exclusão de Na correlaciona-se muito bem com a
tolerância em genótipos de trigo tetraplóide. Em plantas
de Arabidopsis thaliana (Elphick et al., 2001) e yeast
(Almagro et al., 2001), foram observados elevadas
sensibilidade à NaCl sendo associada com a habilidade
deficiente dos genótipos no sistema de efluxo de Na. O
‘screening’ em genótipos de plantas para alta tolerância
ao estresse salino as relações K/Na e Na/Ca e a
concentração de Na nos tecidos, entretanto, são
parâmetros usados constantemente para diferentes
espécies cultivadas (Munns e James, 2003).
Ajuste osmótico
As plantas tolerantes à salinidade são designadas
como plantas halófitas e podem necessitar cerca de 15
g L -1 de cloreto de sódio, equivalente à metade da
Efeitos dos sais no solo e na planta
concentração da água do mar, para completar seu ciclo
fenológico. Essas plantas absorvem, por exemplo, o
cloreto de sódio em altas taxas e o acumula em suas
folhas para estabelecerem um equilíbrio osmótico com o
baixo potencial da água presente no solo. Este ajuste
osmótico se dá com o acúmulo dos íons absorvidos nos
vacúolos das células das folhas, mantendo a
concentração salina no citoplasma e nas organelas em
baixos níveis de modo que não haja interferência com os
mecanismos enzimáticos e metabólicos e com a
hidratação de proteínas das células.
Esta
compartimentação do sal é que permite, segundo Lauchi
e Epstein (1984), às plantas halófitas viverem em
ambiente salino.
Para esse ajuste osmótico, na membrana que separa
o citoplasma e o vacúolo não há fluxo de um
compartimento para outro, mesmo que haja elevado
gradiente de concentração. O ajuste osmótico é obtido
por substâncias compatíveis com as enzimas e os
metabólitos ali presentes. Esses solutos são, na maioria,
orgânicos como compostos nitrogenados e, em algumas
plantas, açúcares, como o sorbitol (Lauchi e Epstein,
1984).
As plantas sensíveis à salinidade tendem, em geral, a
excluir os sais na absorção da solução do solo, mas não
são capazes de realizar o ajuste osmótico descrito e
sofrem com decréscimo de turgor, levando as plantas ao
estresse hídrico por osmose. Embora o crescimento da
parte aérea das plantas se reduza com o aumento da
concentração salina do substrato onde vivem, a redução
da absorção de água não é necessariamente a causa
principal do reduzido crescimento das plantas em
ambientes salinos. De fato, Kramer (1983) aponta que
plantas que crescem em substratos salinos mantêm seu
turgor e chama atenção para o fato de que suculência é
uma característica comum entre as halófitas. Este fato
sugere que essas plantas não percam água por salinidade
como se estivessem em solos secos e também não se
recuperem, como fazem as plantas estressadas por falta
de água, ao receberem água novamente. Assim, parece
que o efeito no crescimento, de níveis similares de
potencial osmótico e mátrico, é diferente. Esta inferência
permite questionar o emprego da soma algébrica com a
mesma ponderação para potencial gravitacional, matricial
e osmótico ao calcular o potencial total da água no solo.
Plantas muito sensíveis à salinidade também absorvem
água do solo juntamente com os sais permitindo que haja
toxidez na planta por excesso de sal absorvido. Este
excesso promove desbalanceamentos no citoplasma
resultando em danos principalmente na bordadura e no
ápice das folhas, a partir de onde a planta perde, por
transpiração, quase que tão somente água, havendo
139
nestas regiões acúmulo do sal translocado do solo para
a planta, e obviamente intensa toxidez de sais.
Sinalização bioquímica e melhoramento genético
Já se pode conseguir cultivares de espécies de plantas
originalmente sensíveis à salinidade mais tolerantes aos
sais.
A resposta das plantas aos estresses abióticos, nos
quais inclui-se o estresse salino, envolve uma série de
reações bioquímicas, que são reguladas por genes
específicos. Para entender completamente a resposta
biológica das plantas à salinidade, é preciso entender os
mecanismos pelos quais as plantas “percebem” os sinais
de estresse do meio e como elas respondem a esses
sinais, através da transmissão de sinais às células, os
quais ativarão os mecanismos de resposta adaptativa da
planta.
De acordo com Xiong et al. (2002), de um modo
geral, a transcrição de um sinal começa com a
percepção, seguido da geração de mensageiros
secundários (fosfatos, inositol, dentre outras). Esses
mensageiros secundários podem alterar as concentrações
intracelulares de Ca, iniciando várias fosforilações de
proteínas que, no final, resultam na síntese de proteínas
diretamente envolvidas na proteção celular ou em fatores
de transcrição que controlam grupos específicos de
genes reguladores de estresse. Os produtos desses genes
podem participar da geração de moléculas reguladoras,
como o ácido abscísico (ABA), etileno e ácido salicílico.
Um desses genes é o SOS1 (Wu et al., 1996), um gene
altamente sensível ao Na e o responsável pelo fluxo Na+/
H+ que ocorre pela membrana celular, regulando, assim,
a concentração de Na no interior das células (Shi et al.,
2000).
O avanço no conhecimento dos processos bioquímicos
envolvidos na tolerância das plantas à salinidade
possibilitam a inserção de novos genes ao código
genético desses organismos, dando origem às variedades
transgênicas tolerantes à salinidade. Pela introdução do
gene AtNHX1 tem-se obtido aumento considerável na
tolerância à salidade do milho (Yan et al., 2004), tomate
(Zhang e Blumwald, 2001), festuca alta (Tian et al.,
2006), dentre outras.
Toxidez
Os sais também podem apresentar toxidez específica
originada de alguns íons como por exemplo cloreto, boro
e sódio. Sousa (1995) observou que o feijoeiro apresenta
danos maiores quando irrigado com altos níveis de cloreto
de sódio comparado ao cloreto de cálcio. Também há
diferenças entre cloreto e sulfato. Por exemplo, sabe-se
que algumas plantas crescem menos quando sujeitas a
140
Nildo da S. Dias & Flávio F. Blanco
níveis de sulfato do que aos mesmos níveis de cloreto.
Alguns autores citados por Kramer (1983) também citam
que o cloreto aumenta a suculência das plantas, enquanto
o sulfato diminui.
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10
Fisiologia e bioquímica do estresse
salino em plantas
José T. Prisco1 & Enéas Gomes Filho1
1
Universidade Federal do Ceará
Introdução
Retrospectiva histórica da fisiologia e bioquímica do estresse salino
Seca fisiológica e ajustamento osmótico
Estresse hídrico em plantas osmoticamente ajustadas
Solutos responsáveis pelo ajustamento osmótico
Hormônios e o estresse salino
Ca2+ como meio para minorar os efeitos da salinidade (NaCl)
Uso de culturas in vitro de células e tecidos
Estresse oxidativo decorrente do estresse salino
Estresse salino e a biologia molecular
Efeitos da salinidade no crescimento e desenvolvimento
Respostas fisiológicas e bioquímicas ao estresse salino
Percepção e transdução do sinal do estresse salino
Transdução do sinal do estresse salino
Outras mudanças no metabolismo
Aclimatação ao estresse
Homeostase osmótica e homeostase iônica
Homeostase bioquímica
Desintoxicação
Considerações finais
Agradecimentos
Referências
Anexo 1. Glossário de termos usados
Manejo da salinidade na agricultura: Estudos básicos e aplicados
ISBN 978-85-7563-489-9
Fortaleza - CE
2010
144
José T. Prisco & Enéas G. Filho
Fisiologia e bioquímica do estresse
salino em plantas
INTRODUÇÃO
A maioria dos cientistas acredita que a solução de
grande parte dos problemas da salinidade na produção
agrícola depende da compreensão do que acontece com
a Fisiologia e Bioquímica das Plantas cultivadas sob
essas condições. Imagina-se que o esclarecimento dos
mecanismos de tolerância e susceptibilidade à salinidade
seja de fundamental importância para o desenvolvimento
de cultivares que produzam economicamente sob
condições de estresse. Além disso, esses conhecimentos
poderão contribuir para o desenvolvimento de novas
técnicas de manejo das culturas, que possibilitem
aumentar a tolerância das plantas à salinidade.
Apesar da importância desses estudos, as pesquisas
nessa área só começaram a apresentar resultados
promissores a partir da segunda metade do século
passado. Pretende-se, neste capítulo, fazer uma
retrospectiva histórica das descobertas mais relevantes
dos efeitos da salinidade no crescimento e
desenvolvimento das plantas e, com base em resultados
experimentais, alguns deles obtidos em nosso laboratório,
apresentar uma sequência de mudanças fisiológicas e
bioquímicas que ocorrem quando uma planta é submetida
ao estresse salino.
RETROSPECTIVA HISTÓRICA
DA FISIOLOGIA E BIOQUÍMICA
DO ESTRESSE SALINO
Existem registros na literatura que responsabilizam a
salinidade pelos prejuízos causados à agricultura que
remontam a mais de 3.000 anos (Läuchli & Grattan,
2007) e, apesar dos avanços científicos que ocorreram no
mundo, esses danos ainda são evidentes na atualidade
(Türkan & Demiral, 2008). Nos últimos 50 anos, a
fisiologia e a bioquímica do estresse salino progrediram
bastante, mas antes de analisar os resultados mais
recentes, pretende-se apresentar e discutir as
descobertas mais relevantes que ocorreram ao longo de
mais de um século de estudos.
Seca fisiológica e ajustamento osmótico
No final do século XIX, o botânico alemão Schimper
tentou explicar os efeitos do estresse salino como sendo
resultantes da “seca fisiológica” (Schimper, 1898). De
acordo com essa teoria, o excesso de sais acumulado na
solução do solo seria responsável pela diminuição do
potencial osmótico () e do potencial hídrico (w) da
solução do solo e provocaria uma diminuição no
gradiente de potencial hídrico (w) entre o solo e a
planta, dificultando, portanto, a absorção de água pelas
plantas.
Como as plantas que crescem sob condições de
estresse salino continuam transpirando, as diminuições na
taxa de absorção de água seriam responsáveis pelo
aparecimento de um déficit hídrico (Transpiração >>
Absorção → Déficit hídrico). Segundo a teoria de
Schimper, plantas cultivadas nessas condições, na
realidade, sofreriam déficit hídrico, ou seja, “seca
fisiológica”. Portanto, as reduções no crescimento
deveriam ser proporcionais aos aumentos na
concentração de sais da solução do solo (diminuição no
 e no w), ou seja, a diminuição do w da solução do
solo, resultante do decréscimo do potencial mátrico ()
ou do , deveria acarretar reduções equivalentes no
crescimento. Em outras palavras, a reação da planta à
salinidade seria idêntica a da falta de água no solo e os
efeitos do estresse salino nas plantas seriam os mesmos
daqueles decorrentes do déficit hídrico.
Fisiologia e bioquímica do estresse salino em plantas
Essa teoria foi aceita durante muitos anos e recebeu
suporte de vários pesquisadores do Laboratório de
Salinidade do USDA (Ministério de Agricultura dos
Estados Unidos). Eles demonstraram que as reduções na
produção de grãos de Phaseolus vulgaris (Wadleigh &
Ayers, 1945) e no crescimento de guayule (Wadleigh et
al., 1946) eram proporcionais às reduções no w do solo.
Isso ocorria quando as reduções no w do solo eram
devidas ao aumento na concentração de sais da solução
do solo (diminuição no ), à redução no conteúdo de
água (diminuição no ) ou à combinação dos dois
(diminuição de  e de ).
No início da década de 1960, Leon Bernstein, do
Laboratório de Salinidade dos Estados Unidos, descobriu
que plantas de Phaseolus vulgaris cultivadas sob
condições de salinidade eram capazes de absorver íons
e em decorrência disso, diminuir o  de suas células.
Fenômeno semelhante foi observado na Austrália, quando
tomateiro foi cultivado sob condições de estresse salino
(Slatyer, 1961). A consequência dessas observações seria
a diminuição do  w celular, de modo a garantir a
manutenção do  w do sistema solo-planta. A esse
fenômeno deu-se o nome de “ajustamento osmótico”.
Entretanto, devido à metodologia usada para
determinação do  (medições crioscópicas do suco
celular), argumentava-se, à época, que os valores de 
do suco celular não correspondiam à realidade, pois a
solução do vacúolo era contaminada com solutos do
citosol (endosmose) ou era diluída com a água
proveniente do apoplasto (efeito diluição). Para
esclarecer isso, Bernstein realizou uma série de
experimentos com algodão e pimentão, usando os
métodos plasmolítico e crioscópico para determinação do
 das raízes. Teve o cuidado de levar em conta não só
o efeito diluição como também a endosmose. Seus
resultados mostraram, mais uma vez, que as plantas
diminuíam o  à medida que a salinidade do ambiente
radicular aumentava e que isso se devia ao acúmulo de
íons em seus tecidos. Se isso acontecesse, o w entre
o ambiente radicular e a planta deveria ser mantido e, se
a turgescência das células fosse também mantida, não se
poderia pensar em “seca fisiológica” em plantas que se
“ajustam osmoticamente” (Bernstein, 1961).
A seca fisiológica foi também questionada por
pesquisadores soviéticos, os quais demonstraram que
quando plantas eram submetidas à mesma concentração
salina, provocada por diferentes tipos de sais, por
exemplo, concentrações isosmóticas de NaCl e de
Na2SO4, as respostas eram diferentes, ou seja, a inibição
do crescimento dependia do tipo de sal e não apenas do
 da rizosfera (Strogonov, 1964). Esses resultados,
portanto, eram conflitantes com a teoria da “seca
145
fisiológica”, que também passou a ser questionada por
cientistas de outros países (Flowers et al., 1977;
Greenway & Munns, 1980).
Estresse hídrico em plantas osmoticamente ajustadas
Examinando-se a literatura, verifica-se que mesmo
plantas consideradas como osmoticamente ajustadas
podem apresentar sintomas que se assemelham àqueles
induzidos pelo estresse hídrico (Bernstein & Hayward,
1958; Oertli, 1966). Cabe então a indagação: será que
uma planta cultivada em ambiente salino e ajustada
osmoticamente pode sofrer déficit hídrico?
Quando  e w da solução do solo são baixos, como
no caso dos solos salinizados, a planta tende a absorver
íons e há diminuições nos valores de  e de w das
raízes e das folhas. Essas diminuições nos w da planta
possibilitam a manutenção do w no sistema solo-planta,
ou seja, manutenção da capacidade de absorção de água
pela planta. Acontece que o aumento da concentração de
solutos nas raízes, especialmente os iônicos, pode
provocar uma redução da permeabilidade do sistema
radicular à água, ou seja, redução na condutividade
hidráulica das raízes (O’Leary, 1969). A consequência
disso é que, apesar da manutenção do w, a planta
passa a absorver menos água e, se isso acontece em um
ambiente de alta demanda evaporativa do ar, a taxa de
transpiração da planta passa a ser mais elevada do que
a taxa de absorção de água. O resultado disso é que o
vegetal passa a sofrer déficit hídrico, que, eventualmente,
levará à redução na taxa de fotossíntese e na taxa de
crescimento (O’Leary, 1971; Prisco, 1980).
Solutos responsáveis pelo ajustamento osmótico
Os descobridores do ajustamento osmótico
preconizaram que a diminuição no  da planta devia-se,
basicamente, ao acúmulo de íons nas células (Bernstein,
1961). Entretanto, isso conflitava com o fato de que
enzimas isoladas do citosol, tanto de glicófitas como de
halófitas, eram igualmente inibidas na presença de Na+
e de Cl- (Greenway & Munns, 1980) e isso só poderia
acontecer se todos os íons, inclusive os tóxicos (Na+ e
Cl-), estivessem compartimentalizados no vacúolo.
Mesmo partindo do princípio de que os íons estariam
concentrados no vacúolo, os baixos valores de  e de
w no ambiente externo à célula e no vacúolo iriam
expor o citosol e as organelas nele mergulhadas a um
estresse hídrico, pois estariam entre dois ambientes com
w inferiores ao seu, (w)vac < (w)cito > (w)ext, ou seja,
estariam perdendo água para o ambiente externo e para
o vacúolo. Para equilibrar os potenciais hídricos do
sistema ambiente externo, citosol + organelas nele
mergulhadas e vacúolo, o citosol teria que acumular íons,
146
José T. Prisco & Enéas G. Filho
solutos orgânicos ou ambos. O acúmulo de íons não
seria factível, pois provocaria inibição das enzimas
envolvidas no metabolismo. Portanto, a diminuição do 
e do w do citosol teria que ser feita, principalmente, à
custa de solutos orgânicos que não inibissem o
metabolismo, mesmo quando acumulados em elevadas
concentrações (solutos compatíveis).
A partir da década de 1970, foram identificados vários
desses solutos compatíveis (Hellebust, 1976; Wyn Jones
& Gorham, 1983; Bray et al., 2000; Sairam & Tyagi,
2004), sendo os mais conhecidos: açúcares (glicose,
frutose, sacarose, trealose, rafinose); álcoois poliídricos
(sorbitol, manitol, glicerol, arabinitol, pinitol, inositóis
metilados); proteínas (peptídios de pequena massa
molecular); aminoácidos e seus derivados (glutamato,
aspartato, glicina, prolina, prolina-betaina, glicina-betaina
e -alanina-betaina); ácidos orgânicos (oxaloacetato,
malato); aminas terciárias (1,4,5,6-tetrahidro-2-metil-4carboxil piridamina); poliaminas (putrescina, cadaverina,
espermidina, espermina); e compostos derivados de
sulfonium (propionato de dimetil-sulfonio e colina-Osulfato). Infelizmente, ainda persistem muitas dúvidas
sobre o papel metabólico e a importância fisiológica
desses solutos compatíveis (Bray et al., 2000).
Entretanto, pode-se afirmar que o ajustamento
osmótico se faz à custa da absorção e acúmulo de íons
(principalmente os tóxicos) no vacúolo e de íons não
tóxicos e solutos orgânicos no citosol, compatíveis com
a manutenção da atividade metabólica das células.
Convém salientar que esse fenômeno é uma resposta da
planta ao baixo w existente no ambiente externo, seja
ele causado pelo excesso de sais na solução do solo
(baixo ), seja pela carência hídrica (baixo ) ou por
ambos (O’Leary, 1971).
Hormônios e o estresse salino
Durante a década de 1960, verificou-se que plantas
submetidas a estresses abióticos mostravam decréscimo
na atividade das citocininas (CITOC) presentes na solução
exsudada das raízes para a parte aérea (Adreenko et al.,
1964; Itai & Vaadia, 1965; Kuraishi et al., 1966; Burrows
& Carr, 1969) e que essa diminuição repercutia no
metabolismo e crescimento desta última (Ben-Zioni, et al.,
1967; Itai et al., 1968). Verificou-se, posteriormente, uma
correlação entre decréscimo na atividade das CITOC
exsudadas das raízes e a aceleração da senescência dos
tecidos foliares de plantas não ajustadas (O’Leary &
Prisco, 1970) ou ajustadas osmoticamente (Prisco &
O’Leary, 1972), depois de submetidas ao estresse salino.
Sabe-se que estresses abióticos também induzem
alterações nos níveis de ácido abscísico, ABA (Mizrahi et
al., 1970), de brassinoesteróides, BR (Clouse & Sasse,
1998), de etileno e de giberelinas, Gib (Taiz & Zeiger,
2006). Entretanto, o que se tem observado ultimamente é
que as pesquisas têm se concentrado apenas nos efeitos
do ABA, como se ele fosse o único “hormônio envolvido
nos estresses abióticos” (Taiz & Zeiger, 2006; Maathuis,
2007).
Ca2+ como meio para minorar os efeitos da salinidade
(NaCl)
Durante a década de 1960, observou-se que a adição
de Ca2+ ao ambiente radicular minimizava os efeitos
deletérios do Na+ no estresse salino (LaHaye & Epstein,
1969). Isso foi atribuído ao fato de que o Na+, além de
desestabilizar as membranas, que, por sua vez, são
estabilizadas por Ca2+, compete com o K+ por sítios nos
canais existentes nas membranas, provocando aumento
na concentração de Na+ e diminuição na de K+ dentro
das células, ou seja, diminuição da relação K+/Na+. Essas
mudanças provocariam distúrbios metabólicos, com sérias
implicações no crescimento e desenvolvimento das
plantas estressadas pela salinidade. Portanto, esperavase que aplicações exógenas de Ca 2+ ao ambiente
radicular minorassem os efeitos da salinidade no
crescimento e desenvolvimento das plantas (LaHaye &
Epstein, 1971). Infelizmente, isso não tem acontecido
(Caines & Shenan, 1999; Sohan et al., 1999; Silva et al.,
2003) e quando acontece, a resposta depende das
condições ambientais em que a planta foi cultivada
(Lacerda, 1995). Posteriormente, usando-se técnicas de
biologia molecular em mutantes com diferentes
tolerâncias à salinidade, chegou-se à conclusão de que o
Ca2+ parece estar envolvido, não apenas na manutenção
da integridade das membranas (Cramer et al., 1985), mas
também no processo de “transdução do sinal” do local de
percepção do estresse para o de síntese das proteínas
codificadas pelos “genes do estresse”, os quais regulam
o controle da “homeostase” da célula, do tecido ou do
indivíduo (Türkan & Demiral, 2009).
Uso de culturas in vitro de células e tecidos
Os soviéticos usaram culturas de células e tecidos
como meio de entender porque as halófitas toleravam o
estresse salino enquanto que as glicófitas eram sensíveis
à salinidade (Strogonov, 1974). A conclusão mais
importante que eles chegaram foi a de que a tolerância
à salinidade era uma característica do indivíduo, que não
se mantinha quando suas células ou tecidos eram
cultivados in vitro. Essa publicação e uma anterior
(Strogonov, 1964) repercutiram em muitos Laboratórios
do ocidente, principalmente em Israel (Universidade
Hebraica de Jerusalém e Instituto do Negev), Austrália
(CSIRO) e Grã Bretanha (Universidade de Sussex), que
Fisiologia e bioquímica do estresse salino em plantas
passaram a estudar a fisiologia comparada de halófitas
e glicófitas, na esperança de encontrar marcadores
fisiológicos ou bioquímicos que conferissem tolerância à
salinidade e que não afetassem qualitativa nem
quantitativamente a produção (Flowers et al., 1977).
Infelizmente, os resultados obtidos pelos soviéticos
foram relegados por muitos pesquisadores, especialmente
americanos e canadenses, que àquela época estavam
deslumbrados com a possibilidade de se produzir uma
planta a partir de uma célula (Nabors, 1983; Salisbury &
Ross, 1985). Achavam eles que células tolerantes à
salinidade poderiam ser selecionadas e a partir delas se
obter plantas tolerantes. Durante a década de 1970 e
grande parte da de 1980, surgiram vários trabalhos que
mostraram culturas de células com alta tolerância à
salinidade (Nabors, 1983). Os autores, por razões óbvias,
selecionaram espécies que possuíam protocolos
mostrando como se obtinha uma planta, partindo-se de
células ou de embrióides. Infelizmente, os resultados
obtidos foram completamente diferentes do que eles
esperavam. As plantas selecionadas dessa maneira não
conservaram a tolerância das células que lhes deram
origem e, mesmo aquelas que conseguiam aumentar a
tolerância, perdiam suas características de valor
econômico.
Apesar disso, esses resultados negativos forneceram
importantes informações metodológicas sobre culturas de
células in vitro que possibilitaram progressos nos estudos
de fisiologia do estresse salino. A partir da década de
1990, dois grupos de excelência nessa área, um na
Universidade de Purdue e outro na Universidade do
Arizona, ambos nos Estados Unidos, passaram a explorar
essa metodologia nos estudos dos mecanismos de
absorção e compartimentalização de íons sob condições
de salinidade (Hasegawa et al., 2000). Essa metodologia
também auxiliou no estudo do papel dos solutos
compatíveis no ajustamento osmótico e na proteção das
membranas e das enzimas presentes no citosol e nas
organelas nele mergulhadas (Bray et al., 2000).
Estresse oxidativo decorrente do estresse salino
Durante a década de 1990, vários pesquisadores
demonstraram que plantas produzem intermediários
metabólicos, conhecidos como EROs (Espécies Reativas
de Oxigênio) ou ROS (do inglês, Reactive Oxigen
Species), tais como o peróxido de hidrogênio (H2O2) e os
radicais livres superóxido (·O2-) e hidroxil (·OH), que são
capazes de oxidar lipídios de membranas, desnaturar
proteínas e reagir com DNA, provocando mutações. Sob
condições normais de cultivo, as plantas neutralizam esses
efeitos deletérios graças aos antioxidantes por elas
produzidos. Quando a produção desses antioxidantes não
147
é suficiente para neutralizar as EROs, estas se acumulam
e a planta passa a sofrer de estresse oxidativo. Isso
também acontece em plantas submetidas a outros
estresses abióticos (Scandalios, 2002; Azevedo Neto et al.,
2008). Essas descobertas abriram novas perspectivas para
os estudos de fisiologia e bioquímica da tolerância ao
estresse salino (Azevedo Neto et al., 2008).
Estresse salino e a biologia molecular
Nos últimos 20 anos, foram observados inúmeros
progressos na fisiologia e bioquímica do estresse salino,
graças ao uso de mutantes de Arabidopsis thaliana e
das técnicas de biologia molecular. Em decorrência disso,
caminha-se para o estabelecimento de como as plantas
percebem os agentes estressores, como ocorre a
transdução do sinal de estresse do local de percepção
para o local onde irão ocorrer as reações metabólicas
responsáveis pela mudança no funcionamento celular e,
finalmente, como ocorre a homeostase das células,
tecidos e indivíduos que são submetidos ao estresse
salino (Zhu, 2001, 2002, 2003; Türkan & Demiral, 2009).
EFEITOS DA SALINIDADE NO
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO
De posse dessa análise retrospectiva do estudo da
fisiologia e bioquímica do estresse salino e tentando
escalonar as mudanças que ocorrem em uma escala
temporal, pode-se afirmar que a salinidade altera,
inicialmente, a absorção de água, de nutrientes e a
permeabilidade das membranas (Figura 1). Essas
alterações refletem no balanço hídrico e nutricional da
planta e provocam mudanças no metabolismo, no balanço
hormonal, nas trocas gasosas e na produção de EROs.
Todas essas mudanças comprometem a expansão e
divisão das células, o crescimento vegetativo e
reprodutivo e a aceleração da senescência das folhas,
que resultam na eventual morte da planta.
Senescência foliar
Crescimento vegetativo e reprodutivo
Expansão e divisão celulares
Balanço hormonal, trocas gasosas
e produção de EROs
Mudanças
Mudançasno
no metabolismo
metabolismo
Balanço hídrico e nutricional
Absorção de água, nutrientes e
permeabilidade de membranas
SALINIDADE
Figura 1. Mudanças na fisiologia das plantas em consequência
da salinidade
148
José T. Prisco & Enéas G. Filho
As mudanças no metabolismo e seus efeitos no
crescimento e desenvolvimento da planta irão depender
das interações que ocorrem entre as características do
estresse e as características do vegetal que está sendo
submetido ao estresse (Figura 2). Essa figura mostra que
os efeitos da salinidade irão depender: da concentração
e da composição iônica da solução que estará em
contato com a rizosfera (Strogonov, 1964), da
granulometria do solo (Boyko, 1966), do local da planta
exposto ao estresse (raiz ou parte aérea), do modo como
o estresse é aplicado (abrupto ou escalonado), da
duração da exposição ao estresse e, finalmente, da
interação do estresse salino com outros, de natureza
biótica ou abiótica. Analisando-se as características do
vegetal, pode-se afirmar que a tolerância à salinidade
varia com a espécie, e dentro de uma mesma espécie,
ela varia com o genótipo e o estádio de desenvolvimento
em que a planta se encontra e se o estresse é imposto
a uma célula, a um tecido ou a um órgão do indivíduo. As
interações entre as características do estresse com as do
vegetal podem resultar em tolerância ou susceptibilidade,
ou seja, vida ou morte da planta.
CARACTERÍSTICAS
DO ESTRESSE
CARACTERÍSTICAS
DO VEGETAL
RESPOSTA
RESULTADO
Concentração
de sais
Composição
iônica
Espécie
Granulometria
do solo
Genótipo
Tolerância
VIDA
Local e modo
de aplicação
Estádio de
desenvolvimento
Susceptibilidade
MORTE
Duração da
exposição
Célula, tecido
ou órgão
Interação com
outros estresses
Figura 2. Interações entre características do estresse salino,
características do vegetal e a resposta da planta ao
estresse (Adaptado de Bray et al., 2000)
Essas interações complicam o estabelecimento de uma
metodologia que possa ser considerada como ideal para os
estudos da Fisiologia e Bioquímica do Estresse Salino.
Portanto, o que se tem feito é tentar compatibilizar o que
se pretende estudar com o que é possível fazer, em termos
de condições de cultivo. Por essa razão, a maioria dos
estudos tem sido realizada em:
1. sistemas hidropônicos cuja solução nutritiva
contém NaCl, Na2SO4 ou uma mistura de sais;
2. solo ou vermiculita irrigados com soluções salinas de
composição iônica e condutividade elétrica conhecidas;
3. gel de ágar ao qual são adicionados os sais; e,
finalmente,
4. culturas de células, tecidos ou órgãos (nos estudos
em que são investigados os efeitos do estresse em nível
celular e molecular).
Portanto, torna-se difícil comparar resultados obtidos
em condições experimentais diferentes, do mesmo modo
que se deve ter muito cuidado em extrapolar resultados
obtidos com culturas de células, tecidos ou órgãos para
a condição de planta inteira. Também não se deve
esquecer que, nas condições de campo, a planta pode ser
exposta simultaneamente a mais de um estresse.
RESPOSTAS FISIOLÓGICAS
E BIOQUÍMICAS AO ESTRESSE SALINO
Apesar das dificuldades experimentais, tentar-se-á
apresentar esquemas que generalizem, resumidamente, o
que acontece quando uma planta é submetida ao estresse
salino. A salinidade possui dois componentes que são
responsáveis pelo estresse: um osmótico e outro iônico.
O componente osmótico altera o balanço hídrico da
planta, enquanto que o componente iônico é responsável
pelos efeitos sobre o desbalanceamento nutritivo e pelos
efeitos tóxicos dos íons (Läuchli & Grattan, 2007; Munns
& Tester, 2008). A predominância de um desses fatores
irá depender das características e condições do estresse,
que serão discutidos mais adiante.
De maneira geral, quando uma planta é exposta ao
estresse, observa-se que sua resposta irá depender de
uma sequência de reações que ocorrem desde a
exposição ao estresse até que se possa perceber o efeito
daquele estresse na planta (Figura 3).
Estresse
Percepção
do sinal
Transdução
do sinal
Processamento da
Informação
Mudanças
Metabólicas
Resposta
Figura 3. Seqüência de reações que ocorrem quando uma
planta é submetida a um estresse
Em termos de tempo, essa sequência pode ocorrer
em milissegundos, segundos, minutos, horas, semanas ou
meses, dependendo das condições e características do
estresse e da respostas que se está observando.
Na maioria das situações, o órgão do vegetal que é
exposto à salinidade em primeiro lugar é a raiz, exceto
quando a planta é irrigada por aspersão com água salina
ou quando está exposta à maresia. Nessas situações, a
parte aérea passa a ser exposta em primeiro lugar.
Percepção e transdução do sinal do estresse salino
Baseando-se em resultados obtidos com leveduras,
com culturas de células de plantas superiores e com
Fisiologia e bioquímica do estresse salino em plantas
mutantes de Arabidopsis thaliana, acredita-se que a
nível celular a percepção seja feita pela membrana
plasmática e nela estejam envolvidos receptores que
detectam o componente osmótico e o componente iônico.
Alguns detalhes do que acontece nessa etapa ainda são
especulativos, mas sabe-se que existe mais de um sensor
para esses sinais e que os caminhos de transdução
desses sinais também variam. Para simplificar, serão
mostrados os mais conhecidos.
149
um registro da percepção do estresse, que dará inicio a
transdução do sinal de estresse (Figura 5).
Perda da
turgescência
Volume
celular
(osmo-sensor)
Retração da
membrana
Abertura de canais
Despolarização da membrana e [Ca2+]cito
Percepção do componente osmótico: Descobriu-se,
em Arabidopsis thaliana, uma proteína na membrana
plasmática que parece ser o osmo-sensor (receptor) do
sinal do componente osmótico do estresse salino. Esta
proteína, AtHK1 (do inglês, Arabidopsis thaliana
Histidine Kinase 1), é constituída de um domínio quinase
do tipo histidina e de outro, que funciona como regulador
de resposta. A hiper-osmolaridade do meio externo induz
uma perda de turgescência das células, que provoca
mudanças de conformação da membrana plasmática e
ativa o processo de autofosforilação de um resíduo de
histidina (His) no domínio quinase da AtHK1.
Posteriormente, se dá a transferência desse radical
fosforil para um resíduo de aspartato (Asp), que pertence
ao domínio regulador de resposta e que irá exercer sua
ação via transdução desse sinal (Figura 4).
