ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA. PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL. PROFESSOR FLÁVIO TARTUCE. SUCESSÃO LEGÍTIMA. SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO. 1 INTRODUÇÃO. TABELA COMPARATIVA. Sucessão no sistema anterior Sucessão no sistema atual Não existia a concorrência sucessória envolvendo o cônjuge e o companheiro.Foi introduzido o sistema de concorrência sucessória envolvendo o cônjuge (art. 1.829 do CC/2002) e o companheiro (1.790 do CC/2002). Foi introduzido o sistema de concorrência sucessória envolvendo o cônjuge (art. 1.829 do CC/2002) e o companheiro (1.790 do CC/2002). 2 Sucessão no sistema anterior Sucessão no sistema atual A ordem de sucessão legítima estava prevista no art. 1.603 do CC/1916 (“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes; II – aos ascendentes; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais; V – aos Municípios, ao Distrito Federal ou à União”). Não havia maiores complicações na ordem, justamente diante da inexistência do instituto da concorrência. A ordem relativa à sucessão legítima consta do art. 1.829 do CC/2002, com a introdução da complicada concorrência sucessória do cônjuge (“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais”. A ordem relativa à sucessão legítima consta do art. 1.829 do CC/2002, com a introdução da complicada concorrência sucessória do cônjuge (“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais”. 3 Sucessão no sistema anterior Sucessão no sistema atual. Existia previsão de um usufruto vidual a favor do cônjuge do falecido no art. 1.611 do CC/1916 (“À falta de descendentes ou ascendentes será deferida a sucessão ao cônjuge sobrevivente, se, ao tempo da morte do outro, não estava dissolvida a sociedade conjugal. § 1.º O cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus”).Não há mais o usufruto vidual a favor do cônjuge, pois esse foi supostamente substituído pelo instituto da concorrência sucessória. Não há mais o usufruto vidual a favor do cônjuge, pois esse foi supostamente substituído pelo instituto da concorrência sucessória. 4 Sucessão no sistema anterior Sucessão no sistema atual. A sucessão do companheiro não constava do CC/1916, mas de duas leis que regulamentavam a união estável, a Lei 8.971/1994 e a Lei 9.278/1996.O art. 2.º da Lei 8.971/1994 tratada substancialmente dos direitos sucessórios decorrentes da união estável, nos seguintes termos: “As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns; II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III – na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança”.O confuso e criticado art. 1.790 do CC/2002 trata especificamente da sucessão do companheiro ou convivente nos seguintes termos: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”. Não há mais o usufruto a favor do companheiro e convivente, mais uma vez supostamente substituído pela concorrência sucessória. O confuso e criticado art. 1.790 do CC/2002 trata especificamente da sucessão do companheiro ou convivente nos seguintes termos: “A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”. Não há mais o usufruto a favor do companheiro e convivente, mais uma vez supostamente substituído pela concorrência sucessória. 5 Sucessão no sistema anterior Sucessão no sistema atual. O CC/1916 reconhecia direito real de habitação sobre o imóvel do casal como direito sucessório, somente ao cônjuge casado pelo regime da comunhão universal de bens, conforme o seu art. 1.611 (“§ 2.º Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar. § 3.º Na falta do pai ou da mãe, estende-se o benefício previsto no § 2.º ao filho portador de deficiência que o impossibilite para o trabalho”). O CC/2002 consagra o direito real de habitação como direito sucessório a favor do cônjuge casado por qualquer regime de bens (“Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”).. 6 Sucessão no sistema anterior Sucessão no sistema atual. O direito real de habitação como direito sucessório do companheiro constava expressamente do art. 7.º, parágrafo único, da Lei 9.278/1996 (“Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”). O direito real de habitação como direito sucessório do convivente não é expresso no CC/2002. Todavia, como se verá, prevalece o entendimento pela sua manutenção. 