Juntos fazemos melhor! As refeições sob os holofotes "O hábito de reunir todos à mesa na hora da comida oferece importantes lições de convivência e cidadania, além de trazer outros muitos benefícios para nossos filhos." Suzel Tunes Imagine um lugar onde se possa prevenir o envolvimento dos adolescentes com drogas, melhorar o vocabulário e o desempenho escolar das crianças, criar hábitos que beneficiem a saúde da família inteira e ainda fortalecer os vínculos afetivos. Pois esse espaço privilegiado existe dentro de sua casa, embora talvez você ainda não tenha se dado conta da tamanha importância que tem sua mesa de jantar. Pesquisas apontam que o hábito de reunir a família em torno dela nas refeições produz tais benefícios. E mais: essas ocasiões são muito propícias para ensinar nossos filhos a compartilhar, esperar a vez deles, ser gentis com os outros e sustentar seus pontos de vista sem brigar, entre outras lições essenciais, para que eles saibam viver bem em sociedade e se tornem cidadãos de primeira. É o que afirma o ensaísta e ativista americano Michael Pollan, autor de obras de sucesso sobre alimentação e fervoroso defensor da sabedoria de nossos antepassados nessa seara. “A refeição em família é o berçário da democracia”, disse em entrevista ao jornal inglês The Guardian, depois de lançar o livro Cooked: A Natural History of Transformation, cuja publicação no Brasil está prevista ainda para este ano. A tese de Pollan ganha apoio imediato entre especialistas de diferentes áreas, de pedagogos a nutricionistas. Contudo, sobram indícios de que o costume de pais e filhos se sentarem para fazer juntos as três principais refeições do dia está em franco declínio, em particular nos grandes centros urbanos. “O estilo de vida predominante, hoje, valoriza excessivamente os bens materiais, fazendo com que as pessoas assumam muitas tarefas e compromissos profissionais, o que torna difícil a organização de uma agenda familiar”, analisa a socióloga Nilce de Oliveira, professora da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pior: um estudo do Departamento de pesquisa Econômica do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos constatou que, atualmente, as pessoas mal param para comer. Na maior parte das vezes em que se alimentam, os americanos não encaram esse ato como a prioridade do momento e fazem isso enquanto se dedicam a outra atividade, como assistir TV, ler e escrever e-mails, trabalhar, até dirigir. Para completar, uma pesquisa de mercado da Grã-Bretanha revelou que a mesa de jantar corre o risco de extinção: um quarto dos entrevistados afirmou que não possui mais o móvel em casa. É preocupante, já que os almoços domingueiros com as crianças no restaurante ou na praça de alimentação de um shopping não preenchem a lacuna. Para ter impacto positivo sobre a formação e o desenvolvimento dos filhos, especialistas ressaltam que é preciso estabelecer uma rotina de encontros diários. Além disso, quando se come fora, o ambiente é farto em estímulos externos, não permitindo que os integrantes de um grupo se concentrem somente uns nos outros. “É no espaço doméstico que se constrói a intimidade familiar”, enfatiza Nilce. E esse ingrediente é fundamental para que uma criança (ou adolescente) se sinta à vontade para opinar em uma conversa, treinando sua capacidade de argumentação, ou para se abrir e contar um episódio marcante do dia. REGULARIDADE E QUALIDADE Os pais precisam, portanto, tomar a iniciativa de resgatar o hábito perdido. “São eles que têm de oferecer isso aos fi lhos. Se for o caso, podem até colocar como uma regra no começo, estabelecendo horários, até criar uma rotina”, afirma a psicopedagoga Betina Serson, de São Paulo, autora de Seja o Herói de Seu Filho (Melhoramentos). E completa: “No início, as crianças podem reclamar, mas, depois, vão gostar”. No entanto, tudo bem se a crônica falta de tempo dos dias atuais tornou impossível também na sua casa reunir-se diariamente para fazer as três principais refeições. Garanta ao menos uma. “Pode ser o café da manhã” sugere Betina. “Conheço uma família que até acorda mais cedo para que todos façam o desjejum