[sais]ext
Perda da
turgescência
Mudança
conformacional em
AtHK1
His
domínioquinase
~PO4 (autofosforilação.)
P
Asp
regulador da resposta
P
Asp
His
domínioquinase
regulador da resposta
Transdução do
sinal
Figura 4. Percepção do componente osmótico do estresse
salino pela AtHK1, presente na membrana plasmática e
início do processo de transdução do sinal (Adaptado de
Urao et al., 1999)
Outra maneira da célula perceber o estresse osmótico
decorre do “efeito mecânico” que o excesso de sais no
ambiente extracelular exerce sobre os canais iônicos
existentes na membrana plasmática. Quando a célula
perde água, ela diminui de volume e a membrana
plasmática sofre mudanças de conformação, que
facilitam a entrada de íons na célula, via canais iônicos,
que funcionam como osmo-sensores. A entrada desses
íons na célula provoca a despolarização da membrana
plasmática e aumento na concentração de cálcio no
citoplasma. Esse aumento na [Ca2+]cito funciona como
Transdução do
sinal
Figura 5. Percepção do componente osmótico do estresse
salino pelos canais iônicos presentes na membrana
plasmática e início do processo de transdução do sinal
(Adaptado de Urao et al., 1999)
Essas duas maneiras de percepção do componente
osmótico do estresse salino podem refletir na expressão
gênica de enzimas envolvidas, por exemplo, na
biossíntese de osmólitos (solutos compatíveis), os quais
podem contribuir para o ajustamento osmótico do citosol
+ organelas, e de proteínas componentes das
membranas, como a aquaporina (canal de água), que
aumenta a capacidade de absorção de água das células.
Sabe-se que o ABA está relacionado com algumas
respostas da planta às variações de osmolaridade
ocasionadas, por exemplo, pelo componente osmótico do
estresse salino, no entanto, ainda não foi possível
identificar os receptores desse hormônio vegetal (Fan et
al., 2004; Wasilewska et al., 2008). Contudo, estudos
recentes têm revelado algumas proteínas candidatas a
esse papel e que a percepção ao ABA pode ocorrer tanto
no nível extracelular quanto no intracelular (Fan et al.,
2004; Maggio et al., 2006).
Percepção do componente iônico: A descoberta dos
mutantes de Arabidopsis thaliana possuidores de
hipersensibilidade ao íon Na+, mutantes SOS (do inglês,
Salt-Overly-Sensitive), possibilitou uma melhor
compreensão, não só da percepção do componente
iônico, como da transdução desse sinal do estresse.
Sob condições normais (ausência de salinidade), as
células vegetais mantêm um potencial eletroquímico
através da membrana plasmática (j) da ordem de -140
mV (lado interno negativo). Isso se deve às diferenças
em concentrações de íons dentro e fora das células,
resultante do funcionamento das bombas de prótons (H+ATPases) da membrana. Do mesmo modo, a ação das
bombas presentes no tonoplasto (H +-ATPases e H +PPases) faz com que a membrana vacuolar também
esteja polarizada (j + 60 mV).
150
José T. Prisco & Enéas G. Filho
Sob condições de salinidade, há um aumento da
[Na+]ext, que favorece a penetração de cátions na célula.
Assim, o Na+ pode penetrar passivamente, através de
diferentes tipos de canais ou transportadores, os quais
podem funcionar como sensores de Na +. Dentre os
canais, destacam-se o NSCC (do inglês, NonselectiveCation-Channels), que transporta Na+ e K+ para dentro
da célula, dependendo da concentração externa desses
íons (se a [Na+] > [K+] → entra Na+ e quando a [Na+]
< [K+] → entra K+) e o NORC (do inglês, NonselectiveOutward-Retifying-Channels), que não discrimina K+ de
Na + . Neste caso, o NORC abre-se durante a
despolarização da membrana, entretanto, sob condições
de salinidade, quando a [Na+]ext > [K+]ext → entra Na+.
Dentre os transportadores, destaca-se o simporte HKT1
(do inglês, High-affinity K + -Transporter 1,) que,
dependendo da [Na+]ext, pode transportar: Na+/Na+, Na+/
K+, K+/K+, K+/Na+ e K+/H+, sendo considerado um dos
sensores do estresse salino (Blumwald et al., 2000;
Yamagushi & Blumwald, 2005; Türkan & Demiral,
2009). Nos últimos anos, uma proteína conectada a
resíduos de arabino-galactanas, a SOS5, que está
presente na parte externa da membrana plasmática
também tem sido apontada como forte candidata para
detectar [Na + ] ext (Mahajan et al., 2008; Türkan &
Demiral, 2009).
A despolarização decorrente da passagem do Na +
para o citosol pode contribuir para a abertura de outros
canais, tanto da membrana plasmática como do
tonoplasto, permitindo a entrada de outros íons (Cl-, K+,
etc), que contribuem para alterar a turgescência da célula
(ajustamento osmótico). Outro aspecto importante é que
os canais de Ca2+, que são dependentes do potencial
eletroquímico da membrana, podem aumentar a
[Ca 2+ ] cito , fato de grande relevância, porque ele é
importante como sinal secundário de transdução (Figura
6). Já existem dados que mostram que quando as raízes
são expostas a excesso de Na+ ocorre um aumento na
[Na + ] e na [Ca 2+ ] no citosol das células do córtex
radicular (Munns & Tester, 2008). O aumento na
[Na+]cito, seguido pelo incremento na [Ca2+]cito pode ser
visualizado na Figura 6.
Transdução do sinal do estresse salino
Após a percepção do sinal, há um aumento na
[Ca2+]cito que funciona como um mensageiro secundário
e inicia uma série de reações (cascata de sinalização) que
serão responsáveis pelas mudanças no funcionamento
das células. A essa “cascata de sinalização” deu-se o
nome de transdução do sinal do estresse, que pode ser
bastante complexa, envolvendo: proteínas, lipídios,
hormônios vegetais, cálcio e espécies reativas de
Receptores da
membrana
Ativa vias de
sinalização
[Na+]
[Ca2+]cito
Despolarização
da membrana
Abertura de
canais de Ca2+
Transdução
do sinal
Figura 6. Percepção do componente iônico do estresse salino
pelos canais e transportadores presentes na membrana
plasmática e início do processo de transdução do sinal
(Baseado em Tyerman & Skerret, 1999)
oxigênio. As transduções mais conhecidas são: a
sinalização SOS, já definida anteriormente; a das quinases
protéicas do tipo MAPK (do inglês Mitogenic-ActivatedProtein-Kinases); a que envolve fosfolipídios; a
dependente de cálcio/calmodulina; a sinalizada por ABA;
e, finalmente, a sinalizada por H 2O2 (Taiz & Zeiger,
2006).
Transdução do sinal osmótico: A transdução do sinal
desencadeada pela percepção do componente osmótico
do estresse salino pode ser classificada em duas rotas de
sinalização distintas: a dependente de ABA e a
independente de ABA (Taiz & Zeiger, 2006). Ambas as
rotas levam à ativação de proteínas reguladoras (fatores
de transcrição) que interagem com regiões específicas
dos genes, denominadas promotores, resultando na
indução ou repressão da expressão de um determinado
gene.
Na rota de sinalização dependente de ABA, os
promotores dos genes regulados por este hormônio
possuem uma sequência de seis nucleotídeos,
denominada elemento de resposta ao ABA ou ABRE (do
inglês, ABA Response Element), à qual se ligam os
fatores de transcrição envolvidos nesse processo. Já na
rota independente de ABA, os fatores de transcrição se
ligam a outro tipo de elemento de regulação nos
promotores, o elemento de resposta à desidratação ou
DRE (do inglês, Dehydration Response Element). A rota
independente de ABA pode também envolver a atuação
direta de uma cascata de sinalização de MAPK (Taiz &
Zeiger, 2006) (Figura 7). Em alguns genes que possuem
o ABRE, pode haver também o DRE, o que leva à
intensificação das respostas ao estresse, já que ambas as
rotas estão presentes na transdução do sinal, sendo os
íons Ca2+ os responsáveis pela interação entre essas vias
de sinalização (Mahajan & Tujeta, 2005).
Dentre os genes cuja expressão é induzida pelo
estresse osmótico, através das vias mencionadas
anteriormente, estão aqueles que codificam vários tipos
de transportadores, proteínas reguladoras (fatores de
transcrição, quinases protéicas e fosfatases) e proteínas
Fisiologia e bioquímica do estresse salino em plantas
Receptor do
estresse osmótico
Dependente de ABA
Fatores de transcrição
Independente de ABA
Cascata de MAPK
Expressão gênica alterada
Figura 7. Transdução do sinal do componente osmótico
do estresse salino através das vias dependente e
independente de ABA (Adaptado de Taiz & Zeiger,
2006)
envolvidas na tolerância ao estresse, tais como as
enzimas do sistema antioxidativo e as que atuam na
síntese dos solutos compatíveis. Já dentre os que são
reprimidos, estão genes cujos produtos atuam no
crescimento da célula, incluindo a parede celular, e que
codificam algumas proteínas dos cloroplastos e da
membrana plasmática (Cutler et al., 2010).
Transdução do sinal iônico: Existem várias rotas de
transdução do sinal iônico, mas aqui será descrita a via
de sinalização SOS, porque é a melhor caracterizada e,
segundo Türkan & Demiral (2009), já foi observada
tanto em glicófitas (arroz, trigo e Arabidopsis thaliana)
como em halófitas (Tellungiella halophyla e Populus
euphratica).
Como ilustrado na Figura 8, a percepção de ambos os
componentes do estresse salino provoca um aumento na
[Ca2+] cito (mensageiro secundário). Esse aumento é
percebido pela proteína SOS3, que é o produto da
transcrição do gene SOS3 e que faz parte de uma família
de genes responsáveis pela hipersensibilidade ao sódio,
encontrada em mutantes de Arabidopsis thaliana (Zhu,
2002). A proteína SOS3 liga-se ao íon cálcio, formando
um complexo que irá interagir com uma proteína quinase
do tipo histidina, a proteína SOS2. O complexo SOS3SOS2-PO4 (proteína SOS2 ativada) dirige-se para a
membrana plasmática, a fim de ativar, via fosforilação, a
proteína SOS1 que, depois de ativada (SOS1-PO4) passa
a funcionar como antiporte Na+/H+, que transporta para
o apoplasto o excesso de Na+ presente no citoplasma, ao
mesmo tempo em que transporta H + para dentro do
citosol. Portanto, este antiporte é fundamental para a
manutenção da relação K + /Na + adequada para o
metabolismo. Convém salientar que a proteína SOS2
151
ativada, também atua como ativador do antiporte Na+/H+
localizado no tonoplasto ou NHX1 (do inglês, Na +/H+
Exchanger Protein 1), que regula o nível de Na +
citoplasmático ao compartimentalizá-lo no vacúolo. Além
disso, SOS2 ativada regula a expressão gênica da
proteína SOS1 e restringe a entrada de Na + para o
citoplasma, através de seu efeito inibitório na atividade
do transportador simporte HKT1, que se encontra na
membrana plasmática. A proteína SOS2 ativada atua
como regulador da [Ca2+]cito, através da modulação da
atividade do transportador CAX1 (do inglês, Calcium
Exchanger 1) existente no tonoplasto. Além desses
papéis, a SOS2 ativada, também está envolvida na
regulação da expressão do gene SOS4, cujo produto é
uma quinase do piridoxal, responsável pela produção de
piridoxal-5-fosfato, o qual contribui para a homeostase
iônica da célula através da regulação de canais iônicos
e transportadores (Turkan & Demiral, 2009).
Estresse
salino
Cadeias polissacarídicas
Componente Componente
osmótico
iônico
Na+
SOS5
?
ABA
P
[Ca2+] ?
AKT1
HKT1
SOS3
SOS2
Na+
SOS1
P
Apoplasto
Membrana plasmática
Citosol
H+
K+
Piridoxal-P
Regulação da
expressão gênica
(p. ex., SOS1 e SOS4)
H+
NHX1
H+
ATP
Vacúolo
Ca 2+
CAX1
Núcleo
H+
V-ATPase e PPase
H+
SOS5
Quinase do
piridoxal-P
Na +
ADP + Pi
Citosol
Membrana plasmática
Apoplasto
Figura 8. Estresse salino e a via de sinalização SOS (Adaptado
de Türkan & Demiral, 2009)
Outras mudanças no metabolismo
Como consequência das mudanças no metabolismo,
iniciadas com a percepção e transdução do sinal de
estresse, ocorrem alterações no balanço hormonal e na
produção de EROs.
Desbalanceamento hormonal: Sabe-se que CITOC,
Gib, etileno e ABA podem ser sintetizados nas raízes e
transportados para a parte aérea, onde afetam o
crescimento e desenvolvimento (Weiss & Vaadia, 1965;
Skene, 1967; Taiz & Zeiger, 2006). Por outro lado, as
auxinas e os BR são sintetizados e exercem sua ação
tanto nas raízes como na parte aérea (Taiz & Zeiger,
2006). Um fato que merece mais investigação é o de que
os BRs parecem estar envolvidos no estresse salino
(Clouse & Sasse, 1998), pois são capazes de minorar os
efeitos do estresse na produtividade vegetal (Ikekawa &
152
José T. Prisco & Enéas G. Filho
Zhao, 1991; Taiz & Zeiger, 2006). Os estresses hídrico
e salino diminuem a atividade das CITOC e das Gib na
parte aérea do vegetal ao mesmo tempo em que
aumenta a atividade do ABA (Itai et al., 1968; Taiz &
Zeiger, 2006). Essas mudanças foram associadas com o
fechamento dos estômatos, a diminuição do crescimento
e a aceleração da senescência das folhas de plantas
submetidas a estresse hídrico ou salino (Prisco &
O’Leary, 1972; Taiz & Zeiger, 2006) e todos os
hormônios, acima mencionados, atuam nos caminhos de
transdução do sinal de estresse e na expressão gênica
(Hedden & Thomas, 2006).
Mesmo sabendo das dificuldades experimentais
encontradas quando se estudam os efeitos de balanços
hormonais sobre plantas submetidas a estresse salino, os
dados existentes sugerem que as mudanças no balanço
hormonal estão mais próximas da realidade do que se
atribuir a apenas um “hormônio do estresse”, o ABA
(Taiz & Zeiger, 2006). Partindo dessa premissa, quando
se descreve a sequência de mudanças fisiológicas e
bioquímicas que ocorrem quando uma planta é submetida
a estresse salino, os efeitos atribuídos ao ABA (Hirt &
Shinozaki, 2004; Taiz & Zeiger, 2006) foram substituídos
pelos efeitos devidos ao “desbalanceamento hormonal”.
Isto será discutido mais adiante.
Produção de EROs: O estresse salino provoca
acúmulo de espécies reativas de oxigênio (EROs), que
são responsáveis pelo estresse oxidativo. Como a
salinidade é o agente estressor primário, o estresse
oxidativo é considerado como um estresse secundário. O
termo EROs é aplicado às espécies químicas
intermediárias, que aparecem durante a redução do
O2 a H 2O (O 2 + 4e - + 4H + → H2O) como mostra a
Figura 9.
e-
e-
e-
eH+
2 H+
Oxigênio
Superóxido
Peróxido de
hidrogênio
Hidroxil
Água
Figura 9. Espécies químicas intermediárias que aparecem
durante a redução do O2 a H2O (O2 + 4e- + 4H+ →
H2O). São consideradas espécies reativas de oxigênio
(EROs): radical livre superóxido, peróxido de hidrogênio
e o radical livre hidroxil (modificado de Scandalios, 2002)
Reações produtoras de EROs ocorrem nos
cloroplastos, mitocôndrias e peroxissomos durante a
fotossíntese,
respiração
e
fotorrespiração,
respectivamente (Figura 10). Além do que é produzido
nessas organelas, pode também haver formação de
‘
EROS na membrana plasmática (Slesak
et al., 2007).
A fotossíntese é o processo metabólico que mais
produz EROs nas células vegetais (Apel & Hirt, 2004;
H2 O
O2
e-
Ribulose1,5-bifosfato
NADP+
Fotossistema II
e-
Fotossistema I
e-
Ferredoxina
O2
e-
Cloroplasto
HO·
e-
e-
H2 O2
NADPH
O2
3-Fosfoglicerato
2-Fosfoglicolato
O2 ·-
Fumarato
e-
NADH
e-
Desidrogenases
do NAD(P)H
Complexo I
eO2
e-
e-
Ubiquinona
O2
·-
e-
Complexo II
e-
e-
Complexo III
eO2
Succinato
e-
Glicolato
O2
Complexo IV
eH2 O
O2
H2 O2
Glioxalato
H2 O2
eHO·
Mitocôndria
Peroxissomo
Figura 10. Principais sítios de produção de espécies reativas
de oxigênio (EROs) nas células vegetais (Adaptado de Apel
& Hirt, 2004)
Miller et al., 2010); além da produção de H 2O2 nos
peroxissomos durante a fotorrespiração, também pode
haver a fotorredução direta do O2 a superóxido (·O2-)
pelos elétrons provenientes dos componentes da cadeia
transportadora de elétrons associados ao fotossistema I,
nos cloroplastos (Figura 10). Já na mitocôndria, os sítios
principais de produção de EROs são os complexos I e III
da cadeia transportadora de elétrons, nos quais os
elétrons são doados ao O2, gerando ·O2-, o qual pode
sofrer redução e levar à produção das demais EROs
(Apel & Hirt, 2004; Miller et al., 2010).
O superóxido, o peróxido de hidrogênio e o hidroxil
são altamente reativos e podem lesionar membranas,
ácidos nucléicos e proteínas. Nas condições normais, as
plantas não sofrem esses danos porque há um equilíbrio
entre a produção de EROs e a de antioxidantes (enzimas
e outros compostos orgânicos). Entretanto, sob condição
de estresse, há o acúmulo de EROs, pois nessas
condições a planta não produz antioxidantes suficientes
para neutralizar os efeitos deletérios desses poderosos
oxidantes. Recentemente, esse estresse secundário tem
recebido muita atenção dos pesquisadores, tendo em
vista que a tolerância à salinidade parece estar
correlacionada com a atividade antioxidante dos
diferentes órgãos do vegetal (Azevedo Neto et al.,
2008).
ACLIMATAÇÃO AO ESTRESSE
Enquanto essas alterações no metabolismo
acontecem, as plantas realizam ajustes metabólicos,
estruturais e fisiológicos a fim de conseguir seu equilíbrio
homeostático (osmótico, iônico e bioquímico), bem como
a desintoxicação de suas células (eliminação das EROS
e exclusão e compartimentalização de íons tóxicos).
Esses ajustes são sincronizados e obedecem a uma
sequência, que no final pode resultar em tolerância ou
Fisiologia e bioquímica do estresse salino em plantas
susceptibilidade ao estresse, como será visto mais
adiante.
Homeostase osmótica e homeostase iônica
A homeostase osmótica e a iônica podem ser tratadas
simultaneamente, uma vez que são interdependentes. A
primeira é o resultado do ajustamento osmótico, descrito
anteriormente, e envolve a absorção de íons (Bernstein,
1961; Slatyer, 1961), sua compartimentalização em certos
tecidos (Munns & Tester, 2008) e organelas das células,
associadas ao acúmulo de solutos orgânicos no
citoplasma.
Nas condições consideradas fisiológicas, a
concentração de K+ no citosol varia de 100-200 mM,
enquanto que a de Na+ está na faixa de 0-10 mM. Para
que se tenha uma idéia da importância fisiológica da
manutenção de uma relação K+/Na+ alta no citosol, a
síntese de proteínas depende de uma concentração de K+
entre 100-150 mM e é inibida quando a concentração de
Na+ ultrapassa 100 mM (Blumwald et al., 2000). Além
disso, o K + é ativador de enzimas importantes do
metabolismo, enquanto que o Na+ é inibidor da atividade
de várias enzimas citoplasmáticas. Portanto, a
homeostase iônica e a osmótica devem envolver
exclusão de Na+ do citosol para o meio externo e sua
compartimentalização no vacúolo, a fim de manter uma
alta relação K +/Na + e o balanço hídrico entre meio
externo, citosol + organelas nele mergulhadas e vacúolo.
Para se compreender os mecanismos de exclusão e
compartimentalização de Na+, precisa-se ter em mente
que, em condições normais, as membranas plasmáticas
das células vegetais estão polarizadas, devido às
diferenças em concentrações de íons dentro e fora das
células, resultante do funcionamento das bombas de
prótons (H + -ATPases) da membrana. No caso do
vacúolo, existem no tonoplasto, além das bombas de
próton, as pirofosfatases (H+-PPases), que bombeiam H+
do citosol para o interior do vacúolo, de modo que essa
membrana também fica polarizada.
As mudanças que ocorrem durante a homeostase
iônica têm forte repercussão na homeostase osmótica. A
concentração de íons (tóxicos ou não), ácidos orgânicos
e, em menor proporção, de outros compostos orgânicos
contribui para a redução do  e do w dos vacúolos.
Com relação ao que acontece no citoplasma, a fim de
que seja mantido o equilíbrio osmótico entre apoplasto,
citosol + organelas nele mergulhadas e vacúolo, pode-se
afirmar que se concentram neste compartimento celular,
além dos íons não tóxicos, como K + , os solutos
compatíveis. Estes últimos possuem baixa massa
molecular, alta solubilidade em água e não possuem carga
líquida em pH neutro. Essas características permitem que
153
eles provoquem redução do  no citosol + organelas
nele mergulhadas sem inibir as reações metabólicas.
Além disso, eles são hidrofílicos e podem desempenhar
papel protetor da estrutura das proteínas citoplasmáticas
e daquelas associadas às membranas (Botela et al.,
2005). Outra função desses osmólitos é a de proteção
das macromoléculas da célula contra a ação deletéria das
EROs (Hasegawa et al., 2000; Zhu, 2001).
Homeostase bioquímica
A homeostase bioquímica é bastante complexa, pois
envolve todas as reações do metabolismo, ou seja,
representa os ajustes metabólicos necessários para que
o organismo possa manter-se funcional, a despeito do
aumento na concentração de íons que ocorre no
ambiente externo. Durante esse processo, a atividade de
certas enzimas é aumentada, a de outras é diminuída e
novas enzimas podem também ser sintetizadas. Tudo isso
requer um controle coordenado da percepção e
transdução do sinal do estresse e da síntese e
degradação das proteínas. Isso pode ser visualizado
quando se compara, quantitativa e qualitativamente, as
proteínas solúveis presentes em determinado órgão de
uma planta que foi submetida ao estresse com outra
cultivada sob condições normais (Figuras 11 e 12).
pI
4,0
Mr
(kDa)
7,0
4,0
pI
7,0
66
45
36
29
24
20
14,2
NaCl a 150 mM (  15 dS.m-1 )
Controle
Total de 358
proteínas
91 sofreram
alterações
49 aumentaram
36 diminuíram
04 desapareceram
02 sintetizadas de novo
Figura 11. Proteínas solúveis de folhas de plântulas de
cajueiro anão-precoce irrigadas com solução nutritiva
(controle) e com solução nutritiva contendo NaCl a 150
mM (Abreu et al., 2008)
Nos últimos anos foram identificados vários RNAs
pequenos, que se formam em consequência de estresses
abióticos e foram estabelecidos os seus papéis no
estresse oxidativo, no acúmulo de compostos orgânicos,
que, além de contribuírem para o ajustamento osmótico
funcionam como osmo-protetores e, finalmente, no
silenciamento pós-transcricional de certos genes
(Chinnusamy et al., 2007; Türkan & Demiral, 2009).
154
José T. Prisco & Enéas G. Filho
Controle
22
Estresse
Controle
Estresse
22
Aumento
23
23
21
21
Diminuição
Desaparecimento
18
19
18
19
Síntese de novo
Figura 12. Aumento, diminuição, desaparecimento e síntese
de novo de proteínas solúveis de folhas de plântulas de
cajueiro anão-precoce irrigadas com solução nutritiva
(controle) e com solução nutritiva contendo NaCl a 150
mM (estresse), obtidas a partir das eletroforeses
bidimensionais (Abreu et al., 2008)
percepção do sinal do estresse até a aclimatação das
plantas à salinidade. Já está bem estabelecido que as
raízes da planta percebem os dois componentes da
salinidade: o osmótico e o iônico, sendo o local de
percepção mais provável a membrana plasmática. Como
resultado da percepção desses componentes, produz-se
um ou mais mensageiros secundários que iniciarão o
processo de transdução do sinal. Na parte final dessa
sequência, observa-se a homeostase (osmótica, iônica e
bioquímica) e a desintoxicação. O equilíbrio ou
desequilíbrio das diferentes homeostases resultará em
plantas tolerantes ou susceptíveis ao estresse salino.
Componente Osmótico
Componente Iônico
Salinidade
Percepção e Transdução do Sinal do Estresse
Fitormônios
desbalanceados
Alterações
Metabólicas
Produção de EROs
Aclimatação
Desintoxicação
O processo de desintoxicação envolve a exclusão dos
íons tóxicos do citoplasma, que foi vista anteriormente, e
a remoção sincronizada de EROs nos diferentes
compartimentos celulares, que é feita por antioxidantes
de natureza enzimática ou não-enzimática a fim de que
a planta não sofra estresse oxidativo. Os principais
antioxidantes celulares, bem como sua localização
subcelular e as EROs alvo estão listados na Tabela 1.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Figura 13 resume o que foi discutido anteriormente,
mostrando uma sequência de etapas que vão desde a
Homeostase
Osmótica
Homeostase
Iônica
Relações Hídricas
Equilibradas
Níveis normais
de EROs e de
íons tóxicos
Tolerância
Nutrição
Equilibrada
Homeostase
Bioquímica
Desintoxicação
Desbalanceamento
das Relações
Hídricas
Excesso de
EROs e Íons
Tóxicos
Desbalanceamento
Nutricional
Sensibilidade
Figura 13. Proposta para a seqüência de mudanças fisiológicas
e bioquímicas que ocorrem quando plantas são
submetidas a estresse salino (Modificado de Azevedo-Neto
et al., 2008)
Tabela 1. Tipos, natureza e locais de atuação de antioxidantes dentro da célula (Adaptado de Mittler (2002)
Mecanismo Antioxidante Enzima ou Composto Orgânico
Local na Célula
EROs
Dismutase do Superóxido
Cloroplasto Citosol Mitocôndria
O2(SOD – EC 1.15.1.1)
Peroxissomo Apoplasto
Peroxidase do Ascorbato
Cloroplasto Citosol Mitocôndria
H2O2
(APX – EC 1.11.1.11)
Peroxissomo Apoplasto
Catalase
Peroxisomo
H2O2
(CAT – EC 1.11.1.6)
Enzimático
Peroxidase da Glutationa
Citosol
H2O2 e ROOH
(GPX – EC 1.11.1.9)
Peroxidases
Parede Citosol Vacúolo
H2O2
(POD – EC 1.11.1.7)
Peroxidase da Tiorredoxina
Parede Citosol Mitocôndria
H2O2 e ROOH
(TPX – EC 1.11.1)
Cloroplasto Citosol Mitocôndria
Ácido Ascórbico
O2- e H2O2
Peroxissomo Apoplasto
Cloroplasto Citosol Mitocôndria
Glutationa
H2O2
Não Enzimático
Peroxissomo Apoplasto
Membranas
-Tocoferol
O2- e ROOH
Carotenóides
Cloroplasto
O2-
Fisiologia e bioquímica do estresse salino em plantas
Apesar do progresso científico no campo da fisiologia
e bioquímica de plantas submetidas ao estresse salino,
pouco se conseguiu em termos de produção de genótipos
mais tolerantes à salinidade e que produzam
economicamente. Os resultados obtidos em laboratório e
casa de vegetação com a superexpressão de genes que
codificam para antiportes responsáveis pela exclusão e
compartimentalização de Na+ (Apse et al., 1999) e pela
síntese de alguns solutos compatíveis (Hmida-Sayari et
al., 2005) não se repetiram em condições de campo. A
tolerância ao estresse salino, por ser dependente da
expressão coordenada e sincronizada de vários genes,
não pode ser conseguida com a simples transferência ou
superexpressão de um ou dois genes. Além disso, os
estudos sobre tolerância em condições de campo são
bem mais complexos e requerem o trabalho coordenado
de fisiologistas, geneticistas, especialistas em solo e em
engenharia de irrigação. Nos últimos anos, se tem
trabalhado tanto em laboratório como em condições de
campo, utilizando-se técnicas do melhoramento
tradicional e da engenharia genética, visando à obtenção
de cultivares mais tolerantes ao estresse salino. Os
resultados obtidos com arroz (Li & Xu, 2007), trigo
(Munns & Richards, 2007), milho (Bänziger & Araus,
2007), cevada (Li et al., 2007), tomateiro (Fooland,
2007), mandioca (Setter & Fregene, 2007), batata (Byun
et al., 2007), soja (Pathan et al., 2007), algodão (Lubbers
et al., 2007), espécies arbóreas (Bem-Hayyim & Moore,
2007; Griplet et al., 2007) e forrageiras (Zhang & Wang,
2007) são promissores, mas até que se consiga o que se
espera obter, o caminho a percorrer ainda é longo.
No que se refere ao manejo do solo e da água, podese afirmar que em determinadas situações o uso de
lavagem, de correção química do solo e de métodos de
irrigação mais apropriados para uso de águas salobras
algumas vezes têm se mostrado eficazes.
Como foi visto anteriormente, o estresse salino induz
ao acúmulo de H 2 O 2 e segundo alguns autores o
peróxido de hidrogênio pode desempenhar papeis
diferentes, dependendo da concentração em que ele se
encontra no tecido: em baixas concentrações ele pode
funcionar como um sinal para aclimatação ao estresse e
em concentração alta, ele funciona como indutor da
morte programada das células (Dat, 2000; Van
Breusegem et al., 2001). Resultados recentes
demonstram a existência de várias isoenzimas
antioxidantes que variam de acordo com o local de
produção e remoção das EROs (Miller et al., 2010). Isso
nos leva a sugerir que os estudos nessa área deveriam
ser feitos no nível de organelas e não, de planta ou órgão,
a fim de que se tenha um quadro mais claro do processo
de desintoxicação. Apesar disso, o pré-tratamento de
155
plantas com peróxido de hidrogênio, na concentração
adequada, aumentou a tolerância à salinidade em arroz
(Uchida et al., 2002) e em um genótipo de milho sensível
ao estresse (Azevedo Neto et al., 2005). Também o prétratamento de sementes de trigo com H2O2 acelerou a
germinação e aumentou a tolerância das plantas à
salinidade (Wahid et al., 2007). A indução dessa
tolerância precisa ser melhor investigada em condições
de campo, pois poderá resultar em uma prática de
manejo a ser usada, visando minorar os efeitos deletérios
do estresse salino no crescimento e produção das
culturas.
Como conclusão final, pode-se afirmar que a
complexidade dos problemas de salinidade necessita de
mais estudos básicos sobre fisiologia e bioquímica do
estresse, mas para que eles possam produzir os
resultados práticos que se deseja, precisam ser acoplados
aos programas de pesquisa em melhoramento genético,
em solos e em engenharia de irrigação. Não se pode
continuar trabalhando em compartimentos estanques - o
solo, a água e a planta – deve-se enfatizar a abordagem
que envolva o sistema solo-água-planta.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, a CAPES, e a FUNCAP, que direta ou
indiretamente financiaram parte das pesquisas aqui
relatadas. Aos nossos colegas dos Departamentos de
Bioquímica e Biologia Molecular e de Engenharia
Agrícola da UFC e aos nossos alunos, especialmente
Elton Camelo Marques e Carlos Eduardo Braga de
Abreu pela ajuda que deram na preparação desta
revisão.
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Fisiologia e bioquímica do estresse salino em plantas
ANEXO
Glossário de termos usados
Os filósofos da Grécia antiga, quando se reuniam
para discutirem as preocupações dos homens que
tentavam desvendar o mundo que os cercava, iniciavam
pela conceituação dos termos que iriam ser usados
durante suas discussões. Com isso, evitavam mal
entendidos, comuns nessas ocasiões. Infelizmente, essa
prática foi esquecida e tem sido muitas vezes a causa de
desencontros. Partindo-se desse princípio, estão
relacionados abaixo, os conceitos dos principais termos
usados neste capítulo.
- Aclimatação – refere-se a mudanças fisiológicas,
bioquímicas e morfológicas temporárias, que ocorrem em
um organismo e aumentam sua tolerância às variações
no ambiente externo; embora possa envolver mudanças
na expressão gênica, ela é uma resposta homeostática
que não se transmite para as gerações futuras (Salisbury,
1996; Taiz & Zeiger, 2006).
- Adaptação - refere-se à capacidade desenvolvida
por um organismo, através da seleção natural ou artificial,
de tolerar ambientes estressantes, graças a mudanças
fisiológicas, bioquímicas e morfológicas permanentes;
como essas mudanças são reguladas por genes elas são
transmitidas para as gerações futuras (Salisbury, 1996;
Taiz & Zeiger, 2006).
