Daniella Maria dos Santos Dias Doutora em Direito UFPE Promotora de Justiça Professor Associado III UFPA As cidades e as áreas rurais enfrentam variados desafios: - A utilização inadequada do solo com a consequente degradação do meio ambiente; - A falta de planejamento e de políticas públicas para enfrentamento de problemas como a falta de saneamento básico; - A inexistência de políticas que tratem do trânsito, da circulação, da mobilidade; - A falta de previsão de áreas para o lazer; - A incapacidade do Estado de planejar e de prever políticas alternativas para a população carente; - As diferenças abissais que separam as áreas dotadas de infraestrutura e as áreas periféricas, que abrigam grande parte da população carente; - A pobreza, a criminalidade e a insegurança são temas recorrentes e ainda sem solução quando se pensa a problemática urbana. Ainda que passemos por uma crise conjuntural e complexa, fruto da globalização econômica, de um modelo de desenvolvimento transnacional que tem por conseqüências sociais negativas o aumento das desigualdades, o Direito continua a ser importante instrumento para o combate às desigualdades. O capítulo constitucional que trata da POLÍTICA URBANA e o ESTATUTO DA CIDADE apresentam as diretrizes para a implementação de políticas que venham a garantir - o acesso à moradia digna; - à circulação digna; - aos serviços de infra-estrutura essenciais à sadia qualidade de vida; - o acesso aos equipamentos públicos e aos espaços de lazer; - à proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico-cultural, - à biodiversidade, à sóciodiversidade. Há intrínseca relação entre o planejamento e a ordem jurídica e, por conseqüência, faz-se necessária uma mudança na forma como a administração pública vem gerenciando as políticas para o desenvolvimento urbano, mudança que pressupõe: - a abertura democrática; - a criação de espaços de participação política; - o planejamento integrado e a vivência do federalismo cooperativo. Os inúmeros problemas decorrentes da ocupação e da organização do solo urbano devem ser solucionados a partir de um coerente planejamento que esteja concatenado com a nova ordem constitucional urbanística. A implementação do direito à cidade sustentável, a garantia do direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento, ao transporte, ao lazer, direitos expressos no Estatuto da Cidade (art. 2º., inciso II, Lei 10.257/2001), marcos direcionadores para o desenvolvimento de políticas públicas, dependem de um eficaz planejamento. Se o texto constitucional determina que as políticas públicas para os espaços urbanos dependem do planejamento; ◦ Se o plano diretor é instrumento básico para a política de desenvolvimento e de expansão urbana, os administradores municipais devem seguir o comando constitucional e utilizar-se do plano diretor como principal instrumento para a realização dos objetivos e das políticas públicas para os espaços urbanos. O plano diretor, por meio de suas metas, de seus princípios, deve expressar as diretrizes e as normas que orientarão os programas e políticas no âmbito municipal. As normas referentes aos âmbitos econômico, educacional, à saúde, à assistência social, ao patrimônio cultural, à habitação, ao lazer, à infraestrutura, ao meio ambiente, ao esporte, ao lazer, à mobilidade urbana, à acessibilidade, ao ordenamento territorial, à criação e manutenção de áreas verdes, dentre outros temas, são verdadeiros compromissos. Mais uma atribuição de caráter eminentemente complexa e essencial é delegada ao Ministério Público: o papel dos promotores de justiça em busca de espaços urbanos sustentáveis e na efetivação do direito à cidade por meio da fiscalização do processo de planejamento urbano. Apesar da obrigatoriedade da criação do plano diretor, consoante as hipóteses fáticas descritas no artigo 41 do Estatuto da Cidade, uma boa parte dos municípios brasileiros não possuem plano diretor. O Art. 41 do Estatuto tornava o Plano Diretor obrigatório, até 11.10.2006, aos municípios: a) com mais