Manifestação atípica de linfadenopatia no lupus eritematoso sistêmico. Relato de caso. ATYPICAL LYMPHADENOPATHY MANIFESTATION IN SYSTEMIC LUPUS ERYTHEMATOSUS. CASE REPORT. Leonardo Rodrigo Baldaçara Henrique Pierotti Arantes Benedito do Espírito Santo Campos Túlio Geraldo Souza e Souza Hospital Universitário de Taubaté RESUMO INTRODUÇÃO O lupus eritematoso sistêmico (LES) é o protótipo das doenças reumáticas auto-imunes. É uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos. Evolui com manifestações clínicas polimórficas, com períodos de exacerbações e remissões. A linfadenopatia é um sinal freqüente, podendo estar presente em até 50% dos pacientes. Entretanto, sua forma generalizada é incomum. Neste trabalho, relatamos o caso de uma mulher de 49 anos de idade, queixa de sintomas constitucionais, adenomegalia generalizada e febre de origem indeterminada há 19 meses. Apresentava os seguintes critérios diagnóstico para LES: distúrbio renal (proteinúria e cilindrúria), hematológico (pancitopenia), anti-DNA positivo, fator anti-nuclear (FAN) reagente 1:320 (padrão pontilhado e homogêneo), serosite (ascite de moderado volume compatível com transudato) e artralgia. O exame de tomografia computadorizada demonstrou adenomegalia em quase todas as cadeias toráxicas e retroperitoneais. Sorologias para HIV, Epstein-Barr (EBV), hepatite B, hepatite C e sífilis foram negativas. Foi realizada biópsia de gânglio cervical, que demonstrou intensa plasmocitose sinusoidal, com hibridização para EBV negativa e imuno-histoquímica compatível com padrão policlonal reacional. A paciente apresentou significativa melhora com corticoterapia. Poucos relatos semelhantes foram encontrados na literatura. Concluímos que o comprometimento extenso dos linfonodos pode ser causado pela LES em atividade. Esse achado tem sido relatado como incomum, entretanto sugerimos que seja incluído nos critérios diagnóstico dessa doença. O lupus eritematoso sistêmico (LES) é o protótipo das doenças reumáticas auto-imunes. É uma doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida, caracterizada pela presença de diversos autoanticorpos. Evolui com manifestações clínicas polimórficas, com períodos de exacerbações e remissões. De etiologia não esclarecida, o desenvolvimento da doença está ligado à predisposição genética e aos fatores ambientais, como luz ultravioleta e alguns medicamentos (SATO et al., 2002). O LES afeta, principalmente, mulheres, na idade fértil, numa proporção de nove a dez mulheres para um homem (SATO et al., 2002). Sua prevalência tem sido estimada entre 40 a 200 por 100.000 em caucasianos e afro-caribenhos, segundo Goldblatt e Isenberg (2005). A incidência anual global é de aproximadamente seis novos casos por 100.000 pessoas, para as populações de baixo risco, e de aproximadamente 35 para 100.000 pessoas, para populações consideradas de alto risco (COSTALLAT et al., 2002). Essa doença pode ocorrer em todas as raças e em todas as partes do mundo. Na prática, costuma-se estabelecer o diagnóstico de LES, utilizando os critérios de classificação propostos pelo American College of Rheumatology (ACR), que se baseia na presença de, pelo menos, quatro critérios de onze: eritema malar, lesão discóide, fotossensibilidade, úlceras orais/nasais, artrite, serosite, comprometimento renal, alterações neurológicas, alterações hematológicas, alterações imunológicas e anticorpos antinucleares. A avaliação laboratorial reforça o diagnóstico quando se observar alterações tais como: leucopenia, anemia, linfopenia, plaquetopenia e alterações do sedimento urinário. De particular importância para o diagnóstico de LES é a pesquisa de anticorpos ou fatores PALAVRAS-CHAVE Lupus eritematoso sistêmico. Linfadenopatia. Adenomegalia generalizada. Rev. biociên., Taubaté, v.11, n. 1-2, p. 93-97, jan,/jun. 2005 93 antinucleares (FAN) por imunofluorescência indireta (IFI), utilizando como substrato as células HEp-2, conforme proposta do II Consenso Brasileiro sobre laudos de FAN (DELLAVANCE et al., 2003). A positividade desse teste, embora não específico para o diagnóstico de LES, serve como triagem em virtude de sua