- Antioxidante - pode ser definido como qualquer
substância que, mesmo presente em baixas
concentrações em relação a um substrato oxidável,
retarda significativamente ou evita sua oxidação.
159
- Aquaporinas – também conhecidas como canais de
água, são proteínas integrais da membrana, que formam
poros nas mesmas e, através deles a água penetra ou sai
das células.
- Estresse ambiental – qualquer componente do meio
ambiente que seja capaz de alterar o funcionamento
normal do indivíduo que está crescendo nesse ambiente.
- Estresse oxidativo – quando o fator de estresse é
uma Espécie Reativa de Oxigênio (ERO), resultante das
reações metabólicas que reduzem parcialmente o
oxigênio molecular.
- Estresse salino – quando o fator de estresse ou
agente estressante é o excesso de sais solúveis; são
considerados salinos os solos que possuem CEes ≥ 4,0 dS
m-1, PST < 15% e pH < 8,5; são considerados sódicos,
aqueles que possuem CEes < 4,0 dS.m-1, PST > 15% e
pH > 8,5; e, finalmente, os salino-sódicos são os
possuidores de CEes ≥ 4,0 dS m-1, PST > 15% e pH <
8,5 (Richards, 1954).
- Homeostase – é o processo de manutenção do
equilíbrio interno das células, tecidos e órgãos do
indivíduo, a despeito das variações no ambiente externo.
- Percepção do sinal de estresse – maneira como as
células do indivíduo percebem a presença de um fator de
estresse.
- Transdução do sinal de estresse – uma sequência de
processos em que um fator de estresse interage com um
receptor, em geral, junto à superfície celular, causando
uma alteração no nível de um mensageiro secundário e,
por fim, uma mudança no funcionamento celular (Taiz &
Zeiger, 2006).
11
Mecanismos biomoleculares
envolvidos com a resistência
ao estresse salino em plantas
Joaquim A. G. Silveira1, Sérgio L. F. Silva1, Evandro N. Silva1 & Ricardo A. Viégas2
1
2
Universidade Federal do Ceará
Universidade Federal de Campina Grande
Introdução
Efeitos do estresse salino e principais respostas das plantas
Efeitos osmóticos e efeitos iônicos
Mecanismos da inibição do crescimento de plantas pela salinidade
Mecanismos biomoleculares da resistência à salinidade
Considerações iniciais
Papel da expressão gênica na resistência ao estresse salino
Ajustamento osmótico e homeostase hídrica: Aspectos fisiológicos
Papel da prolina no ajustamento osmótico e proteção celular de plantas sob estresse
salino
Papel de glicina betaina no ajustamento osmótico e proteção celular sob estresse salino
Outros solutos importantes no ajustamento osmótico sob estresse salino
Homeostase iônica
Considerações iniciais
Vias de transporte de Na+ na célula vegetal
Exclusão e compartimentalização do Na+ celular
Homeostase redoxi e proteção oxidativa
Considerações iniciais
Fotossíntese, fotorespiração e produção de EROS
Mecanismos de proteção oxidativa
Seleção assistida com marcadores moleculares
Conclusões e perspectivas
Referências
Manejo da salinidade na agricultura: Estudos básicos e aplicados
ISBN 978-85-7563-489-9
Fortaleza - CE
2010
162
Joaquim A. G. Silveira et al.
Mecanismos biomoleculares envolvidos com
a resistência ao estresse salino em plantas
INTRODUÇÃO
Com a expansão da área agrícola cultivada no mundo,
partes marginais sujeitas à secas frequentes e solos
salinos estão sendo progressivamente incorporadas. Além
disso, com a expansão da irrigação, o problema da
salinização secundária tem se tornado grave,
particularmente nas regiões tropicais onde prevalecem
condições climáticas adversas como evapotranspiração
e temperaturas elevadas. Esses problemas são
frequentemente associados com manejo inadequado da
água e do solo e do uso de águas com elevado teor de
sais, o que agrava intensamente o problema da
salinização dos solos. Esse quadro é típico das regiões
semiáridas, onde a irrigação aparece como uma
importante alternativa tecnológica para incrementar a
produtividade agrícola.
Paradoxalmente, apesar dos enormes prejuízos
econômicos e sociais causados pela salinidade na
redução na produção agrícola, poucos são os programas
de melhoramento genético, em desenvolvimento no Brasil
e no mundo, visando a obtenção de variedades
resistentes, especialmente genótipos adaptados às
regiões semiáridas tropicais. Ainda mais preocupante é
o fato de atualmente ainda não se dispor de marcadores
moleculares, bioquímicos e fisiológicos (biomoleculares)
seguros ou viáveis para incorporação em programas de
seleção assistida de melhoramento genético, para uma
dada cultura específica, quer seja por meio dos métodos
convencionais, quer seja pelas técnicas de engenharia
genética.
A despeito do enorme progresso ocorrido na biologia
vegetal, proporcionado pelo surgimento de ferramentas
analíticas modernas e na grande quantidade de pesquisa
publicada nas áreas de fisiologia vegetal e outras
relacionadas nos últimos anos, ainda é limitada a
compreensão dos mecanismos que conferem resistência
ao estresse salino numa determinada espécie vegetal. Em
parte essa dificuldade está associada com a própria
complexidade da interação estresse-planta, que envolve
caracteres genéticos poligênicos e interativos com o
ambiente. Por outro lado, ainda existe um grande
distanciamento entre a pesquisa básica em biologia
vegetal e o melhoramento genético de plantas.
O melhoramento vegetal tradicional esteve sempre
mais focado no aumento da produtividade sob condições
favoráveis, sendo o melhoramento para áreas agrícolas
marginais – como as áreas salinizadas, deixado em
segundo plano. A maior integração entre a bioquímica e
técnicas de biologia molecular (fatores biomoleculares)
com a genética molecular e melhoramento de plantas
deverá, em muito, contribuir para a obtenção de
genótipos resistentes ao excesso de sais. Para isso, é
necessário, inicialmente, descobrir os elos fracos das
diversas vias metabólicas envolvidas com a resistência ao
estresse salino, para em seguida eleger genes que
possam controlar a resistência. Essa é uma tarefa muito
difícil, haja vista que a resistência ao estresse salino é um
caráter quantitativo que envolve diversas redes
metabólicas, com forte interação com o ambiente.
Neste capítulo, iremos descrever, inicialmente, os
principais mecanismos biológicos envolvidos com os
efeitos do estresse salino assim como os principais tipos
de respostas das plantas cultivadas. Serão destacados os
processos atualmente mais utilizados nas pesquisas,
enfatizando as vias metabólicas, os passos bioquímicos e
os genes como maior potencial de controlar a resistência
das plantas. Em seguida, será dado destaque
especificamente aos seguintes processos: (1)
mecanismos biomoleculares de resposta das plantas ao
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
EFEITOS DO ESTRESSE SALINO E PRINCIPAIS
MECANISMOS DE RESPOSTAS DAS PLANTAS
Efeitos osmóticos e efeitos iônicos
A salinidade causa grandes distúrbios no metabolismo
das plantas, acarretando restrição de crescimento e
perda de produtividade. Diversos são os processos
biomoleculares afetados pelo estresse salino, sendo muito
difícil estabelecer uma sequência dos eventos que são os
“passos limitantes”, uma vez que o metabolismo opera
em redes complexas com milhares de reações
bioquímicas interconectadas. Na realidade, os primeiros
efeitos causados pelo excesso de sais são de natureza
biofísica, se destacando os efeitos osmóticos, restringindo
o transporte de água. Em seguida, rapidamente é
desencadeada uma sequência de reações, moduladas por
hormônios, que levam restrição à abertura estomática e
assimilação fotossintética do CO2.
Esses efeitos predominam na primeira fase do
estresse salino (“fase osmótica”), a qual ocorre nos
estágios iniciais da exposição das plantas à salinidade ou
na presença de níveis moderados de sais em contato
com o sistema radicular. Na verdade, comumente, nesse
período o que as plantas exibem é na realidade mais uma
resposta fisiológica do tipo aclimatativa ao estresse do que
mesmo danos sofridos pelo estresse salino per si. Em
outras palavras, muitas vezes o que comumente se
diagnostica como sintomas de efeitos negativos do
estresse salino, são, na realidade, respostas fisiológicas
normais das plantas para superar ou se aclimatar àquela
situação adversa.
À medida que os íons salinos se acumulam em
excesso no citosol das células das plantas surgirão
problemas de toxicidade (fase tóxica ou iônica) nas
plantas expostas à salinidade. Entretanto, as espécies
diferem largamente na resistência protoplasmática ou
tecidual ao estresse salino. Essa capacidade de resistir
está ligada principalmente com a intensidade de
compartimentalização dos íons salinos dentro dos
vacúolos e com a manutenção de um balanço K+/Na+
favorável no citosol. Atualmente, esse tem sido um dos
alvos para a seleção e melhoramento genético de
cultivares resistentes de algumas culturas, como será
mostrado posteriormente.
Na fase de toxicidade iônica da salinidade ocorrem
efeitos diretos e indiretos causados pelo excesso de íons
no tecido ou mesmo no meio externo radicular. Esses
mecanismos ainda não são bem compreendidos, mas
acredita-se que concentrações, acima de certo limiar,
desencadeiam inicialmente cascatas de reações
bioquímicas de percepção e expressão de genes ligados
ao fator modulador do estresse (presença de íons,
potencial osmótico, mudanças na pressão de turgescência
etc). Em seguida, ocorre a resposta da planta,
envolvendo expressão gênica, síntese de proteínas e
balanço hormonal. Essas respostas desencadearão
diversos processos fisiológicos importantes. A Figura 1
apresenta as fases correspondentes aos efeitos osmóticos
e iônicos do estresse salino na restrição do crescimento
de uma planta.
Os processos mais diretamente associados com a
toxicidade iônica são a senescência e a morte celular
programada, ambas induzidas por salinidade. Esses dois
processos são complexos e interligados e são respostas
comuns das plantas a estresses bióticos, como aqueles
desencadeados por ataque por patógenos. Acredita-se
que esses dois processos sejam os responsáveis pela
sintomatologia visual da toxicidade iônica tais como
clorose foliar (degradação de clorofila) e surgimento de
pontos necróticos no limbo foliar (sintomas de apoptose
ou morte celular). Portanto, aparentemente, muitos dos
Taxa de crescimento
estresse salino; (2) ajustamento osmótico e proteção
celular com ênfase nos solutos orgânicos prolina e glicina
betaina; (3) transporte celular, homeostase iônica e
compartimentalização vacuolar; (4) proteção e estresse
oxidativo; (5) fotossíntese e (6) uso de marcadores
moleculares na seleção e melhoramento genético.
163
NaCl
Fase osmótica
Fase iônica
Figura 1. Esquema hipotético mostrando a restrição de
crescimento imposta pela exposição ao estresse salino:
uma resposta rápida e de alta intensidade é causada por
o aumento da pressão osmótica no meio externo (fase
osmótica) que reduz intensamente o crescimento. Uma
resposta posterior, devido à acumulação excessiva de
íons tóxicos nos tecidos (fase iônica), que em geral
levam ao surgimento de sintomas visuais de toxicidade
nas folhas (geralmente clorose seguida por surgimento de
áreas necróticas). Essas respostas variam intensamente
entre genótipos, nível de salinidade, solo e fatores
ambientais (Adaptado de Munns & Tester, 2008)
164
Joaquim A. G. Silveira et al.
sintomas visuais da salinidade são mais efeitos indiretos
do excesso de íons do que efeitos tóxicos diretos na
célula.
Entretanto, o excesso de íons no citosol,
especialmente o Na+, causa grandes alterações sobre a
atividade de enzimas e estrutura funcional de proteínas,
causando efeitos diretos de toxicidade. Nessas
condições, a salinidade pode induzir problemas sérios no
transporte de água e de nutrientes minerais, acarretando
“seca por salinidade” e desbalanço nutricional,
especialmente na relação Na+/K+ no citosol. Em geral,
esses efeitos manifestam-se somente na presença de
níveis elevados de salinidade (estresse agudo) nas
espécies sensíveis. Entretanto, muitas vezes, os sintomas
de severidade do estresse não são positivamente
associados com as concentrações dos íons salinos nos
tecidos das plantas, mas sim com as concentrações no
meio radicular externo.
A aclimatação à salinidade, que poderá ocorrer na
presença de níveis moderados de sais ou nos genótipos
mais resistentes, constitui um processo complexo que
envolve o surgimento de uma nova homeostase
metabólica envolvendo alterações hormonais, no
metabolismo celular e na expressão gênica. A
consequência mensurável causada pelos efeitos do
excesso de sais na primeira fase do estresse é a rápida
e intensa redução na taxa de crescimento, principalmente
na área foliar. Por muito tempo e ainda presente nos dias
de hoje, a explicação geral para essa resposta fisiológica
é dada pela modulação no crescimento associada com a
diminuição na expansão da parede celular (redução na
pressão de turgescência). A Figura 2 ilustra os principais
efeitos do estresse salino nas plantas.
Mecanismos da inibição do crescimento de plantas
pela salinidade
No nível bioquímico, ainda não existe, na literatura, um
modelo teórico capaz de explicar a rápida modulação
exercida pelo excesso de sais (no meio radicular) sobre
Figura 2. Esquema simplificado mostrando os principais
efeitos do excesso de sais causando os efeitos osmóticos
e iônicos do estresse salino
o crescimento. É possível que esta resposta envolva uma
cadeia de sinalização molecular (moduladores e
proteínas), ativação e expressão de genes ligados às
proteínas do ciclo celular (ciclinas), modulando a síntese
protéica e a divisão celular, com participação de
hormônios. Portanto, a modulação no crescimento,
exercida pela salinidade moderada, deve-se a uma nova
homeostase ditada por menores taxas de crescimento
associadas, principalmente, como menor fotossíntese.
Nessa fase, as reações bioquímicas funcionam
normalmente, porém com menores velocidades.
Dessa maneira, afirma-se que os efeitos da salinidade
são “silenciosos”, pois as plantas, nessa fase do estresse,
frequentemente não exibem sintomas de toxicidade ou de
injúrias, nem de desbalanço nutricional ou desidratação
visível. Assim, frequentemente, sob condições de baixo
nível de salinidade, torna-se difícil, nas condições de
campo, diagnosticar os efeitos e os sintomas da
salinidade. Um exemplo bastante ilustrativo ocorre com
plantas de feijão caupi que reduzem intensamente seu
crescimento sem, entretanto, exibirem sintomas de
toxicidade iônica nas folhas, conforme mostra a Figura 3.
O desenvolvimento das plantas em presença de
salinidade na faixa baixa a moderada, que pode ser
arbitrariamente definida de 2 a 4 dS m-1 de condutividade
na solução do solo, é reduzido significativamente devido
a modulação negativa no crescimento. Nessas condições,
em geral, as plantas conseguem completar seus ciclos de
desenvolvimento, mas pagando o preço de uma menor
produtividade. Pode-se dizer que o principal fator
restritivo nessa fase é o da utilização de água devido à
menor transpiração (maior resistência estomática) e,
como consequência indireta, menor fotossíntese.
Entretanto, sob certas condições específicas, essa
desvantagem (menor uso de água) poderá se tornar em
uma vantagem competitiva tendo em vista uma melhor
aclimatação às condições de restrição hídrica e fatores
climáticos adversos como àquelas predominantes nas
regiões semiáridas tropicais. Contudo, é fundamental que
aqueles genótipos possuam a capacidade de restringir e
compartimentalizar o excesso de íons salinos, evitando a
toxicidade, especialmente nas folhas. A fase mais aguda
do estresse salino causa intensos distúrbios metabólicos,
os quais poderão levar à morte de tecidos e abscisão
foliar. Nessas condições, virtualmente todos os processos
celulares entram em colapso, dependendo da severidade
do estresse e da resistência do genótipo.
Um dos estresses secundários decorrentes da
salinidade nessas condições é o estresse oxidativo,
especialmente nas folhas, decorrente do descontrole
metabólico envolvendo processos chaves tais como
fotossíntese, respiração, fotorespiração e o metabolismo
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
10
Controle
165
100
8
80
6
60
C.R.A.
(%)
-1
T.C.R.
-1
(mg MS g MS dia )
100 mM NaCl
4
40
2
20
0
0
Pérola
Pitiúba
Pérola
Pitiúba
Figura 4. Esquema geral mostrando os principais processos
envolvidos com a resistência ao estresse salino. O
estresse salino induz pelo menos três tipos de estresses:
estresse osmótico + estresse iônico + estresse oxidativo.
Para cada tipo de estresse, as plantas desenvolvem
mecanismos de reparação e proteção, que levarão aos
novos estados de homeostase osmótica, homeostase
iônica e homeostase oxidativa. Em função da eficácia de
cada mecanismo de novo ajustamento poderão ocorrer
respostas finais de sobrevivência e crescimento
continuado (resistência) ou de parada de crescimento e
morte da planta (sensibilidade)
Figura 3. Taxa de crescimento relativo (TCR), conteúdo
relativo de água (CRA) e aspectos morfológicos de folhas
de duas cultivares de feijão-caupi (Pérola e Pitiúba)
cultivadas na ausência (0), 100 e 200 mM de NaCl
durante 15 dias. A fotografia mostra que apesar dos altos
níveis de salinidade as folhas não mostraram sintomas de
toxicidade iônica, mas apresentaram forte restrição no
crescimento (Extraído de Freitas, 2006; Maia et al., 2009)
celular em geral. A despeito das plantas disporem de
diversos mecanismos de proteção e reparação celular, o
crescimento e a sobrevivência nessas condições irão
depender de um complexo balanço envolvendo a base
genética (genótipo) e o ambiente. A Figura 4 mostra de
forma simplificada, os principais mecanismos que
poderão conferir resistência ao estresse salino.
MECANISMOS BIOMOLECULARES
DA RESISTÊNCIA À SALINIDADE
Considerações iniciais
Neste item, serão apresentados os principais
mecanismos bioquímicos e de expressão gênica
envolvidos com a aclimatação e adaptação das plantas ao
excesso de sais. Serão destacados alguns dos processos
biomoleculares mais importantes, enfatizando os
principais alvos moleculares (genes) e bioquímicos com
maior potencial de utilização na obtenção de plantas
resistentes atualmente.
É importante frisar que ao se analisar a resposta de
uma espécie ou cultivar ao estresse salino deve-se ter em
mente duas situações bem distintas, mas difíceis de
separação. Assim, é necessário separar os mecanismos
de resposta envolvidos como estratégia de defesa ao
estresse salino daqueles que são efeitos danosos da
salinidade sobre o metabolismo. Por exemplo, a redução
na biossíntese de clorofilas pode ser uma resposta
aclimatativa ao estresse no sentido de economia de
energia e menor captação de energia luminosa, para
evitar estresse foto-oxidativo, e não um efeito danoso em
si. Inversamente, o aumento na concentração de prolina,
uma substância que favorece muitas espécies no
ajustamento osmótico e proteção celular, muitas vezes é
simplesmente um efeito de distúrbio metabólico causado
pelo estresse.
O metabolismo opera em centenas de rede de
reações bioquímicas e frequentemente é muito difícil
interpretar suas mudanças por efeito de estresses. Além
disso, a resistência a estresse salino se dá por diversas
mudanças aclimatativas ou adaptativas e raramente por
166
Joaquim A. G. Silveira et al.
uma ou algumas isoladamente. De fato, as respostas das
plantas ao estresse salino é a consequência final de uma
série de eventos bioquímicos e de expressão gênica de
análise complexa. A Figura 5 mostra um esquema
simplificado envolvendo o paradigma atual da resposta
das plantas ao estresse salino e a outros tipos de
estresses.
invariavelmente mudanças metabólicas e fisiológicas
assim como o controle da expressão gênica está ligado
com o metabolismo e a fatores ambientais. Atualmente,
o grande desafio da biologia vegetal é compreender como
esses fatores se interligam. No caso do estresse salino,
a questão é saber como as alterações na expressão de
genes envolvidos com resistência podem, de fato,
contribuir (e de que maneira) com a resistência. A Figura
7 ilustra de modo simplificado, a interação entre fatores
de estresse e a resposta gênica no nível celular.
Figura 5. Modelo esquemático mostrando o mecanismo
geral de resposta biomolecular das plantas à salinidade
e a fatores de estresses em geral, ressaltando os eventos
celulares e a resposta no nível de planta inteira.
(Adaptado de Bray et al., 2000)
A Figura 6 mostra um esquema simplificado de
diferentes vias envolvidas com as respostas ao estresse
salino e as consequências na resistência ou sensibilidade
das plantas.
Figura 6. Vias potenciais de sinalização ao estresse salino.
O estímulo causado pelos efeitos iônicos e osmóticos
da salinidade é percebido por receptores que transmitem
essa informação para o núcleo celular através de vias
moleculares de transdução de sinais. As respostas na
expressão gênica, de genes específicos relacionados,
podem levar aos mecanismos de homeostase iônica e
osmótica, regulação de crescimento e de reparo de danos
celulares. Em conjunto, essas respostas podem resultar na
tolerância ou sensibilidade da planta ao estresse.
(Adaptado de Zhu et al., 2002)
Papel da expressão gênica na resistência ao
estresse salino
Em ultima análise, a expressão de genes faz parte do
metabolismo celular, sendo cada parte dependente uma
da outra. Assim, alterações na expressão de genes levam
Figura 7. Modelo esquemático mostrando os três principais
sítios celulares, com respectivos componentes
moleculares, que podem ser manipulados geneticamente
visando alterar a tolerância a estresses abióticos em
plantas. O sítio 1 (BOX 1) está relacionado com as
proteínas responsáveis pela resposta metabólica de
proteção às alterações induzidas pelo estresse. O sítio 2
(BOX 2) se refere ao controle do processo de transcrição
dos genes específicos e potenciais, enquanto o sítio 3
(BOX 3) engloba os componentes envolvidos com os
mecanismos de percepção dos estímulos externos, que
culmina com a transdução e amplificação do sinal
emitido pelo fator de estresse até o núcleo. Após a
expressão gênica, ocorrerá a resposta ao fator de estresse
(BOX 1). (Adaptado de Grover et al., 1999)
Ajustamento osmótico e homeostase hídrica:
Aspectos biomoleculares gerais
O ajustamento osmótico é caracterizado como o
aumento líquido na concentração de solutos na célula,
descontando-se os aumentos devido à redução no volume
celular. Esses incrementos ocorrem graças ao aumento
na síntese de solutos orgânicos, mobilização desses
solutos de outros tecidos e aumento na absorção e/ou
migração de outros tecidos de solutos inorgânicos,
especialmente K+ e principalmente dos próprios íons
salinos. Esse mecanismo permite a redução no potencial
osmótico e aumento no potencial de turgescência da
célula, facilitando a absorção de água e a manutenção do
crescimento celular.
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
O ajustamento osmótico é crítico especialmente nos
tecidos meristemáticos de raízes e folhas, possibilitando
o crescimento continuado. Mais uma vez, as halófitas são
os melhores modelos de ajustamento osmótico sob
condições de salinidade. Essas espécies são capazes de
exibir intenso e eficiente ajustamento mesmo sob
condições extremas de excesso de sais, como em
ambientes com concentrações próximas da água do mar.
Infelizmente, a capacidade de ajustamento osmótico na
maioria das espécies cultivadas (glicófitas) é, em geral,
muito limitada sob condições de salinidade elevada. Como
essas espécies não dispõem de estruturas especiais para
acumular concentrações elevadas dos sais em suas folhas
– como fazem as halófitas, a utilização dos próprios íons
salinos para fins osmóticos torna-se limitada devido à
possibilidade de atingirem níveis tóxicos.
As glicófitas lidam como uma situação delicada entre
absorver mais íons para permitir absorver mais água e ter
mais crescimento e não sofrer os efeitos tóxicos dos íons
salinos. Essa situação é mais crítica ainda em tecidos
meristemáticos – os que mais requerem crescimento,
porque as células jovens possuem menor quantidade de
vacúolos para armazenar os sais tóxicos. A situação ideal
seria regular as taxas de absorção dos íons salinos, com
a armazenagem em tecidos mais velhos, síntese de
solutos orgânicos osmoticamente compatíveis e
incremento na absorção de K+ e outros nutrientes. A
Figura 8 representa um esquema simplificado mostrando
o ajustamento osmótico favorecendo o balanço hídrico e
a manutenção da pressão de turgescência.
Os mecanismos de ajustamento osmótico e a
acumulação de solutos compatíveis em plantas têm
chamado a atenção durante muito anos. Vários trabalhos
Ψp = +0,5 MPa
Ψs = -2,0 MPa
Ψw = -1,5 MPa
Ψp = 0 MPa
Ψs = -1,2 MPa
Ψw = -1,2 MPa
Deficit
hídrico
Com ajustamento
osmótico
Ψw (solo) = -1,5 MPa
Sem ajustamento
osmótico
Figura 8. Esquema geral mostrando a importância do
ajustamento osmótico na absorção de água sob
condições de baixo potencial hídrico do solo (Adaptado
de Bray et al., 2000)
167
têm discutido a osmoproteção em plantas e sua potencial
aplicação na tolerância à salinidade. Tem sido proposto,
por diversos autores, que esses compostos beneficiam as
células estressadas de duas formas: (1) pela ação como
osmólitos citoplasmáticos, desse modo facilitando a
absorção de água e (2) e na proteção e estabilização de
estruturas e macromoléculas (proteínas, membranas,
cloroplastos e lisossomos).
A Figura 9 mostra a compartimentalização de solutos
inorgânicos e orgânicos em uma célula de folha que
apresenta ajustamento osmótico em presença de
salinidade.
Figura 9. Esquema geral de compartimentalização celular de
solutos inorgânicos e orgânicos envolvidos no
ajustamento osmótico de folhas submetidas ao estresse
salino (Adaptado de Bray et al., 2000)
Uma das respostas metabólicas ao estresse salino em
algumas espécies é o aumento na síntese de osmólitos
compatíveis. Eles auxiliam o ajustamento osmótico,
protegem estruturas subcelulares e reduzem os danos
oxidativos em resposta à salinidade. Os mais importantes
desses compostos osmoticamente ativos são açucares,
açúcares-poliois, aminoácidos e compostos quaternários
de amônio. Os solutos mais estudados e com maior
potencial de beneficiar as plantas com maior resistência
ao estresse salino são: o aminoácido prolina, o composto
quartenário de amônio glicina betaina, o açúcar-alcool
manitol e o açúcar trealose. A Figura 10 mostra a
estrutura química dos principais solutos compatíveis.
Papel da prolina no ajustamento osmótico e
proteção celular de plantas sob estresse salino
A salinidade estimula um aumento na concentração
de alguns aminoácidos livres, dentre eles a prolina. A
observação de que a acumulação de prolina ocorria em
tecidos de plantas expostas à deficiência hídrica ocorreu
pela primeira vez em 1953, nos Estados Unidos. A partir
daí milhares de trabalhos mostraram que esse fenômeno
ocorria em diversos organismos e em diferentes tipos de
168
Joaquim A. G. Silveira et al.
Figura 10. Estrutura química dos principais solutos
compatíveis encontrados em plantas superiores.
(Adaptado de Hasegawa et al., 2000)
estresses. Criou-se, então, o paradigma de que prolina
estaria envolvida com a proteção de plantas contra
estresses tais como seca e salinidade.
Inicialmente, foi demonstrado em cultivo de células,
bactérias e sistemas livres de células (extratos de
plantas) que concentrações muito elevadas de prolina (na
ordem de 1000 mM) eram capazes de proteger proteínas
contra desnaturação (Figura 11). Outros estudos, com
genótipos contrastantes demonstraram que os mais
resistentes à seca e salinidade apresentavam maior
acumulação de prolina. Infelizmente, diversos outros
estudos não confirmam àquelas conclusões, ou seja,
outros genótipos mais sensíveis também acumulavam
mais prolina na condição de estresse. Em seguida, foi
claramente demonstrado que a acumulação de prolina
geralmente ocorria após o surgimento dos sintomas de
injúrias causados após o estresse já ter sido estabelecido
(Rocha, 2003).
Outros estudos, utilizando plantas transgênicas ou
espécies com diferente capacidade para acumulação de
prolina nos tecidos sob estresse, mostraram que tais
concentrações não eram suficientemente elevadas para
provocar uma contribuição significativa no potencial
osmótico celular ou mesmo na proteção celular (Silva et
al., 2009). Isso tudo levou a uma situação que ainda
persiste nos dias atuais: a prolina contribui de fato para
a resistência ao estresse salino ou sua acumulação é
meramente um sintoma de distúrbio metabólico?
Um fato que pesa a favor do papel benéfico da
prolina é que algumas espécies halófitas – as plantas
mais evoluídas para lidarem com excesso de sais,
acumulam efetivamente esse aminoácido em grande
quantidade para beneficiar o ajustamento osmótico do
citosol e proteção de estruturas celulares. Independente
da corrente de pensamento científico, a tentativa de
aumentar os níveis de produção de prolina em plantas
transgênicas por meio do aumento da expressão de
genes codificadoras de enzimas de sua biossíntese tem
sido um dos alvos preferidos para a obtenção de plantas
resistentes (Silva et al., 2010a).
Os genes alvos mais utilizados são os das enzimas
P5CS (1-pirroline-5-sintase de carboxilato) e P5CR (1pirroline-5-redutase de carboxilato), consideradas como
passos limitantes da via de biossíntese da prolina em
plantas (Figura 12). Plantas transgênicas de diversas
espécies têm sido transformadas com sucesso e sob
condições restritas de laboratório essas plantas têm
NADP+ + Pi
CH2
HOOC
CH2
NADP+ + Pi
NADPH
NADPH
P5CS
CH
CH2
CH2
CH
CH
O=
COOH
NH2
ADP
L-ác. glutâmico
ATP
Espontânea
COOH
NH2
GSA
CH2
CH2
CH
CH
P5CR
Solutos compatíveis
(Prolina)
Arginina
Arginase
Uréia
Figura 11. Esquema mostrando provável papel protetor de
prolina e outros solutos orgânicos compatíveis na
proteção de proteínas contra desnaturação causada por
excesso de sais. (Adaptado de Bray et al., 2000)
N
H
L- prolina
NADPH
P2CR
CH2
CH2
CH2
CH
NH2 NH2
Ornitina
NADP+
CH2
CH2
O
CH2
COOH
CH
P2C
COOH
CH2
CH2
Proteínas
nativa
COOH
P5C
NH2
Proteínas
desnaturadas
CH2
CH
COOH
N
Ornitina – δ –
aminotransferase
Íons desnaturantes
CH2
CH2
CH2
N
Espontânea
CH
COOH
Figura 12. Vias de biossíntese da prolina em plantas. A via
iniciada pelo ácido glutâmico é considerada a mais
importante sob condições de estresse osmótico. As
reações consideradas mais importantes o são a primeira,
catalisada pela P5CS, que converte o ácido glutâmico
em semi-aldeido glutâmico (GSA) e a PSCR que reduz
o ( 1-pirroline 5- carboxílico = P5C) até prolina.
Entretanto, em algumas espécies, como o cajueiro, a via
da OAT – ornitina -aminotrasferase, é importante sob
condições de estresse salino (Rocha, 2003)
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
mostrado maior aclimatação às doses elevadas de NaCl.
Entretanto, algumas plantas transformadas se mostraram
mais resistentes sem porém apresentar níveis desse
soluto em quantidade suficiente para contribuir com o
ajustamento osmótico ou com proteção de proteínas
contra desnaturação causada por excesso de sais.
Como prolina pode exercer um papel na proteção
contra espécies reativas do oxigênio ou mesmo como
sinalizador celular, alguns autores têm mais recentemente
postulados esses efeitos benéficos para as células sob
condições de estresse salino. Os poucos trabalhos
existentes com genética clássica não são suficientes para
concluir se de fato prolina é um caráter bioquímico
favorável à resistência de plantas ao estresse salino.
Portanto, a despeito dos grandes avanços nas técnicas de
biologia molecular, ainda não se sabe o efetivo papel
protetor exercido por prolina na resistência aos estresses
abióticos.
Estudos em nosso laboratório com algumas espécies
regionais do semiárido têm mostrado que a acumulação
de prolina é mais expressiva sob condições de seca do
que sob estresse salino, como ocorre com feijão-caupi,
cajueiro, pinhão manso e Atriplex nummularia (Santiago,
2006; Silva et al. 2010a; Silveira et al. 2009). É
interessante observar que feijão-caupi acumula
quantidades expressivas de prolina nas raízes sob
estresse hídrico, porém níveis bem mais baixos sob
estresse salino.
Na realidade, todas aquelas espécies acumulam
pouca prolina, mas são as espécies de pinhão manso e
erva sal as que possuem níveis endógenos elevados de
outro importante soluto orgânico: a glicina betaina (Silva
et al., 2009; Silveira et al., 2009). Nesses casos, as
quantidades acumuladas nessas espécies são importantes
para a proteção e ajustamento osmótico sob estresse
salino.