7 Sucessão no sistema anterior Sucessão no sistema atual. Eram reconhecidos como herdeiros necessários os descendentes e os ascendentes (art. 1.721 do CC/1916). São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (art. 1.845 do CC/2002). 8 Da sucessão dos descendentes e a concorrência do cônjuge “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.” 9 Da sucessão dos descendentes e a concorrência do cônjuge TABELA Regimes em que o cônjuge herda em concorrência Regimes em que o cônjuge não herda em concorrência Regime da comunhão parcial de bens, em havendo bens particulares do falecido. Regime da participação final nos aquestos. Regime da separação convencional de bens Regime da comunhão parcial de bens, não havendo bens particulares do falecido. Regime da comunhão universal de bens. Regime da separação legal ou obrigatória de bens. 10 OBSERVAÇÕES. • A primeira observação é que, como se nota, o objetivo do legislador foi separar claramente a meação da herança. Assim, pelo sistema instituído, quando o cônjuge é meeiro não é herdeiro; quando é herdeiro não é meeiro. Nunca se pode esquecer que a meação não se confunde com a herança, sendo esta confusão muito comum entre os operadores do Direito. Meação é instituto de Direito de Família, que depende do regime de bens adotado. Herança é instituto de Direito das Sucessões, que decorre da morte do falecido. 11 OBSERVAÇÕES. • Como segunda observação, fica em xeque a hipótese em que o regime em relação ao falecido é o da comunhão parcial de bens, não deixando o de cujus bens particulares. Isso porque, como observa Zeno Veloso em suas palestras e exposições, é provável que o morto tenha deixado pelo menos a roupa do corpo, sendo esta um bem particular. Em suma, fica difícil imaginar a hipótese em que o cônjuge casado pela comunhão parcial não tenha deixado bens particulares. 12 OBSERVAÇÕES. • Terceira observação: no regime da comunhão parcial de bens, a concorrência sucessória somente se refere aos bens particulares. Nesse sentido o Enunciado n. 270 CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil: “O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”. Destaque-se esse também é o entendimento de Christiano Cassettari, Eduardo de Oliveira Leite, Giselda Hironaka, Gustavo Nicolau, Jorge Fujita, José Fernando Simão, Maria Helena Daneluzzi, Mário Delgado, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Zeno . Tal corrente, prevalecente na doutrina, é adotada por vários julgados (a título de exemplo: TJMG, Apelação Cível 1.0016.05.046273-4/0011, Alfenas, 5.ª Câmara Cível, Rel. Des. Barros Levenhagen, j. 17.12.2009, DJEMG 22.01.2010; TJRS, Agravo de Instrumento 70021504923, Pelotas, 8.ª Câmara Cível, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 11.12.2007, DOERS 28.12.2007, p. 20; TJSP, Agravo de Instrumento 635.958.4/1, Acórdão 3651464, Araçatuba, 4.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 14.05.2009, DJESP 13 15.06.2009). OBSERVAÇÕES • Todavia, o entendimento está longe de ser unânime, pois há quem entenda que a concorrência na comunhão parcial deve se dar tanto em relação aos bens particulares quanto aos comuns (Francisco Cahali, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Inácio de Carvalho Neto, Maria Helena Diniz e Mário Roberto Carvalho de Faria). • Por fim, isoladamente, Maria Berenice Dias entende que a concorrência somente se refere aos bens comuns. De toda sorte, destaque-se que há decisão do STJ que chega a mencionar uma quarta corrente. 