alta sensibilidade (maior que 95%) e alto valor preditivo negativo (SATO et al., 2002). O tratamento do LES envolve diversas medidas tais como educação, apoio psicológico, atividade física, dieta adequada, proteção contra luz solar e outras formas de irradiação, abstenção do tabagismo e por fim medicações, prescritas de forma individualizada. Por sua vez, a linfadenopatia é um sinal freqüente no lupus eritematoso sistêmico (LES), podendo estar presente em até 50% dos pacientes (BLANCO et al., 1997; EISNER et al., 1996). Apresenta-se em um único ou múltiplos locais, usualmente nas cadeias cervical, axilar e inguinal (EISNER et al., 1996). Sua consistência geralmente é fibroelástica, são indolores e de variados tamanhos de acordo com KITSANOU et al.,( 2000). Em certas ocasiões, pode ocorrer flutuação e infecção concomitante, relacionado à atividade da doença (EISNER et al., 1996). Entretanto, a linfoadenomegalia generalizada é incomum (KITSANOU et al., 2000), sendo muitas vezes associada à malignidade. Neste trabalho, relatamos um caso de uma mulher de meia-idade, com linfadenopatia generalizada associada ao LES, serosite e nefrite. A importância deste caso está principalmente em sua atipia e no fato de que os trabalhos atuais têm feito pouca menção a essa forma de apresentação, inclusive não abordada nos 11 critérios diagnósticos da ACR. MATERIAL E MÉTODOS Mulher de 48 anos de idade com queixa de emagrecimento (9kg), anorexia, astenia, adenomegalia generalizada e febre de origem indeterminada há 19 meses. Até então só havia sido avaliada em pronto socorro. Há 9 meses passou em consulta ambulatorial com clínico, em que foram descartadas causas infecciosas e reumatológicas, com provas sorológicas negativas (hemocultura, urocultura, VHS, fator reumatóide e FAN). Há 1 mês, piora da adenomegalia, que de início acometia região cervical anterior e axilar, agora presentes em todo o pescoço, região axilar, submandibular, retroauricular e inguinal. Desde o início do tratamento não havia iniciado qualquer tratamento. Foi então internada no serviço de Clínica MéRev. biociên., Taubaté, v.11, n. 1-2, p. 93-97 , jan,/jun. 2005 dica do Hospital Universitário de Taubaté para investigação. Não apresentava dados relevantes de história prévia. Ao exame físico, via-se adenomegalia generalizada (gânglios com 3cm aproximadamente, confluentes e endurecidos), envolvendo todas as cadeias superficiais, chamando a atenção o aumento do volume do pescoço e hepatoesplenomegalia (fígado a 12cm do rebordo costal direito e baço a 10cm do rebordo costal esquerdo). Após investigação laboratorial constataram-se os seguintes critérios compatíveis para diagnóstico de LES: distúrbio renal (proteinúria e cilindrúria), hematológico (pancitopenia), anti-DNA positivo, fator anti-nuclear (FAN) reagente 1:320 (padrão pontilhado e homogêneo), serosite (ascite de moderado volume compatível com transudato) e artralgia. O exame de tomografia computadorizada demonstrou adenomegalia em quase todas cadeias toráxicas e retroperitoneais (Fig. 1 e 2). Sorologias para HIV, Epstein-Barr(EBV), hepatite B, hepatite C e sífilis foram negativas. Foi realizada biópsia de gânglio cervical, que demonstrou intensa plasmocitose sinusoidal, com hibridização para EBV negativa e imuno-histoquímica compatível com padrão policlonal reacional. A paciente apresentou significativa melhora com pulsoterapia com metilprednisolona (dose 1g ao dia por 3 dias), seguido de manutenção com prednisona 40mg ao dia por 2 meses. Após esse período, apresentou nova recaída, com piora da função renal (clearance de 18ml/min), consumo de complemento e acentuação da linfoadenomegalia e ascite. Devido ao comprometimento renal, procedeu-se biópsia nesse órgão, que demonstrou nefrite lúpica classe IV (proliferativa difusa). Por fim, foi realizada pulsoterapia com ciclofosfamida (1g), com grande melhora clínica, incluindo regressão da adenomegalia, ascite e insuficiência renal. RESULTADOS E DISCUSSÃO A linfoadenomegalia ocorre em aproximadamente 25 a 50% dos pacientes com LES (BLANCO et al., 1997). Os linfonodos são geralmente de consistência