Papel de glicina betaina no ajustamento osmótico e
proteção celular sob estresse salino
Outro soluto sintetizado em algumas espécies em
condições de estresse salino é a glicina betaína, um
composto quaternário de amônio, cujo papel fisiológico
estar relacionado à osmorregulação do citosol e
compartimentos celulares, na proteção de proteínas e na
estabilização de membranas (Sakamoto & Murata, 2000).
Sob salinidade, os níveis desse soluto aumentam
intensamente em diversas espécies halófitas da família
das Chenopodiaceae. Nessas espécies, esse soluto atinge
concentrações elevadas mesmo na ausência de
salinidade, evidenciando que talvez ela seja sintetizada
constitutivamente a partir de um processo genéticobiomolecular e evolutivo (Silveira et al., 2009).
169
A glicina betaína age como estabilizador osmótico e
ajuda na proteção de macromoléculas sob desidratação,
sendo considerado um excelente osmoprotetor (Hassine
et al, 2008). Em plantas superiores, a via biossíntetica de
glicina betaína é curta e direta: colina monoxigenase
(CMO) converte colina para betaína aldeído, que por sua
vez é convertido em betaína pela desidrogenase de
betaína aldeído (BADH) – Figura 13. O aumento da
expressão de transcritos de BADH em resposta ao
estresse osmótico tem sido amplamente observado.
Colina
monoxidase
CH2OH
CH2
O2
2H2O
+
H3C- N - CH3
CH3
Colina
Betaina aldeido
desidrogenase
CHO
CH2
H2O
CH2
+
2Fd(red)
2Fd(ox)
H3C- N - CH3
NAD+
CH3
Aldeido betaina
COO-
NADH + H+
H3C- N+- CH3
CH3
Glicina betaina
Figura 13. Via de biossíntese da glicina betaina em plantas.
(Adaptado de Chen & Murata, 2008)
Em geral, as espécies glicófitas cultivadas
apresentam baixas concentrações de glicina betaina. Em
diversas espécies, em especial o arroz, o gene da BADH
tem sido transferido com sucesso gerando plantas
transgênicas com produção aumentada de glicina betaina.
Algumas dessas espécies transformadas, semelhante ao
observado para as transformações com prolina, têm
mostrado melhor aclimatação em níveis elevados de
NaCl quando comparadas com as plantas não
transformadas. Apesar das concentrações desse soluto
protetor em plantas transgênicas muitas vezes não ser
elevadas, essa área da pesquisa é promissora na
obtenção de plantas mais resistentes.
Entretanto, da mesma forma do que a prolina, o papel
benéfico de glicina betaina em plantas transgênicas ainda
não é totalmente claro. Alguns autores têm sugerido que
o fato desse soluto se acumular preferencialmente em
organelas como o cloroplasto, poderia assim exercer seu
papel protetor uma vez que comumente as concentrações
determinadas são no tecido ou na célula inteira. Como os
cloroplastos representam uma pequena fração do volume
celular, as medidas de concentração poderiam estar
muito subestimadas. De fato, essa é uma limitação
metodológica que é válida para outros solutos assim
como para interpretação de outras medidas de
biomoléculas envolvidas com compartimentalizaçao
celular, tal como atividade enzimática.
Outros solutos importantes no ajustamento
osmótico sob estresse salino
Diversos outros solutos são importantes no
ajustamento osmótico de diversas espécies vegetais,
destacando-se: açucares solúveis (sacarose e glicose),
170
Joaquim A. G. Silveira et al.
manitol e trealose, dentre outros. Além disso, o conjunto
dos aminoácidos livres totais e dos açucares solúveis
representam quantitativamente os solutos orgânicos mais
importantes no ajustamento osmótico ou contribuição
para a manutenção do estado hídrico em níveis aceitáveis
durante o estresse salino. Além do fator quantitativo,
esses solutos se acumulam preferencialmente no citosol
e organelas, fazendo o contraponto na homeostase
osmótica com os íons salinos que se acumulam
preferencialmente nos vacúolos.
Outro soluto frequentemente negligenciado na
questão do ajustamento osmótico de plantas sob estresse
salino é o K+. Este íon é um componente essencial para
o ajustamento osmótico celular além de influenciar no
estado hídrico por participar da abertura e fechamento
estomático. A sua importância no ajustamento osmótico
de plantas sob estresse salino deve ser vista pelo menos
sob três aspectos: (1) ele atinge concentrações elevadas
nas células e se concentra preferencialmente no citosol;
(2) não se liga quimicamente a nenhuma biomolécula,
portanto, possui alta atividade osmótica; (3) é capaz de
causar antagonismo com os íons Na+.
Infelizmente, na maioria das espécies, incluindo as
halófitas, sob condições de elevadas concentrações Na+
as concentrações de K + são geralmente diminuídas
devido ao mecanismo de competição ou antagonismo
entre eles. Entretanto, esse processo é bastante
dependente do genótipo e por isso tem sido apontado
como um alvo potencial na obtenção de genótipos mais
resistentes ao estresse salino por meio de índices simples
como a relação K+/ Na+ em diferentes órgãos ou tecidos.
HOMEOSTASE IÔNICA
Considerações iniciais
O aumento na concentração de sais na solução
externa das raízes induz aumento no fluxo de íons na
direção das células da epiderme, acarretando elevação
nas concentrações iônicas no apoplasto, nas proximidades
da membrana plasmática. Indubitavelmente, essa
situação levará ao influxo crescente de íons salinos, quer
seja por canais não seletivos, quer seja por meio de
canais de íons específicos (ex. canais de K+) ou por meio
de proteínas transportadoras de cátions e anions
específicas para outros íons nutrientes da planta.
Esse processo levará ao aumento progressivo na
concentração de sais no citosol e vacúolos até que uma
nova homeostase se estabeleça. Nesse processo, proteínas
transportadoras e canais de membranas podem ter suas
sínteses aumentadas ou diminuídas (expressão gênica) no
sentido de compatibilizar um balanço favorável ao
metabolismo celular. Essa área do metabolismo celular
ligada à resistência das plantas ao estresse salino tem
recebido muita atenção da pesquisa nos últimos anos.
Neste caso, as plantas do tipo halófitas têm funcionado
como modelo devido sua grande compatibilidade para
conviver com concentrações extremas de sais.
Vias de transporte de Na+ na célula vegetal
O influxo de sódio nas células das raízes é um
processo predominantemente passivo, sendo mediado por
canais iônicos e sistemas de transporte do tipo uniporte.
As principais vias envolvidas no influxo de Na+ na celular
vegetal são os transportadores de potássio de alta
afinidade (HKT), os transportadores de cátions de baixa
afinidade (LCT), os canais de cátions insensíveis a
voltagem (VICs) e os canais de cátions não seletivos
(NSCC) (Apse & Blumwald, 2007). Embora o papel
específico de cada um desses sistemas de transporte
possa variar em função da espécie e/ou das condições
de crescimento, fortes evidências sugerem que esses
diferentes tipos de sistemas de transporte podem operar
em conjunto durante a absorção de Na+.
As proteínas da família HKT representam um sistema
de co-transporte tipo simporte Na+/K+, uma via seletiva
para o influxo do Na+ na célula. Em arroz (Oryza sativa),
a expressão de alguns membros que compõem a família
do HKT reforça o seu papel no influxo do Na+. O gene
OsHKT2;1 está presente em folhas e raízes de variedades
de arroz resistente e sensível ao sal. A expressão do
OsHKT2;1 na variedade resistente é reduzida em resposta
a salinidade, indicando um mecanismo de redução na
absorção de Na+ associado com a tolerância ao estresse
salino (Kader et al., 2006). O HKT também atua como
simporte Na+/K+ em trigo e a redução de sua expressão
na espécie resulta no menor acúmulo de Na+ na raiz, o que
está associado com o aumento da resistência ao sal.
Embora represente uma importante via para o influxo
de Na+ na célula vegetal, as proteínas do tipo HKT não
são as principais vias para esse transporte. O transporte
por canais iônicos (proteínas mediadoras da passagem de
íons) é considerado a via mais importante, em termos
quantitativos, para a entrada passiva do Na+ na célula
vegetal. Nesse sentido, recentes estudos têm
demonstrado que os canais de cátions não seletivos
(NSCC) são as principais vias de influxo de Na + nas
células sob salinidade elevada (Tester & Davenport,
2003).
Apesar de existirem muitos genes candidatos que
possam codificar os NSCC, a identidade desses canais
(proteínas) permanece pouco clara. Duas famílias desses
canais de cátions não seletivos, os CNGCs – canais
ativados por ciclonucleotídios, e os GLRs – canais
ativados por glultamato têm sido sugeridos como
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
candidatos a canais do tipo NSCC (Tester & Davenport,
2003). A Figura 14 mostra as principais vias de influxo de
Na+ nas células vegetais.
pH = 5,5 – 5,7
+
+
K =Na
Na+>K+ K+>Na+ K+ Na+
Exterior
∆ψ = -140 mv
Citosol
NORC
VIC
AKT1
HKT1
pH = 7,0 – 7,4
Figura 14. Vias de influxo de sódio localizadas na
plasmalema de células vegetais. Diferentes carreadores
de potássio podem mediar o influxo de Na+ para dentro
da célula. Os canais de potássio de baixa afinidade
(AKT1) possuem alta seletividade K +/Na+. O canal de
potássio de alta afinidade (HKT1) é um simporte K +/
Na+. Os canais de cátions insensíveis a voltagem (VICs)
apresentam uma maior seletividade Na+/K+. Os canais
retificadores de cátions (NORC) são vias ativadas por
Ca++ e não discriminam entre K+ e Na+. (Adaptado de
Blumwald et al., 2000)
Exclusão e compartimentalização do Na+ celular
A homeostase iônica intracelular é fundamental para
a fisiologia normal das células vivas. Assim, a estrita
regulação do controle dos mecanismos de influxo e
efluxo de íons é essencial para a manutenção da
concentração de íons tóxicos em níveis baixos e para o
acúmulo de íons essenciais (Apse & Blumwald, 2007).
As células vegetais empregam o transporte ativo
primário, mediado por H + ATPases, associado ao
transporte ativo secundário, realizado por canais e
carreadores em sistemas de co-transporte, para manter
uma elevada relação K +/Na+ no citosol. Essa é uma
condição essencial para a manutenção da turgescência
celular e manutenção da homeostase metabólica celular.
Os mecanismos de transporte presentes nas células
vegetais estão relacionados com a tolerância ao excesso
de Na+ no meio externo. Essa tolerância é conferida pela
exclusão do Na+ celular através da plasmalema ou o seu
acúmulo nos vacúolos, através do tonoplasto, evitando
acúmulo no citosol (Apse & Blumwald, 2007). Os
sistemas de contratransporte Na + /H + , presentes na
plasmalema e no tonoplasto, são essenciais para a
homeostase dos íons Na+ e K+ na célula. Esses sistemas
de transporte representam um custo energético pelo fato
171
das bombas de H+ (H+-ATPase ou ATPases dependentes
do fluxo de prótons) fornecerem a força eletromotriz
necessária para a exclusão de Na+ a partir do citosol
para dentro do vacúolo ou para o meio externo celular
(apoplasto), que ocorre sempre contra um gradiente
eletroquímico.
As bombas de prótons promovem o fluxo de H +
através das membranas pelo sistema de transporte ativo
primário, utilizando energia química na forma de ATP. Por
outro lado, os sistemas de contratransporte Na +/H +
realizam o transporte ativo secundário, onde o fluxo do
sódio contra o gradiente eletroquímico ocorre sempre
acoplado ao fluxo de prótons, previamente bombeados
pelas H + ATPases, a favor do seu gradiente de
concentração. Duas classes de sistemas de
contratransporte Na+/H+, que atuam na exclusão do Na+
citosólico, estão presentes em plantas, os transportadores
SOS1 (Salt Overly Sensitive) na plasmalema e os NHX
localizados no tonoplasto (Blumwald et al., 2000).
As proteínas SOS1 estão localizadas na membrana
plasmática e sob condições de excesso de Na+ no citosol
podem atuar na sua exclusão pelo contratransporte Na+/
H+ (Blumwald et al., 2000; Shi et al., 2002). Nesse
sistema de co-transporte, a maior concentração de H+ no
exterior da célula, gerada e mantida pela ação de
H + ATPases da plasmalema, gera um gradiente de
concentração de H+ entre os lados da plasmalema. Este
gradiente de prótons representa a força eletromotriz para
impulsionar a ação do contratransporte Na+/H+ realizado
pela SOS1, que acopla o influxo de H+ na célula, a favor
do seu gradiente de concentração, com o efluxo de Na+
da célula contra seu gradiente de concentração.
No sistema radicular, as proteínas SOS1 podem está
presentes na plasmalema de células epidérmicas, que
podem excluir o Na+ citosólico para o exterior, bem como
na plasmalema de células que circundam o estelo ou nas
célualas do parênquima adjacentes ao xilema. Quando
localizada em torno do xilema da raiz, a exclusão do Na+
realizada por esses transportadores pode levar a
deposição desse íon no xilema e consequentemente no
fluxo transpiratório, favorecendo transferência do Na +
para a parte aérea. Dessa foram, esse sistema de
transporte, que corresponde a um mecanismo de
exclusão celular do Na+, pode está diretamente envolvido
com mecanismos que regulam o transporte e a
distribuição desse íon na planta.
Além de atuar no contratransporte Na + /H + , as
proteínas SOS1 também atuam como sensores de
plasmalema responsável pela percepção do excesso de
Na+ extracelular. Conforme observado na Figura 15 essa
proteína está localizada na plasmalema onde pode servir
como um receptor de sinal, podendo desencadear uma
172
Joaquim A. G. Silveira et al.
resposta metabólica de sinalização através de proteínas
quinases dependentes de Ca 2+ no citosol. Por esse
modelo, a presença do Na+ externo leva a um aumento
no teor de Ca2+ livre no citosol que modula a atividade
de proteínas dependentes desse íon. Por essa via, a
percepção e a transdução de sinal do efeito iônico da
salinidade podem resultar na modulação da expressão de
genes ligados com a atividade de proteínas
transportadoras envolvidas com a exclusão de Na + do
citosol (Zhu, 2003).
Na+Ext
Sensor
SOS3
Plasmalema
Ca2+
Na+
SOS2
AtNHX1
Tonoplasto
H+
Vacúolo
Na+
SOS1
Plasmalema
H+
Figura 15. Esquema geral mostrando o envolvimento de
transportadores de Na+ de plasmalema e de tonoplasto
na presença de excesso de NaCl. A proteína SOS1 da
plasmalema atua na exclusão do excesso de Na+ celular,
pelo contratransporte Na+/H+ e na percepção do Na+
extracelular. A SOS1 é ativada pela ação das proteínas
quinases dependentes de cálcio SOS2 e SOS3. A via
SOS3-SOS2 também ativa a proteína NHX1, outro
sistema de contratransportador Na+/H+ do tonoplasto,
que realiza a inclusão do Na+ no vacúolo (Adaptado de
Zhu, 2003)
A exemplo do mecanismo de co-transporte realizado
pela SOS1 da plasmalema, a NHX1 realiza um
transporte ativo secundário, aproveitando a energia do
gradiente eletroquímico gerado pelas H +ATPases do
tonoplasto como força eletromotriz. O gene da proteína
NHX foi inicialmente identificado em plantas de
Arabidopsis thaliana, denominado para essa espécie
como AtNHX1 (Gaxiola et al., 1999). A proteína NHX1
está localizada no tonoplasto, onde atua como um
contratransportador Na+/H+ acoplando a exclusão do
próton, a favor do gradiente de concentração, com a
inclusão do Na + no vacúolo, contra um gradiente
eletroquímico.
A ação da proteína transportadora NHX1 do
tonoplasto pode atenuar a toxicidade iônica causada pelo
estresse salino nas plantas. Essa proteção é
principalmente atribuída a compartimentalização do
excesso de Na + citosólico para dentro do vacúolo,
evitando danos em estruturas e macromoléculas
celulares. Esse mecanismo de tolerância à salinidade tem
se mostrado eficiente em plantas transgênicas de
Arabidopsis (Apse et al., 1999), fumo (Wu et al., 2004)
e algodão (He et al., 2005), apresentando aumento de
expressão do gene NHX que codificam para a síntese
dessa proteína.
Em Arabidopsis, o aumento da expressão do gene
AtNHX resultou no significativo aumento da resistência
à salinidade das linhagens transformadas, comparadas
aquelas do tipo selvagem (Figura 16). Esse aumento de
resistência foi correlacionado com o nível de expressão
dos transcritos (mRNA) do gene e com o aumento do
conteúdo e atividade da proteína NHX (Apse et al.,
1999). Em algodão a resistência diferencial de cultivares
ao estresse salino está relacionada com a expressão do
gene GhNHX (Wu et al., 2004). Quando as cultivares
ZM3, resistente a salinidade e as ZMS17 e ZMS12,
sensíveis a salinidade, foram expostas 400 mM de NaCl
foi observado que o nível de mRNA do GhNHX em
folhas do ZM3 foi 3 e 7 vezes maior comparado ao
observado nas cultivares ZMS17 e ZMS12,
respectivamente.
A maior resistência à salinidade conferida pelo
GhNXH no algodoeiro foi transferida para plantas de
fumo pela inserção do cDNA desse gene. Nas plantas de
fumo expressando o gene GhNHX de algodoeiro, foi
observado um significativo aumento da resistência ao
Figura 16. Plantas de Arabidopsis tipo selvagem (A) e
transformada (B) apresentando nível elevado de
expressão do gene AtNHX expostas a concentrações
crescentes de NaCl durante 16 dias. (A) controle; (B) 50
mM; (C) 100 mM; (D) 150 mM e (E) 200 mM. (Extraido
de Apse et al., 1999)
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
estresse salino. As plantas transgênicas, expressando o
GhNHX, a diferença do aspecto visual e da produção de
massa seca quando expostas a concentrações crescentes
de NaCl foi marcante (Figura 17). A maior capacidade
de crescimento, baseada na massa seca, foi relacionada
com a indução da expressão do gene GhNHX,
demonstrando que esse gene é um forte alvo para
manipulação genética de plantas visando o aumento de
resistência à salinidade.
Figura 17. Plantas de fumo do tipo selvagem (WT) e
transformadas (T) expressando o gene GhNHX de algodão
(Gossypium hirsutum) expostas a concentrações
crescentes de NaCl durante 30 dias. As plantas
transgênicas foram obtidas pela inserção do cDNA do
gene GhNHX no genoma do fumo. (Extraído de Wu et
al., 2004)
HOMEOSTASE REDOXI
E PROTEÇÃO OXIDATIVA
Considerações iniciais
Mesmo mantendo um equilíbrio favorável na nova
homeostase metabólica, envolvendo o balanço iônico e
hídrico nas células, na condição de estresse salino a
planta necessita ainda desenvolver novos mecanismos de
proteção contra estresses secundários. Dentre esses se
destaca o estresse oxidativo, que poderá surgir devido a
mudanças causadas pela salinidade. Esses efeitos são
mais importantes nas folhas expostas a um ambiente
desfavorável tais como aqueles que apresentam baixa
umidade do ar, temperaturas elevadas e alta radiação
solar. Em conjunto, esses fatores podem intensificar os
danos oxidativos induzidos pelo estresse salino.
Nessas condições, o fechamento estomático, induzido
pela salinidade, pode causar profundo desbalanço no
processo de fotossíntese, iniciado por um excesso de
energia nos sistema de captação de luz, transporte de
elétrons e fotossistemas dos cloroplastos. Esse excesso de
energia passa a não ser aproveitado eficientemente pelo
processo de redução do CO 2 , culminando com um
desbalanço entre as reações luminosas e de fixação de
173
carbono. As Figuras 18 e 19 mostram os principais sítios
de produção de EROs (Espécies Reativas de Oxigênio) na
célula vegetal, e os primeiros eventos envolvendo a planta
inteira relacionados com os distúrbios nas trocas gasosas
que podem levar a geração excessiva dessas EROs.
Fotossíntese, fotorespiração e produção de EROs
O excesso de poder redutor na forma de elétrons nos
fotossistemas, se não dissipado de maneira eficaz,
Figura 18. Esquema mostrando que a restrição estomática
causada por estresse salino poder levar a restrição na
fixação de CO 2 e conseqüente desbalanço na
fotossíntese, resultando no aumento na produção de
EROs e danos oxidativos, que poderão causar morte
celular. (Adaptado de Bray et al., 2000)
Luz
PSII
Cloroplasto
PSI
Peroxissomo
Glicolato
O2•−
H2O2
Fixação de CO ,
Fotorrespiração2
O2
NADP
NADPH oxidase
H2O2
Glioxilato
Ciclo
Krebs
Glicina
H2O2
Glicina
SOD
•−
O2 NADH
CTE
NADH
Mitocôndria Serina
NADP
O2•−
Plasmalema
H2O2 Peroxidases
H2O + O2
Figura 19. Principais sítios de produção de EROs na célula
vegetal em tecidos fotossintetizantes. Os principais sítios
celulares, responsáveis pela produção de EROs, são o
cloroplasto, peroxissomo e a mitocôndria. Além desses,
pode ocorrer a geração de EROs no espaço apoplasto,
pela ação da enzima NADPH oxidase localizada na
plasmalema (Adaptado de Œlesak et al., 2007)
174
Joaquim A. G. Silveira et al.
poderá reduzir o O2 convertendo-o em diferentes tipos de
EROs, principalmente o oxigênio singleto (1O2), radicais
superóxido (O 2•”), peróxido de hidrogênio (H 2O 2) e
radical hidroxil ( • OH). Além disso, sob condições
adversas, o processo de fotorespiração pode ser
intensificado, aumentando a produção de peróxido de
hidrogênio nas folhas, através de reação nos
peroxisomos. Em relação à capacidade de produção de
EROs em tecidos fotossintéticos, os cloroplastos são
considerados as principais organelas geradoras, seguidos
pelos peroxissomos e mitocôndrias (Foyer & Noctor,
2003).
Nos cloroplasto a geração de EROs pode ocorrer pela
fotorredução direta do oxigênio molecular, gerando o
radical superóxido, seguido da produção de peróxido de
hidrogênio oriundo da ação da dismutase do superóxido,
localiza nessa organela. Nessa sequência de reações, o
radical superóxido (O2•”) é formado no fotossistema I
(PSI) pela transferência de elétrons da água para o O2,
via o sistema de transporte da ferredoxina, processo
denominado reação de Mehler. O O 2•” gerado é em
seguida dismutado para H 2 O 2 pela ação de uma
isoforma da enzima dismutase do superóxido (Fe-SOD),
localizada nos cloroplastos. O peróxido de hidrogênio
produzido é reduzido a H 2O e O2 pela peroxidase do
ascorbato cloroplástica, evitando assim dano oxidativo.
Embora a formação de EROs nos cloroplastos seja
uma condição natural da fotossíntese, diversos estímulos
ambientais podem causar distúrbios no metabolismo do
cloroplasto e intensificar essa produção, causando dano
oxidativo. O fechamento estomático, induzido pela
salinidade, causa desequilíbrio entre as fases
fotoquímicas e de redução do carbono (Silva et al.,
2010b). Como consequência, ocorre um aumento na
relação NADPH/NADP+ no estroma devido à redução
de funcionamento do Ciclo de Calvin, que consome o
NADPH, acarretando diminuição no conteúdo de
NADP+, o principal aceptor de elétrons do PSI.
Sob condições de alta luminosidade esse distúrbio é
exacerbado em função do excesso de elétrons nos
sistemas de transporte dos tilacóides e dos fotossistemas,
os quais se tornam sítios potenciais para fotorredução do
O2 e produção de EROs. Um dos principais distúrbios
metabólicos relacionados com a eficiência do processo
fotossintético é a ocorrência e a intensificação do
processo fotorrespiratório (Silva et al., 2010c). A
fotorrespiração é uma rota metabólica que descreve a
absorção de luz dependente de O2 associada à liberação
de CO2.
A reação inicial da fotorrespiração é a oxigenação
da ribulose 1,5-bisfosfato (RuBP) pela Rubisco,
formando 3-fosfoglicarato e 2-fosfoglicolato.
Aproximadamente 75% do carbono que entra como 2fosfoglicolato é reciclado para 3-fosfoglicerato por uma
série complexa de reações envolvendo enzimas
localizadas nos cloroplastos, peroxissomos e
mitocôndrias. Este conjunto de reações que representa
o maior destino metabólico do carbono glicolato,
constitui a via fotorrespiratória. Em adição às enzimas
diretamente envolvidas na reciclagem do carbono,
outras enzimas possuem importantes papéis ligados aos
processos como a assimilação de nitrogênio.
O processo fotorrespiratório provavelmente demanda
mais energia que a fixação de CO 2 . Entretanto, a
oxigenação da RuBP aumenta significativamente a energia
requerida por molécula de CO2 fixado. Na realidade, os
processos iniciados pela oxigenação podem ser
considerados em termos metabólicos, ser um ciclo fútil que
usa ATP e poder redutor para evitar densidades de energia
de excitação potencialmente deletérias para o aparato
fotossintético. Um efeito da via fotorrespiratória,
entretanto, é prevenir danos aos centros de reação quando
a energia luminosa está em excesso.
Na sequência de reações para regeneração do 3fosfoglicerato a partir do 2-fosfoglicerato ocorre a produção
de H 2O 2 nos peroxissomos. No cloroplasto o 2fosfoglicerato é desfosforilado à glicolato, pela ação da
fosfatase do fosfoglicolato e em seguida, o glicolato é
convertido à glioxilato no peroxissomo, pela oxidase do
glicolato. Nessa reação, ocorre a geração simultânea de
H2O2 que faz do peroxissomo uma das principais organelas
produtoras de EROs da célula vegetal. Devido à meia vida
relativamente longa e sua permeabilidade as membranas, o
H 2O 2 produzido pode causar dano oxidativo no
peroxissomo bem como em outros sítios celulares.
Sob condições ambientais que favoreçam a atividade
de oxigenase da Rubisco, como a restrição estomática
imposta pela salinidade, o processo fotorrespiratorio pode
ser intensificado. Nessas condições a produção do H2O2
nessa organela é significantemente aumentada e os
danos oxidativos podem se tornar bastante acentuados,
caso os sistema de proteção presentes na célula não
eliminem o excesso de H 2 O 2 produzido. Dentre os
mecanismos de proteção a enzima catalase (CAT)
presente no peroxissomo é essencial para a remoção do
excesso de H 2O 2 produzido sob tais condições, por
realizar a proteção da própria organela, além de evitar o
vazamento do H 2 O 2 para outros locais da célula,
conforme mostra a Figura 20.
Mecanismos de proteção oxidativa
A produção em excesso de EROs no tecido vegetal
poderá levar a uma situação metabólica extrema no
ambiente celular, em que às espécies reativas irão se
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
Figura 20. Esquema mostrando a integração metabólica entre
citosol, cloroplasto, mitocôndria e peroxissomos com
destaque para a produção de EROs durante a via
fotorrespiratória e o papel protetor das catalases (CAT)
na eliminação do H2O2 produzido no peroxissomo.
(Adaptado de Foyer & Noctor, 2000)
acumular progressivamente e acarretar danos por meio
da peroxidação de lipídeos de membrana, proteínas e
ácidos nucléicos, podendo levar à morte celular. Para
lidar com esses distúrbios metabólicos as plantas dispõem
de um complexo sistema de proteção oxidativa,
representado por pigmentos, antioxidantes de baixa
massa molecular e enzimas catalisadoras de reações de
eliminação (desintoxicação) de EROs.
Todo esse arsenal bioquímico é constituído por uma
fração constitutiva (já existente na célula antes do
estresse) e por uma fração induzível, que é expressa em
resposta ao surgimento do estresse. Sob condições
salinas, o balanço entre a produção das EROs e a
capacidade de remoção pela célula vegetal, poderá levar,
ou não, a um certo grau de aclimatação da espécie ou
genótipo ao estresse oxidativo causado pela salinidade.
De fato, pesquisas nos últimos anos têm mostrado
evidências de que a resistência ao estresse salino pode
estar ligada como a capacidade de proteção oxidativa,
atribuída a componentes de proteção enzimática e não
enzimática.
A produção de EROs ocorre naturalmente associado
ao metabolismo respiratório e fotossintético,
representando uma condição metabólica normal das
células vegetais. Em função dessa condição, a célula
vegetal possui uma complexa rede de sistemas
antioxidativos constituída por componentes de natureza
enzimática e não enzimática que atua continuamente na
proteção oxidativa. No entanto, em plantas sob salinidade
pode ocorrer um aumento na produção de EROs devido
ao desbalanço metabólico entre os sistemas de produção
de EROs e de proteção oxidativa celular, podendo
resultar em danos oxidativos severos.
175
Nessas condições os mecanismos de proteção
oxidativa, representados principalmente pelos
antioxidantes não enzimáticos ascorbato e glutationa,
estão estritamente relacionados com a resistência ao
estresse oxidativo em diferentes espécies. Além desses,
a maior proteção oxidativa frente ao estresse salino é
dependente também das principais enzimas oxidativas,
como a dismutase do superóxido (SOD), a catalase
(CAT), a peroxidase do ascorbato (APX), a redutase de
glutationa
(GR),
a
redutase
do
ácido
monodeidroascórbico (MDHAR) e a redutase do ácido
deidroascórbico (DHAR).
A biossíntese do ascorbato (ácido ascórbico) pode
ocorrer em tecidos fotossintetizantes e não
fotossintetizantes, indicando que sua produção não
depende diretamente do processo fotossintético. No
entanto, a localização exata da biossíntese do ascorbato
na célula vegetal não está muito clara, embora estudos
indiquem que possa ocorrer no citosol e mitocôndrias
(Shao et al. 2008), ou nos cloroplastos, organela que
possui altas concentrações de ascorbato. No vacúolo
celular a concentração do ascorbato está próxima de 0,6
mM, enquanto que em alguns compartimentos dos
cloroplastos e do citosol pode atingir concentrações entre
20 e 50 mM.
O ascorbato reduzido (ASA) é considerado o mais
importante substrato para redução do H2O2 em água e
oxigênio molecular na célula vegetal. A APX utiliza duas
moléculas de ascorbato como doadoras de elétrons para
reduzir uma molécula de H 2O 2 a H 2O e O 2, com a
formação de duas moléculas do ácido
monodeidroascórbico (MDHA). O MDHA é um radical
instável e pode ser rapidamente desprotonado, de forma
espontânea, para produzir ascorbato e ácido
deidroascórbico (DHA). Além de ocorrer de forma
espontânea, à redução do MDHA para ascorbato pode
também utilizar doadores de elétrons específicos como o
citocromo tipo b, a ferredoxina reduzida ou o NADPH.
Na célula vegetal, o ascorbato pode atuar como
antioxidante secundário, doando elétrons para a redução
do H 2 O 2 na reação catalisada pela APX, ou
primariamente, pela interação direta com diferentes
EROs, como o H2O2, O2˙¯ , HO˙, 1O2 e hidroperóxidos
de lipídios. O ascorbato pode ainda atuar na manutenção
do estado reduzido do α–tocoferol, um importante
antioxidante não enzimático na fase aquosa, pela redução
da sua forma oxidada. O tocoferol (vitamina E) é um
antioxidante solúvel em lipídio e capaz de interagir com
as EROs e impedir as reações finais que causam
peroxidação de lipídios no interior dos diferentes sistemas
de membranas da célula vegetal (Ślesak et al., 2007).
176
Joaquim A. G. Silveira et al.
A glutationa reduzida (GSH) é um tripeptídeo que
ocorre na célula simultaneamente com a forma oxidada
GSSG, formando o par redox GSH/GSSG. A glutationa
pode ser sintetizada no citosol e/ou nos cloroplastos, onde
estão localizadas as enzimas sintetase da γglutamilcisteina e sintetase da glutationa, duas enzimas
que compõem a via biossintética desse tripeptídeo. A
glutationa reduzida é a forma predominante de grupos
SH não protéico, da célula, e está relacionada à
regulação da absorção de enxofre no tecido radicular,
além de atuar como antioxidante, no tamponamento redox
e na expressão de genes de defesa.
Nas reações envolvendo a GSH, o grupo SH do
resíduo de cisteína é oxidado para produzir GSSG,
enquanto que a reação reversa é catalisada pela GR,
utilizando NADPH. Na célula um pool de GSH em
estado altamente reduzido, mantido pela atividade
constante da GR, é necessário para a manutenção da
atividade de muitas enzimas e para evitar a formação de
pontes dissulfeto entre proteínas, impedindo a agregação
e inativação enzimática. Em plantas, os tecidos
metabolicamente ativos possuem concentrações
relativamente altas de GSH, em torno de 4,5 mM nos
cloroplastos. GSH podem atuar no tamponamento redoxi,
formando barreiras entre os grupos SH dos resíduos de
cisteína das proteínas e as espécies reativas de oxigênio,
produzidas durante o metabolismo normal ou quando
aumentadas sob condições de estresse.