14 “(...). A regra do art. 1.829, I, do CC/2002, que seria aplicável caso a companheira tivesse se casado com o ‘de cujus’ pelo regime da comunhão parcial de bens, tem interpretação muito controvertida na doutrina, identificando-se três correntes de pensamento sobre a matéria: (i) a primeira, baseada no Enunciado n. 270 das Jornadas de Direito Civil, estabelece que a sucessão do cônjuge, pela comunhão parcial, somente se dá na hipótese em que o falecido tenha deixado bens particulares, incidindo apenas sobre esses bens; (ii) a segunda, capitaneada por parte da doutrina, defende que a sucessão na comunhão parcial também ocorre apenas se o ‘de cujus’ tiver deixado bens particulares, mas incide sobre todo o patrimônio, sem distinção; (iii) a terceira defende que a sucessão do cônjuge, na comunhão parcial, só ocorre se o falecido não tiver deixado bens particulares. (...). É possível encontrar, paralelamente às três linhas de interpretação do art. 1.829, I, do CC/2002 defendidas pela doutrina, uma quarta linha de interpretação, que toma em consideração a vontade manifestada no momento da celebração do casamento, como norte para a interpretação das regras sucessórias. Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC/2002, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa-fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica. 15 “Até o advento da Lei n.º 6.515/1977 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC/2002. Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados apenas entre os descendentes. Recurso especial improvido” (STJ, REsp 1.117.563/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 17.12.2009, DJe 06.04.2010). 16 OBSERVAÇÕES. Como quarta observação, há um claro erro na menção ao art. 1.640, parágrafo único, do CC, referente ao regime da separação obrigatória de bens. Isso porque o regime da separação legal ou obrigatória é aquele tratado pelo art. 1.641 do CC, envolvendo as pessoas que se casam em inobservância às causas suspensivas do casamento, os maiores de 70 anos (atualizado com a Lei n. 12.344/2010) e as pessoas que necessitam de suprimento judicial para casar. Nessa linha, afastando a concorrência sucessória apenas na separação 17 obrigatória de bens “Inventário. Viúva casada com o autor da herança no regime de separação convencional de bens. Direito à sucessão legítima em concorrência com a filha do falecido. Inteligência do artigo 1.829, I, do Código Civil. Vedação que somente ocorre, entre outras causas, se o regime de casamento for o de separação obrigatória de bens. Recurso improvido” (TJSP, Agravo de Instrumento 313.414-4/1, Barretos, 3.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Flavio Pinheiro, j. 04.11.2003). 18 Porém, em decisão surpreendente, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que “O regime da separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC/02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal, (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime da separação de bens, à sua observância. Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge não é herdeiro necessário” (STJ, REsp 992.749/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 01.12.2009, DJe 19 05.02.2010). • Na verdade, o julgado se refere a uma situação peculiar, de um homem viúvo, com 51 anos de idade e graves problemas de saúde, que se casou com uma mulher de 21 anos de idade pelo regime da separação convencional de bens. Pela evidência, no caso, de um suposto golpe do baú, houve-se por bem desenvolver a tese exposta, a fim de afastar o direito sucessório da esposa. • O julgado merece críticas como já fez parte da doutrina, caso de José Fernando Simão e Zeno Veloso. A principal crítica se refere ao fato de o julgado ignorar preceito legal, bem como todo o tratamento doutrinário referente às categorias da separação legal e da separação convencional de bens. Ademais, some-se a constatação pela qual o acórdão supostamente solucionou um caso concreto, mas criou problemas outros tantos, pela incerteza categórica que gerou. Em suma, como Zeno Veloso, espera-se que tal forma de conclusão permaneça sozinha e isolada. 20 • Merece destaque o julgado da 2.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão do final do ano de 2011, que afasta a concorrência sucessória do cônjuge no regime da separação convencional de bens. O acórdão foi assim ementado: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inventário. Decisão que declarou que o cônjuge supérstite não é herdeiro nem meeiro. Viúva que foi casada com o autor da herança pelo regime da separação convencional. Decisão que contraria a lei, em especial os artigos 1.845 e 1829 do Código Civil. Decisão reformada. Agravo provido” (TJSP, Agravo de Instrumento 0007645-96.2011. Agravantes: Silvia Maria Aranha Matarazzo (inventariante) e outro. Agravada: Flavia Matarazzo Comarca: São Paulo. Relator Des. José Carlos Ferreira Alves, j. 04.10.2011). 