de 20 000 habitantes; b) que fazem parte de Regiões Metropolitanas e aglomerações urbanas; c) que são integrantes de áreas de especial interesse turístico; e d) que estão situados em áreas de influência de empreendimentos ou têm atividades com significativo impacto ambiental (BRASIL, 2001). A Pesquisa de Informações Básicas Municipais Munic 2013, realizada pelo IBGE, investigou a existência de instrumentos de política urbana, discriminados no Estatuto da Cidade e que, junto com o Plano Diretor, têm por meta regular o uso e a ocupação do solo urbano. “No conjunto do País, em 2013, 50,0% (2 785) dos municípios declararam ter Plano Diretor, 13,7% (763) estavam elaborando o Plano e 36,2% (2 019) não o possuíam. Este percentual foi mais elevado no grupo de municípios com população até 20 000 habitantes, chegando a 54,5% (680) naqueles com até 5 000 habitantes. A proporção de municípios sem Plano Diretor era bem menor entre aqueles com mais de 20 000 habitantes, onde apenas 4,1% (70) não dispunham desse instrumento (Tabela 5). Mesmo em 2013, levando-se em conta apenas os municípios com mais de 20 000 habitantes, dos 1 718 que necessitavam elaborar o Plano Diretor, conforme previsto no Estatuto da Cidade, cujo prazo era até outubro de 2006, restaram 178 (10,4%) que ainda não o haviam feito. Destes, no entanto, 108 (6,3%) afirmaram que o Plano estava em elaboração” (IBGE. Pesquisa de Informações básicas municipais. Perfil dos municípios brasileiros em 2013). “No recorte regional, o destaque fica para a Região Sul, que apresentou, no período de 2005 a 2013, os maiores percentuais de municípios com Plano Diretor. O Estado do Paraná, por exemplo, elevou para 92,2% o percentual dos seus municípios com Planos Diretores em 2013. A Região Norte também obteve crescimento significativo nesse sentido, especialmente no Estado do Pará, que tinha 83,3% dos seus municípios com Plano. Amapá e Roraima, por outro lado, não apresentaram variações condizentes com o restante da região. Na Região Nordeste, assim como na Centro-Oeste, essa variação apresentou uma grande intensidade no período de 2005 a 2009, que não se reproduziu no período de 2009 a 2013, cabendo destacar que nenhum dos estados das Regiões Nordeste e Centro-Oeste registrou resultados significativos, como aqueles observados nas Regiões Sul e Norte, no que diz respeito à existência de Plano Diretor em seus municípios, em 2013. O melhor resultado apresentado foi o do Estado de Pernambuco, com 55,1%. No outro extremo, ficou o Estado do Rio Grande do Norte, com 21,1%. Na Região Centro-Oeste, o destaque foi o Estado do Mato Grosso do Sul, apresentando 41,8% de seus municípios com esse instrumento” ” (IBGE. Pesquisa de Informações básicas municipais. Perfil dos municípios brasileiros em 2013).(grifo nosso) Vale ressaltar que aqueles municípios brasileiros que possuem o plano diretor, muito poucos conseguem dar efetividade a esse importante instrumento de planejamento como plataforma política para a transformação da realidade de suas áreas urbanas e rurais. Um dos maiores problemas relacionados à falta de efetividade do plano diretor diz respeito ao fato de que eles não expressam a verdadeira realidade social. Significa dizer que muitos planos diretores são verdadeiras "cópias" de outros planos, que servem tão-somente como conteúdo "formal" para a justificação da existência de uma política urbana, quando, na verdade, essa falta de correlação com a realidade é um problema político de grande monta, pois a falta de planejamento também é uma opção política! Outro problema que tem direta relação com a efetividade do plano diretor para a organização do espaço é a necessária regulamentação dos institutos nele contidos. O município - em razão da falta de regulamentação dos instrumentos acima citados perde a oportunidade de intervir para definir o cumprimento da função social da propriedade e para o desenvolvimento das funções sociais da cidade; Descura de sua precípua função de criar um projeto de cidade com maior justiça social, qualidade