Na célula, as enzimas oxidativas dismutases do
superóxido (SODs) são responsáveis pela dismutação do
O2•- para H2O2 e O2, sendo elas consideradas a primeira
linha de defesa antioxidativa enzimática. A produção do
radical superóxido (O2•-) pode ocorrer em qualquer sítio
celular que possui cadeia de transporte de elétrons e
oxigênio disponível, como as mitocôndrias e os
cloroplastos, além daqueles onde ocorrem reação redox,
como os microssomos, glioxissomos, peroxissomos,
apoplasto e citosol. Em plantas, as SODs podem ser
encontradas em todos os compartimentos da célula
capazes de produzir EROs, particularmente em
cloroplastos, mitocôndria e peroxissomos, os principais
sítios de produção de EROs na célula vegetal.
As SODs constituem uma família de metalo-proteínas
que está subdividida em três grupos distintos, dependendo
do co-fator enzimático: Fe-SOD, Mn-SOD e Cu/ZnSOD, localizadas em diferentes sítios celulares. As
isoformas Fe-SOD estão localizadas nos cloroplastos,
enquanto as Mn-SOD podem ser encontradas nas
mitocôndrias e peroxissomos. As isoformas Cu/Zn-SOD
podem ser encontradas simultaneamente nos
cloroplastos, citosol e no espaço extracelular (Alscher et
al., 2002). Como resultado da ação das SODs na
proteção oxidativa ocorre a produção imediata do H2O2,
outro tipo de EROs que é removido da célula pela ação
de diferentes peroxidases.
As peroxidases mais importantes na proteção
oxidativa do tecido vegetal são as APXs e as CATs. As
diferentes isoformas da APX estão amplamente
distribuídas dentro da célula vegetal, enquanto a CAT
está localizada exclusivamente dentro dos peroxissomos.
As CATs são enzimas tetraméricas, com quatro
subunidades idênticas de 60 kDa, contendo um grupo
heme que catalisam a redução do H2O2 para H2O e O2,
protegendo a célula dos danos oxidativos oriundos da
acumulação excessiva do H 2O 2. Essas enzimas que
estão presentes nos peroxissomos, glioxissomos e
organelas relacionadas, onde enzimas produtoras de
peróxido de hidrogênio, como a glicolato oxidase, estão
localizadas.
Comparadas com as APXs, as catalases possuem
baixa afinidade pelo substrato (H2O2), porém apresentam
alta atividade catalítica. Essa diferença de propriedade
cinética é atribuída à necessidade da ligação simultânea
de duas moléculas de peróxido de hidrogênio ao sítio
catalítico das CATs, para que ocorra a reação. Apesar
disso, o papel das CATs na proteção oxidativa é
extremamente importante, por essas enzimas estarem
localizadas em pontos estratégicos da célula, em que há
produção localizada de H2O2. Durante a fotorrespiração
a catalase é essencial para a remoção do H2O2 gerado
no peroxissomo.
Em plantas existem três isoformas de CATs, CAT1,
CAT2 e CAT3, classificadas em três classes distintas.
Na classe I estão as catalases SU2, do algodão, CAT1,
de Nicotiana plumbaginifolia, CAT 2, de A. thaliana e
CAT-2 do milho. Essas enzimas estão envolvidas com a
remoção do H 2 O 2 durante a fotorespiração e são
dependentes de luz. A classe II inclui a CAT 2, do feijão
(Suzuki et al., 1994), CAT 3, de milho e tomate, CAT 2
da batata, e CAT 1 de A. thaliana, encontradas
principalmente no tecido vascular. A classe III inclui a
SU1 do algodão, CAT 3 de N. plumbaginifolia, CAT 1 de
feijão e CAT 3 de A. thaliana, localizadas nos
glioxissomos de sementes.
A Figura 21 mostra as principais organelas e sítios
celulares onde atuam os principais antioxidantes
enzimáticos. As enzimas APXs compõem uma família de
isoenzimas com características bastante distintas,
localizadas em diversos sítios celulares, como citosol,
cloroplastos, mitocôndrias, peroxissomos e glioxissomos
(Shigeoka et al, 2002). As APXs cloroplásticas estão
localizadas no estroma (sAPX) e nos tilacóides (tAPX).
As isoformas citosólicas (cAPX) estão solúveis no
citosol, enquanto aquelas presentes nos microcorpos e
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
nas mitocôndrias (mAPX/mitAPX) estão associadas às
membranas dessas organelas. As APXs cloroplásticas
são monômeros com massa molecular de 37,2 kDa, as de
mitocôndria e dos microcorpos possuem 31 kDa, e a
citosólica é um homodímero com subunidades de 28 kDa.
177
produção da sua forma oxidada GSSG. A regeneração da
GSH ocorre pela ação da GR, que utiliza o NADPH
como poder redutor.
Apoplasto
Cadeia de transporte de elétrons
Mitocôndria
Citosol
Estroma
Cloroplasto
Membrana do tilacóide
Lúmem do tilacóide
Sinalização
β-oxidação
fotorrespiração
Microcorpos
Figura 21. Esquema mostrando as principais organelas e
sítios celulares, bem como os componentes metabólicos
envolvidos com os processos de produção e de remoção
de EROs na célula vegetal. AsA (ascorbato reduzido);
MDAsA (ascorbato oxidado). (Adaptado de Shigeoka et
al., 2002)
Apesar dessas diferenças, todas as APXs utilizam o
ascorbato reduzido (AsA) como doador específico de
elétrons para reduzir o H2O2 para H2O e O2. No geral,
a enzima APX utiliza dois elétrons intermediários,
localizados no átomo de Fe +3 e em um resíduo de
triptofano, para catalisar a redução do H2O2. O ciclo de
reação inicia-se pela transferência dos elétrons do Fe +3
e do resíduo de triptofano do complexo reduzido APXFe(III)-R para o H2O2, resultando no complexo oxidado
APX-Fe(IV)-R+. Em seguida, ocorre a regeneração do
estado redox do grupo R, pelo consumo de uma molécula
de ASA, seguido da regeneração do complexo APXFe(III), pelo consumo da segunda molécula de ASA. Ao
final da reação para cada duas moléculas de ASA
oxidada (MDHA) uma de H2O2 é reduzida.
O papel da APX na proteção oxidativa ocorre
associado com a ação das enzimas GR, MDHAR e
DHAR, que compõem a ciclo do ascorbato-glutationa
(Figura 22). Esse ciclo é uma rota metabólica essencial
na proteção oxidativa e ocorre na mitocôndria, nos
cloroplastos e nos peroxissomos. Nessa via a utilização
do ascorbato leva a formação da sua forma oxidada, o
monodeidroascorbato (MDHA). O MDHA é reduzido
para ASA pela enzima redutase do monodeidroascorbato
(MDHAR), utilizando NADPH, enquanto que o DHA é
reduzido pela redutase de deidroascorbato (DHAR),
utilizando glutationa reduzida (GSH). A redução do DHA
para regenerar o ascorbato consome GSH, levando a
Figura 22. Ciclo ascorbato-glutationa na célula vegetal. APX
– Peroxidases de ascorbato; MDHA – Redutase de
monodehidroascorbato; DHAR – Redutase de
dehidroascorbato; GR – Redutase de glutationa.
(Adaptado de Foyer e Noctor, 2000)
SELEÇÃO ASSISTIDA COM MARCADORES
MOLECULARES
A seleção assistida com marcadores moleculares
(SAM) consiste em integrar a genética molecular com a
seleção fenotípica, através da procura de alelos
desejáveis, indiretamente, por meio do uso de marcadores
ligados. Quanto mais próximo o marcador molecular
estiver do gene ou do conjunto dos genes ligados com o
processo fisiológico de resistência à salinidade, mais
eficiente será o processo. Uma das técnicas de SAM
mais utilizadas com sucesso em algumas culturas é
mapeamento de locos controladores de caracteres
quantitativos – QTLs (“quantitative Trait Loci”).
A vantagem do uso da técnica de QTLs na seleção
para resistência ao estresse salino é que os caracteres
analisados possuem distribuição contínua e
frequentemente são controlados por muitos genes, os
quais são altamente influenciados pelo ambiente.
Portanto, espera-se que essa técnica possa cobrir a
lacuna deixada pela técnica de plantas transgênicas
modificadas com um ou pouco genes, a qual tem se
mostrado muito limitada na obtenção de plantas mais
resistentes nas condições de campo. O uso dos QTLs
permitirá a incorporação de um maior número de alelos
desejáveis nos indivíduos, portanto, acelerando o
melhoramento genético (Flowers, 2004).
Alguns trabalhos com tomateiro mostraram que a
produtividade sob salinidade foi associada com a
participação de QTLs e que as características desses
marcadores foram diferentes entre as plantas cultivadas
na presença ou na ausência da salinidade. Outros
trabalhos têm demonstrado que os QTLs associados com
178
Joaquim A. G. Silveira et al.
tolerância variam com o estágio de desenvolvimento da
planta. Por outro lado, em outras espécies tem sido
demonstrado que os QTLs associados com diferentes
tipos de resposta ao estresse salino (germinação,
transporte iônico, tipo de fruto) são diferentes entre si, e
sofrem influencia do ambiente (Flowers, 2004).
A utilização de QTLs para a obtenção de plantas
resistentes à salinidade abre uma boa perspectiva porque
essa técnica permite a identificação e futuramente a
transferência de vários genes ligados com a resistência.
Alguns poucos QTLs ligados à tolerância têm sido
identificados dentro de alguns genomas, sugerindo que os
caracteres possam ser determinados por um limitado
numero de locais ou que genes associados com
caracteres fisiológicos possam estar agrupados nos
cromossomos. De cinco QTLs associados com efeitos
da salinidade sobre o crescimento de arabidopsis, dois
estavam localizados próximos de dois genes envolvidos
com resposta ao estresse salino.
Devido à complexidade genética da resistência ao
estresse salino, a identificação e transferência de vários
genes ligados com os mecanismos de resistência,
poderão contribuir no futuro para o melhoramento das
culturas. No entanto, o fato de um QTL poder
representar muitos, talvez centenas de genes, ainda
constitui um desafio no sentido da identificação de locos
chaves dentro de um determinado QTL. Outro desafio
será descobrir a natureza dos QTLs, por exemplo, se eles
são genes reguladores, para no futuro fazer
melhoramento vegetal assistido com marcadores de
DNA.
CONCLUSOES E PESPECTIVAS
Centenas de reações bioquímicas e de ação de
promotores e expressão de genes deverão estar, de
alguma maneira, envolvidas com a resistência ao
estresse salino. Essa previsão é baseada não somente a
partir da natureza poligênica da resistência à salinidade,
mas também no fato de que o metabolismo opera em
redes com milhares de reações estreitamente interligadas
entre si. Assim, dificilmente genes únicos ou alguns
marcadores moleculares serão capazes de controlar a
resistência ao estresse salino porque outras reações,
outros genes e mudanças ambientais afetam a resposta
de genes e moléculas.
Outros fatores que fazem aumentar a complexidade
para o conhecimento dos mecanismos biomoleculares que
controlam a resistência é a própria complexidade das
interações planta-estresse e planta-ambiente. A despeito
dos enormes avanços da biologia moderna, com o
surgimento de um arsenal poderoso de ferramentas
representadas pelo conjunto das “ômicas” (genômica,
proteômica, metabolômica etc), muito ainda deverá ser
feito na pesquisa.
A biologia vegetal (bioquímica, biologia molecular,
fisiologia vegetal, genética, genética molecular) deverá,
primeiramente, descobrir o que faz uma cultivar ser mais
resistente à salinidade do que outra. Paradoxalmente,
ainda não sabemos por que uma cultivar é mais resistente
do que outra! Em seguida, é necessário descobrir como
alguns genes podem de fato interferir nos mecanismos
biomoleculares de resistência das plantas.
Somente após uma compreensão clara de como
agem os genes e seus produtos (proteínas e outras
biomoléculas), será possível identificar os mecanismos e
os marcadores moleculares para serem utilizados de
maneira eficaz em programas de melhoramento genético
para obtenção de cultivares resistentes à salinidade. Em
outras palavras, primeiro deveremos abrir as caixas
pretas para depois gerar técnicas e tecnologias seguras,
como a transgenia.
Na verdade, a biologia vegetal dispõe hoje de uma
quantidade imensa de potenciais mecanismos
bioquímicos e genes envolvidos com os processos que
podem controlar a resistência ao estresse salino. A
grande dificuldade parece ser canalizar esforços para que
avanços reais de longo prazo não sejam fragmentados ao
longo do caminho. Para isso, parece essencial a
formação de redes interdisciplinares na grande área de
biologia vegetal no sentido da elaboração de programas
de longo prazo, tendo como meta a obtenção de produtos
finais: a geração de cultivares resistentes à salinidade.
Após a seleção dos processos biomoleculares mais
limitantes para a resistência ao estresse numa especifica
cultura, parece ser essencial a operacionalização desses
caracteres selecionados em programas de melhoramento
genético. Para isso, a seleção assistida com marcadores
moleculares por meio do uso de QTLs parece ser a mais
promissora por envolver diversos genes e o ambiente.
Em paralelo, programas de melhoramento convencionais
com técnicas de cruzamentos intraespecíficos e
interespecíficos, com auxilio de marcadores bioquímicos,
moleculares e fisiológicos, também devem ser
estimulados.
Por outro lado, a técnica da transgenia com plantas
transformadas com um ou pouco genes parece ter seu
potencial maior como ferramenta para estudos de
mecanismos biomoleculares envolvidos a resistência ao
estresse salino. O conjunto dos resultados obtidos nos
últimos anos com essa abordagem tem mostrado sua
limitação na produção de cultivares com atributos
favoráveis para resistência ao estresse salino em cultivos
comerciais.
Mecanismos biomoleculares envolvidos com a resistência ao estresse salino em plantas
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12
Biossalinidade e produção agrícola
Pedro D. Fernandes1, Hans R. Gheyi2,
Alberício P. de Andrade1 & Salomão de S. Medeiros1
1
2
Instituto Nacional do Semi-Árido
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Introdução
Halofitismo
Ecofisiologia das halófitas
Ecofisiologia da adaptação ao estresse salino
Escape, tolerância ou resistência
Adaptações morfológicas e anatômicas
Germinação - Propagação via vegetativa
Absorção, transporte e acumulação de íons - Metabólitos orgânicos e ajustamento
osmótico
Eficiência de uso da água e fotossíntese
Outros fatores considerados na ecofisiologia das halófitas
Salinidade x Produção
Espécies para a agricultura salina
Cultivos biossalinos
Água do mar na agricultura biossalina
Aspectos técnicos e econômicos
Sustentabilidade
Exemplos de agricultura irrigada com água do mar
Referências
Manejo da salinidade na agricultura: Estudos básicos e aplicados
ISBN 978-85-7563-489-9
Fortaleza - CE
2010
182
Pedro D. Fernandes et al.
Biossalinidade e produção agrícola
INTRODUÇÃO
Em nível global, a cada ano vem declinando a taxa de
aumento populacional, o que poderia ser alvissareiro,
considerando a necessidade de produzir alimentos e
suprir as demandas de tanta gente. Entretanto, tal
declínio em nada diminui as perspectivas sombrias para
o futuro, exigindo maior responsabilidade de governos e,
principalmente, maior compromisso dos organismos de
CT&I, em gerar novos conhecimentos para aumentar a
produção de alimentos. Mesmo com a queda de
prolificidade, a cada ano a população do planeta aumenta
cerca de 80 milhões de pessoas, sendo projetados pelas
Nações Unidas mais de 9 bilhões em 2050;
aproximadamente, 95% desse aumento ocorrerá em
países do Terceiro Mundo, onde justamente se
concentram os menos desenvolvidos, com deficiências de
água e alimento. A população mundial, em 01/01/2010,
era estimada em 6.793.593.686 habitantes (USCENSUS,
2010).
Em várias regiões do planeta, está aumentando a
dificuldade para se conseguir água, em termos
quantitativos e qualitativos, para satisfazer a demanda
sempre crescente da população; o problema é mais sério
na Ásia Ocidental e no Norte da África. Segundo
Ozturk et al. (2006), a crise por água é o maior desafio
a ser enfrentado pela humanidade; desde o início do
século passado, a demanda pelo precioso líquido tem
aumentado duas vezes mais que o crescimento da
população. Altas temperaturas, resultantes do
aquecimento global, e escassez de precipitações pluviais
e de águas de superfície têm provocado desertificação à
medida que os aquíferos e as águas subterrâneas se
tornam mais salinos, como resultado de bombeamento
crescente e da incorporação de sais. Em muitas áreas,
a salinidade de aquíferos do interior está aumentando,
atingindo taxas superiores a 16 g L-1 (20 dS m-1), chegando
a 20 g L-1 (25 dS m-1) em zonas costeiras (FIDA, 2004).
Aliás, extensas áreas do planeta são, naturalmente,
salinas ou têm sido salinizadas por ações antrópicas,
geralmente como consequência de práticas equivocadas
de irrigação (Pereira et al., 2002). Naturalmente,
ocorrem solos salinos ao longo da costa de continentes,
em estuários e em áreas salinas internas (‘Great Salt
Lakes’ nos Estados Unidos, Mar Morto em Israel,
‘Neusiedlersee’ na Áustria, dentre outros). À ação do
homem é atribuída a salinização de áreas em regiões
áridas e semi-áridas, manejando, inadequadamente, a
água em projetos de irrigação; civilizações antigas
desapareceram na Mesopotâmia (Tigris e Eufrates), na
China e na América pré-Colombiana; áreas foram
salinizadas, posteriormente no Norte da África, no rio
Indus - Paquistão, rio Ganges na Índia e no Vale de São
Joaquim - Califórnia (Choukr-Allah et al., 1996; Ozturk
et al., 2006).
A lição desastrosa da salinização parece não ter sido
apreendida totalmente pela humanidade, considerando a
continuidade de ocorrência do processo nos tempos
contemporâneos (Abdelly et al., 2008). Segundo
estimativas do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, contidas em Jaradat et al. (2004), 20% das
terras agricultáveis e 50% das atualmente cultivadas
estão afetadas por sais.
Um dos problemas mais urgentes da sociedade atual é
encontrar suficiente água e terra para dar suporte à
necessidade de alimentos do mundo. A FAO (2005) estima
em 200 milhões de hectares a área adicional necessária a
produção de alimentos, até 2025, para alimentar tanta
gente. As terras de boa qualidade, passíveis de serem
cultivadas, agricolamente, cerca de 93 milhões de ha,
estão hoje cobertas por florestas, sendo difícil visualizar a
Biossalinidade e produção agrícola
sua devastação para atender à demanda de alimentos. Em
contraste, água do mar é abundante, mares e oceanos
contêm, aproximadamente, 97% das águas; em muitos
locais, por características de solo e clima, as águas
superficiais e de poços rasos são, também, salinos.
Igualmente, solos salinos ocorrem em todo o globo, 43%
das terras do planeta são áridas ou semi-áridas, com cerca
de 15% (130 milhões de hectares), em áreas costeiras ou
de interior que poderiam ser cultivadas com água do mar
para produção de alimentos, preservando-se florestas e
destinando-se águas de boa qualidade para fins de uso
direto pelas populações (Glenn et al., 1998a, 1998b; Ozturk
et al., 2006).
Claramente, fica patente a necessidade de serem
incorporadas à agricultura terras marginais, como as
naturalmente salinas, as encharcadas, as areias de
desertos e as áreas costeiras arenosas. Desde o início da
década de 60, século passado, muitos cientistas vêm se
dedicando a estudos de reabilitação e funcionamento de
ecossistemas salinos, com a preocupação constante de
monitorar a acumulação de sais e mantê-los produtivos.
O conhecimento científico será, absolutamente, essencial
ao desenvolvimento de práticas adequadas ao manejo da
agricultura biossalina (Mohammad & Scanes, 2004;
Shahid & Hasbini, 2007; Toderich et al., 2008a ) .
Como agricultura biossalina entende-se o uso de
águas salinas, geralmente em solos salinos ou salinizados,
para o cultivo de espécies tolerantes ao estresse salino,
quando água e solos de boa qualidade se tornam
escassos. Na agricultura biossalina tem predominado o
uso de halófitas, espécies naturalmente adaptadas a
crescer e produzir em condições com alta concentração
de sais, tema a ter uma melhor abordagem em outros
subitens deste trabalho.
Caberá à agricultura biossalina um papel relevante na
produção de alimentos de origem vegetal ou animal. Tal
necessidade é mais patente quando se constata estar a
água doce se tornando escassa; segundo Hendricks &
Bushnell (2009) e Khan et al. (2009), os usos doméstico,
industrial e agrícola de água fresca estão aumentando tão
rapidamente que haverá escassez em todo o mundo.
Outro fator agravante foi detectado nas últimas décadas,
com a constatação de estarem se tornando
progressivamente salinas as águas superficiais e
subterrâneas, em muitas áreas agrícolas (Wilt & Oosten,
2000; Miranowski, 2004).
183
Rozema, 1996). Posteriormente, vários pesquisadores
constataram não ser verdadeira tal interpretação, ao
verificarem que as halófitas não têm exigência por
concentrações altas de sais, mas vegetam em uma faixa
de concentração salina, específica para cada genótipo,
sem causar alterações em sua fisiologia e sem reduzir,
significativamente, seu crescimento (Orcutt & Nilsen,
2000; Ashraf et al., 2006).
Com a evolução das pesquisas, conhece-se,
atualmente, a importância do sódio na fisiologia das
halófitas, considerando prevalecer na maioria de suas
espécies, o mecanismo de fixação de CO2 do tipo C4, em
que o substrato orgânico básico do ciclo inicial de
carboxilação é o fosfoenolpiruvato, envolvendo a enzima
PEP-carboxilase. Epstein & Bloom (2006) citam ser Na
um micronutriente essencial para as plantas C4 e CAM,
por estar envolvido, diretamente, na reconstituição do
fosfoenolpiruvato. Com esse novo conhecimento,
entende-se a importância do sódio para as halófitas, mas
na concentração de um micronutriente, o que é muito
menor do que o conteúdo do elemento em águas e solos
salinos, onde ocorrem. Portanto, não há relação direta
entre concentrações altas de sais e sua exigência pelas
halófitas, mas o Na deve estar presente em seu habitat/
nicho ecológico. Visando a um melhor entendimento da
importância de Na para as halófitas, apresentamos na
Figura 1 os ciclos de carboxilação, típicos das plantas C4,
com explicações.
HALOFITISMO
Durante muito tempo, acreditou-se que a ocorrência
de halófitas em solos salinos tinha relação com uma
possível exigência dessas plantas por concentrações altas
de sais, particularmente sódio e cloreto, para seu
crescimento e desenvolvimento (Flowers et al., 1986;
Figura 1. Ciclos de carboxilação das plantas C4, em que se
enquadra a maioria das halófitas, ocorrendo o primeiro
nas células do mesófilo e o segundo - Ciclo de Calvin
- em células da bainha vascular
Pedro D. Fernandes et al.
Halofitismo ocorre em cerca de 1/3 das angiospermas
(classe mais importante para agricultura biossalina que as
gimnospermas) e cerca de 50% dos gêneros tolerantes a
sais pertencem a 20 famílias; entre as angiospermas
dicotiledôneas, a família Chenopodiaceae abrange a maior
parte das halófitas (20% delas), distribuídas, também, em
Aizoaceae, Caryophyllaceae, Cruciferae (Brassicaceae),
Compositae
(Asteraceae),
Leguminoseae
e
Plumbaginaceae (O’Leary & Glenn, 1994; Abdelly et al.,
2008).
ECOFISIOLOGIA DAS HALÓFITAS
Em ecologia, o termo ‘nicho ecológico’ representa a
soma das características que determinam a posição e
função de uma espécie em um determinado ecossistema;
deve-se distinguir ‘nicho ecológico’ de ‘habitat’, sendo
este o local onde evolui a espécie, enquanto o ‘nicho’ é
a função desempenhada pelos indivíduos da espécie no
ecossistema. Entre as características determinantes,
estão fatores químicos e físicos, além de sua distribuição
espacial e temporal, todos eles requeridos para a
ocorrência e sobrevivência da espécie em um
determinado habitat, condicionando seu crescimento
(Larcher, 2000; Hans-Werner et al., 2008).
No habitat das halófitas, determinante para
caracterizar o seu nicho ecológico, são encontradas altas
concentrações de sais no solo e na água (Flowers et al.,
1986; Rozema, 1996; Orcutt & Nilsen, 2000). No Norte
da Holanda, por exemplo, o valor médio de concentração
de sais para ocorrência de Glaux maritima é de 8880
mg de NaCl L-1 (Rozema, 1978), considerado o ‘ótimo
ecológico’ em relação à característica de salinidade do
nicho dessa halófita; através de estudos hidropônicos
esse autor verificou não ser afetada a acumulação de
biomassa daquela espécie, até esse nível de NaCl,
significando que 0 – 8880 mg de NaCl L-1 é a faixa de
salinidade favorável, fisiologicamente, para ocorrência de
Glaux marítima; pelos novos conhecimentos sobre a
essencialidade de Na, como micronutriente, para essa
classe de plantas, esse elemento deve ter estado presente
no meio de estudos para suprir suas necessidades
fisiológicas.
Entretanto, a interpretação não é tão simples assim,
devendo ser, ainda, considerada a competição por espaço
com outras espécies. Na Figura 2 está esquematizada a
relação entre concentração de sais e crescimento de
plantas da espécie Glaux maritima, em que no eixo “y”
está representado o incremento de biomassa ou a
probabilidade de ocorrer uma determinada espécie numa
área, em função da concentração de sais no meio (eixo
“x”) (Rozema, 1996); o ‘ótimo ecológico’ corresponde à
concentração máxima de sais em que ocorre o máximo
de incremento de biomassa da espécie ou, em termos de
probabilidade, à concentração de sais no meio a partir da
qual é menos provável a sua ocorrência. Sob tais
condições de salinidade, dificilmente uma glicófita teria
condições de vegetar, o que explica ser considerado
‘ótimo’ para a halófita, por não ter que competir com
outras espécies.
Incremento de biomassa ou
probabilidade de ocorrência de uma espécie
184
Faixa favorável fisiologicamente
para espécie
Concentração de sais no meio
Ótimo ecológico
Figura 2. Relações entre incremento de biomassa ou
probabilidade de ocorrência de uma espécie (eixo “y”)
e aumento da concentração de sais no meio (Fonte:
Adaptado de Rozema, 1996)
Ecofisiologia da adaptação ao estresse salino
São variadas as adaptações das plantas ao meio
salino, razão de estudos da ecofisiologia, abrangendo
desde mecanismos de ordem fenológica, morfológica e
fisiológica, passando, também, por eficiência de uso de
água, aspectos bioquímicos, biomoleculares e genéticos
(Arzani, 2008). As halófitas desenvolveram mecanismos
diversos para se adaptar a ambientes com altas
concentrações de sais. Algarie et al. (2007) destacam
três adaptações principais: acumulação de osmólitos,
controle do fluxo de água no interior da planta e a
manutenção da homeostase iônica. Em algumas halófitas,
enzimas exercem, também, importante função, fazendo
com que sejam menos sensíveis ao estresse salino
(Ghosh et al., 2006)
Conhecimentos sobre alguns desses itens serão
abordados em outros capítulos deste livro. No caso
presente, pretende-se tecer considerações sobre tais
aspectos, quando diretamente relacionados ao meio de
ocorrência de espécies vegetais (ecofisiologia), ou seja,
nos casos de uso de água com altas concentrações de
sais na agricultura biossalina.
Escape, tolerância ou resistência
Hans-Werner et al. (2008) usam os termos escape
(‘fuga’) e tolerância para aspectos específicos de
Biossalinidade e produção agrícola
respostas das plantas ao estresse. Como exemplos de
escape têm-se os casos de plantas anuais que completam
o seu ciclo no curto tempo de condições climáticas
favoráveis, evitando as estações mais secas, e os casos
de plantas com raízes profundas (Prosopis e Tamarix,
por exemplo), capazes de absorver água do subsolo, onde,
geralmente, são mais baixos os teores de sais. O termo
escape ou ‘fuga’ se aplica, também, aos casos em que
o vegetal protege os seus tecidos do efeito do estresse;
em algumas halófitas, é o caso de prevenir a entrada de
sal nos tecidos da planta, conhecido como exclusão de
íons. A resistência é mais abrangente, decorrente da
combinação de vários mecanismos de escape e de
tolerância. O escape (evitar) contrasta com o termo
tolerância, por se relacionar este último à presença do
fator antiestressante dentro da planta; no caso de
estresse hídrico, ocorre tolerância à dessecação dos
tecidos e, no estresse salino, há tolerância à alta
concentração de sais nos tecidos das halófitas.
Bem conhecido de todos os estudiosos, as plantas
variam muito a sua tolerância à salinidade, com
diferenças entre espécies, dentro de genótipos de uma
mesma espécie e, até mesmo, entre estádios de
desenvolvimento de um mesmo genótipo (Tester &
Davenport, 2003; Hendricks & Bushnell, 2009). Em
outras palavras, a sensibilidade ao estresse salino tem
sido identificada como um fenômeno específico a um
estádio de desenvolvimento da planta, podendo variar em
outros estádios (Orcutt & Nilsen, 2000; Ashraf et al.,
2006; Ahmed et al., 2008). Ainda mais, em cada estádio
de desenvolvimento, a tolerância à salinidade é
controlada por mais de um gene e altamente influenciada
por fatores ambientais (Flowers, 2004; Flowers &
Flowers, 2005; Munns, 2005; Ozturk et al., 2008).
Entre as adaptações ao estresse salino, relacionadas
a aspectos de ecofisiologia, já foram identificados vários
mecanismos, com destaque para os de natureza
morfológica e anatômica, abscisão (descarte) de tecidos
e órgãos, ajustamento osmótico e metabólitos orgânicos,
suculência e germinação/multiplicação via vegetativa.
Adaptações morfológicas e anatômicas
As adaptações das halófitas podem variar em
natureza, grau ou eficácia, dependendo da espécie e,
também, do habitat. Há certo grau de plasticidade no
efeito da salinidade sobre as plantas, em diferentes
condições ambientais, dependendo da severidade do
estresse (Batanouny, 1996; Khan & Weber, 2006)
Uma das adaptações de ordem morfológica é a
redução de área foliar, quer pela formação de um menor
número de folhas, quer pela redução de seu tamanho ou
por abscisão foliar (Khan & Weber, 2006; Taiz & Zeiger,
185
2008). Algumas halófitas descartam as folhas mais
velhas quando estão repletas de sais; o excesso de sais
vai sendo acumulado nas folhas mais velhas, ao mesmo
tempo em que contribui para tornar mais negativo o
potencial osmótico das células e consequente aumento
na retenção de água nos tecidos; enquanto
compartimentaliza os sais nas folhas mais velhas, novas
folhas são formadas sem problemas de aumento na
concentração de sais e suprem a planta de
fotoassimilados, por sua atividade fotossintética maior, até
passarem a servir de estoque de sais, quando novas
folhas passam a desempenhar aquela importante função
(Gorham, 1996; Yensen, 2006). A acumulação de sódio
nas folhas mais velhas é uma consequência, também, da
saída de potássio dos seus tecidos (agindo como fonte),
translocando-se para as folhas novas em formação
(dreno).
Glândulas de sal - Em diversas espécies, a adaptação
consiste na formação de glândulas de sal nas folhas,
através das quais excretam sais, uma forma de controlar
o seu excesso no interior das células. As glândulas são
formações frouxas de células, com espaço intercelular
mais aberto do que geralmente ocorre nos outros tecidos
(Mohr & Schopfer, 1995); a solução flui para o espaço
entre as células e daí para uma abertura na cutícula, onde
se evapora a água, cristalizando-se os sais na superfície
da folha, sendo lavados pelas chuvas ou pela irrigação.
A estrutura da glândula de sal é similar dentro de uma
mesma espécie e, com raras exceções, também nas
espécies de uma mesma família, mas com variações entre
famílias. O tipo mais simples é encontrado nas Poáceas
(gramíneas) e os mais complexos - glândulas
multicelulares - foram identificados nos gêneros
Limonium, Limoniastrum e Distichlis (Figura 3) e na
espécie Cressa cetica. O número e localização das
glândulas de sal também variam: em Limoniastrum
monopetalum, Batanouny & Sitta (1979) encontraram
1955 glândulas por cm2 na face adaxial e 2315 cm-2 na
abaxial das folhas; na espécie Limonium delicatulum os
autores Batanouny et al. (1992) registraram 2022 e 2930,
respectivamente.
A secreção de sais contribui para a adaptação da
planta à salinidade de forma quantitativa e qualitativa;
quantitativamente, quando o status de sal na folha
alcança um limite máximo tolerável, sendo a excreção de
sais fundamental para a sobrevivência da planta;
qualitativamente, por contribuir para o balanço iônico das
folhas, quando fica alterada a relação entre íons
essenciais e tóxicos, secretando o que estiver em
excesso (Hans-Werner et al., 2008).
A taxa de secreção de sais é afetada por inúmeros
fatores, com destaques para concentração e natureza de
186
Pedro D. Fernandes et al.