21 • Mais recentemente: RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. EGIME DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COM DESCENDENTES. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC/02. AVANÇO NO CAMPO SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL. 1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna. 2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social. 3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime 22 matrimonial... “4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem. 5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil. 6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente. 7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988). 8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular. Recurso especial não provido”. (REsp 1472945/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 19/11/2014) 23 • Superadas tais observações, outra regra importante consta do art. 1.832 do CC, outra novidade introduzida no sistema, cuja redação merece destaque: • “Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer”. 24 • De início, a norma enuncia que o cônjuge recebe o mesmo quinhão que receberem os descendentes. Ademais, o comando consagra a reserva de 1/4 da herança ao cônjuge, se ele for ascendente dos descendentes com quem concorrer. Assim, se o cônjuge concorrer somente com descendentes do falecido, não haverá a referida reserva. Na verdade, a questão somente ganha relevo se houver a concorrência com mais de três descendentes do falecido, situação em que a reserva da quarta parte ficaria em xeque. • Pois bem, o debate que o dispositivo desperta tem relação com a chamada sucessão híbrida, expressão de Giselda Hironaka, presente quando o cônjuge concorre com descendentes comuns (de ambos) e com descendentes exclusivos do autor da herança, isso porque tal hipótese não foi prevista pelo legislador, presente uma lacuna normativa. Duas são as correntes fundamentais que surgem, conforme consta da 25 tabela doutrinária elaborada por Francisco Cahali: • 1.ª Corrente – Majoritária – Em havendo sucessão híbrida, não se deve fazer a reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como exclusivos do autor da herança. Assim entendem Caio Mário da Silva Pereira, Christiano Cassettari, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Inácio de Carvalho Neto, Jorge Fujita, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Maria Berenice Dais, Maria Helena Diniz, Maria Helena Braceiro Daneluzzi, Mário Delgado, Mário Roberto Carvalho de Faria, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Zeno Veloso; além do presente autor. O entendimento prestigia os filhos em detrimento do cônjuge, sendo essa a opção constitucional, na opinião deste autor. Adotando a premissa, na V Jornada de Direito Civil aprovou-se o seguinte enunciado: “Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida” (Enunciado n. 527). • 2.ª Corrente – Minoritária – Em havendo sucessão híbrida, deve ser feita a reserva da quarta parte ao cônjuge, tratando-se todos os descendentes como comuns. Assim pensam Francisco José Cahali, José Fernando Simão e Sílvio de Salvo Venosa. 26 • Ainda a respeito do direito hereditário do cônjuge, é fundamental o estudo do polêmico art. 1.830 do CC, que tem aplicação tanto para os casos em que o cônjuge sucede isoladamente quanto em concorrência com os descendentes e ascendentes: • “Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara 27 impossível sem culpa do sobrevivente”. Da sucessão do cônjuge isoladamente. • De acordo com a primeira parte do dispositivo, se o cônjuge sobrevivente estava separado judicialmente ao tempo da morte do outro, não terá direito sucessório reconhecido. Deve-se atentar ao fato de que este autor segue a corrente que sustenta que a Emenda Constitucional 66/2010 retirou do sistema a separação de direito – a incluir a separação judicial e a extrajudicial –, restando apenas o divórcio como forma de extinção do casamento. Por