de vida e equilíbrio ecológico; Inúmeros direitos como o direito à habitação, aos serviços básicos, à locomoção, à existência de espaços públicos com qualidade, a proteção às minorias e aos hipossuficientes, o direito à circulação são valores que jazem nos textos legais pela falta de consciência e de vontade política dos órgãos públicos. Não é exagero afirmar que sem uma pauta para o planejamento e sem a concretização das metas e dos instrumentos dispostos no plano diretor, os espaços urbanos continuam a ser forjados de forma aleatória, submetidos aos eventos econômicos, políticos, culturais, sociais. Precisamos urgente e criticamente conduzir o processo social por meio do planejamento democrático. Esse é um desafio a ser enfrentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO! Por isso, é imprescindível que o Ministério Público atue, pois no próprio Estatuto da Cidade, o Ministério Público é apresentado como ator indispensável no processo de planejamento. E QUAIS SÃO OS DESAFIOS QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO PRECISA ENFRENTAR PARA FISCALIZAR O PROCESSO DE PLANEJAMENTO E DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO URBANO? COMPREENDER QUE O ESTATUTO DA CIDADE PROPÕE UM NOVO PARADIGMA PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E PARA O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. I - O Ministério Público, por meio de seus Centro de Estudos, devem promover cursos aos Promotores de Justiça e Procuradores de Justiça, que esclareçam que: - O Estatuto é marco jurídico-político para mudanças paradigmáticas na interpretação de institutos civilistas, como é o caso do Direito de propriedade; - Que o Estatuto da Cidade cria diretrizes determinantes para a interpretação e concretização da função social da propriedade e das funções sociais da cidade nos espaços urbanos, objetivando a realização de melhor qualidade de vida, sustentabilidade nos espaços urbanos, realização de direitos e garantias fundamentais, ou seja, serviços e infra-estrutura para todos os cidadãos, considerando-se a existência de inúmeros dispositivos que objetivam a qualidade de vida, o bem-estar, a vivência de direitos fundamentais por parte dos hipossuficientes; - Esta nova lei objetiva a concretização da dignidade humana nos espaços urbanos e o direito à cidade; REESTRUTURAR OS CENTROS DE APOIO DE HABITAÇÃO E URBANISMO E CAO DO MEIO AMBIENTE CONSOANTE ESSE NOVO PARADIGMA I - Além de cursos específicos para a análise da questão ruralurbana, é necessário que os Centros de Apoio de Habitação e Urbanismo E os CAO DO MEIO AMBIENTE se estruturem com uma equipe de profissionais, com visão interdisciplinar, que apóiem e promovam estudos e pesquisas de forma a subsidiar a atuação dos Promotores de Justiça para que estes possam envidar esforços para dar cumprimento ao quadro normativo constitucional e infraconstitucional que dá validade e eficácia às normas sobre política urbana, em âmbito municipal; II - Para Morin (2002, p. 20), nosso modo de pensar é atrofiado porque não tem a aptidão de contextualizar, e a complexidade do mundo atual, de seus conflitos e de suas necessidades, impõe um pensamento policêntrico. Não teríamos que repensar a estruturação e divisão de nossas atribuições face à complexidade dos problemas ATUAIS? É PRECISO QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO REINVENTE E REPENSE, DE FORMA CRITERIOSA, A DISTRIBUIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE PROMOTORIAS DE MEIO AMBIENTE E PROMOTORIAS DE HABITAÇÃO E URBANISMO E PROMOTORIAS AGRÁRIAS Será que os esquemas estanques, limitados, entre questões ambientais, agrárias e urbanísticas é a melhor maneira para o enfrentamento de problemas complexos? CURSOS PREPARATÓRIOS PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO O MINISTÉRIO PUBLICO PRECISA SE REINVENTAR. É PRECISO FORMAR PROMOTORES DE JUSTIÇA PARA PENSAR A COMPLEXIDADE DA PROBLEMATICA RURAL-URBANA COMO QUESTÃO INTRINSECAMENTE RELACIONADA AO AUMENTO DA VIOLÊNCIA E DA CRIMINALIDADE. Para