O PAPEL DA OBSERVAÇÃO: Aparência, atitude, psicomotricidade, fala e linguagem Iraneide Castro de Oliveira IPUB/UFRJ O que pode ser observado no exame psíquico? O que está aparente? O que está oculto? As aparências enganam... I - aparência No exame psíquico e na súmula psicopatológica o termo aparência tem um significado mais restrito e refere-se, basicamente, aos cuidados higiênicos e estéticos relativos ao corpo (cabelos, barba, unhas dentes), roupas, maquiagens e adereços (brincos, colares, anéis, pulseiras,etc.) em geral a aparência é o primeiro elemento observado no paciente,e o seu exame oferece indicações sobre o estado de diversas funções psíquicas. alterações na aparência: Cuidada Descuidada (desleixada) higiene corporal comprometida (roupas sujas, rasgadas; mal cheiro; cabelos despenteados; barba por fazer; dentes ausentes ou estragados; unhas sujas e compridas) alterações na aparência (cont.) adequada bizarra ou extravagante ou excêntrica destoante do usual no ambiente do indivíduo, diferente ou exagerada em relação ao padrão da maioria das pessoas exibicionista caracteriza-se pela excessiva exposição do corpo II - atitude (ou comportamento) Num sentido amplo, engloba a fala, os gestos, a mímica e os demais movimentos corporais. Na súmula psicopatológica o termo atitude está relacionado, especificamente,ao examinador e à entrevista. Algumas atitudes (comportamentos)estão relacionadas a uma consciência plena de morbidade: cooperante amistosa de confiança interessada alterações da atitude “ Você é mesmo psicólogo?” “ Há microfones escondidos aqui?” “ Você é casado? Tem filhos? Quanto você ganha? Qual é o seu carro?” “ Vossa Excelência quer saber o que?” “ tia, posso brincar com o seu celular?” alterações da atitude não cooperante de oposição (ou negativista) hostil (o paciente ofende, ameaça) de fuga(reflete medo) suspicaz (ou de desconfiança) querelante reivindicativa arrogante evasiva invasiva de esquiva alterações da atitude (cont.) inibida desinibida jocosa irônica lamuriosa dramática teatral pueril sedutora gliscróide simuladora dissimuladora indiferente manipuladora submissa expansiva amaneirada reação de último momento No exame da atitude o examinador não deve provocar ativamente qualquer atitude no paciente, a qual deve ser espontânea III - Psicomotricidade As ações psicomotoras possuem um conteúdo psicológico e são uma expressão do psiquismo.O ato motor é o componente final do ato volitivo e as alterações da psicomotricidade são,freqüentemente, a expressão final de alterações da volição. psicomotricidade “...queixa-se de que, em certos momentos, sente uma intranqüilidade interna, quando é forçado a assobiar. Após alguns dias em que se manteve tranqüilo, torna a apresentar-se agitado e confuso:canta, assobia, rasga a camisa, salta da cama... ...na terceira internação, apresentou-se violento. Escuta vozes celestiais. Não tem apetite. Vive do ar e do amor. Mantém contínua movimentação. Gesticula e estende os braços...” Alterações quantitativas: Apraxia – dificuldade ou impossibilidade de realizar atos motores intencionais, voluntários na ausência de paresia ou paralisia, de defict sensorial e de incoordenação motora. Hipocinesias/Acinesias – A hipocinesia (ou inibição psicomotora) caracteriza-se pela diminuição acentuada e generalizada dos movimentos voluntários. Na acinesia (ou estupor) há abolição dos movimentos voluntários. Hipercinesias (ou exaltação psicomotora)é um aumento patológico da atividade motora voluntária Inquietação – agitação - furor Alterações qualitativas: Ecopraxia – repetição automática das ações motoras executadas por outra pessoa Estereotipia – ações motoras desprovidas de finalidade e sentido Flexibilidade Cerácea – a rigidez muscular é vencida possibilitando diversas posturas Interceptação Cinética – interrupção brusca de um movimento já iniciada Perseveração Motora – repetição aparentemente sem sentido de uma ação motora inicialmente adequada Maneirismos – é um tipo de estereotipia com movimentos expressivos que se tornam exagerados afetados, rebuscados