juntos.” É uma boa pedida para pais que passam o dia fora e costumam voltar tarde. Não tem problema se o tempo é mais curto de Juntos fazemos melhor! manhãzinha. O importante é manter a regularidade e cuidar da qualidade desses encontros. Peça que seus filhos esqueçam, naquele período, os joguinhos favoritos, as músicas do iPod e outras distrações. E dê o exemplo. “Desligue o celular e deixe a caixa postal gravar os recados. É preciso valorizar esse ritual”, ressalta Betina. “Posso estar morta de cansaço, mas não abro mão desse momento”, diz a fonoaudióloga Camila Mercatelli, 37 anos, de São Paulo, casada com o empresário Marcelo Lopes, 45, e mãe de Luiza, 6, e Rafael, 3. Camila trabalha em uma emissora de TV e Marcelo é dono de um bufê. Ambos têm agendas apertadas, mas estipularam que o café da manhã é a hora de reunir a família. Ela já observou um benefício concreto da iniciativa: a filha, que tinha dificuldade de ficar longe dos pais durante o dia, está mais autoconfiante e agora encara com tranquilidade as despedidas diárias. “Acho que valorizo tanto esse hábito porque, na minha infância, meus pais tinham isso de comer juntos.” De qualquer forma, Camila diz que os papos matinais são animados e relaxantes. “É o momento das pérolas”, conta referindo-se às tiradas das crianças. SEM INTERROGATÓRIOS A mesa, de acordo com Pollan, é o espaço ideal para que as crianças e os adolescentes sejam introduzidos no que chama de a “arte da conversação” – e possam praticá-la todo dia. É esse clima de batepapo constante que abre caminho para todos os benefícios e aprendizados que a refeição oferece. Conversando, por exemplo, a garotada compreende que as pessoas, ainda que sejam da mesma família, são diferentes e, assim, pensam de forma diferente e podem até ter visões diferentes do mesmo episódio vivido juntas. É preciso respeitar as opiniões alheias. Vale tudo para quebrar o silêncio, desde comentar fatos atuais – o que ajuda a entender melhor o mundo lá fora – até perguntar sempre sobre a escola, os amigos e a vida. Assim, as histórias começam a surgir naturalmente entre pratos e copos. “Os pais podem puxar todos os assuntos possíveis, só que de forma natural e suave”, orienta a educadora Beatriz Abuchaim, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. “Muitas vezes, principalmente com filhos adolescentes, os pais tendem a fazer um interrogatório como forma de romper as barreiras típicas da idade, mas esse comportamento acaba provocando mais retração, pois ninguém se sente à vontade sendo interrogado.” O psiquiatra Fábio Barbirato, chefe do Setor de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, aconselha evitar cobranças e críticas durante as refeições, pois esse é um momento para criar afinidade e estreitar os vínculos. É claro que nem sempre o papo vai fluir ameno e agradável, uma vez que tensões e divergências fazem parte de qualquer relacionamento. “Cabe aos pais estabelecer os limites para que discussões não cresçam e se transformem em briga”, diz o psiquiatra. De novo, o que mais funciona é dar o exemplo. Nessa hora, vendo uma atitude firme, mas calma e autoconfiante por parte dos adultos, as crianças compreenderão que o diálogo e a negociação são as melhores formas de administrar conflitos. Da mesma maneira, é observado o uso natural das palavras-chave da boa educação – “por favor”, “obrigado” e “com licença” – que os pequenos vão começar a adotá-las também. OBSERVAÇÃO CONSTANTE A possibilidade de encontrar, ao menos uma vez por dia, um espaço de acolhimento, no qual há liberdade para expor problemas e compartilhar experiências, alivia o stress, eleva a autoestima e aumenta a resiliência dos jovens, segundo experts. Resultado: “As refeições em família reduzem em até 80% o risco de envolvimento com drogas”, diz Barbirato, citando um estudo da Universidade de SanDiego, nos Estados Unidos, com jovens entre 15 e 25 anos. Conclusões semelhantes foram encontradas nos levantamentos anuais do Centro de Dependência e Abuso de Substâncias de outra universidade americana, a de Columbia. Em 2012, os pesquisadores constataram que adolescentes que jantam com os pais