Os desafios da formação técnica na área de gestão em saúde PESQUISA FINANCIADA PELA FAPERJ COMPREENSÃO DO CAMPO DA GESTÃO EM SAÚDE • • a) b) O principal elemento de análise foi a compreensão que os trabalhadores expressaram sobre o papel que desempenham na gestão das instituições de saúde. Foram analisadas em particular duas temáticas: Compreensão sobre gestão em saúde Percepção dos sujeitos sobre o processo decisório da gestão dos serviços de saúde pesquisados. NORMA OPERACIONAL BÁSICA DE 1996: GESTÃO “A atividade e a responsabilidade de dirigir um sistema de saúde (municipal, estadual ou nacional), mediante o exercício de funções de coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria”. GERÊNCIA “A administração de uma unidade ou órgão de saúde (ambulatório, hospital, instituto, fundação etc.) que se caracteriza como prestador de serviços ao sistema”. Essas definições não levam em consideração senão os atores que ocupam cargos de direção nas unidades e no sistema de saúde. Não relacionam o campo da gestão em saúde aos processos de trabalho de diferentes profissionais, que desempenham um amplo conjunto de atividades essenciais à organização do SUS, tanto em termos no âmbito dos serviços de saúde, como no que diz respeito à conformação da rede de atenção. Como sinalizam as definições apresentadas, há uma grande lacuna sobre os processos de trabalho dos profissionais de nível médio que atuam na gestão. Consideramos que isto nos indica a necessidade de analisarmos a inserção e atuação destes trabalhadores desde o contexto concreto das relações institucionais que configuram os serviços de saúde. Ao propormos remeter a discussão da gestão ao cotidiano institucional não adotamos as definições apresentadas pela NOB 96, que demarcam a distinção entre gestão e gerência. Tal diferenciação torna-se secundária, uma vez que assumimos que “[...]o principal núcleo dos desafios colocados à gestão, nesse contexto, é relativo à capacidade de implementar práticas cotidianas suficientemente densas para produzir, no limite da radicalidade possível em cada situação, tensões e rupturas com a cultura instituída e com as tecnologias de gestão existentes” (FERLA, CECCIM E PELEGRINI, 2003, p.65) As entrevistas realizadas demonstram que os trabalhadores compartilham a compreensão de gestão apresentada na NOB 96. Em resposta à pergunta sobre quem são os responsáveis pela gestão da unidade em que trabalham: 92,5% identificou os cargos de direção da unidade; A grande maioria (62,5%) identificou exclusivamente a direção (diretor, vicedireção, direção administrativa) como responsável pela gestão da unidade; Uma parcela dos entrevistados (22,5%) referiu também as chefias imediatas, sendo que, destes, apenas 7,5% mencionaram-nas exclusivamente; Apenas 7,5% dos entrevistados reportaram os profissionais como sendo também responsáveis. As poucas falas nessa direção apresentam a noção de que o trabalho representa um compromisso, pelo qual os sujeitos devem responder. A posição hierárquica surge, então, como um dos principais sentidos do termo gestão para os trabalhadores entrevistados, indicando principalmente baixa desconcentração de poder decisório na organização do trabalho. 30% relatou diretamente essa compreensão, aludindo a termos como: supervisisonar; comandar; tomar decisões; mandar; dirigir, chefiar; delegar; distribuir funções. Aqueles cujas atribuições são diretamente relacionadas aos processos de compra, faturamento e destinação dos recursos identificam por este motivo a vinculação de seu trabalho à gestão - Gestão x Trajetória normativa da descentralização no SUS (mecanismos de indução financeira) Para 40% dos trabalhadores entrevistados, gestão e administração se identificam e dizem respeito à organização do serviço, das tarefas realizadas, dos meios e recursos empregados. Uma acepção bastante próxima do campo disciplinar da administração, principalmente quando observamos que estes sentidos são com freqüência associados à necessidade de cumprimento dos objetivos traçados e do propósito de garantir eficácia e eficiência, otimizando recursos. Divisão entre concepção e execução do trabalho: Os trabalhadores relatam que a gestão está relacionada com a possibilidade de mudança, de formulação do trabalho, de proposição de novas idéias, ao desenvolvimento de técnicas, novas normas e projetos. Contudo não se reconhecem nessas atribuições. Relação da função com a gestão 20% sim 80% não Apesar da aparente homogeneidade deste resultado, é interessante constatar que a grande maioria dos entrevistados indicam a relação de sua função com a gestão sem considerar que atuam diretamente na gestão: "Não sou uma gestão, eu sou uma administração“ “Eu, eu não sou gestor, é claro, mas eu estou colaborando com a gestão do administrador gestor da unidade” 15% dos entrevistados definiu gestão como gerenciamento de pessoas, das relações da equipe e de como nela se efetiva a divisão de tarefas. Gestão seria para mim é como... É gerenciar pessoas. Eu acho que é isso. É você trabalhar em função das pessoas, eu acho que é isso. Gestão para mim? Gestão é bem amplo. Gestão de uma coisa é ampla e requer responsabilidade. E a gestão ela insere não só a divisão das tarefas como um bom relacionamento de equipe para que essas tarefas sejam desenvolvidas com mais agilidade e com melhor desenvoltura, para melhor desenvolvimento das tarefas. A capacidade de analisar o conjunto das relações institucionais e o trabalho surge para 17,5% dos entrevistados como fator definidor da gestão. Nesses termos, gestão refere-se: à qualificação da atuação profissional, aos conhecimentos teóricos nela mobilizados, à contextualização das questões institucionais, ao modo como é conduzida e articulada a interação entre os diferentes setores, ao acesso e uso de informações estratégicas para avaliação e organização do trabalho. Em duas entrevistas surgiu explicitamente uma diferenciação entre gestão e administração. Trata-se de uma distinção que não remete à natureza da atividade desenvolvida, mas propriamente à valorização e legitimação que possuem os diferentes atores. A gestão é vista como algo socialmente valorizado, reconhecido. O trabalho administrativo padeceria de certa invisibilidade, assentada no não reconhecimento de sua importância para a viabilização dos objetivos da unidade de saúde. Importância da participação nas decisões relacionadas ao trabalho e à Instituição 3% 3% 15% 42% 37% Extremamente importante Muito Importante Importante Mais ou menos s/inf Participação nas decisões relacionadas ao setor de trabalho 3% 17% sim não às vezes 80% Participação nas decisões relacionadas à Instituição 42% sim 58% não A baixa visibilidade que o trabalho administrativo realizado por esses profissionais possui resulta de certo modelo de gestão, ainda hegemônico no campo da saúde, apesar suas contradições com o significado sócio-histórico do SUS na construção e efetivação do direito à saúde. Nesse sentido, podemos nos questionar se trajetória da Saúde Pública brasileira tem conseguido superar os padrões tradicionais de administração dos serviços de saúde. Gestão de pessoas ou gestão entre pessoas? Como podemos pensar a partir dessa questão a intercessão entre organização do trabalho e autonomia? Qual significado desses desafios para a efetivação do SUS como projeto democrático de reforma do Estado?