esse caminho, a primeira parte do comando somente se aplica às pessoas separadas judicialmente quando da entrada em vigor da Emenda Constitucional, perdendo em parte considerável a sua aplicação prática. • Já a segunda parte do art. 1.830 do CC preconiza que o cônjuge separado de fato há mais de dois anos também não tem reconhecido o seu direito sucessório, salvo se provar que o fim do casamento não se deu por culpa sua. A menção à culpa é amplamente criticada pelos doutrinadores brasileiros. Rolf Madaleno aponta e critica a existência de uma culpa 28 mortuária, a conduzir a uma prova diabólica. • Na esteira de suas palavras, e conforme já manifestado em obra escrita em coautoria com José Fernando Simão, este autor entende que a menção à culpa deve ser vista com ressalvas, prevalecendo na análise do intérprete apenas a separação de fato do casal. • De toda sorte, ainda podem ser encontrados dois outros posicionamentos antagônicos. Para um primeiro entendimento, a culpa não pode ser mais debatida para fins de dissolução do casamento, desde a entrada em vigor da Emenda do Divórcio (EC 66/2010). Sendo assim, também não pode ser discutida para fins sucessórios. Assim pensam, por exemplo, Paulo Lôbo, Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. Para um segundo entendimento, o art. 1.830 do CC permanece incólume, tendo ampla aplicação, pois em vigor, devendo a citada culpa mortuária ou funerária ser investigada. Alguns julgados fazem o comando incidir, sem qualquer restrição, inclusive com perquirição de culpa (a título de exemplo: TJMG, Apelação Cível 1.0431.05.022656-9/0011, Monte Carmelo, 2.ª Câmara Cível, Rel. Des. Caetano Levi Lopes, j. 02.06.2009, DJEMG 23.06.2009; TJMG, Apelação Cível 1.0479.05.094351-9/0011, Passos, 4.ª Câmara Cível, Rel. Des. Moreira Diniz, j. 05.02.2009, DJEMG 27.02.2009; TJSP, Agravo de Instrumento 582.605.4/1, Acórdão 3509289, Batatais, 10.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Octavio Helena, j. 03.03.2009, DJESP 09.06.2009). • Em suma, os limites de subsunção do art. 1.830 do CC é tema ainda em aberto na doutrina e na jurisprudência nacionais, residindo na norma um dos grandes desafios da civilística sucessória brasileira. 29 DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE • Ato contínuo de estudo, repise-se que o art. 1.831 reconhece ao cônjuge sobrevivente, seja qual for o regime de bens do casamento, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar. Na esteira da melhor jurisprudência, não importa se o imóvel é comum ou exclusivo do falecido, reconhecendo-se o direito real em ambos os casos (STJ, REsp 826.838/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, j. 25.09.2006, DJU 16.10.2006, p. 373). • A norma visa a proteger o direito de moradia do cônjuge, direito fundamental reconhecido pelo art. 6.º da Constituição Federal. Em sintonia com o comando, pode ser citada a célebre tese do patrimônio mínimo, de Luiz Edson Fachin, segundo a qual deve-se assegurar à pessoa um mínimo de direitos patrimoniais para a manutenção de sua dignidade. • Leciona Zeno Veloso que tal direito real de habitação é personalíssimo, tendo como destinação específica a moradia do titular, que não poderá emprestar ou locar o imóvel a terceiro. Aponta ainda o jurista paraense não parecer justo manter tal direito se o cônjuge constituir nova família 30 DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE • Merece críticas o Enunciado n. 271 CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, pelo qual: “O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança”. Na opinião deste autor, o direito real de habitação é irrenunciável, por envolver a consagração do direito fundamental à moradia nas relações privadas (art. 6.º da CF/1988). Repise-se que, nessa linha, a jurisprudência do STJ entende que o Bem de Família, pela mesma razão, é irrenunciável (ver, por todos: STJ, AgRg-Ag 426.422/PR, 3.