fibroelástica, indolores, discretos, com tamanho variando de 0,5cm até vários centímetros e usualmente são detectados nas cadeias cervical, axilar e inguinal (KITSANOU et al., 2000). A linfoadenomegalia é mais freqüentemente encontrada no início da doença ou 94 associada à atividade da doença, especialmente com as manifestações cutâneas (SAUMA; NUNES; LOPES, 2004). Ao exame anatomopatológico os linfonodos revelam áreas de hiperplasia folicular e necrose. A linfoadenomegalia generalizada com o grau de acometimento desta paciente é extremamente rara no LES. Além disso, a linfoadenomegalia hilar no LES também é rara, enquanto que as apresentações nas regiões retroesternal, mesentérica e retroperitoneal não foram relatadas em conjunto, como a primeira manifestação da doença (KITSANOU et al., 2000). O caso em questão preencheu os critérios do ACR, em especial serosite, pancitopenia, FAN positivo, com biópsia demonstrando padrão policlonal. O diagnóstico diferencial neste caso incluiu doenças sistêmicas e bacterianas, doenças linfoproliferativas, sarcoidose e linfadenite de Kikuchi (DANOWSKY, 2003). Porém, não havia história sugestiva e apresentou sorologias e culturas negativas. A hibridização para Epstein-Barr foi negativa. Não foi encontrada evidência que sugerisse tuberculose. A ausência de granuloma exclui sarcoidose e o padrão policlonal não é comumente encontrado em doenças linfoproliferativas (REUSS-BORST, 2005). A linfadenite histiocítica necrotizante de Kikuchi, que faz parte do diagnóstico diferencial, foi originalmente descrita no Japão em 1972 e posteriormente nos Estados Unidos e Europa. A síndrome ocorre mais freqüentemente em adultos jovens com sintomas de infecção respiratória superior. A linfadenopatia ocorre em muitos casos, sendo a adenopatia cervical a mais comum. O envolvimento generalizado dos linfonodos é incomum. Os achados histológicos dessa doença são similares à linfadenopatia histiocítica necrotizante observada no LES (DANOWSKY, 2003). Entretanto, na linfadenopatia que acompanha o LES a presença de granulócitos é usual, enquanto que na linfadenite histiocítica necrotizante de Kikuchi estão ausentes. Do ponto de vista histológico, a linfoadenopatia no LES caracteriza-se por hiperplasia folicular e paracortical com necrose paracortical. Há predomínio de plasmócitos e presença de polimorfonucleares, mas não são necessários para o diagnóstico de linfadenite lúpica (TABOSA et al., 2001). Na imunofenotipagem, são encontradas áreas foliculares compostas por células B e interfolicular com áreas heterogênas de células T e histiócitos (SAUMA; NUNES; LOPES, 2004). Em Rev. biociên., Taubaté, v.11, n. 1-2, p. 93-97 , jan,/jun. 2005 nosso caso foi encontrado o padrão policlonal reacional com predomínio de plasmócitos através do método por imunoperoxidase, característico do LES. Fato crucial a ser discutido foi a terapia medicamentosa. Segundo o novo consenso da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SATO et al., 2002), o tratamento medicamentoso deve ser individualizado para cada paciente e dependerá dos órgãos ou sistemas acometidos e da gravidade desses acometimentos. Em pacientes com comprometimento de múltiplos sistemas, o tratamento deverá ser orientado para o mais grave. As principais drogas utilizadas são os antimaláricos (AM) e os glicocorticóides (GC). A dose dos GC varia de acordo com a gravidade. Neste caso foi utilizada a dose padrão e 1g de metilprednisolona por 3 dias consecutivos, principalmente devido ao comprometimento renal e hematológico. A falha terapêutica levou ao uso de ciclofosfamida, um imunossupressor citostático, usado principalmente nas nefrites proliferativas (SATO et al, 2002). Sua ação foi também importante na regressão da linfadenopatia. O trabalho de Sella e Sato (2004) mostrou que 72% das pacientes com diagnóstico de LES há mais de cinco anos apresentaram lesões irreversíveis. As maiores freqüências observadas foram de acometimentos cardiovasculares, dermatológicos, musculoesqueléticos e gonadais. A dose cumulativa de prednisona foi importante variável associada à presença de lesões irreversíveis em pacientes com LES, sugerindo a relevância das estratégias para poupar corticoesteróides. Observou-se, também um possível efeito protetor das drogas antimaláricas, medicações que poderiam ter sido usados neste caso. A importância no tratamento correto do LES está nas implicações do prognóstico. As causas de morte no LES podem estar associadas à atividade da doença e às complicações do seu tratamento, além de outras causas não relacionadas diretamente com a patologia. Pior prognóstico é reconhecidamente associado ao acometimento renal e do sistema nervoso central (APPENZELLER; COSTALLAT, 2004). Neste caso a paciente apresentou melhora da função renal com o tratamento correto, o que melhorou sua sobrevida. No trabalho de Appenzeller e Costallat (2004) constataram-se as taxas após 1, 5,10 e 20 anos de 96%, 88%, 80% e 75%. 95 Figura 1. Tomografia computadorizada de tórax demonstrando nódulos com densidade de partes moles no parênquima pulmonar (gânglios). Figura 2. Tomografia computadorizada de abdômen demonstrando líquido livre na cavidade abdominal e presença de adenomegalia retroperitoneal. CONCLUSÃO O comprometimento extenso dos linfonodos pode ser causado pela LES em atividade. Esse achado tem sido relato incomum, entretanto sugerimos que seja incluído nos critérios diagnóstico dessa doença. ABSTRACT Systemic lupus erythematosus (SLE) is the autoimmnue rheumatic disorder prototype. It is a chronic inflammatory disease, multisystemic, with unknown cause, characterized by presence of many autoantibodies. SLE can develop clinical polymorphic manifestations, with periodical aggravations and remissions. Lymphadenopathy is a frequent sinal that can be present until 50% patients, how ever widespread form is uncommom. In this study we reported a 49 year old woman with constitutional symptoms, widespread enlarged lymph nodes and unkown fever origin for 19 months. She had seven signs and symptoms for SLE diagnosis: systemic manifestations, renal Rev. biociên., Taubaté, v.11, n. 1-2, p. 93-97, jan,/jun. 2005 manifestations (proteinuria and cylindruria), hematologic findings (pancytopenia), positive anti-DNA, positive ANA (dotted and homogeneous pattern), serositis (mild ascites with transudate) and joint symptoms.The Computed tomography showed enlarged lymph nodes in thoracic and retroperitoneal chains. HIV, Epstein-Barr virus (EBV), hepatitis and syphilis serologic tests were negative. The biopsy showed sinusoidal plasmoscitosis, negative EBV hybridization and policlonal reaction in histochemical exam.The Patient had significant reply with corticosteroid therapy. We found few similar reports in literature. Conclusion: Widespread lymphadenopathy can be caused by SLE in activity. This finding has been reported like uncommon, besides we suggest that lymphadenopathy be included in diagnosis criteria for SLE. KEY-WORDS Systemic lupus erythematosus . Lymphadenopathy. Widespread enlarged lymph nodes. 96 REFERÊNCIAS APPENZELLER, S.; COSTALLAT, L. T. L. Análise de sobrevida global e fatores de risco para óbito em 509 pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES). Rev Bras Reumatol, v. 44, n. 3, p. 198-205, maio/jun. 2004. BLANCO, R. et al. Systemic lupus erythematosusassociated lymphoproliferative disorder: report of a case and discussion in light of the literature. Human Pathology, v. 28, n. 8, p. 980-85, 1997. COSTALLAT, L. T. L.; APPENZELLER, S.; MARINI, R. Evolução e fatores prognósticos do lúpus eritematoso sistêmico em relação com a idade de início. Rev Bras Reumatol, vol. 42, n. 2, p. 91-98, mar./abr. 2002. DANOWSKI, A. et al. Linfadenite de Kikuchi associada ao lupus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol, v. 43, n. I, p. 58-61, jan./fev. 2003. DELLAVANCE, A. et al. 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Túlio Geraldo Souza e Souza Médico patologista do Hospital Universitário de Taubaté REUSS-BORST, M. A. The association of rheumatic diseases with hemato/oncological disorders. Z Rheumatol, v. 64, n. 1, p. 3-11, Feb. 2005. Rev. biociên., Taubaté, v.11, n. 1-2, p.93-97, jan,/jun. 2005 TRAMITAÇÃO Artigo recebido em: 03/11/2004 Aceito para publicação em: 11/05/2005 97