Alterações da Psicomotricidade A agitação psicomotora é uma das mais comuns. Está geralmente associada à hostilidade e heteroagressividade. Pode ser observada em quadros maníacos, em episódios esquizofrênicos agudos, em quadros psicoorgânicos agudos,quadros paranóides em deficientes mentais e em síndromes demenciais A lentificação psicomotora reflete uma lentificação de toda atividade psíquica(bradipsiquismo).A movimentação voluntária torna-se lenta, difícil, podendo haver um período de latência entre uma solicitação ambiental e a resposta motora do paciente. Alterações da Psicomotricidade O estupor é a perda de toda a atividade espontânea, que atinge o indivíduo globalmente na vigência de um nível de consciência aparentemente preservado e da capacidade sensitivo-motora para reagir ao ambiente A catalepsia é um exagero acentuado do tônus postural, com grande redução da mobilidade passiva dos vários segmentos corporais e com hipertonia muscular global de tipo plástico. Na flexibilidade cerácea o indivíduo ou uma parte de seu corpo é colocado pelo examinador numa determinada posição e o paciente a mantém como se fosse um homem de cera. alterações da psicomotricidade A cataplexia é a perda abrupta do tônus muscular, geralmente acompanhada de queda ao chão. Acontece nos casos de narcolepsia (crises recorrentes de sono tipo sono-REM, no indivíduo desperto. alterações da psicomotricidade As estereotipias são repetições automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo. “o doente executa, de maneira constante e uniforme, um dado movimento, qualquer que seja ele, durante meses e até anos.Podem variar desde simples movimentos dos dedos até marchas estereotipadas”.(E. Kraepelin) São atos dotados de sentido (Bleuler), expressivos, simbólicos, que têm uma finalidade (Klaesi) alterações da psicomotricidade Os tiques são atos coordenados, repetitivos, resultantes de contrações súbitas, breves e intermitentes. Acentuam-se com a ansiedade. São, em geral, reflexo condicionado originalmente associado a determinados estímulos físicos ou emocionais, que se mantêm de forma estereotipada, como um movimento involuntário. Na conversão há o surgimento abrupto de sintomas físicos (paralisias, anestesias, parestesias, cegueira, etc.) de origem psicogênica. IV - Fala e linguagem A linguagem é considerada como um processo mental de caráter essencialmente consciente,significativo e orientado para o social. Apresenta aspectos variados que interessam a lingüística, a gramática, a filosofia, a sociologia, às técnicas de comunicação,a psicologia e a medicina. Fala e linguagem Existem duas dimensões consideradas como básicas da linguagem: 1. a fala – que é individual, pessoal e 2. a linguagem propriamente dita que é social,histórica e cultural Fala e linguagem A linguagem consiste de dois elementos fundamentais: 1.a sintaxe que tem por objeto estabelecer as relações entre as palavras e as frases e corresponde a própria organização do pensamento 2. a palavra que é um dos elementos essenciais na expressão do pensamento Linguagem Prosódia – Componente afetivo da linguagem. Constituída pela entonação, musicalidade, inflexões da fala, além da gesticulação As funções da Linguagem 1. Comunicação social 2. Expressão de vivências internas (pensamentos e sentimentos) 3.Organização da experiência sensorial e dos processos mentais 4.Tradução dos estímulos externos 5.Indicação e descrição das coisas 6.Transmissão de conhecimento e 7.Regulação de conduta Linguagem Alterações da Linguagem I - Secundárias à causas orgânicas – inclui todas as perturbações que intervêm na elaboração e na emissão dos sons, de cuja articulação resulta a palavra falada. Geralmente, estão associadas à acidentes vasculares cerebrais, tumores cerebrais, malformações arteriovenosas, etc. Na maior parte das vezes os acidentes ocorrem no hemisfério esquerdo, nas regiões denominadas de “áreas cerebrais da linguagem” alterações da linguagem AFASIA: é um transtorno orgânico da linguagem, na ausência de incapacidade motora para produzila (órgão fonador).Corresponde a perda da linguagem falada e escrita por incapacidade de compreender e utilizar os símbolos verbais 1. Afasia de expressão ou de BROCA É uma afasia não-fluente em que o órgão fonador está preservado mas o indivíduo não consegue falar ou fala com dificuldade. “... eu comer isso... querer água...” alterações da linguagem 2. Afasia de compreensão ou de Wernicke É uma afasia fluente, na qual o indivíduo continua podendo falar, mas a sua fala é muito defeituosa e às vezes incompreensível. o paciente não consegue compreender a linguagem (falade e escrita) e tem dificuldade para repetição. 