cinco vezes por semana apresentam níveis menores de stress e usam menos drogas lícitas e ilícitas. No ano anterior, eles já haviam achado ligação entre o hábito e um melhor desempenho escolar – indicador que também costuma estar relacionado a menor consumo de entorpecentes. Juntos fazemos melhor! Outro aspecto do costume das refeições em família que ajuda na prevenção de riscos é que elas permitem observar de perto o comportamento dos fi lhos. “Há pesquisas mostrando que os pais só descobrem o uso de drogas pelos fi lhos adolescentes de um ano e meio a dois anos depois que eles começam”, conta o psiquiatra Fábio Barbirato. Um acompanhamento tão cotidiano pode reduzir esse tempo. Mudanças bruscas de apetite ou humor revelam que algo não vai bem. Podem, inclusive, ser sinais de outros problemas, como depressão, anorexia ou bulimia. Em seu novo livro, Michael Pollan defende que as refeições em família constituem um ato político, uma atitude de resistência e independência aos maus hábitos que reinam na atual sociedade, fã de fast-food, comida pré-pronta e afins. Tanto que ele estimula os pais a não só levar os filhos para a mesa como para o mercado, a feira e a cozinha. Segundo defende, envolvê-los em toda a fase de preparo é um meio eficiente de tornar a alimentação das crianças e dos adolescentes mais saudável e sustentável – e aí eles colherão mais benefícios, desta vez para o corpo. Naturalmente, fazer o máximo de refeições em família e ainda procurar preparar a comida juntos, em várias dessas ocasiões, requer esforço de todos – principalmente dos pais – para cavar espaço na agenda. Isso pode significar abrir mão de compromissos pessoais. Aliás, segundo Barbirato, essa é mais uma lição que a mesa de jantar pode ensinar à família: “Todos devem aprender que às vezes é preciso abdicar”. BÔNUS PARA A SAÚDE “Escrivaninha não é mesa (de jantar)”, ensina o americano Michael Pollan em Regras da Comida (Intrínseca), um de seus livros já publicados no Brasil. Tampouco o sofá da sala, a cama ou o carro. E essa é uma lição básica que os adultos, os adolescentes e as crianças de hoje têm de aprender juntos, se quiserem combater a obesidade e ter mais saúde. “Quando comemos enquanto trabalhamos, vemos televisão ou dirigimos, comemos distraidamente – e, por conseguinte, muito mais do que comeríamos se estivéssemos à mesa”, diz no livro. Portanto, se a ideia é começar a almoçar ou jantar com as crianças, a primeira providência é, antes de servir a comida, desligar a TV, como ressalta a endocrinologista Carmem Leal de Assumpção, do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (lede), no Rio de Janeiro. Ali a médica coordena o Ambulatório de Endocrinologia Pediátrica, que oferece internação para obesos na faixa dos 11 aos 14 anos que não respondem ao tratamento normal. Assim que chegam, os pacientes ficam em observação durante as refeições. “Em geral, sentam-se à mesa, mas pegam o prato e comem com ele na mão, olhando para a TV e dando uma garfada atrás da outra, sem nunca repousar os talheres”, descreve. O hábito de se alimentar em família já mudaria a conduta. Se fazem as refeições com os filhos, os pais podem dar bons exemplos, como servir-se de itens saudáveis e variados, levar ao prato porções adequadas e comer com calma, mastigando bem. Aos poucos, ensinarão muito sobre dieta equilibrada aos pequenos. Aliás, estimula desde cedo a autonomia das crianças. A partir de 3 anos, elas já podem começar a se servir sozinhas, sob a orientação de adultos. Além de ser um treino para o movimento da musculatura fina de dedos, mãos e braços, elas aprenderão noções de quantidade enquanto revelam suas preferências. É claro que acidentes vão acontecer. Por isso, paciência e bom humor são essenciais. Aproveite para oferecer diversidade de sabores e preparos diferentes (mais atraentes) para os alimentos dos quais seu filho diz não gostar. Só não fi que insistindo para que coma algo: isso pode causar aversão. Texto extraído da Revista Cláudia e adaptado para fins pedagógicos. Contem com a nossa equipe para qualquer esclarecimento ou apoio. Acreditamos que «JUNTOS FAZEMOS MELHOR!» Agosto / 2015