Figura 3. Extrusão de sais de glândulas de sal, localizadas
no caule de Distichlis palmieri. Fonte: MBARI (2005)
íons no meio, luz, temperatura, balanço hídrico na planta,
umidade relativa e presença de metabólitos inibidores,
dentre outros. A eficácia da excreção através de
glândulas depende de condições que impeçam a sua
reabsorção pela cutícula. Na Tabela 1 consta uma
relação de espécies em que é comum a excreção de sais
através de glândulas salinas nas folhas.
Pelos vesiculares - Além de glândulas, os sais podem
ser acumulados em formações especiais, tipo tricomas,
que se desenvolvem na epiderme de caules e folhas,
denominadas de células vesiculares ou pelos vesiculares,
comuns em alguns gêneros de Chenopodiaceae,
especialmente em espécies de Atriplex (Mohr &
Schopfer, 1995; Hans-Werner et al., 2008; Ahmed et al.,
2008) e espécies de Salsola, Chenopodium, Obione,
Halimione e em Mesembryanthemum crystallinum
(Figura 4) (Luttge et al., 1978; MBARI, 2005; Agrarie et
al., 2007). As vesículas se caracterizam por um grande
vacúolo central, em que podem se acumular
componentes inorgânicos (sódio, cloreto) e orgânicos,
como flavonoides e betacianinas (Steudle et al., 1977;
Vogt et al., 1999); açúcares compatíveis com álcoois,
pinitol e seus precursores inositol e ononitol (Bohnert et
al., 1995; Nelson et al., 1998). As vesículas, além de
participarem na regulação do sequestro de íons e
regulação das relações hídricas nas células, atuam,
também, no controle dos níveis de malato em células do
mesófilo de plantas CAM (Rygol et al., 1989; Agarie et
al., 2007).
As vesículas podem se romper ou se destacar das
folhas, reduzindo o conteúdo salino da planta.
Comparadas com as glândulas salinas, as células
vesiculares têm uma ação comparativamente menor, mas
são particularmente efetivas em proteger folhas jovens,
em expansão.
A descarga de sais em vacúolos de células vesiculares
pode, efetivamente, reduzir o fluxo de sais para tecidos
fotossintetizantes ativos, em plantas se desenvolvendo
em meio de alta salinidade. Batanouny (1996) se refere
Tabela 1. Plantas que excretam sais através de glândulas salinas encontradas em folhas
Fonte: Gorham (1996)
Biossalinidade e produção agrícola
A
B
Figura 4. Planta florida de Mesembryanthemum crystallinum
(A) com pelos vesiculares no caule (B). Fonte: MBARI
(2005)
à concentração de sais 60 vezes superior em pelos
vesiculares de Helimione portulacoides, em relação às
células do mesófilo circundante; conforme o autor, uma
poderosa bomba de sais deve operar entre as células
vesiculares e as do mesófilo, para garantir a alta
diferença de gradiente entre ambos os tecidos.
Suberização de cutículas e formação de cera - Outro
fator que limita a entrada de sais com o fluxo da
transpiração é a prevenção à perda de água, através da
suberização de cutículas e da formação de cera na
superfície foliar, comuns em halófitas (Flowers et al.,
1986; Yensen, 2006), isto é, reduzindo-se a transpiração,
menos sais entrarão pelas raízes. Tais formações têm
importante função, também, em prevenir a reabsorção de
sais de glândulas salinas ou de vesículas.
Abscisão de órgãos e tecidos – A abscisão (descarte)
de órgãos e tecidos é, também, um dos importantes
mecanismos de adaptação das plantas ao meio salino, fato
187
comum em Juncus spp e em folhas suculentas de
Suaeda spp. As folhas, quando estão lotadas com íons
indesejáveis, são descartadas (‘shedding’), contribuindo,
também, para a redução da área foliar, resultando em
menor perda de água através da transpiração, importante
nas estações de déficit hídrico (Yensen, 2006).
Além do descarte de folhas, em Atriplex podem
ocorrer seca de ramos e do córtex do caule que, após
morte das células, se desprendem da planta (Batanouny,
1996); em ambos os casos, os tecidos são carregados de
íons, contribuindo para o seu descarte, diminuindo a
concentração de sais no vegetal.
Suculência – A exposição das espécies halófitas ao
ambiente salino resulta em numerosas mudanças
estruturais nas plantas, destacando-se, dentre elas, a
suculência, caracterizando-se por: maior espessura das
folhas, células maiores, especialmente as do parênquima
esponjoso, menor espaço intercelular, maior elasticidade
da parede celular, desenvolvimento de tecidos
estocadores de água, menor relação entre superfície/
volume, baixo conteúdo de clorofila e menor número e
menores estômatos por unidade de área (Batanouny,
1993; Ahmed et al., 2008; Hans-Werner et al., 2008).
Suculência tem o efeito de diluição dos íons dentro das
células, o que possibilita que as halófitas convivam com
altas concentrações de sais em parte de seus tecidos.
Dois tipos de suculência têm sido distinguidos em
halófitas: suculência mesomórfica e suculência
xeromórfica. Na mesomórfica, típico das hidrohalófitas,
todas as células das folhas, inclusive as da epiderme, são
suculentas e é baixo o número de estômatos por unidade
de área; as plantas do tipo xeromórfico, usualmente,
vegetam em condições de alto estresse hídrico e são
caracterizadas por terem mesófilo com células grandes
e suculentas, grande número de estômatos e um sistema
vascular altamente lignificado (Batanouny, 1993). A seiva
orgânica das suculentas xeromórficas, geralmente,
contém mais ácidos orgânicos que a seiva das
mesomórficas, em que predominam íons inorgânicos.
O cloreto de sódio tem sido considerado o sal mais
eficiente em promover suculência. Decréscimo em
suculência, associado ao aumento de características
xeromórficas, foram observados em plantas expostas a
sulfato de sódio. Chapman (1974) cita haver uma
relação entre concentração de Cl -, SO42- e o grau de
suculência, em halófitas suculentas típicas, com
prevalência mais favorável do cloreto.
Germinação - Propagação via vegetativa
As sementes das halófitas sobrevivem em solos
altamente salinos (Rozema, 1996; Atia et al., 2006), mas
só germinam em condições de maior diluição dos sais,
188
Pedro D. Fernandes et al.
em épocas coincidentes com precipitações pluviais;
fatores diversos, como vento e animais, dentre outros,
podem dispersá-las em áreas diversas, propiciando a
germinação das que forem depositadas em solo com
menor concentração de sais.
As fases de germinação e de crescimento das
plântulas, em geral, são as mais sensíveis ao estresse
salino (Tester & Davenport, 2003; Atia et al., 2006; Liu
et al., 2006). Estabelecidas, após condições favoráveis
para germinar, as halófitas são favorecidas por baixa
competição com outras espécies, devido aos fatores do
ambiente em que poucos genótipos sobrevivem; caso não
fosse salino o meio, as halófitas não teriam como
competir com glicófitas, na fase inicial de
estabelecimento. Esta interpretação é útil para se
compreender melhor o conceito ‘ótimo ecológico’,
abordado nas relações entre incremento de biomassa e
aumento de concentração de sais no meio, apresentado
na Figura 2.
Fato comum a muitas espécies não domesticadas, nas
halófitas a germinação das sementes se distribui no
tempo, em um mesmo habitat, e é afetada pelo conteúdo
de cloreto na casca que as envolve, bem como pelo seu
grau de polimorfismo. Muitas espécies de Atriplex
contam com unidades de dispersão polimórficas; como
exemplo, Atriplex hortensis tem quatro tipos de flores,
cada uma resultando em frutos de cores e formas
diferentes; as sementes de Atriplex dimorphostegia
diferem em tamanho e variam na germinação (Liu et al.,
2006; Ahmed et al., 2008).
Digno de atenção, também, são os resultados
divulgados por Batanouny (1993), sobre a importância da
origem das sementes para a germinação de Limonium
pruinosum, Alhagi maurorum, Prosopis farcta e
Phragmites australis; nessas espécies, taxas mais altas
de germinação foram obtidas quando as sementes eram
provenientes de plantas sob condições de halofitismo
(desenvolvendo-se em altas concentrações de sais), em
comparação com a germinação obtida de sementes
originadas das mesmas espécies, produzidas em plantas
vegetando sem estresse salino; contudo, o autor cita que
tal conhecimento não é válido para todas as espécies
vegetais.
Em mangues, as condições não são favoráveis à
germinação de sementes, desenvolvendo algumas
espécies mecanismos especiais de propagação. Foi
constatado em espécies de Rhizofora, Bruguiera e
Avicennia o fenômeno de viviparidade, isto é, a semente
germina ainda na planta e o seedling, enquanto ainda
está ligado à planta mãe, desenvolve um longo hipocótilo,
garantindo-lhe a ancoragem no solo, para depois se
desprender da planta (Batanouny, 1996).
Em relação à propagação vegetativa, esta é a principal
via de multiplicação de muitas halófitas, especialmente,
Limonium vulgare, Limonium humile e Tamarix aphylla;
uma característica vantajosa é a formação de raízes
adventícias, fundamental para a formação dos novos
indivíduos (Hans-Werner et al., 2008).
Nas espécies de halófitas, Aeluropus littoralis,
Prosopis farcta e Tamarix aphylla, a multiplicação
vegetativa é de grande importância, por se
desenvolverem rebentos (‘runners’), ligados à planta
mãe, formando raízes à medida que vão se afastando do
ponto inicial de sua emissão; essas raízes são
dependentes da planta mãe, na absorção de água e de
íons, até atingirem uma camada do solo com menor
concentração de sais, onde se tornam independentes,
originando novas plantas (Pollak & Waisel, 1972); isso
ajuda as novas plantas, formadas via vegetativa, a
aprofundar suas raízes, atravessando os horizontes de
concentração mais alta de sais, enquanto estão
dependentes da planta matriz.
Toda essa gama de variações é importante,
ecologicamente, para a adaptação das espécies à
salinidade.
Absorção, transporte e acumulação de íons Metabólitos orgânicos e ajustamento osmótico
Embora seja motivo de controvérsias, o efeito maior
da salinidade sobre o crescimento vegetal deve-se mais
à toxicidade dos sais acumulados nas células que ao
efeito osmótico. Há, contudo, diferenças consideráveis
entre espécies, entre genótipos de uma mesma espécie,
bem como, entre estádios de desenvolvimento e, também,
entre órgãos e células de uma mesma planta, quanto aos
níveis de concentração interna de sais capazes de causar
toxidez (Hans-Werner et al., 2008; Hendricks &
Bushnell, 2009).
Outra questão é sobre qual o mais tóxico, se sódio ou
cloreto, quando em excesso; em glicófitas, as evidências
são para o sódio, principalmente em trigo, segundo
resultados obtidos por Kingsbury & Epstein (1986); em
halófitas, o crescimento das suculentas pode ser inibido
pelo excesso de potássio na ausência de sódio e a
maioria das halófitas tolerantes à salinidade acumula
altas concentrações de sódio e cloreto em seus tecidos
(Fricke & Peters, 2002; Ahmed et al., 2008).
Vários autores citam que regular a absorção de sais
é uma das características mais importantes para a
tolerância à salinidade das plantas (Tester & Davenport,
2003, Abdelly et al., 2006; Izzo et al., 2008).
Os sais chegando à parte aérea, através do fluxo de
seiva inorgânica, não são distribuídos uniformemente
entre as folhas e não seguem, obrigatoriamente, o fluxo
Biossalinidade e produção agrícola
da transpiração (Izzo et al., 2008). Um dos mecanismos
de tolerância à salinidade consiste na redistribuição dos
sais, em toda a planta, de modo a evitar a sua
concentração em folhas novas e naquelas com altas
taxas de fotossíntese e, também, nos frutos em início de
formação (Khan et al., 2000; Zhang & Blumwald, 2001).
Para melhor entendimento desse processo, foi
fundamental a evolução do conhecimento, quando se
observou haver fluxo de íons entre xilema e floema (Taiz
& Zeiger, 2008). Em folhas de Puccinellia peisonis foi
constatada a formação de um tipo de endoderme, com
suberização de células, acumulando-se o sódio em
vacúolos da bainha vascular, sem chegar, portanto, às
células do mesófilo (Gorham, 1996; Blumwald et al.,
2000).
A acumulação de sais em vacúolos é,
particularmente, evidente em dicotiledôneas halófitas do
gênero Salicornia e Suaeda, plantas com folhas
suculentas, compostas por células grandes, nas quais o
vacúolo ocupa a maior parte de seu volume. Nessas
plantas, a concentração de sódio nas folhas (mais
particularmente nos vacúolos) pode exceder 1.000 mol
m-3, enquanto a concentração de potássio fica em torno
de 40 mol m-3. Tal comportamento raramente é visto em
gramíneas e outras monocotiledôneas que tenham células
menores e mais rígidas (menos expansíveis), com
exceção de Triglochin maritimum (NRCS/USDA,
2005). Aliás, como já abordado em um dos parágrafos
anteriores, a suculência é um dos mecanismos de
adaptação ao estresse salino, uma forma de diluir os sais
no citossol; o volume da célula aumenta, diminuindo a
concentração dos íons no protoplasto (Larcher, 2000;
Hans-Werner et al., 2008).
Espécies das famílias Chenopodiaceae e
Mesembryanthemaceae ajustam o potencial osmótico
das raízes por grande acumulação de íons sódio e cloreto,
compartimentalizados em vacúolos (Albert & Popp,
1977; Agrarie et al., 2007). Em outras espécies, o
ajustamento osmótico ocorre através da síntese de
compostos orgânicos de baixo peso molecular,
denominados de solutos compatíveis (Hasegawa et al.,
2000; Hans-Werner et al., 2008; Izzo et al., 2008).
Em geral, plantas crescendo sob condições de
salinidade mantêm altas concentrações de substâncias
osmoticamente ativas nas células, uma forma de garantir
a absorção de água do meio em que vegetam, no qual é
muito negativo o potencial hídrico da solução do solo,
decorrente do componente osmótico; o ajustamento se dá
por metabólitos, com destaque para ácidos orgânicos e
açúcares, além de íons, principalmente Na + e Cl – ,
conforme Hasegawa et al. (2000), Hans-Werner et al.
(2008).
189
Foi elemento chave, para se entender a tolerância das
plantas superiores à salinidade, a descoberta de serem
muitas enzimas inibidas por altas concentrações de sais
(Greenway & Osmond, 1972; Blumwald et al., 2000;
Ashraf & Foolad, 2007). Em halófitas, as enzimas
citoplasmáticas são protegidas de concentrações salinas
altas, através do sequestro do excesso de sais no
vacúolo, livrando organelas vitais do protoplasma desse
contato direto (Munns et al., 2002). A pressão osmótica
(e o volume) do citoplasma é garantida pela acumulação
de metabólitos, compatíveis com as atividades
enzimáticas (osmólitos compatíveis); citam-se, dentre
eles, os carboidratos (trealose, frutose, sacarose,
frutanos), polióis (glicerol pinitol, sorbitol, manitol, ornitol),
compostos de amônio quaternários ou derivados de
aminoácidos (prolina, glicina, glicina-betaína) e o potássio
(K+) (Hasegawa et al., 2000; Arzani, 2008); o tipo de
soluto produzido depende do genótipo, mas em geral,
uma espécie produz no máximo dois ou três deles.
Segundo Ashraf & Harris (2004), as vias enzimáticas
adotadas pela planta para adaptação ao estresse podem
ser mais importantes que a acumulação do metabólito,
em si.
Com relação à prolina, no início foi considerada um
importante metabólito para o processo de ajustamento
osmótico, especialmente nas plantas que não
acumulavam íons inorgânicos. Com a evolução das
pesquisas, ficou constatado, entretanto, que a quantidade
de prolina acumulada não poderia ser considerada como
um bom fator para diagnóstico de tolerância à salinidade,
em todos os grupos de plantas; além do fator genético,
a quantidade de prolina varia durante o dia, por sua
estreita relação com as condições hídricas dos órgãos
transpirantes (Khan & Weber, 2006; Yensen, 2006; HansWerner et al., 2008). Por exemplo, Batanouny et al.
(1985) encontraram valores de prolina, em Sporobolus
virginicus, variando de 20 μ moles g-1 às 6 horas da
manhã a 45,2 μ moles g-1 às 17 h.
Em alguns genótipos, a concentração dos solutos no
citoplasma é muito superior à real necessidade da célula,
uma clara evidencia de protegerem as enzimas dos
efeitos das altas concentrações de sais (Hans-Werner et
al., 2008; Taiz & Zeiger, 2008). Segundo Munns (2005),
quando presentes em concentrações ligeiramente
superiores às necessidades da célula, os metabólitos têm
função protetora e quando em concentrações muito altas,
a função é de osmorregulação.
Segundo Tester & Davenport (2003) e Mansour &
Salama (2004), na produção de solutos orgânicos, para se
adaptarem ao estresse salino, as plantas gastam energia,
com consequências na redução da fitomassa produzida
e esse dispêndio energético é maior que o do ajustamento
190
Pedro D. Fernandes et al.
osmótico, através da compartimentalizaçao de íons; na
produção dos solutos, grande proporção do carbono
assimilado é desviada, representando cerca de 10% do
peso total da planta, segundo Hans-Werner et al. (2008)
e Ashraf & Foolad (2008).
Outro fator fisiológico, a considerar na tolerância de
uma planta ao estresse salino, refere-se à velocidade
com que os sais que chegam às folhas são incorporados
às células, uma vez que as enzimas de genótipos
tolerantes ao estresse salino têm a mesma sensibilidade
à presença de sais que as de espécies glicófitas; caso
haja demora na incorporação, os sais ficarão durante um
tempo mais longo no apoplasto (parede celular e espaços
intercelulares), com sérios problemas osmóticos ao
tecido foliar, resultando em plasmólise das células
(Muhling & Lauchli, 2002; Fricke & Peters, 2002; Izzo
et al., 2008). Na célula, por sua vez, a concentração de
sais no citossol não poderá ultrapassar 100 mM, sob
pena de injúrias a diversas organelas, desnaturação de
proteínas e de serem inibidas muitas enzimas (Munns,
2002); o caminho é a compartimentalização dos sais em
vacúolos ou sua extrusão através de glândulas ou
vesículas celulares (Figuras 3 e 4).
A compartimentalização de íons nos vacúolos deve
ser considerada, também, como um mecanismo de
acumulação de sais em partes da planta, como súber do
caule e partes mais externas de frutos (evitando prejuízos
ao embrião). Em frutos de coqueiro irrigado com águas
salinas de até 15 dS m–1, Ferreira Neto et al. (2002;
2007b) encontraram maior concentração de Na em
cascas do coco que no endosperma líquido.
Pode ocorrer, também, exclusão de íons diretamente
de tecidos da planta, através de substâncias voláteis,
principalmente na forma de clorometano, bromometano
ou iodometano (Wuosmaa & Hager, 1990).
Eficiência de uso da água e fotossíntese
Vale tecer considerações sobre ‘eficiência de uso da
água’, considerando-se a relação entre a quantidade de
água transpirada e a quantidade de CO 2 fixada na
fotossíntese, resultando em aumento da fitomassa. Como
o fluxo de sais para a parte aérea é função da taxa
transpiratória, um aumento na eficiência de uso da água
pode retardar a acumulação de sais nas folhas, segundo
Gorham (1996), já detectado em algumas espécies da
família Mesembryanthemaceae; a fixação do CO2 por
essas plantas à noite, favorece uma maior eficiência de
uso da água, decorrente de queda na taxa transpiratória.
Da mesma forma, o metabolismo de plantas C 4 se
reflete em menor transpiração e menor bombeamento de
sais para o interior das folhas, por sua própria natureza
de maior eficiência de uso da água (Mohr & Schopfer,
1995; Mahmoudi, et al., 2008; Taiz & Zeiger, 2008).
O metabolismo de fixação do CO2 na fotossíntese de
plantas tolerantes a sais é variável, com predominância
do ciclo comum às plantas C4, sendo exemplo típico as
espécies de Atriplex. Entretanto, têm sido observadas,
em plantas tolerantes a sais da família
Mesembryanthemaceae, alterações no metabolismo do
CO 2 , variando de C3 ao metabolismo ácido das
crassuláceas (CAM), uma adaptação fotossintética
dependendo das condições do meio (Flowers et al., 1986;
Ungar, 1991; Winter & Holtum, 2005).
A salinidade diminui a fixação de CO2, por afetar a
abertura dos estômatos e a eficiência do aparato
fotossintético (Hans-Werner et al., 2008; Taiz & Zeiger,
2008), decorrente da quebra da homeostase hídrica e
iônica, em nível celular e em toda a planta (Zhu, 2001;
Izzo et al., 2008); como consequência, reduz-se a
expansão celular e a área foliar disponível para a
fotossíntese. Nas halófitas, mecanismos de proteção são
desenvolvidos pelas plantas, para contornar tais
problemas. Agarie et al. (2007), por exemplo, estudando
a importância da formação de pelos (tricomas) na
epiderme de Mesembryanthemum crystallinum,
verificaram que os mesmos contribuem para a suculência
das plantas, como reservatórios de água, e para a
tolerância à salinidade, pelo sequestro de íons e
manutenção
de
homeostase
nos
tecidos
fotossinteticamente ativos.
Outros fatores considerados na ecofisiologia das
halófitas
Em seu nicho, as halófitas enfrentam, além do
estresse salino, outros fatores decorrentes das
características do habitat: hipoxia, associada à
toxicidade de sulfetos e desarranjos nutricionais;
períodos de inundação e de deposição de solos ou areia;
períodos de estresse hídrico, dentre outros (Khan &
Weber, 2006).
Entre as mais promissoras halófitas estão árvores e
arbustos tropicais, coletivamente denominados de
mangroves (plantas de mangues), algumas das quais
sobrevivem, diariamente, a flutuações de alguns metros
do nível da água do mar; no outro extremo, plantas das
várias espécies de Atriplex sobrevivem em áreas
desérticas à alta salinidade e a secas prolongadas (Glenn,
1998a, 1998b).
Em zonas áridas e semi-áridas, o estresse salino é
agravado pela falta de água, na maior parte do ano;
quando ocorrem chuvas, os níveis de salinidade variarão
diária, mensal ou sazonalmente, dependendo da
quantidade e frequência das precipitações. Como
consequência, a salinidade raramente é uniforme em um
terreno, variando no perfil do solo, geralmente com
Biossalinidade e produção agrícola
valores mais altos de CE nas camadas superiores, devido
à evaporação da água (Levy et al., 2003). A salinidade
varia, também, espacialmente, podendo ocorrer em uma
área, circundando solos com valores de CE relativamente
baixos (Souza et al., 2008; Shahid et al., 2009).
SALINIDADE X PRODUÇÃO
A pressão por água de boa qualidade vem
forçando o uso das consideradas marginais,
requerendo o desenvolvimento de tecnologias,
visando à dessedentação de pessoas e de animais e
produção de alimentos, condições indispensáveis à
garantia de vida.
Para alimentar a população mundial que cresce a
cada segundo, deverão ser desenvolvidas tecnologias que
garantam a produção sustentável de alimentos de origem
vegetal e animal. Os cientistas terão a missão de
explorar os recursos naturais, garantindo a
sustentabilidade, sem agredir o meio ambiente, e deverão
incorporar ao processo produtivo as áreas naturalmente
salinas e as salinizadas pelo homem, ao longo da história.
A possibilidade de utilização de águas de qualidade
marginal liberará água doce para beber e a identificação
e obtenção de genótipos tolerantes a sais abrirão
perspectivas para produção de alimentos, para consumo
direto da população e para alimentação animal, gerando
proteínas para uso humano, além da produção de outros
bens de origem vegetal.
A utilização de água salina para produção de
alimentos requererá estudos de novos ‘designs’ e de
manejos mais apropriados de sistemas de irrigação.
No tocante a plantas, há uma divisão entre as que
toleram a salinidade do solo e da água, denominadas de
halófitas, e as que são sensíveis ao estresse salino, as
glicófitas (Taiz & Zeiger, 2008), já mencionadas em itens
anteriores. Com base em abordagens contidas na
literatura especializada (Rozema, 1996; Yensen, 2006;
Hamed et al., 2008; Hans-Werner et. al., 2008), dividimos
as halófitas em dois grupos: (i) espécies halófitas de
origem, as que evoluíram sob condições permanentes de
alta salinidade, e (ii) halófitas facultativas, abrangendo
espécies evoluídas em ambientes sujeitos a variações na
concentração de sais, durante parte das estações de
crescimento/desenvolvimento.
Em função da salinidade da água, podem ser
distinguidos quatro níveis de agricultura salina (ULPGC,
2005):
a - agricultura em baixa salinidade (concentração de
sais < 1,5 g L-1);
b - agricultura em média salinidade (1,5 a 15 g L-1);
c - agricultura em salinidade alta (15 a 25 g L-1);
d - agricultura com uso de água do mar (> 25 g L-1).
191
É importantíssimo o estabelecimento inicial da planta,
coincidindo com período de chuvas, por serem, em geral,
críticas as fases de germinação e início de formação do
sistema radicular; se a planta sobrevive na fase inicial,
aumentam as chances de sobrevivência nas estações
seguintes (Tester & Davenport, 2003; Atia et al., 2006;
Liu et al., 2006). Além do efeito favorável de chuvas,
lixiviando sais, outras práticas, altamente recomendáveis
na agricultura salina, são: cobertura morta para
conservar a umidade e diminuir a evaporação; semeio
e plantio em camalhões; irrigações com lâminas
pequenas, mas frequentes; rotação de culturas,
explorando as diferenças nutricionais entre genótipos.
Drenagem e lixiviação são as principais providências
para manter a produtividade do solo em agricultura
salina irrigada.
Mesmo nos níveis de salinidade mais alta, objetiva-se
obter um benefício mínimo que compense o balanço de
energia e os custos e cuja atividade tenha
sustentabilidade, sem causar impactos adicionais ao meio
ambiente. Como benefícios, podem ser consideradas
utilidades as mais diversas, a começar por produção de
alimentos, forragens, óleos, ceras, bioprodutos para a
farmacologia e uso industrial, flores (inclusive secas) e
folhagens ornamentais, bioenergia e paisagismo, além de
recuperação de áreas degradadas e sequestro de
carbono.
Espécies para a agricultura salina
É limitado o conhecimento desenvolvido em
agricultura salina. Um paradoxo, pois a literatura sobre
halófitas é extensiva, mas a utilização desse
conhecimento é mínima. Um exemplo disso está no fato
de os programas de desenvolvimento da agricultura
convencional terem, em geral, como foco o uso de boa
terra, culturas especializadas glicófitas e manejo de
irrigação com água de boa qualidade, sem incluir o uso
de halófitas sob condições salinas.
São muitas as espécies adaptadas à salinidade, com
graus variados de tolerância, dependendo dos habitats e
nichos em que evoluíram. Na Tabela 2 constam
informações sobre tolerância à salinidade, registradas em
trabalhos conduzidos pelo NIAB (Nuclear Institute for
Agriculture and Biology) do Paquistão. Antes, porém,
destacamos alguns genótipos, com maiores
potencialidades econômicas, indicados por autores
diversos: Atriplex spp (erva sal – há 36 espécies de
Atriplex – Huxley, 1992) Distichlis palmeri (capim sal),
Salicornia spp (‘glasswort’), Suaeda spp (‘sea blithe’)
e Batis spp (DaSilva, 2002; Yensen, 2006; Khan &
Weber, 2006); Suaeda fruticosa (Khan et al., 2000);
Kochia scoparia (Kafi & Jami-Al-Ahmad, 2008); Batis
192
Pedro D. Fernandes et al.
marítima e Crithmum maritimum (Hamed et al., 2008);
Atriplex lentiformis (Al-Attar, 2002); Atriplex
nummularia (Glenn et al., 1998b); Atriplex halimus
(Ahmed et al., 2008); Kosteletzia virginica (Ruan,
2008); Panicum turgidum (Khan et al., 2009); Distichlis
palmieri, Distichlis spicata, Sporobulus virginicus e
Sporobulus airoides (Huxley, 1992; Al-Attar, 2002);
Cakile marítima (Debez et al., 2006); Salicornia
bigelovi (Al-Attar, 2002).
Tabela 2. Tolerância de diferentes genótipos à salinidade,
com os níveis de CEes (Condutividade elétrica do extrato
de saturação) em que há redução de 50% de produção
da matéria verde, em trabalhos conduzidos no
Paquistão.
muito utilizada em estudos de fisiologia vegetal e é uma
das indicadas para trabalhos de recuperação de áreas
salinizadas (Kholodova et al., 2002).
Uma curiosidade é haver genótipo de arroz,
classificado como halófita; Dastidar et al. (2006), por
exemplo, identificaram uma espécie de arroz selvagem,
classificada como Porteresia coarctata (Roxb.) Tateoka,
espécie halofítica, isolando e caracterizando, por meio de
estudos bioquímicos, aminoácidos relacionados à
tolerância ao estresse salino.
Como complemento, estão listadas na Tabela 3
informações sobre a tolerância à salinidade, ao
encharcamento e à seca de diversas espécies de
diferentes portes (arbóreas, arbustivas e gramíneas),
muito úteis para as atividades relacionadas à agricultura
biossalina.
Em síntese, são muitos os exemplos de cultivos
apropriados para condições de salinidade, a depender
do nível de concentração de sais. Considerando-se
glicófitas, quando a concentração de sais na água de
irrigação está abaixo de 15 g L -1 , as espécies
recomendadas são: arroz, fava (Vicia faba) trigo,
aveia, sorgo, colza, cana, espinafre, beterraba
açucareira (Beta vulgaris ssp vulgaris), figo, uva e
algodão; para níveis mais altos de salinidade, podem ser
cultivadas tamareira, coco, capins, cereja selvagem,
sena, beterraba de praia (Beta vulgaris ssp maritima).
Plantas diversas de mangues e halófitas em geral, são
capazes de suportar condições hostis, principalmente
quando a única fonte de água é de má qualidade (Ashraf
et al., 2006; Daoud et al., 2008).
CULTIVOS BIOSSALINOS
Fonte: Adaptação de Ahmad (1988)
Vale ser ressaltado que tais potencialidades apenas
são indicativos de terem sido mais estudadas as espécies.
Tomando Mesembryanthemum crystallinum (Figura 4),
como exemplo de planta pouco citada entre as de maior
potencialidade, destacamos, a seguir, algumas de suas
utilidades, uma evidência de haver, ainda, muito a ser
pesquisado e difundido sobre as halófitas. Utilidades de
M.crystallinum: folhas e sementes são comestíveis;
podem ser utilizadas as folhas para preparar sopa,
inclusive com propriedades medicinais; esta espécie é
Em todos os casos de uso de águas salinas na
agricultura, devem-se manejar, adequadamente, solo,
água e plantas, visando a controlar e minimizar a
acumulação de sais e/ou de sódio na superfície do solo
e na zona radicular das plantas; algumas técnicas e
práticas já foram desenvolvidas e são, hoje, consagradas
para esse fim. Objetiva-se com tais práticas: reduzir e
controlar a concentração excessiva de sais na zona
radicular; reduzir problemas de formação de crosta,
impermeabilização ou desestruturação em solos sódicos;
promover condições para o desenvolvimento desejável de
plantas e utilizar o excesso de água, quando existente na
zona radicular, geralmente salina.
Os cuidados se aplicam em todos os casos onde a
concentração ou toxicidade de sais limita o crescimento das
plantas cultivadas ou quando o excesso de Na pode criar
crosta e problemas de permeabilidade. O conhecimento
sobre tais temas será objeto de outros capítulos deste livro,
Biossalinidade e produção agrícola
193
Tabela 3. Tolerância à salinidade e sodicidade, ao encharcamento e à seca de diferentes espécies arbóreas, arbustivas e
gramíneas
Fonte: Ahmad (1988)
com ênfase para manejo de irrigação, drenagem,
biodrenagem, recuperação de solos salinos, sódicos e
salinos sódicos, dentre outros, razão por que nos ateremos,
diretamente, ao manejo da agricultura biossalina.
Segundo Wilt & Oosten (2000), com o cultivo de
halófitas em sistemas irrigados com águas marginais, é
possível se ter benefícios os mais diversos, já
comprovados, destacando-se, dentre eles: alimento para
194
Pedro D. Fernandes et al.
consumo humano e animal; óleo comestível de excelente
qualidade; produtos de química fina; obtenção de
biomassa a baixo custo para produção de energia
renovável; biofiltração de efluentes urbanos, efluentes de
criação de peixes/camarões e de indústrias; produtos
bioativos; materiais de construção; produção de papel;
recuperação de áreas degradadas, com benefícios
ecológicos importantes; proteção e desenvolvimento de
áreas costeiras; estabilização de solos e de dunas;
melhoria do clima; drenagem de terrenos alagados e
salinos; quebra-ventos; enriquecimento paisagístico;
recreação e campos de golf; sequestro de CO2 – todos
de máxima importância no contexto internacional. Vale
ser destacado, ainda, o benefício de contribuir para a
contenção do processo de desertificação, possibilidade
de converter desertos localizados na orla marítima em
áreas produtivas, mudando a paisagem, com grande
significado ambiental, ecológico e social.
Tomando, como exemplo, espécies de Salicornia,
capazes de crescer e produzir em condições de alta
salinidade, muitas utilidades já foram identificadas, com
destaque para o uso de brotos em saladas; as sementes
são fonte de proteína e de óleo comestível fino e de boa
qualidade para consumo humano; ramos e folhas são
fontes de forragens para animais e a madeira tem,
também, utilidades diversas (Abdelly et al., 2006;
Toderich et al., 2008b).
São muitos os exemplos de sucesso no cultivo de
halófitas. Fazendas de Salicornia e de Atriplex foram
implantadas no Egito, México, Paquistão, Emirados
Árabes, na Índia e na Arábia Saudita (Glenn et al.,
1998b). Segundo DaSilva (2002), na China são cultivados
300 mil hectares de terras costeiras com halófitas, nas
províncias de Hainan, Hebei, Guandog e Shandong;
aquele autor relaciona, ainda, os seguintes casos: no Egito
halófitas são cultivadas para alimentação animal e como
elemento paisagístico; em Marrocos, há cultivo de
halófitas como plantas ornamentais; na Tunísia e na
Arábia Saudita, em gramados de golfe, irrigados com
água do mar; no Chile, também com água do mar é
cultivada a leguminosa Tamarugo (Prosopis tamarugo)
no deserto de Atacama (Habit et al., 1981; Asatudillo et
al., 2000).
Algumas espécies têm sido utilizadas em trabalhos
agroflorestais, em solos com altos teores de sais e/ou de
sódio, com destaques para Prosopis juliflora, Acacia
nilotica, Tamarix articulata e Casuarina equisetifolia
(Islam, 2009); algumas dessas espécies voltarão a ser
mencionadas no capítulo sobre biodrenagem, pela
importância de seu cultivo em solos encharcados ou com
lençol freático próximo à superfície.
Uma glicófita que se destaca é a cevada (Hordeum
vulgare L.), tolerante à salinidade, com genótipos que
germinam com uso da água do mar, cerca de 47 dS m-1
(Mano & Takeda, 1997) e com níveis satisfatórios de
produtividade a 20 dS m-1, com redução de apenas 7,9%,
em relação ao tratamento testemunha (Jaradat et al.,
2004).
Segundo Maas (1990), os maiores valores de
salinidade limiar em glicófitas foram observados em:
centeio (Secale cereale: 11,4 dS m-1); guar (Cyamopsis
tetragonoloba: 8,8 dS m-1); trigo (Triticum aestivum: 8,6
dS m-1); cevada (Hordeum vulgare: 8,0 dS m-1); algodão
(Gossypium hirsutum: 7,7 dS m -1); beterraba (Beta
vulgaris: 7,0 dS m-1).
Coqueiro (Cocos nucifera) é outra glicófita tolerante
à salinidade. Em trabalhos conduzidos em casa-devegetação e em condições de campo, pesquisadores da
Unidade Acadêmica de Engenharia Agrícola/CTRN/
UFCG estudaram os efeitos da aplicação de água salina
em várias fases fenológicas da cultura de coco ‘Anão
Verde’. Nas fases de germinação e crescimento inicial
de plântulas, foram testados cinco níveis de salinidade da
água de irrigação (CEa = 2,2, 5, 10, 15 e 20 dS m-1), até
120 dias após semeadura; as águas salinas foram
preparadas com adição de NaCl comercial. O
incremento da CEa não influenciou, significativamente, a
germinação que variou de 80 a 97,5%, porém afetou a
velocidade de germinação e o crescimento das plântulas.
O tempo necessário para as sementes germinarem
aumentou de 0,63 dia por incremento unitário da CEa,
acima de 2,2 dS m-1; a fitomassa total das plântulas foi
afetada a partir de 5,4 dS m-1, sendo o sistema radicular
mais sensível que a parte aérea (Marinho et al., 2005a;
Marinho et al., 2005b).
Numa segunda etapa desse trabalho, após repicagem
para o viveiro, as plantas provenientes dos vários
tratamentos se recuperaram do estresse salino, após
passarem a ser irrigadas com água de CEa = 2,2 dS m-1,
durante 120 dias, crescendo no mesmo ritmo daquelas
germinadas em baixos níveis de salinidade (Marinho et
al., 2005a).
Em condições de campo, na Estação Experimental
de Jiqui, em Parnamirim, RN, pertencente à Empresa
de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte EMPARN, a mesma equipe de pesquisadores estudou,
durante dois anos, a viabilidade de utilização de águas
de elevada salinidade (CEa = 0,1, 5,0, 10,0 e 15 dS m -1
a 25º C) na irrigação do coqueiro, cv. Anão Verde, em
fase inicial de produção, com 3,5 anos de cultivo
(Marinho et al., 2005a; Marinho et al., 2006).
Constatou-se tendência de aumento do número de
flores femininas por inflorescência, com o uso de águas
Biossalinidade e produção agrícola
195
salinas. Aumentou, também, o efeito da salinidade da
água (p < 0,01) sobre a relação flor / fruto colhido (FL/
FC), entre o 10° e o 19° cachos, com acréscimo linear
de 11,1% por incremento unitário da CEa, em relação
ao controle; ou seja, houve formação de 1,23 flor a
mais por fruto colhido para cada unidade de acréscimo
da CEa, relativamente ao nível mais baixo de
salinidade, o que corresponde a 11,12 flores para cada
fruto colhido (Figura 5). Apesar de a salinidade ter
aumentado o número de flores femininas, conforme
abordado, anteriormente, elas não resultaram em maior
produção de frutos, havendo, portanto, maior percentual
de abortamento de flores femininas nas plantas
expostas ao estresse salino.
Figura 5. Relação flor/fruto colhido (FL/FC) entre o 10º e 19º
cacho de coco, cv. Anão Verde, em função do nível de
salinidade da água (CEa) aplicada na irrigação (Fonte:
Ferreira Neto et al., 2007a)
Quanto à produção (Figura 6), no período
compreendido entre a 8 a e a 13 a colheita (época de
chuvas), foi crescente o número de frutos colhidos
(NFC), até o nível de 10 dS m-1 e, mesmo no nível mais
alto de salinidade (15 dS m-1), a produção foi maior que
no tratamento controle; ressalte-se ter este período
coincidido com período de chuvas, em que a irrigação
com água salina complementava a exigência hídrica das
plantas, quando era negativo o balanço hídrico. Por outro
lado, na época de estiagem ou seca, coincidindo com o
período entre a 14ª e a 19ª colheitas, a média mensal de
NFC decresceu linearmente (p < 0,01), com taxa de 3,4%
por incremento unitário da CEa, em relação ao nível mais
baixo de salinidade. As perdas do número de frutos
colhidos nesse período, em relação a N1, foram de 16,4,
33,1 e 49,8% em N 2 , N 3 e N 4 , respectivamente
(Ferreira Neto, 2007a).
Com base, ainda, nos dados de produção, obtidos
pelos pesquisadores da UAEAg/CTRN/UFCG, concluise que é preferível irrigar coqueiro ‘Anão Verde’ com
águas de 15 dS m-1, do que deixar a cultura em condições
de sequeiro, com base em registros de produção
comercial nessas condições de cultivo. A salinidade da
água reduz o número e o peso de frutos de coqueiro da
Figura 6. Valores médios mensais do número de frutos
colhidos (NFC) do coqueiro ‘Anão Verde`, entre a 8ª e
a 13ª (A) e entre a 14ª e a 19ª colheitas (B), em função
do nível de salinidade da água (CEa) aplicada na
irrigação (Fonte: Ferreira Neto et al., 2007a)
cv. Anão Verde, sendo os decréscimos, respectivamente,
de 2 e 3,4%, por aumento unitário da condutividade
elétrica da água de irrigação. Durante a fase produtiva,
o coqueiro da cv. Anão Verde pode ser classificado como
uma cultura tolerante à salinidade.
ÁGUA DO MAR NA AGRICULTURA
BIOSSALINA
O ser humano depende, basicamente, de vegetais,
produzidos em larga escala sob irrigação, com uso de
água de boa qualidade. As cinco espécies mais utilizadas
na alimentação humana – trigo, milho, arroz, batata e soja
– morrerão se expostas à água do mar. Mas a natureza
é repleta de vegetais, desenvolvendo-se em condições
de alta salinidade e diretamente em contato com a água
de mares, oceanos e lagos salgados. Da mesma forma
como os cientistas souberam domesticar e melhorar as
espécies, tradicionalmente cultivadas, saberão fazer o
mesmo com essas plantas adaptadas a condições
adversas de salinidade.
A agricultura com água do mar é uma idéia antiga,
posta em prática após a II Guerra Mundial. Em 1949,
o ecologista Hugo Boyko e a horticultora Elisabeth
Boyko (Tromp, 1971; Glenn et al., 1998a), durante a
formação do Estado de Israel, foram para a cidade de
Eilat, próxima ao Mar Vermelho, com o objetivo de
196
Pedro D. Fernandes et al.
alterar a paisagem, de modo a permitir a sua habitação
e instalação de colônias. Na falta de água doce, os
Boykos usaram água salgada de poços e água
bombeada diretamente do mar. Os frutos desse trabalho
difundiram a idéia para áreas semelhantes em todo o
globo. Novos ecossistemas foram criados, em países
como Índia, México, países do Golfo Árabe, China,
dentre outros, onde áreas estão sendo cultivadas,
utilizando água salgada, diretamente ou através de
diluição com águas residuárias.
No deserto Negev, em Israel, por exemplo, Tamarix
aphylla cv. Erecta está sendo irrigada por gotejamento,
com sucesso, para produção de madeira. No Golfo
Árabe, pesquisadores da University of Arizona estão
produzindo, experimentalmente, óleo de Salicornia e de
Arthrocnemum, irrigadas com água do mar (Aronson &
Floc’h, 1996).
Segundo Glenn et al. (1998a), a utilização de águas
salgadas de oceanos e mares precisa atender a duas
condições:
a - os cultivos devem ser úteis, com rendimento
suficiente para justificar os custos de bombeamento da
água do mar;
b - devem ser desenvolvidas tecnologias para o cultivo
de forma sustentável, sem agressão adicional ao meio
ambiente.
No desenvolvimento da agricultura com água do mar,
os pesquisadores têm buscado duas alternativas: (a)
tentam melhorar geneticamente as culturas tradicionais,
como aveia e trigo, para tolerância a sais, ou (b) buscam
domesticar plantas selvagens tolerantes a sais. Em 1979,
por exemplo, a equipe de Emanuel Epstein registrou, com
uso de água do mar, produção de pequena quantidade de
grãos de aveia, em linhagens previamente propagadas por
gerações em ambiente com baixos níveis de sal (Epstein,
1980).
São limitados os resultados dos trabalhos de
melhoramento, visando à seleção de genótipos tolerantes
à salinidade, com base em métodos convencionais. A
falta de sucesso se deve, em parte, à metodologia
utilizada pelos melhoristas, na avaliação à tolerância ao
estresse salino dos materiais genéticos. Segundo
Yamaguchi & Blumwald (2005), as melhores
perspectivas estão nos estudos de biologia molecular e
de transgenia; esforços recentes de especialistas da
engenharia genética visam incorporar genes de tolerância
a sais em culturas tradicionais, sem divulgação de
resultados, até então (Glenn et al., 1998a; Arzani, 2008).
Considerando-se a dificuldade de alterar a fisiologia
de uma espécie, tradicionalmente sensível à salinidade,
outros pesquisadores têm investido seu trabalho em
domesticar plantas selvagens tolerantes a sais, as
halófitas, para uso alimentar, forragem e produção de
sementes ricas em óleo. Esta linha de trabalho tem como
garantia de sua viabilidade, o fato de povos antigos,
habitantes do golfo do Rio Colorado, terem se alimentado
de grãos de capim-sal (Distichlis palmieri) (Dregne,
1991). Vale, ainda, ressaltar que as culturas tradicionais
tiveram origem em formas selvagens.
De grande valia pode ser a observação de plantas
vegetando em áreas costeiras e em mangues, em
contato direto com a água salgada, uma indicação de
sua tolerância a altas concentrações de sais, a serem
utilizadas em pesquisas para melhor avaliação da
tolerância à salinidade. Na Figura 7 estão detalhes de
uma planta de Terminalia cattapa (sombreiro), em
praia de Maragogi, Alagoas, com produção abundante
de frutos, onde diariamente a maré banha as raízes da
planta, expostas ao ar, devido à ruptura do quebra mar.
Essa espécie é comum em arborização de cidades,
sendo a polpa dos frutos utilizada como alimento de
crianças e jovens famintos; a maior riqueza, entretanto,
está na amêndoa, rica em proteínas, que, por
desconhecimento, geralmente é desprezada. Portanto,
a Terminalia cattapa pode ter grande potencial para
cultivo em áreas costeiras, com irrigação com água do
Figura 7. Vista de uma planta de Terminalia cattapa à beira
mar em Maragogi, AL, com detalhes de frutos e folhas
(no alto), sem sinais de injúrias, mesmo com o sistema
radicular exposto ao ar e em contato direto com a água
salgada, devido à ruptura do quebra mar (Foto:
P.D.Fernandes, 15/11/2005)
Biossalinidade e produção agrícola
197
mar, objetivando a produção de frutos, madeira (prestase à fabricação de embalagens, por sua baixa
densidade) ou, simplesmente, visando ao sequestro de
carbono.
No litoral de Maragogi, Al, foi encontrada outra
espécie, não classificada pelos autores, ocorrendo à beira
mar (Figura 8), com aspectos muito semelhantes a outras
espécies, com potencialidades econômicas já
comprovadas, ilustradas nas Figuras 9 e 10.
Figura 10. Atriplex em habitat natural e detalhe de ramos
na fase reprodutiva. Fonte: Ogle & St John (2003)
Figura 8. Espécie de folhas suculentas, não identificada,
ocorrendo naturalmente à beira mar do litoral, em
Maragogi, Alagoas, com detalhes de ramos com flores.
Foto: P.D.Fernandes (17/01/2006)
Figura 9. Salicornia bigelovii em habitat natural e desenho de
detalhes de uma planta. Fonte: Ogle & St John (2003)
Aspectos técnicos e econômicos
Normalmente, as culturas são irrigadas quando a
umidade do solo baixa a 60-50% da capacidade de
campo (Bernardo et al., 2008); além disso, com água
doce os irrigantes aplicam apenas a lâmina necessária
para repor a quantidade evapotranspirada pela cultura.
Com água do mar, a irrigação precisa ser diária e em
quantidade maior que a utilizada pelas plantas, para
prevenir a acumulação de sais na zona radicular.
Como o cultivo se dá em solo arenoso, com alta
facilidade de drenagem, tal manejo é facilitado,
lavando os sais que se depositam na superfície do
terreno; outro aspecto a considerar, é a necessidade
de ser mantida a umidade do solo em altos potenciais,
tornando menos críticas a pressão osmótica e a
absorção de água pelas plantas.
O maior custo da agricultura irrigada, geralmente, é com
o acesso à água, sendo proporcional à quantidade necessária
e à profundidade de bombeamento. Na agricultura com
água do mar, comumente esse custo é baixo, devido ao
nível do mar, ao contrário do bombeamento de água na
agricultura irrigada convencional, em que, muitas vezes, é de
poços profundos.
Uma vez bombeada a água, a irrigação com água do
mar não requer equipamentos especiais de distribuição,
por ser muito utilizado o sistema de distribuição superficial
em bacias. Quando é utilizado pivô central ou aspersão
por linha móvel, é imprescindível o revestimento interno
com tubos plásticos para a água do mar não ter contato
direto com a tubulação de metal (Glenn et al., 1998a).
O cultivo de halófitas deve ser rentável,
economicamente, avaliando-se se podem substituir
culturas convencionais para uso específico. Como um dos
maiores desafios, em terras áridas e semi-áridas, é
alimentar animais, geralmente visa-se produzir forragem
para bois, carneiros, cabras e aves.
Além das utilidades já abordadas, muitas halófitas são
fontes, também, de produtos químicos especiais,
utilizados como fármacos. Como exemplos, folhas de
Excoecaria agalloca tem sido utilizadas no tratamento de
epilepsia e as cinzas da madeira no tratamento de lepra;
efusão de cascas e de raízes de Acanthus ilicifolius é
198
Pedro D. Fernandes et al.
recomendada para tratamento de alergias e doenças de
pele (Albert & Popp, 1977).
Sustentabilidade
A maior exigência para uso de águas salgadas do
mar deve ser a sustentabilidade da agricultura salina,
preservando-se a possibilidade de produção por tempo
longo. Contudo, este não é um problema apenas da
agricultura irrigada com água do mar, pois muitos
projetos de irrigação convencional não obedeceram a
esse critério, com sérios impactos sobre o meio ambiente.
Em regiões áridas, a irrigação com água de boa
qualidade é praticada, geralmente, em terras do interior,
com restrições de drenagem, resultando na elevação do
teor de sais e do lençol freático. Quando o problema se
agrava, os agricultores precisam instalar sistemas caros
de drenagem subterrânea; a água coletada dos drenos
passa a ser um outro problema, a exemplo dos grandes
projetos no Vale São Joaquim na Califórnia, cuja água de
drenagem contém alto teor de selênio, elemento presente
em muitos solos do oeste americano; a acumulação de
selênio tem causado morte e deformações de animais da
fauna local, além de riscos à saúde humana (EPA, 1998;
Hamon, 2004).
O cultivo de halófitas é uma solução para esse caso
de selênio, pelo fato de as plantas absorverem
quantidades não muito altas do elemento, sem atingir
níveis tóxicos, considerando que na quantidade retida pelo
vegetal não há riscos para alimentação animal (National
Research Council, 1990).
Pode ser, também, solução para as extensas fazendas
de criação de camarão localizadas em zonas costeiras;
a descarga de efluentes dos tanques de criação têm
causado proliferação de algas e de doenças em rios e
baías, onde são despejados, pela riqueza em nutrientes.
Nesses casos, o cultivo de halófitas pode ser uma
solução, reciclando os efluentes na irrigação, em vez de
descarregá-los em rios; no México há exemplos dessa
associação (Glenn et al., 1991).
A agricultura irrigada com água do mar não está
isenta de tais problemas, mas tem algumas vantagens
(Glenn et al., 1998a, 1998b):
a - existe drenagem livre em terras costeiras,
retornando a água drenada para o mar; em áreas
cultivadas por mais de 10 anos não houve elevação dos
teores de sais;
b - aquíferos na costa e em áreas desérticas
geralmente contém concentrações elevadas de sais, sem
problemas de serem agravadas com uso de água do mar;
c - geralmente, os solos nessas condições são estéreis
ou quase estéreis, de modo que o cultivo com água do
mar causa menos impacto no ecossistema que o da
agricultura tradicional.
Exemplos de agricultura irrigada com água do mar
Produção de forragem: Glenn et al. (1998a) relatam
experiências conduzidas em Puerto Peñasco, no Golfo da
Califórnia, com uso de águas salinas (40.000 ppm de
sais) para irrigar halófitas, sendo obtidas produções de
biomassa seca de até 2 kg m-2, aproximadamente igual
à produção de alfafa irrigada com água doce. As
espécies mais produtivas foram dos gêneros Salicornia
(‘glasswort’ – Figura 9), Atriplex (erva-sal – Figura 10)
e Suaeda (‘sea blite’ – Figura 11), todos da família
Chenopodiaceae que abrange cerca de 20% das
espécies halófitas. Foram, também, altamente produtivos
o capim Distichlis spp (família Poaceae) e a espécie
Batis spp (família Batidaceae – Figura 12).
Figura 11. Detalhes de uma planta da espécie Suaeda linearis.
Fonte: Ogle & St John (2003)
Figura 12. Batis marítima em seu habitat natural e detalhes
de ramos com flores. Fonte: Ogle & St John (2003)
Muitas halófitas são ricas em proteínas e carboidratos
digestíveis. Infelizmente, essas plantas contêm, também,
grandes quantidades de sais; acumular sais é uma das
maneiras de ajustamento osmótico para as plantas se
adaptarem aos ambientes salinos, conforme já abordado
anteriormente. Como os sais não têm valor calórico, ao
ocuparem espaço nas células, diluem o valor nutricional das
plantas. Outro problema é a limitação da quantidade de
Biossalinidade e produção agrícola
forragem rica em sais que deve ser fornecida aos animais.
A solução é limitar a 30-50% a substituição de feno
convencional por forrageiras halófitas. No trabalho
relatado por Glenn et al. (1998a, 1998b), os animais
alimentados com forragem de Salicornia, Suaeda e
Atriplex ganharam peso correspondente aos alimentados
apenas com feno, sem ser afetada a qualidade da carne;
eles foram atraídos pelo gosto dos sais e beberam mais
água.
Fazendas produtoras de óleo: Segundo Glenn et al.
(1991; 1998a), a mais promissora halófita é a Salicornia
bigelovii, uma planta anual suculenta, presente em
mangues, com produção de grande quantidade de
sementes, ricas em óleo (30%) e em proteínas (35%); o
óleo é rico em poli-insaturados, similar ao de girassol na
composição de ácidos graxos; é comestível, com sabor
e aroma agradáveis, similar ao óleo de oliva e pode ser
refinado em equipamentos da indústria convencional. Na
Figura 9 está uma foto e o desenho de uma planta dessa
espécie.
A torta, após extração do óleo, é rica em proteína, mas
contém uma saponina amarga, que restringe o volume
ingerido pelos animais; entretanto, na quantidade possível
de ingestão, atende às necessidades da criação de
frangos. Felizmente, a saponina não contamina o óleo.
Há áreas cultivadas com Salicornia bigelovii no
México, Emirados Árabes, na Arábia Saudita e Índia. No
México, durante 6 anos de cultivo, a média de produção
é de 1,7 kg m-2 de biomassa total, correspondendo a 0,2
kg de óleo m-2, produção esta superior à produção de
óleo de soja irrigada com água doce. Um dos problemas
é a irrigação da cultura, por causar a água salgada
corrosão dos equipamentos de irrigação, passível,
entretanto, de ser solucionado.
Em testes de lisimetria, foi verificado que essa espécie
de Salicornia pode sobreviver com uso de água de até
100.000 ppm (cerca de 3 vezes à do mar). Para altas
produções de biomassa há necessidade de uma lamina de
água do mar 35% maior do que se fosse na agricultura
convencional, devido à seletividade da espécie na
absorção de água, concentrando demasiadamente os sais
no solo; o excesso de água contribuirá para a lixiviação
do excesso de sais da área cultivada.
Para altas produções, o período de 100 dias anteriores
ao florescimento da Salicornia precisa coincidir com
temperaturas baixas, restringindo-se, portanto, o seu
cultivo em regiões sub-tropicais; não é possível cultivála na maioria das áreas costeiras desérticas do planeta,
situadas nos trópicos quentes.
Portanto, é viável e promissor o uso de água do mar
para irrigar halófitas, dependendo da necessidade de
produção de alimentos e da demanda de água de boa
qualidade para outros fins.
199
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Melhoramento genético vegetal
e seleção de cultivares tolerantes
à salinidade
13
Nand K. Fageria1, Walter dos S. Soares Filho2 & Hans R. Gheyi3
1
2
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Arroz e Feijão
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Mandioca e Fruticultura
3 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Introdução
Salinidade e rendimento das culturas
Considerações sobre a metodologia de avaliação para tolerância à salinidade
Aspectos gerais
Análise e interpretação de dados
Caracteres morfológicos
Características fisiológicas
Melhoramento genético vegetal para tolerância à salinidade
Variação em germoplasma
Plantas nativas e exóticas como fontes de tolerância à salinidade
Estratégias relacionadas ao melhoramento genético
Introdução de cultivares tolerantes à salinidade
Espécies de plantas adaptadas ao cultivo sob consições salinas
Perspectivas futuras
Conclusões
Referências
Manejo da salinidade na agricultura: Estudos básicos e aplicados
ISBN 978-85-7563-489-9
Fortaleza - CE
2010
206
Nand K. Fageria et al.
Melhoramento genético vegetal e seleção
de cultivares tolerantes à salinidade
INTRODUÇÃO
A salinidade é um dos principais fatores que reduzem
a produtividade das culturas. Em nível mundial, estimase que 20% da área cultivada e 33% da área irrigada
sejam afetados por excesso de sais, boa parte dos quais
situados no continente asiático (Heuer, 2003; Rains &
Goyal, 2003; Sharma & Goyal, 2003; Ashraf & Foolad,
2005; Rengasamy, 2006; Ashraf & Foolad, 2007; Kant et
al. 2008), abrangendo uma área total em torno de 900
milhões de hectares. De acordo com Pessarakli &
Szabolcs (1999), todos os continentes, à exceção da
Antártica, apresentam problemas de salinização do solo.
Ainda em termos globais, a salinização dos solos está
aumentando a uma taxa anual de 10% (Szabolcs, 1994).
Além desses dados alarmantes, há que se acrescentar:
i) a população mundial vai aumentar de 6,5 bilhões de
indivíduos em 2009 para cerca de 10 bilhões em 2050
(Evans, 1998; Epstein & Bloom, 2005), ii) a urbanização
e industrialização vão aumentar a competição por água
de alta qualidade (Evans, 1998; Rains & Goyal, 2003) e
iii) o manejo inadequado do solo e da água aumentará a
dimensão do problema da salinidade (Hillel, 1994;
National Academy of Sciences, 1999).
Solos afetados por sais são definidos como aqueles
que têm sido adversamente modificados para o
crescimento da maioria das plantas pela presença, na
zona radicular, de sais solúveis, sódio trocável, ou ambos
(Soil Science Society of America, 1997). A salinidade
reduz o crescimento das plantas em razão do acúmulo de
quantidades tóxicas de vários íons e em virtude do
aumento da tensão osmótica da solução, que restringe a
absorção de água pelas plantas (Munns, 1993; Saqib et
al., 2004, 2005, 2006, 2008; Ribeiro et al., 2009). A
toxicidade de Na+ é o mais notável efeito da salinidade
no crescimento das plantas (Saqib et al., 2008). Com o
aumento dos teores de Na + e de Cl - ocorre uma
diminuição dos teores de K + e de Ca 2+ na planta
(Mansour et al., 2005; Kumar et al., 2008). Com a
acumulação de altos teores de Na e Cl diminui a
absorção de cátions e anions, ocasionando desequilíbrios
nutricionais na planta, diminuindo seu rendimento
agronômico (Romero et al., 1994; Maathuis, 2006;
Kumar et al., 2008). Portanto, é altamente interessante
a seleção de plantas tolerantes à salinidade, que excluem
o Na+ no processo de absorção e tentam manter elevada
a concentração de K na parte aérea (Munns et al., 2000;
Tester & Davenport, 2003; Davenport et al., 2005; Saqib
et al., 2004, 2005). Alta relação K/Na nos tecidos das
plantas é considerada um bom indicador de tolerância à
salinidade (Gorham, 1990; Wei et al., 2003). O excesso
de sais reduz o processo fotossintético nas plantas,
aumenta a respiração e diminui o crescimento (Saíram et
al., 2002; Bayuello-Jimenez et al., 2003; Khadari et al.,
2006). Os sais solúveis consistem, normalmente, de
várias proporções dos cátions Ca 2+, Mg2+ e Na+, dos
ânions Cl-, SO42- e HCO3- e, às vezes, de K+, CO32- e
NO3-. Devido à alta concentração de sais solúveis, solos
salinos são caracterizados por uma alta condutividade
elétrica. A Tabela 1 mostra o efeito da condutividade
elétrica na produção das culturas. O pH de solos salinos
normalmente encontra-se na faixa de 7 a 8,5 (Mengel et
al., 2001). Solos cuja porcentagem de sódio trocável
(PST = Na trocável/CTC X 100) mostre-se superior a
15% são denominados salino-sódicos.
A ocorrência de solos salinos e sódicos é comum em
regiões áridas e semiáridas, devido à baixa precipitação
e à alta taxa de evaporação, fazendo com que os sais, não
lixiviados, acumulem-se em quantidades prejudiciais ao
crescimento normal das plantas. A salinização também
Melhoramento genético vegetal e seleção de cultivares tolerantes à salinidade
Tabela 1. Resposta das culturas à condutividade elétrica da
saturação do solo
207
SALINIDADE E RENDIMENTO
DAS CULTURAS
A salinidade afeta o crescimento e consequentemente
a produção das culturas (Pardo et al., 2006). Seus efeitos
no crescimento das plantas são discutidos
detalhadamente no Capítulo 9. Relativamente a culturas
anuais, a Tabela 2 traz informações sobre valor de
salinidade limiar, decréscimo no rendimento das principais
culturas com o aumento unitário da salinidade acima
desse limiar e classificação de várias culturas quanto à
tolerância à salinidade.
Fonte: Adaptada de Mengel et al. (2001).
ocorre em regiões litorâneas, em consequência da
inundação do solo pela água salgada de mares ou
oceanos.
Em nível global, a cada ano verifica-se um aumento
das áreas afetadas por sais, especialmente onde a
irrigação é praticada sem um manejo adequado da água
e do solo. A maior parte dos solos afetados por sais
localiza-se em países em desenvolvimento, onde a
densidade populacional é alta e, consequentemente, há
necessidade de mais alimentos. No Brasil, além da região
Nordeste, são encontrados solos salinos no Rio Grande
do Sul e no Pantanal Mato-grossense (Ribeiro et al.,
2009). Segundo Ribeiro et al. (2003), com base no mapa
de solos do Brasil, os solos afetados por sais ocupam
cerca de 160.000 km2 (16 milhões hectares) ou 2% do
território nacional. A maior parte desses solos encontrase no Estado da Bahia (44% do total), seguido pelo
Ceará, que compreende 25,5% da área total de solos
afetados por sais do País. Conforme já mencionado,
prevê-se que em 2050 a população mundial chegue a
aproximadamente 10 bilhões de indivíduos, estando a
maior parte desse aumento populacional projetada nos
países em desenvolvimento, onde a demanda de
alimentos será maior. Neste contexto, a incorporação de
áreas afetadas por sais no processo produtivo de
alimentos, no futuro, terá papel fundamental do ponto de
vista socioeconômico.
A literatura indica que, além de recuperar o solo, o
uso de cultivares tolerantes à salinidade pode ser uma
ação complementar para a produção de alimentos em
solos salinos (François, 1994; Shalhevet, 1995; François,
1996; Khadri et al., 2006; Gama et al., 2009). Assim, este
capítulo objetiva discutir o melhoramento genético e a
metodologia de avaliação de genótipos relacionados a
culturas anuais no tocante à tolerância à salinidade.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A METODOLOGIA
DE AVALIAÇÃO PARA TOLERÂNCIA
À SALINIDADE
Aspectos gerais
Existem inúmeros trabalhos na literatura que relatam
a avaliação de espécies ou de genótipos de uma mesma
espécie relativamente à sua tolerância à salinidade em
condições de campo e em condições controladas
(Fageria, 1985a e b; François, 1994; Akhtar et al., 2003;
Murtaza et al., 2009). A escolha de metodologia
apropriada de avaliação é a primeira etapa para o
sucesso do processo de desenvolvimento de cultivares
tolerantes à salinidade. Não existe uma regra geral para
avaliação de material genético quanto à tolerância à
salinidade. A metodologia pode variar de acordo com as
condições climáticas da região, tipo de solo, grau de
salinidade do solo e disponibilidade de recursos físicos,
humanos e financeiros. Desse modo, a metodologia deve
ser desenvolvida e adaptada para cada condição. Para
tanto, é necessário conduzir experimentos em campo e
em casa de vegetação no sentido de alcançar resultados
satisfatórios. Indubitavelmente, porém, em todas as
situações, alguns princípios de avaliação óptica devem ser
levados em conta no processo de avaliação do material
genético, a saber:
01. Substrato de crescimento uniforme.
02. Genótipos com ciclos de desenvolvimento iguais
no mesmo experimento.
03. Metodologia de validação de resultados deve ser
simples e permitir avaliar grande número de genótipos com
razoável precisão.
04. Parâmetros de avaliação bem definidos.
05. Se o experimento é conduzido em campo, deve-se
determinar o nível de salinidade antes de instalar o ensaio.
É necessária uma clara definição, na área experimental,
do problema de salinidade para o qual se espera que a
planta possa responder.
208
Nand K. Fageria et al.
Tabela 2. Limiar de salinidade, decréscimo no rendimento e tolerância de várias culturas à salinidade
Cultura
Cereais, Fibrosas e Culturas especiais
Algodão (Gossypium hirsutum L.)
Amendoim (Arachis hypogaea L.)
Arroz (Oryza sativa L.)
Aveia (Avena L.)
Beterraba (Beta vulgaris L.)
Cana-de-açúcar (Saccharum oficinarum L.)
Caupi (Vigna unguiculata (L.) Walp.)
Centeio (Secale cereale L.)
Cevada (Hordeum vulgare L.)
Feijão (Phaseolus vulgaris L.)
Girassol (Helianthus annuus L.)
Guar (Cyamopsis tetragonoloba (L.) Taub.)
Linho (Linum spp.)
Milheto (Pennisetum glaucum (L.) R. Br.)
Milho (Zea mays L.)
Soja (Glycine max (L.) Merr.)
Sorgo (Sorghum bicolor (L.) Moench)
Trigo (Triticum aestivum L.)
Triticale (Triticum aestivum x Secale cereale)
Forrageiras
Alfafa (Medicago sativa L.)
Capim Bermuda (Cynodon dactylon (L.) Pers.)
Capim Sudão (Sorghum sudanense (Piper) Stapf)
Fetusca Alta (Festuca arundinacea Schreb.)
Sesbânia (Sesbania grandiflora (L.) Pers.)
Trevo Ladino (Trifolium repens L.)
Trevo Vermelho (Trifolium repens L.)
Hortaliças e Fruteiras
Alface (Lactuca sativa L.)
Aspargo (Asparagus officinalis L.)
Batata (Solanum tuberosum L.)
Batata-doce (Ipomoea batatas (L.) Lam.)
Berinjela (Solanum melongena L.)
Brócolis (Brassica oleracea L. var. italica Plenck)
Cebola (Allium cepa L.)
Cenoura (Daucus carota L.)
Couve-flor (Brassica oleracea L. var. botrytis L.)
Ervilha (Pisum sativum L.)
Espinafre (Spinacia oleracea L.)
Melancia (Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai)
Morango (Fragaria x ananassa Duch.)
Nabo (Brassica rapa L.)
Pepino (Cucumis sativus L.)
Rabanete (Raphanus sativus L.)
Repolho (Brassica oleracea L. var. capitata L.)
Tomate (Solanum lycopersicum L. var. lycopersicum)
1
S = sensível; MS = muito sensível; T = tolerante; MT = muito tolerante.
Fonte: Maas (1986).
Condutividade Elétrica
de Extrato de Saturação
Decréscimo no rendimento
Limiar
(% por dS m-1 acima limiar)
(dS m-1)
Classificação1
7,7
3,2
3,0
7,0
1,7
4,9
8,0
1,0
1,7
1,7
5,0
6,8
6,0
-
5,2
29,0
12,0
5,9
5,9
12,0
5,0
19,0
12,0
12,0
20,0
16,0
7,1
-
T
MS
S
MT
T
MS
MT
MT
T
S
MS
MT
MS
MS
MS
MT
MT
MT
T
2,0
6,9
2,8
3,9
2,3
1,5
1,5
7,3
6,4
4,3
5,3
7,0
12,0
12,0
MS
T
MT
MT
MS
MS
MS
1,3
4,1
1,7
1,5
2,8
1,2
1,0
2,0
1,0
0,9
2,5
1,2
1,8
2,5
13,0
2,0
12,0
11,0
9,2
16,0
14,0
7,6
33,0
9,0
13,0
13,0
9,7
9,9
MS
T
MS
MS
MS
MS
S
S
MS
S
MS
MS
S
MS
MS
MS
MS
MS
Melhoramento genético vegetal e seleção de cultivares tolerantes à salinidade
209
06. Determinação do nível de salinidade em que a
produção de uma dada espécie de planta começa a
decrescer.
07. Na avaliação de genótipos para tolerância à
salinidade é necessário que todos os nutrientes essenciais
sejam aplicados em quantidades adequadas.
08. Os ensaios de avaliação devem ser acompanhados
de práticas culturais adequadas, como época e densidade
de plantio convenientes, controle de doenças, pragas e
invasoras e colheita na época apropriada.
09. Na avaliação deve-se incluir uma cultivar tolerante
e uma suscetível para se estabelecer comparações.
10. A tolerância das culturas à salinidade varia com o
estádio de crescimento.
A parte aérea é mais sensível à toxidez de salinidade
do que o sistema radicular, tanto em experimentos de
longa como de curta duração (Tabela 3, Figura 1).
Portanto, em experimentos em casa de vegetação, a
parte aérea pode ser usada como elemento indireto de
avaliação das raízes. A Figura 1 mostra a resposta da
parte aérea e das raízes de cultivares de arroz (Oryza
sativa L.) à salinidade. O peso da matéria seca da parte
aérea foi reduzido mais do que o das raízes. Isto significa
que a parte aérea é mais sensível à salinidade do que as
raízes e, também, que o peso da matéria seca da parte
aérea é um parâmetro mais adequado para a
classificação de cultivares de cereais tolerantes à
salinidade do que o peso da matéria seca das raízes. Na
avaliação do efeito da salinidade em condições de
campo, a produção de grãos é o melhor parâmetro a ser
considerado no caso de culturas graníferas anuais.
Figura 1. Influência da salinidade no peso da matéria seca
das raízes e da parte aérea de cultivares de arroz (Oryza
sativa L.) (Adaptada de Fageria, 1992)
enchimento de grãos (Figura 2). Nessas culturas,
portanto, a seleção para tolerância à salinidade deve ser
feita no estádio mais sensível. É interessante, também,
irrigar essas culturas com água salina durante o estádio
de menor sensibilidade e usar água com baixa salinidade
durante o estádio mais sensível. Trabalho realizado por
Grattan et al. (1987) mostrou que a irrigação com água
de 8 dS m-1, do início da floração até a colheita, não
afetou significativamente a produção de melão (Cucumis
melo L.) e tomate (Solanum lycopersicum L. var.
Tabela 3. Nível de salinidade na redução de 50% do peso
da matéria seca da parte aérea e das raízes de algumas
culturas anuais
Parte
Raízes
Aérea
Cultura
Cevada (Hordeum vulgare L.)
Algodão (Gossypium hirsutum L.)
Milho (Zea mays L.)
Milho verde (Zea mays L.)
Sorgo (Sorghum bicolor (L.) Moench)
dS m-1
16,9 19,2
13,3 18,9
15,3 17,5
15,0 30,0
11,1 27,8
Fonte: Shalhevet et al. (1995).
De acordo com Shalhevet et al. (1995), resultados de
experimentos conduzidos em casa de vegetação mostram
que o sorgo (Sorghum bicolor (L.) Moench), o trigo
(Triticum aestivum L.) e o caupi (Vigna unguiculata
(L.) Walp.) são mais sensíveis à salinidade durante o
estádio vegetativo e no início da fase reprodutiva, menos
sensíveis no estádio de floração e insensíveis durante o
Figura 2. Relação hipotética mostrando a tolerância de uma
dada cultivar à salinidade em função de ciclo de
crescimento
210
Nand K. Fageria et al.
lycopersicum), em comparação com a água de irrigação
com salinidade de 0,2 dS m-1.
Análise e interpretação de dados
A tolerância à salinidade de uma espécie ou cultivar
pode ser interpretada de três maneiras:
1. Pode ser considerada como a capacidade de
sobrevivência da planta sob condições de elevada
concentração salina. Uma espécie, em alta concentração
de sal, pode crescer pouco ou não crescer, embora
permaneça viva. Assim, a capacidade de sobrevivência
de uma planta, quando submetida a aumentos crescentes
de salinidade, é uma medida de tolerância à salinidade.
2. Pode ser considerada do ponto de vista da
capacidade produtiva da planta, quando esta é exposta a
um dado nível de salinidade. Por exemplo, ao se avaliar
cultivares de uma mesma espécie em um solo contendo
certo nível de salinidade pode-se considerar a cultivar
mais produtiva como a mais tolerante.
3. Pode, ainda, ser considerada com base em um
gradiente de salinidade, avaliando-se o comportamento
de uma planta ou cultivar em solos com diferentes níveis
de salinidade: baixos, médios e altos, de modo a verificar
sua reação nessas condições.
Após a condução de ensaios, os resultados da
avaliação da tolerância de genótipos à salinidade devem
ser analisados e interpretados adequadamente antes de
serem aplicados na prática. Os critérios de avaliação
podem compreender caracteres morfológicos
(porcentagem de folhas mortas, redução em peso da
matéria seca da parte aérea ou de grãos) e fisiológicos.
Caracteres morfológicos
Dentre as formas de avaliação de caracteres
morfológicos, uma baseia-se na resposta das folhas da
cultivar em dado nível de salinidade. Considerando a
porcentagem de folhas mortas, os genótipos podem ser
classificados como tolerantes, moderadamente tolerantes
ou moderadamente suscetíveis e suscetíveis (Tabela 4).
Conforme este critério, a Tabela 5 apresenta a
classificação de 11 genótipos de arroz irrigado.
Outros caracteres morfológicos compreendem a
produção de matéria seca ou de grãos, avaliando-se as
reduções na expressão dos mesmos que se verificam sob
certo nível de salinidade, em relação à testemunha
cultivada em solo não-salino. Este critério de avaliação
é considerado como o mais adequado para aplicação em
condições de campo. Conforme Fageria (1985a, 1985b,
1992), pode-se utilizar a seguinte fórmula no cálculo da
redução da produção de matéria seca ou de grãos:
Tabela 4. Classificação de genótipos de plantas cultivadas
quanto à sua tolerância à salinidade, baseando-se na
porcentagem de folhas mortas
Folhas Mortas (%)
Nota
Classificação
0-20
1
Tolerante
21-35
2
Tolerante
36-50
3
Tolerante
51-70
Moderadamente
5
tolerante
Moderadamente
71-90
7
suscetível
91-100
9
Suscetível
Fonte: Ponnamperuma (1977).
Tabela 5. Classificação de genótipos de arroz (Oryza sativa
L.) irrigado segundo sua tolerância à salinidade
Folhas
Genótipo
Nota Classificação
Mortas (%)
BG 11-11
18
1 Tolerante
IR 9129-102-2
12
1 Tolerante
TOX 711-6
25
2 Tolerante
IR 22
47
3 Tolerante
IR 3511-39-3-3
Moderadamente
53
5
tolerante
Suvale 1
Moderadamente
59
5
tolerante
IR 2070-414-3-9
Moderadamente
62
5
tolerante
De Abril
Moderadamente
71
7
suscetível
Labelle
Moderadamente
77
7
suscetível
BR 4
91
9 Suscetível
IR 8
100
9 Suscetível
Fonte: Fageria et al. (1981).
RP = [(PSTS - PCTS) / PSTS] x 100
onde:
RP
PSTS
PCTS
- redução da produção;
- produção sem tratamento de salinidade;
- produção com tratamento de salinidade.
A maneira de interpretar esses resultados é
apresentada na Tabela 6.
Além desses critérios, pode-se utilizar o Índice de
Eficiência de Produção (IEP) na classificação de
diferentes genótipos quanto à tolerância à salinidade.
Este índice pode ser calculado como descrito a seguir
(Fageria, 1991):
IEP = (PANS / PMANS) x (PBNS / PMBNS)
onde:
IEP
PANS
- Índice de Eficiência de Produção;
- produção com alto nível de salinidade;
Melhoramento genético vegetal e seleção de cultivares tolerantes à salinidade
PMANS - produção média do experimento com alto
nível de salinidade;
PBNS - produção com baixo nível de salinidade;
PMBNS - produção média do experimento com
baixo nível de salinidade.
Resultados obtidos empregando este critério são
apresentados na Tabela 7.
Tabela 6. Classificação de genótipos quanto à tolerância à
salinidade, baseando-se na redução da produção de
matéria seca ou de grãos
Redução da
Classificação
Produção (%)
0-20
Tolerante
21-40
Moderadamente tolerante
41-60
Moderadamente suscetível
> 60
Suscetível
Fonte: Fageria (1985a).
Tabela 7. Influência da salinidade no peso da matéria seca
da parte aérea (g/5 plantas) de cultivares de arroz (Oryza
sativa L.) e sua classificação para tolerância à salinidade
Condutividade Elétrica
Redução da
Cultivar/
(dS m-1)
Matéria Seca (%)
Linguagem
Testemunha 5
10
5
10
CNA
3,30
3,25 2,76 2 (T)
16 (T)
810098
CNA
3,76
2,85 0,97 24 (MT) 74 (S)
810112
CNA
4,66
3,33 1,67 29 (MT) 64 (S)
810115
CNA
2,99
2,89 1,13 3 (T)
62 (S)
810129
CNA
3,76
2,16 1,37 43 (MS) 64 (S)
810138
CNA
3,12
2,69 1,96 14 (T) 38 (MT)
810168
T = Tolerante, MT = Moderadamente tolerante, MS = Moderadamente suscetível e S =
Suscetível
A classificação de genótipos com base neste índice
pode ser feita da seguinte maneira: genótipos tolerantes
apresentam índice de eficiência maior que 1, genótipos
moderadamente tolerantes relacionam-se a índices entre
0,5 e 1, e genótipos suscetíveis compreendem índices de
eficiência entre 0 e 0,5. Observando esse critério,
trabalho realizado em casa de vegetação utilizando solo
pertencente à ordem Inceptissolo, possibilitou o seguinte
agrupamento de cultivares de arroz, conforme sua
tolerância à salinidade (Tabela 8).
Características fisiológicas
A seleção baseada em parâmetros fisiológicos pode
resultar em maior sucesso no desenvolvimento de
cultivares tolerantes à salinidade. Alguns trabalhos de
211
Tabela 8. Influência da salinidade no peso da matéria seca
da parte aérea (g) de cultivares de arroz (Oryza sativa L.)
e sua classificação para tolerância à salinidade, conforme
Índice de Eficiência de Produção (IEP)
Nível de
Cultivar/
IEP e
Salinidade (dS m-1)
Classificação1
Linhagem
Testemunha 10 g
GA 3459
1,16
0,42
0,60 (MT)
L 440
1,99
0,47
1,16 (T)
IET 2881
1,87
0,81
1,88 (T)
GA 3461
1,32
0,49
0,80 (MT)
CNA 12
1,92
0,56
1,33 (T)
GA 3452
1,96
0,59
1,53 (T)
CNA 294-B-BM-4-4
1,85
0,61
1,40 (T)
CNA 237-F-130-1
1,57
0,56
1,09 (T)
CNA 108-B-28-2-1
1,15
0,16
0,23 (S)
CNA 296-B-BM-M-4
1,63
0,28
0,56 (MT)
Média
1,64
0,49
T = Tolerante, MT = Moderadamente tolerante, MS = Moderadamente suscetível e S =
Suscetível. Fonte: Fageria (1985b).
1
revisão publicados neste sentido (Lauchli & Epstein, 1990;
Noble & Rogers, 1992) mostram que vários mecanismos
de tolerância são envolvidos e que, além disso, a
importância relativa de muitos mecanismos pode variar
entre espécies de plantas (Rush & Epstein, 1981) e entre
cultivares da mesma espécie (Yeo & Flowers, 1983).
Faltam informações, entretanto, sobre o controle genético
desses mecanismos. Alguns parâmetros fisiológicos de
avaliação, como acumulação e exclusão de íons e
ajustamento osmótico, estão entre os mais importantes.
Plantas halófilas, que habitam meios ricos em sal,
acumulam certos íons inorgânicos em altas
concentrações e utilizam-se deles para manter o
potencial osmótico de seus tecidos abaixo do que o
potencial externo apresenta. Em muitas alicofíticas, a
diferença entre cultivares tolerantes à salinidade está
associada ao baixo teor de absorção e à acumulação de
Na+ ou Cl- em toda a planta ou na parte aérea. Neste
caso, a tolerância é relacionada ao mecanismo de
exclusão de íons. A Tabela 9 mostra a acumulação de
Na + na parte aérea de sete cultivares de arroz. Nas
cultivares tolerantes, o teor de Na + na parte aérea foi
muito menor que nas suscetíveis. Lauchli (1984)
observou que a maioria das leguminosas responde à
salinidade pela exclusão de sais das folhas. A tolerância
à salinidade em soja (Glycine max (L.) Merr.), alfafa
(Medicago sativa L.) e trigo também se relaciona à
exclusão de Na+ e/ou de Cl- na parte aérea (Noble &
Rogers, 1992). Assim, a avaliação da tolerância à
salinidade de genótipos dessas espécies com base na
exclusão de Na+ ou Cl- pode ser um bom critério de
seleção.
Plantas tolerantes à salinidade devem ser capazes de
ajustar seu potencial osmótico, o que envolve tanto a
212
Nand K. Fageria et al.
Tabela 9. Concentração de Na+ na parte aérea de cultivares
de arroz (Oryza sativa L.) e sua classificação quanto à
tolerância à salinidade
Teor de Na+
Cultivar
Classificação
(mol m-3)
Pokkali
39
Tolerante
Nova Bokra
62
Tolerante
IR 2153
50
Tolerante
99
Moderadamente
IR 5
tolerante
125
Moderadamente
IR 58
tolerante
IR 36
150
Suscetível
IR 22
247
Suscetível
Fonte: IRRI (1994).
absorção e a acumulação de íons como a síntese de
solutos orgânicos. Esses mecanismos, usados como base
de classificação de plantas halófilas (Waisel, 1972),
geralmente operam juntos. O mecanismo dominante
varia entre espécies de planta e, em alguns casos, entre
partes da planta.
A contribuição relativa de vários íons no ajustamento
osmótico depende do mecanismo regulador do transporte
de íons, como permeabilidade da membrana, cinética de
transporte, energia e seletividade. A taxa de absorção é
variável de íon para íon e, por isso, influencia o balanço
iônico na planta. A contribuição do Cl - para o
ajustamento osmótico é muito maior que a do SO 42-,
porque a absorção de Cl- é muito mais rápida que a de
SO42-. Quando a salinidade consiste predominantemente
de cátions monovalentes e ânions divalentes, como
Na2SO4, a taxa de absorção de cátions é maior que a de
ânions. Nesta situação, o balanço iônico é alcançado
através da síntese e da acumulação de ácidos orgânicos
(Maas & Nieman, 1978).
É possível que o mecanismo mais importante para
regular o potencial osmótico seja a absorção seletiva de
íons. Plantas tolerantes possuem capacidade de absorver
nutrientes essenciais na solução salina em que a
concentração de íons não-essenciais (tóxicos) é muito
maior que a de íons essenciais. Por exemplo, em solução
de solos salinos a concentração de Na+ é maior que a de
K+. Entretanto, a relação Na/K, em plantas que crescem
nesse tipo de solo, é aproximadamente um ou menos.
Esta alta especificidade para absorção de K + está
presente em várias espécies de plantas (Pitman, 1970).
Entre as plantas halófilas, uma classe de eualofíticas
ajusta-se ao ambiente salino pela acumulação de grande
quantidade de sal, geralmente NaCl (Waisel, 1972). Essas
plantas possuem adaptação para alta concentração de
sais pelo aumento de suculência (exemplo: Salicornia
herbacea (L.) L.), pelo acúmulo de sais em partes
menos sensíveis (exemplo: Atriplex sp.), pela secreção
do excesso de sais de seus órgãos (exemplo: Spartina
alterniflora Loisel.), ou por várias combinações desses
mecanismos.
MELHORAMENTO GENÉTICO VEGETAL
PARA TOLERÂNCIA À SALINIDADE
Variação em germoplasma
Existem grandes diferenças entre espécies e entre
cultivares de uma mesma espécie com relação à
tolerância à salinidade (Figuras 3 e 4). Algodão
(Gossypium hirsutum L.) e cevada (Hordeum vulgare
L.) seguidas pelo trigo, estão entre as espécies mais
tolerantes à salinidade. A maioria das leguminosas é
suscetível à salinidade, estando entre as exceções a
alfafa (Munns, 2001). Quando ao nível de salinidade
encontra-se em torno de 10 dS m -1 , a maioria das
leguminosas morre antes da maturação. Nessas
condições, porém, culturas como a cevada e o trigo
Figura 3. Curva de resposta de espécies de plantas à
salinidade (Adaptada de Shannon, 1984)
Figura 4. Influência da salinidade no peso da matéria seca
da parte aérea de duas cultivares de arroz (Oryza sativa
L.) (Adaptada de Fageria, 1989)
Melhoramento genético vegetal e seleção de cultivares tolerantes à salinidade
chegam a produzir, embora com baixas produtividades
(Munns, 2001).
François et al. (1989) estudaram os efeitos da
salinidade na produtividade de centeio (Secale cereale
L.). A produção relativa de duas cultivares não foi
afetada até 11,4 dS m-1. A cada aumento de uma unidade
de salinidade, acima de 11,4 dS m-1, verificou-se redução
na produção em 10,8%. Esses resultados colocam o
centeio na categoria de espécie tolerante à salinidade.
François et al. (1984) também estudaram os efeitos
da salinidade na produção de duas cultivares de sorgo
granífero. A produtividade não foi afetada até 6,8 dS m-1.
Após este nível, a cada aumento de uma unidade de
salinidade houve diminuição na produção de grãos em
16%. O sorgo foi classificado por esses autores como
espécie moderadamente tolerante à salinidade.
Devitt et al. (1984) mostraram que, sob condições
salinas, o sorgo é bem adaptado para explorar regiões
com potencial osmótico mais favorável. François et al.
(1990) determinaram os efeitos da salinidade do solo
sobre a produtividade de duas cultivares de guar
(Cyamopsis tetragonoloba (L.) Taub.), sendo esta espécie
classificada como moderadamente tolerante à salinidade.
Subbarao & Johansen (1994b) também relataram
diferenças significativas entre espécies leguminosas em
relação à sua tolerância à salinidade. As Figuras 5 e 6
mostram a tolerância à salinidade de seis cultivares/
linhagens de arroz irrigado. Duas cultivares brasileiras,
EEA 304 e IAC 435, morreram, mas quatro linhagens do
International Rice Research Institute - IRRI sobrevieram
sob o nível de salinidade de 10 dS m-1.
Figura 5. Tolerância à salinidade de genótipos de arroz (Oryza
sativa L.) - EEA 304, IR4422-164-3-6 e IR4432-22-5,
irrigado durante fase inicial de crescimento sob 10 dS m-1
nível de salinidade aplicado com 2% de solução de NaCl
Plantas nativas e exóticas como fontes de
tolerância à salinidade
Plantas nativas e exóticas são frequentemente
empregadas como fontes de tolerância à salinidade. Em
nível mundial, várias instituições são responsáveis pela
213
Figura 6. Tolerância à salinidade de genótipos de arroz (Oryza
sativa L.) - IAC 435, IR9129-102-2 e IR5624-2-1, irrigado
durante a fase inicial de crescimento sob 10 dS m -1
nível de salinidade aplicado com 2% de solução de NaCl
coleção, manutenção e distribuição desse germoplasma
para pesquisadores, com vistas à sua utilização em
programas de melhoramento genético. Diversos estudos
mostram que muitas plantas nativas e exóticas possuem
alta tolerância à salinidade e que esta pode ser transferida
para plantas cultivadas mediante a aplicação de técnicas
de melhoramento genético. Lycopersicon cheesmani, por
exemplo, é uma espécie silvestre relacionada ao tomateiro,
distinguindo-se por sua alta tolerância à salinidade, podendo
produzir satisfatoriamente mesmo quando irrigada com
água do mar, cujo nível de salinidade é altamente tóxico
para tomateiros cultivados. Semelhantemente,
considerando o trigo, a espécie silvestre Elytrigia
elongata (Host) Nevski também mostrou alta tolerância
à salinidade em relação à espécie cultivada Triticum
aestivum. Por outro lado, plantas silvestres relacionadas à
cevada, como Hordeum jubatum L. e Hordeum
marinum Huds., em comparação com a espécie cultivada
Hordeum vulgare, não possuem alta tolerância a sais
(Subbarao & Johansen, 1994a).
Estratégias relacionadas ao melhoramento genético
O melhoramento genético de cultivares para
tolerância a sais é plenamente viável, uma vez que não
se verificam relações de antagonismo entre alta
produtividade e tolerância à salinidade (Akbar &
Ponnamperuma, 1980). Dentre híbridos obtidos de
cruzamentos entre cultivares de arroz, tolerantes e
suscetíveis à salinidade, alguns apresentaram alta
tolerância a sais, conforme Akbar & Ponnamperuma
(1980), que constataram, em geração F2, ampla faixa de
variação entre genótipos, permitindo a seleção, nas
gerações F3 e F4, de plantas tolerantes à salinidade.
A tolerância a sais varia em conformidade com o
estádio de crescimento da planta. Assim sendo, em
214
Nand K. Fageria et al.
programas de melhoramento genético, deve-se
concentrar esforços nos estádios críticos da planta. Não
se deve esquecer, todavia, que a resposta da planta à
salinidade está diretamente relacionada à duração da
exposição ao estresse, e que, na seleção, o desempenho
geral deve levar em conta todos os estádios de
crescimento do vegetal.
São poucos os trabalhos realizados em melhoramento
genético para tolerância de cultivares a sais. Nesse
contexto, verifica-se a necessidade da formulação de
métodos que permitam uma rápida e eficiente avaliação
do material em teste.
As técnicas de seleção e os métodos de
melhoramento genético para tolerância a sais foram
discutidos por vários pesquisadores (Nieman & Shannon,
1976; Ponnamperuma, 1977), tendo sido sugerido o uso
de técnicas de genética quantitativa, uma vez que
diversos genes podem estar envolvidos no
comportamento da tolerância à salinidade.
No processo de geração de cultivares tolerantes à
salinidade é importante definir corretamente os níveis de
salinidade a serem aplicados durante o crescimento e
desenvolvimento dos genótipos sob avaliação; deve-se ter
em mente a não viabilidade de utilização de uma só
cultivar em diferentes tipos de solos salinos. Portanto, é
necessário o conhecimento da composição de sais
existente nos solos para os quais as novas cultivares
serão desenvolvidas. Inicialmente os genótipos podem ser
avaliados sob condições controladas, devendo os testes
finais, entretanto, serem conduzidos sob condições de
campo, de modo a se avaliar sua produtividade. Nas
avaliações preliminares de germoplasma, da germinação
à maturação, o emprego de soluções nutritivas é a
melhor opção para a identificação de genótipos
tolerantes à salinidade (Subbarao & Johansen, 1994b).
O IRRI desenvolveu a cultivar de arroz IR50 tolerante
à salinidade. Em média, esta variedade produziu 3 t ha-1
em ensaios de rendimento em locais onde as cultivares
tradicionais não conseguiram sobreviver.
O IRRI demonstrou, também, que o uso de
cruzamento cumulativo, envolvendo várias cultivares
tolerantes à salinidade, pode possibilitar o
desenvolvimento de cultivares mais tolerantes que seus
respectivos parentais. Progênies de cruzamentos entre
duas cultivares tolerantes à salinidade manifestaram alta
tolerância em F1 e F3, superior à de seus parentais.
Introdução de cultivares tolerantes à salinidade
Apesar da existência, entre e dentro de espécies, de
variabilidade genética suficiente para a geração de
indivíduos tolerantes à salinidade (Venables & Wilkins,
1978; Norlyn, 1980; Fageria, 1985b, 1991), poucos são os
exemplos de lançamento de cultivares que apresentam
essa característica (Tabela 10).
Tomando-se por base o conhecimento da
variabilidade genética existente em nível de cultivares de
culturas anuais, relativamente à tolerância à salinidade,
conclui-se que esta ainda não foi suficientemente
explorada em programas de melhoramento genético.
Dentre as razões que levaram a essa situação
encontram-se:
1. Falta de conhecimento da complexidade da
natureza da tolerância e do modo como esta é
modificada pelas condições ambientais.
2. Variação da tolerância da planta à salinidade em
conformidade com sua idade.
3. Em geral, os melhoristas estão preocupados com
outros objetivos, como: alta produtividade, resistência a
doenças e ao acamamento e qualidade do que se
pretende produzir. Pouquíssima atenção tem sido dada
aos estresses de natureza abiótica relacionados ao solo.
ESPÉCIES DE PLANTAS ADAPTADAS
AO CULTIVO SOB CONDIÇÕES SALINAS
Várias espécies de plantas possuem alta tolerância à
salinidade, tendo adaptação ao cultivo em solos salinos;
Tabela 10. Cultivares de diferentes espécies de plantas tolerantes à salinidade lançadas comercialmente
Cultivar (Espécie)
Arizona 8601 (Milho, Zea mays L.)
Arsola 1-18 (Abacate, Persea americana Mill.)
AZ Germ Salt 1 (Alfafa, Medicago sativa L.)
AZ Germ Salt 2 (Alfafa, Medicago sativa L.)
BG 84-3 (Melão, Cucumis melo L.)
Edkway (Tomate, Solanum lycopersicum L. var. lycopersicum)
Giza 159 (Arroz, Oryza sativa L.)
Giza 160 (Arroz, Oryza sativa L.)
Nebraska 10 (Agropiro, Agropyron spp.)
Saltol (Festuca vermelha, Festuca rubra L.)
Adaptado de Shannon (1996), Noble & Rogers (1992).
Método de seleção
Programa de seleção natural
Cruzamento de variedades
Seleção recorrente
Seleção recorrente
Seleção natural de ecotípica
Programa de seleção natural
Cruzamento de variedades
Cruzamento de variedades
Seleção natural de ecotípica
Seleção natural de ecotípica
País
(ano de lançamento)
Estados Unidos (1987)
Estados Unidos (1951)
Estados Unidos (1983)
Estados Unidos (1990)
Israel (1990)
Egito (1982)
Egito (1966)
Egito (1984)
Estados Unidos (1962)
Canadá (1981)
Melhoramento genético vegetal e seleção de cultivares tolerantes à salinidade
Tabela 11. Espécies de plantas tolerantes à salinidade
Nome comum
Culturas de fibra, sementes e açúcar
Algodão
Beterraba açucareira
Cevada
Jojoba
Culturas forrageiras e gramíneas
Agropiro alto
Agropiro crestado
“Alkali sacaton”
Capim-bermuda
“Desert saltgrass”
Elimo de Altai
Elimo da Rússia
Grama “Karnal”
“Nuttall”
Hortaliças
Aspargo
Fruteiras
Tâmara
215
Nome científico
Gossypium hirsutum L.
Beta vulgaris L.
Hordeum vulgare L.
Simmondsia chinensis (Link) C. K. Schneid.
Agropyron elongatum (Host) P. Beauv.
Agropyron crestalum (L.) Gaertn.
Sporobolus airoides (Torr.) Torr.
Cynodon dactylon (L.) Pers.
Distichlis stricta (Torr.) Rydb.
Elymus angustus Trin.
Elymus junceus Fisch.
Diplachne fusca (L.) P. Beauv. ex Roem. & Schult.
Puccinellia airoides S. Watson & J. M. Coult.
Asparagus officinalis L.
Phoenix dactylifera L.
Fonte: Maas (1986).
dentre as mesmas, algumas são apresentadas na Tabela
11. Espécies de Chenopodiaceae são bem conhecidas
quanto à sua capacidade de acumular altos teores de Na+
na parte aérea da planta, associada a uma baixa relação
K+/Na+, em torno de 2,2 (Haneklaus et al., 1998). Além
disso, a alta tolerância à salinidade está associada à
exclusão de íons tóxicos no processo de absorção
(Greenway & Munns, 1980).
PERSPECTIVAS FUTURAS
A salinização, do solo e da água, é um dos problemas
mais graves na produção agrícola, particularmente em
regiões áridas e semiáridas. Em nível das diferentes
culturas, a avaliação do germoplasma disponível, incluindo
o silvestre, pode fornecer fontes de tolerância à
salinidade para programas de melhoramento genético.
Além disso, diversas técnicas relacionadas à moderna
biotecnologia não foram suficientemente utilizadas em
programas de melhoramento genético dirigidos ao
desenvolvimento de cultivares tolerantes à salinidade. Em
futuro próximo, o desenvolvimento de novos genótipos
tolerantes à salinidade dependerá de esforços
multidisciplinares e multi-institucionais, envolvendo
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, como
melhoramento genético, fisiologia, física de solo,
fertilidade do solo e nutrição, cultura de tecidos,
citogenética, transgenia, métodos quantitativos, entre
outras.
CONCLUSÕES
Em nível mundial, o maior potencial de expansão da
fronteira agrícola situa-se em regiões tropicais, que
incluem o Brasil, país onde existem grandes áreas
afetadas por sais.
Práticas comuns de recuperação de solos salinizados
compreendem o uso de corretivos e da água para
lixiviação de sais. Essas práticas, entretanto, são muito
dispendiosas, tornando o emprego de espécies ou
cultivares adaptadas a tais condições adversas uma
estratégia promissora para a sustentabilidade da produção
de alimentos.
No futuro, prevê-se a expansão do emprego da
irrigação, com vistas à produção de alimentos em
quantidade suficiente para satisfazer à demanda da
crescente população mundial. Com isso, corre-se o risco
de ampliação das áreas que apresentam solos salinos e
sódicos, caso não sejam adotadas medidas adequadas de
manejo do solo e da água. Nesse sentido, será
fundamental o uso conjunto de práticas que envolvam o
manejo do solo, da água e da planta. Embora as
diferenças entre espécies com relação à tolerância à
salinidade sejam bem relatadas, é necessário intensificar
a realização de trabalhos, de natureza básica e aplicada,
nas áreas de fisiologia, genética e melhoramento das
plantas, de modo a permitir um melhor entendimento dos
processos envolvidos nas respostas de tolerância à
salinidade.
216
Nand K. Fageria et al.
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