3. Afasia global – é grave, não fluente, acompanhada por hemiparesia direita (de condução, transcorticais, anatômicas,etc.) alterações da linguagem Parafrasias: alteração discreta da linguagem, deformação das palavras “ibro” (livro) Agrafia: perda por lesão orgânica da linguagem escrita. Alexia: perda por origem neurológica da leitura (dislexia é uma disfunção leve da leitura) Disartria: incapacidade de articular corretamente as palavras por alterações neurológicas do aparelho fonador. Disfonia: alteração da fala pela alteração da sonoridade. Afonia e disfemia. gagueira: Tipo de disfemia. Dificuldade para pronunciar certas sílabas (ga, gue, qui,etc.) Dislalia: deformação da fala por omissão ou substituição dos fonemas. alterações da linguagem II – Associadas a Transtornos Psiquiátrico Primários 1. Logorréia e taquifasia: produção aumentada e acelerada da linguagem verbal, fluxo incessante de palavras e frases.Observada tipicamente nos estados maníacos. 2. Bradifasia: Fala vagarosa, as palavras seguem uma às outras de forma lenta e difícil. Quadros depressivos grave, estados demenciais, esquizofrenia crônica ou com sintomas negativos. alterações da linguagem 3. Mutismo: Ausência de resposta verbal oral por parte do paciente. Pode ser de natureza neurobiológica, psicológica ou psicogênica. Observado no estupor, em quadros esquizofrênicos (catatônicos) em depressões graves. 4. Perseveração e estereotipia verbal: Repetição automática de palavras ou trechos de frases, de modo estereotipado, mecânico e sem sentido 5. Ecolalia: É a repetição da última ou últimas palavras dirigidas ao paciente. Automática, involuntária. “Qual sua idade?” O paciente diz: “idade, idade, idade...” alterações da linguagem 6. Palilalia e logoclonia: repetição automática e estereotipada pelo paciente da última ou últimas palavras que o próprio paciente emitiu. É sem controle, involuntária. Na logoclonia a repetição involuntária é das últimas sílabas. 7. Tiques verbais ou fonéticos e coprolalia: São produções de fonemas ou palavras de forma recorrente, imprópria e irresistível. Podem ser sons guturais, abruptos e espasmódicos. A coprolalia é a emissão de palavras obscenas, vulgares ou relativas a excrementos. alterações da linguagem 8. Verbigeração: é a repetição de forma monótona e sem sentido comunicativo aparente de palavras, sílabas ou trechos de frases. A mussitação é um fenômeno próximo à verbigeração, é a produção repetitiva de uma voz muito baixa, murmurada,sem significado comunicativo onde o paciente fala para si próprio. 9. Glossolalia: É a produção de uma fala gutural, pouco compreensível. Os sons, embora não tenham um sentido lingüístico, imitam a fala normal nos seus aspectos prosódicos. alterações da linguagem 10. Fenômeno de para-respostas: São respostas disparatadas em relação as perguntas. “Onde o Sr. mora?” o paciente responde: “Acho que vai chover” Encontradas na esquizofrenia e nas demências. Implica uma alteração tanto do pensamento como do comportamento verbal mais amplo. É importante diferenciar entre uma para-resposta verdadeira de uma atitude voluntária de birra, ironia ou escárnio. Para o exame da Linguagem: Como é a fala do paciente? Espontânea ou não? Recusa-se ou é incapaz de falar? A fala é lenta ou rápida? É inibida? interceptada? As respostas são coerentes? O discurso é compreensível? Gramaticalmente correto? Há neologismos? palavras bizarras? Há tiques verbais? Tem dificuldade de encontrar as palavras? Bibliografia: