Sandra Cristina Fernandes Costa Medeiros de Moraes
Os limites da autonomia da
vontade na arbitragem
Atividade elaborada para o Curso de
Mediação e Arbitragem da Câmara
Brasileira de Mediação e Arbitragem
Empresarial
Mogi das Cruzes
2013
ÍNDICE
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1. Introdução........................................................................................................................ 03
2. A Arbitragem no Direito Brasileiro ................................................................................ 03
3. A convenção de arbitragem e a autonomia da vontade ................................................... 04
4. Os limites da Autonomia da Vontade ............................................................................. 06
5. Conclusão ........................................................................................................................ 07
6. Referências bibliográficas ............................................................................................... 08
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1. Introdução
Esta atividade pretende, a partir do aprendizado propiciado pelo Curso
de Mediação e Arbitragem da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial CBME, corroborar o entendimento de que, embora a Lei nº9307/96, que regula o
procedimento arbitral no Brasil, esteja baseada no princípio da autonomia da vontade das
partes, esta lei impõe concomitantemente uma limitação a esta autonomia. Pretende-se, na
sequência, de forma breve e despretensiosa, caracterizar os limites da autonomia da vontade
neste método extrajudicial para solução de conflitos.
2. A Arbitragem no Direito Brasileiro
A solução de conflitos pela arbitragem sempre esteve presente na
sociedade humana.
Como jurisdição privada, a arbitragem é uma das formas de resolução
de controvérsias mais antigas na história do Direito e antecedeu a jurisdição exercida pelo
Estado, hoje meio dominante de pacificação social (em comparação à arbitragem).
Diferentemente da jurisdição estatal, no procedimento arbitral as partes
podem escolher o árbitro, determinar as regras do procedimento e aquelas que suportarão a decisão, e
finalmente optar por decisão legal ou por equidade.
No Brasil, a arbitragem é citada desde a época do Brasil Colônia, com
previsão nas Ordenações Filipinas que vigoraram até após a proclamação da República.
A Constituição de 1824 previa a possibilidade das partes optarem por
um juiz-árbitro resolver o litígio em ações cíveis ou penais e pregava a independência das
sentenças arbitrais, que não necessitavam de homologação para surtirem seu efeito, desde que
houvesse convenção anterior elegendo a arbitragem como solução.
Em 1831 passou-se a prever o uso da arbitragem em litígios
envolvendo seguros, e com a Lei 108, de 11 de outubro de 1837, em dissídios referentes à
locação de serviços.
No ano de 1850 o Código Comercial regulamentou a arbitragem para
o direito societário, discriminando que todas as questões de contrato de locação mercantil
poderiam ser resolvidas pela arbitragem.
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Com a proclamação da República, os Estados passaram a legislar
sobre matéria processual e, portanto, sobre a arbitragem. Os Códigos paulista, mineiro e
baiano continham disposições sobre a arbitragem.
Em 1894, a Lei 221 previu a arbitragem no âmbito da Justiça Federal
e foi regulamentada pelo Decreto 3084, de 1898, que permitia recurso ou existência da
cláusula sem recurso no compromisso.
No código Civil de 1916, os artigos 1037 a 1048 previram a
arbitragem, determinando que de sua sentença não cabia recurso e que se houvesse
compromisso escrito entre as partes designando um árbitro para solucionar tal questão o
contrato seria válido, afastando o Poder Judiciário do litígio em questão, na fase de
conhecimento.
Em 1939 o Código Buzaid permitiu a composição de pendências
judiciais e extrajudiciais por um juízo arbitral, independente do valor da causa e contanto que
fosse uma questão que tratasse de direitos patrimoniais disponíveis.
O passo mais importante para a Arbitragem no Brasil ocorreu com a
edição da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, Lei Marco Maciel. Em princípio afirmouse que a lei feria o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, mas afinal o STF
confirmou a constitucionalidade da lei, de forma que a arbitragem é hoje uma opção legal e
legítima na solução de litígios.
Quanto à Arbitragem Comercial Internacional, em 1975 o Brasil havia
aderido à Convenção do Panamá, mas o reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras
somente ocorreu com a adesão tardia, em 2002, da Convenção de 1958 de Nova York.
Após esta formalização o Brasil consolidou o instituto da Arbitragem
em âmbito internacional, trazendo o reconhecimento das Sentenças Arbitrais Internacionais,
que atualmente necessitam de homologação do Superior Tribunal de Justiça para assegurar
seu reconhecimento e execução no Brasil, entendida a sentença internacional como aquela
proferida fora de território brasileiro.
3. A convenção de arbitragem e a autonomia da vontade
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De acordo com a Lei 9.307/96 (que regulamenta a arbitragem), a
convenção de arbitragem ocorre como negócio jurídico, viabilizada por meio da cláusula
compromissária ou por compromisso firmado que empresta ao procedimento de arbitragem
uma natureza jurisdicional e privada, para ser aplicada na hipótese de direitos patrimoniais
disponíveis.
Para que se celebre a convenção de arbitragem é necessário que exista
um conflito entre duas ou mais partes, que estas nomeiem um ou mais árbitros – sempre em
número ímpar – e que as partes determinem se a arbitragem será por direito ou por equidade,
observando-se ou não os princípios gerais de direito, costumes e regras internacionais de
comércio. Não é permitido violar a ordem pública ou os bons costumes.
Nota-se que a arbitragem possui natureza mista: dada a sua origem
convencional, fundamentada na autonomia da vontade das partes, poder-se-ia dizer que possui
natureza privada, mas a função jurisdicional de resolver um conflito empresta-lhe
característica pública.
A característica principal da convenção de arbitragem é tanto a
manifestação de vontade das partes como os limites à autonomia da vontade das partes.
Pelo princípio da autonomia da vontade, entende-se que toda pessoa
capaz pode definir o conteúdo de um negócio jurídico, pactuando entre si como desejarem,
dentro dos limites legais. Assim, todo o pactuado deverá ser cumprido, ainda que de forma
impositiva.
Nota-se assim que tanto a cláusula arbitral ou compromissária, como o
compromisso arbitral, encontram-se ligados ao princípio da autonomia da vontade, desde sua
instauração até final decisão.
Para que se institua a arbitragem, as partes podem fazer constar
previamente no instrumento contratual originário uma cláusula arbitral ou compromissória.
Deflagrado o litígio, sem a existência de cláusula arbitral, ou na presença de cláusula
incompleta, as partes podem no primeiro caso e devem no segundo firmar o compromisso
arbitral.
Por meio da cláusula arbitral ou compromissória as partes, em um
contrato, comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios futuros eventualmente
derivados daquele contrato. A Lei prevê que a cláusula compromissória é autônoma em
relação ao contrato, ou seja, mesmo que o contrato cesse ou que se peça sua nulidade, a
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cláusula continua tendo validade, sendo competente do juízo arbitral para dirimir os conflitos
dali resultantes.
No compromisso arbitral, diferentemente, as partes submetem ao
julgamento do árbitro um conflito atual. Nele as partes renunciam à jurisdição estatal e se
obrigam a se submeter à decisão dos árbitros por elas indicados.
A cláusula compromissória e o compromisso arbitral são dotados de
autonomia, relativamente aos contratos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis.
A diferença entre os dois institutos são que a cláusula diz respeito a
litígio futuro e incerto, sendo a cláusula compromissória um contrato imperfeito e inacabado,
de caráter preliminar, entendido como uma medida preventiva, em que as partes simplesmente
prometem efetuar um contrato de compromisso se surgir desentendimento a ser resolvido. O
compromisso, por outro lado, refere-se a litígio atual e específico, tem força vinculativa e faz
com que as partes se comprometam a submeter certa pendência à decisão de árbitros.
4. Os limites da Autonomia da Vontade
Na assunção da convenção de arbitragem a manifestação de vontade
das partes deve ser livre e determinada a contratar.
Os envolvidos no conflito podem optar livremente pelo método
alternativo, escolhendo a própria forma não estatal como meio de solução de conflitos,
escolher o árbitro ou árbitros, o método e a sede, inclusive podem colocar impedimentos para
o fluxo dos trâmites de uma arbitragem, por ocasião da divergência.
Possuem liberdade para designarem os árbitros, conforme prevê o
artigo 13, parágrafo 1º, da Lei 9.307/96 e também são livres para determinar as regras de
constituição do Tribunal Arbitral ou se referirem às regras de uma instituição de arbitragem,
conforme o mesmo artigo, parágrafo 3º.
Mas, como decorrência natural de uma vida em sociedade, não há um
caráter absoluto no poder de auto-regramento desta vontade, mas apenas um permissivo que o
sistema jurídico outorga às pessoas, de forma que a autonomia da vontade na arbitragem sofre
limitações. Assim, esta manifestação é livre e autônoma, porém não é ilimitada.
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Uma das restrições à vontade das partes está citada no artigo 13,
parágrafo 1º da referida Lei, quando estabelece a exigência de um número ímpar de árbitros.
Outra limitação ocorre quanto à capacidade das partes: o incapaz não
possui autonomia da vontade necessária para decidir se quer ou não submeter seu litígio à
arbitragem.
Limita-se também o objeto da contratação: somente se admite a
arbitralidade de direitos patrimoniais disponíveis.
Desta forma ficam excluídas as questões afetas ao direito tributário e
direito penal (direitos do Estado, de interesse da coletividade), direitos fundamentais (direitos
humanos reconhecidos pelo direito nacional ou internacional, ligados à dignidade da pessoa
humana) e direito de família e sucessões (como decorrência de seu caráter de direito
fundamental).
Excluem-se também questões de direito do trabalho, durante a relação
trabalhista, em razão da forma protetiva como a legislação brasileira trata o trabalhador,
entendendo o empregado como hipossuficiente na relação de trabalho.
Finalmente, as mais importantes limitações existem com objetivo de
evitar a perturbação do grupo social e são o dever de obediência à ordem pública e aos bons
costumes, entendendo-se como ordem pública aquela que fixa as bases jurídicas fundamentais
sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de determinada sociedade, e como bons
costumes a projeção de regras morais no terreno jurídico.
Portanto, deve o Estado negar validade jurídica aos contratos
estabelecidos sem o devido respeito aos limites da liberdade contratual, fulminando o ato
negocial, invariavelmente, com o efeito da nulidade.
5. Conclusão
A Lei nº9307/96, que regula o procedimento arbitral no Brasil, está
baseada no princípio da autonomia da vontade das partes.
No entanto, a vida em sociedade não permite um caráter absoluto no
poder de auto-regramento da vontade, e o sistema jurídico impões limitações à autonomia da
vontade na arbitragem.
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Além
de
determinar
que
somente
pessoas
capazes
podem
convencionar a arbitragem, que os árbitros devem ser escolhidos em número ímpar e que são
arbitráveis somente os conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, nosso sistema
jurídico exige principalmente a obediência à ordem pública e aos bons costumes
6. Referências bibliográficas
Bosco Lee, João e Valença Filho, Clávio de Melo – A Arbitragem no Brasil – 1ª edição, Programa de
Fortalecimento da Arbitragem e da Mediação Comercial no Brasil – Brasília/DF - 2001 – 199 págs.
BRASIL.[Leis, etc.]. [organização, equipe América Jurídica]. 1ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica,
2005.
Brito, Gabriel F. G. . A Autonomia no direito privado brasileiro e a lei de arbitragem . PUC
Departamento
de
Direito.
2012.
Acesso
em:
02dez2013.
Disponível
em:
<http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/20139/20139.PDF>.
Martins, Pedro A. Batista. Autonomia da cláusula compromissória em Estudos de Arbitragem
Mediação e Negociação Vol.2. Disponível em: < http://www.arcos.org.br/livros/estudos-dearbitragem-mediacao-e-negociacao-vol2/segunda-parte-artigos-dos-professores/autonomia-daclausula-compromissoria > Acesso em: 02dez2013.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 34ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
Wanderley, Waldo. Mediação -- Brasília: Editora MSD, 2004.
______. Artigo 3- Segunda, 17 de Dezembro de 2007 . Disponível
<http://www.cbmae.org.br/index.php?urlop=dsartigo&idnot=NTg=> Acesso em: 14nov2013.
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