ª Turma, Rel. Des. Conv. Paulo Furtado, j. 27.10.2009, DJE 12.11.2009 e AgRg-Ag 1.114.259/RS, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 31 26.05.2009, DJE 08.06.2009). SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. Um dos dispositivos mais criticados e comentados da atual codificação privada é o relativo à sucessão do companheiro, merecendo destaque especial para os devidos aprofundamentos: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança”. A norma está mal colocada, introduzida entre as disposições gerais do Direito das Sucessões. Isso se deu pelo fato de o tratamento relativo à união estável ter sido incluído no CC/2002 nos últimos momentos de sua elaboração. Pelo mesmo fato, o companheiro não consta da ordem de vocação hereditária, sendo tratado como um herdeiro 32 especial. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • HÁ QUEM ENTENDA QUE O TRATAMENTO DIFERENCIADO É INCONSTITUCIONAL. ZENO VELOSO E GISELDA HIRONAKA. • TRIBUNAIS ESTADUAIS. Alguns Órgãos Especiais de Tribunais já julgaram a matéria: - TJSP – PELA CONSTITUCIONALIDADE. - TJES – PELA CONSTITUCIONALIDADE. - TJRS – PELA CONSTITUCIONALIDADE. - TJPR – PELA INCONSTITUCIONALIDADE. - TJRJ – PELA INCONSTITUCIONALIDADE 33 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. O STJ DETERMINOU A REMESSA PARA O ÓRGÃO ESPECIAL PARA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA. O julgado suscitava apenas a inconstitucionalidade dos incs. III e IV do art. 1.790. “INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 1.790, INCISOS III E IV DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. CONCORRÊNCIA COM PARENTES SUCESSÍVEIS. Preenchidos os requisitos legais e regimentais, cabível o incidente de inconstitucionalidade dos incisos, III e IV, do art. 1790, Código Civil, diante do intenso debate doutrinário e jurisprudencial acerca da matéria tratada” (STJ, AI no REsp 1135354/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 02/06/2011). Porém, em outubro de 2012, o Órgão Especial da Corte Superior concluiu pela não apreciação dessa inconstitucionalidade suscitada pela 4.ª Turma, eis que o recurso próprio para tanto deve ser o extraordinário, a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (publicado no Informativo n. 505 do STJ). Em suma, a questão da inconstitucionalidade não foi resolvida em sede de Superior Tribunal de Justiça, aguardando-se eventual julgamento pelo STF 34 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. Pois bem, como premissa fundamental para o reconhecimento do direito sucessório do companheiro ou companheira, o caput do comando enuncia que somente haverá direitos quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a união. Desse modo, comunicam-se os bens havidos pelo trabalho de um ou de ambos durante a existência da união estável, excluindo-se bens recebidos a título gratuito, por doação ou sucessão. Deve ficar claro que a norma não está tratando de meação, mas de sucessão ou herança, independentemente do regime de bens adotado Por isso, em regra, pode-se afirmar que o companheiro é meeiro e herdeiro, eis que, no silêncio das partes, vale para a união estável o regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC). Cumpre destacar que tais premissas foram adotadas e citadas em recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 887990/PE, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 24.05.2011, DJe 23.11.2011). 35 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • Surge, como primeira polêmica, problema referente aos bens adquiridos pelo companheiro a título gratuito (v.g., doação). Se o companheiro falecido tiver apenas bens recebidos a esse título, não deixando descendentes, ascendentes ou colaterais, os bens devem ser destinados ao companheiro ou ao Estado? • Filia-se ao entendimento de transmissão ao companheiro, pela clareza do art. 1.844 do CC, pelo qual os bens somente serão destinados ao Estado se o falecido não deixar cônjuge, companheiro ou outro herdeiro. Na tabela doutrinária, esse parece ser o entendimento majoritário, eis que exposta a dúvida em relação à possibilidade de o companheiro concorrer com o Estado em casos tais. A maioria dos doutrinadores respondeu negativamente para tal concorrência, caso de Caio Mário da Silva Pereira, Christiano Cassettari, Eduardo de Oliveira Leite, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Jorge Fujita, José Fernando Simão, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Maria Berenice Dias, Maria Helena Diniz, Mario Roberto de Faria, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Sílvio de Salvo Venosa; além do presente autor. • Por outra via, sustentando que o companheiro deve concorrer com o Estado em casos tais: Francisco José Cahali, Giselda Hironaka, Inácio de Carvalho Neto, Maria Helena Daneluzzi, Mário Delgado, Rodrigo da Cunha Pereira e Zeno Veloso. Ato contínuo de estudo, nota-se que o art. 1.790 do CC reconhece direitos sucessórios ao convivente em concorrência com os 36 descendentes do autor da herança. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • Nos termos do seu inc. I, se o companheiro concorrer com filhos comuns (de ambos), terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Por outra via, se concorrer com descendentes só do autor da herança (descendentes exclusivos), tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles. O equívoco é claro na redação dos incisos, uma vez que o primeiro faz menção aos filhos; enquanto que o segundo aos descendentes. Na esteira da melhor doutrina, é forçoso concluir que o inc. I também incide às hipóteses em que estão presentes outros descendentes do falecido. Nesse sentido, o Enunciado n. 266 CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil: “Aplica-se o inc. I do art. 1.790 também na hipótese de concorrência do companheiro sobrevivente com outros descendentes comuns, e não apenas na concorrência com filhos comuns”. • Na tabela doutrinária de Francisco Cahali, tal conclusão é quase unânime, assim pensando Caio Mário da Silva Pereira, Christiano Cassettari, Francisco Cahali, Giselda Hironaka, Inácio de Carvalho Neto, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Jorge Fujita, José Fernando Simão, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim e Euclides de Oliveira; além do presente autor. Em sentido contrário, pela aplicação do inc. III do art. 1.790 do CC, em situações tais, apenas Maria Berenice Dias e Mário Roberto Carvalho de Faria.[ 37 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • Mais uma vez, situação não descrita refere-se à sucessão híbrida, ou seja, caso em que o companheiro concorre, ao mesmo tempo, com descendentes comuns e exclusivos do autor da herança. Novamente, a Torre de Babel aparece, surgindo, sobre o problema, três correntes fundamentais bem definidas: • 1.ª Corrente – Em casos de sucessão híbrida, deve-se aplicar o inciso I do art. 1.790, tratando-se todos os descendentes como se fossem comuns, já que filhos comuns estão presentes. Esse entendimento é o majoritário na tabela doutrinária de Cahali: Caio Mário da Silva Pereira, Christiano Cassettari, Francisco Cahali, Inácio de Carvalho Neto, Jorge Fujita, José Fernando Simão, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Maria Berenice Dias, Maria Helena Daneluzzi, Mário Delgado, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno e Silvio de Salvo Venosa. 38 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • 2.ª Corrente – Presente a sucessão híbrida, subsume-se o inciso II do art. 1.790, tratando-se todos os descendentes como se fossem exclusivos (só do autor da herança). Este autor está filiado a tal corrente, assim como Gustavo René Nicolau, Maria Helena Diniz, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira e Zeno Veloso. Ora, como a sucessão é do falecido, em havendo dúvida por omissão legislativa, os descendentes devem ser tratados como sendo dele, do falecido. Anote-se que julgado do TJSP adotou essa corrente (TJSP, Agravo de Instrumento 994.08.138700-0, Acórdão 4395653, São Paulo, 7.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Álvaro Passos, j. 24.03.2010, DJESP 15.04.2010). No mesmo sentido: TJSP, Agravo de Instrumento 652.505.4/0, Acórdão 4068323, São Paulo, 5.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Roberto Nussinkis Mac Cracken, j. 09.09.2009, DJESP 05.10.2009). 39 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • 3.ª Corrente – Na sucessão híbrida, deve-se aplicar fórmula matemática de ponderação para a sua solução. Dentre tantas fórmulas, destaca-se a Fórmula Tusa, elaborada por Gabriele Tusa, com o auxílio do economista Fernando Curi Peres. Superada a controvérsia a respeito da sucessão híbrida, seguindo na leitura e estudo do art. 1.790 do CC, enuncia o seu inciso III que se o companheiro ou convivente concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança. Como outros parentes sucessíveis, leiam-se os ascendentes e os colaterais até quarto grau. Como se verá, há julgados que reconhecem a inconstitucionalidade dessa previsão, por colocar o companheiro em posição desfavorável em relação a parentes longínquos, com os quais muitas vezes não se tem contato social. Ora, muitas vezes não se sabe sequer o nome de um tio-avô, de um sobrinho-neto ou mesmo de um primo. Deve ficar claro que este autor está filiado à tese de inconstitucionalidade do comando. Por fim, consagra o inc. IV do art. 1.790 do CC que, não havendo parentes sucessíveis – descendentes, ascendentes e colaterais até o quarto grau –, o companheiro terá direito à totalidade da herança. 40 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • Outra questão controvertida a respeito da sucessão do companheiro se refere ao direito real de habitação sobre o imóvel do casal, eis que o CC/2002 não o consagra expressamente. Todavia, apesar do silêncio do legislador, prevalece o entendimento pela manutenção de tal direito sucessório. Nesse sentido, o Enunciado n. 117 CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil: “o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/1996, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6.º, caput, da CF/1988”. • Como se nota, dois são os argumentos que constam do enunciado doutrinário. O primeiro é que não houve a revogação expressa da Lei 9.278/1996, na parte que tratava do citado direito real de habitação (art. 7.º, parágrafo único). O segundo argumento, mais forte, é a prevalência do citado direito diante da proteção constitucional da moradia, retirada do art. 6.º da CF/1988, o que está em sintonia com o Direito Civil Constitucional. De fato, esse entendimento prevalece na doutrina nacional. Na citada tabela doutrinária, assim deduzem Christiano Cassettari, Giselda Hironaka, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo René Nicolau, Jorge Fujita, José Fernando Simão, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Maria Berenice Dias, Maria Helena Diniz, Maria Helena Daneluzzi, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim, Euclides de Oliveira, Sílvio de Salvo Venosa e Zeno Veloso; além deste autor. 41 SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. • Não é diferente a conclusão da jurisprudência, havendo inúmeros julgados que concluem pela manutenção do direito real de habitação a favor do companheiro (por todos: STJ, REsp. 821.660/DF, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 14.06.2011, v.u.; TJSP, Agravo de Instrumento 990.10.007582-9, Acórdão 4569452, Araçatuba, 1.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. De Santi Ribeiro, j. 29.06.2010, DJESP 28.07.2010; TJRS, Apelação Cível 70029616836, Porto Alegre, 7.ª Câmara Cível, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, j. 16.12.2009, DJERS 06.01.2010, p. 35; TJDF, Recurso 2006.08.1.007959-5, Acórdão 355.521, 6.ª Turma Cível, Rel.ª Des.ª Ana Maria Duarte Amarante Brito, DJDFTE 13.05.2009, p. 145; TJSP, Apelação 573.553.4/2, Acórdão 4005883, Guarulhos, 4.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 30.07.2009, DJESP 16.09.2009; TJSP, Apelação com Revisão 619.599.4/5, Acórdão 3692033, São Paulo, 6.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Percival Nogueira, j. 18.06.2009, DJESP 14.07.2009). • De toda sorte, a conclusão não é unânime, pois há quem entenda que tal direito não persiste mais, tendo o legislador feito silêncio eloquente: Francisco José Cahali, Inácio de Carvalho Neto e Mário Luiz Delgado. No mesmo sentido podem ser encontrados alguns julgados (cite-se: TJSP, Apelação 991.06.028671-7, Acórdão 4621644, São Paulo, 22.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Campos Mello, j. 26.07.2010, DJESP 12.08.2010 e TJSP, Apelação com Revisão 473.746.4/4, Acórdão 4147571, Fernandópolis, 7.ª Câmara de Direito Privado B, Rel.ª Des.ª Daise Fajardo 42 Nogueira Jacot, j. 27.10.2009, DJESP 10.11.2009).