isso, proponho a criação de grupos de estudos com eixos temáticos interdisciplinares, cujas reflexões sejam internalizadas e se tornem assunto, pauta institucional e que a perspectiva interdisciplinar seja estruturante para os cursos preparatórios para o Ministério Público. PARA ISSO, É PRECISO TRAZER A UNIVERSIDADE PARA DENTRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU LEVAR O MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DENTRO DAS UNIVERSIDADES: BUSCAR PARCERIAS COM OS CENTROS DE EXCELÊNCIA NA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO. O MINISTÉRIO PÚBLICO PRECISA TORNAR METAS INSTITUCIONAIS O ENFRENTAMENTO DOS DESAFIOS NOS ESPAÇOS URBANOS E RURAIS COMO A FAVELIZAÇÃO, A FALTA DE ACESSO À MORADIA DIGNA E A OBRIGATORIEDADE DA FISCALIZAÇÃO DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO URBANO O MINISTÉRIO PÚBLICO PRECISA CRIAR REDES DO CONHECIMENTO, ISTO É, QUE ESSES GRUPOS DE ESTUDO POR MEIO DOS CENTROS DE APOIO OPERACIONAL ATUEM EM REDE, TRAÇANDO METAS NACIONAIS PARA O ENFRENTAMENTO DOS MAIORES DESAFIOS NOS ESPAÇOS URBANOS: MOBILIDADE, ACESSIBILIDADE, CIRCULAÇÃO; ACESSO À MORADIA DE INTERESSE SOCIAL; REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL; SANEAMENTO BÁSICO; FISCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE PROMOVAM O ACESSO À HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL; IMPLEMENTAÇÃO DOS PLANOS DIRETORES, ENTRE OUTROS TEMAS. O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO PRECISA ADOTAR UMA POSTURA COERENTE COM OS DITAMES CONSTITUCIONAIS. PARA ISSO, PRECISA ESCUTAR OS MOVIMENTOS SOCIAIS QUE ALMEJAM O ACESSO À MORADIA DIGNA, FORJANDO ESPAÇOS NO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA QUE ESSA PARCELA EXCLUSA DA POPULAÇÃO BRASILEIRA SEJA OUVIDA E QUE SUAS DEMANDAS SIRVAM DE NORTE PARA O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O MINISTÉRIO PÚBLICO PRECISA COMPREENDER E INTERNALIZAR A MUDANÇA PARADIGMÁTICA QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL IMPÕE EM RELAÇÃO À POLÍTICA URBANA, E QUE SE REVELA, MAIS ESPECIFICAMENTE, NA FORMA DO GERENCIAMENTO DOS ESPAÇOS URBANOS. ISTO NOS LEVA A CONSIDERAR QUE OS GESTORES DOS ESPAÇOS URBANOS DEVERÃO ADEQUAR SUAS POLÍTICAS PÚBLICAS AO SISTEMA JURÍDICO ACIMA REVELADO, EM BASES DELIBERATIVAS. NOVOS PARADIGMAS PARA A UTILIZAÇÃO DE INSTITUTOS JURÍDICOS E PARA O PROCESSO DE PLANEJAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEVERÃO SER FORJADOS FACE AOS COMPLEXOS DESAFIOS DA ATUALIDADE. E ISSO REQUER A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PUBLICO! “Devemos nos preparar para estabelecer os alicerces de um espaço verdadeiramente humano, de um espaço que possa unir os homens para e por seu trabalho, mas não para em seguida dividi-los em classes, em explora-dores e explorados; um espaço matéria-inerte que seja trabalhada pelo homem mas não se volte contra ele; um espaço Natureza social aberta à contemplação di-reta dos seres humanos, e não um fetiche; um espaço instrumento de reprodução da vida, e não uma merca-doria trabalhada por outra mercadoria, o homem fetichizado” (SANTOS, 2007, p. 41). Muito obrigada! BIBLIOGRAFIA: BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. BRASIL. Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001). São Paulo: Saraiva, 2001. CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Organização da cidade. Planejamento municipal, plano diretor, urbanificação. São Paulo: Max Limonad, 1998. 4. IBGE. Pesquisa de Informações básicas municipais. Perfil dos municípios brasileiros em 2013. SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2007. SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do plano diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. SAULE JÚNIOR, Nelson. O tratamento constitucional do plano diretor como instrumento de política urbana. Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. CASTELLS, Manuel. A galáxia internet. Reflexões sobre Internet, negócios e sociedade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2004.