UM CÓDIGO DEONTOLÓGICO PARA OS ÁRBITROS PORTUGUESES
* Agostinho Pereira de Miranda
A Associação Portuguesa de Arbitragem (“APA”) foi constituída em 2006 com o propósito de
fomentar o estudo e a utilização da arbitragem voluntária como método de resolução jurisdicional
de litígios sobre direitos disponíveis.
Tendo em vista dinamizar a participação dos associados na prossecução dos seus fins, a APA
criou, entre outros, o Conselho Deontológico, que tem como primeiro objectivo “elaborar regras de
conduta aplicáveis aos árbitros e a outros intervenientes no processo arbitral”.
Dando corpo a esse desiderato, o Conselho elaborou uma proposta de Código Deontológico do
árbitro que está presentemente a ser objecto de discussão pública (cfr. sítio da APA em
http://arbitragem.pt/estudos/index.php).
A DEONTOLOGIA NA ARBITRAGEM INTERNACIONAL
Mas poder-se-ia perguntar, como fez o Prof. Pierre Lalive, há uns anos atrás, num artigo com o
mesmo título: Faut-it codifier la deontologie arbitrale?
Vários autores responderam pela negativa, alegando designadamente que a ética é por essência
reactiva a qualquer forma de codificação e que esta poderia conduzir ao aumento da litigância
intra-arbitral e à recusa infundada de árbitros competentes.
Nesta linha, tanto a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional
(“CNUDCI”) como a Câmara de Comércio Internacional (“CCI”) optaram, depois de alguma
hesitação, por não aprovar qualquer conjunto codificado de regras éticas para os árbitros. O
mesmo não sucedeu com outras organizações de relevo mundial no campo da arbitragem. A
American Arbitration Association, por exemplo, em conjugação de esforços com a American Bar
Association fez aprovar, logo em 1977, o seu Code of Ethics for Arbitrators in Commercial
Disputes, o qual viria a ser alterado em 2004.
Também a International Bar Association aprovou, em 1987, o seu Rules of Ethics for International
Arbitrators, hoje complementado e parcialmente abrogado pelas Guidelines on Conflicts of Interest
in International Arbitration, de 2004.
A ética pode relevar quer da consciência moral do árbitro quer da sua formalização escrita e até
codificada. Há quem defenda que a existência de uma verdadeira cultura arbitral dispensaria a
elaboração de códigos de deontologia. Mas não deixa de ser significativo que alguns dos países
que mais recorrem à arbitragem tenham estado entre os primeiros a codificar os preceitos da ética
arbitral.
CONHECER E APLICAR A ÉTICA ARBITRAL
Outra questão de grande importância prática é saber como garantir a aplicabilidade desses
preceitos éticos. A sua “contratualização”, isto é, a inclusão automática do seu conteúdo nas
obrigações cíveis dos árbitros, é rejeitada pela Doutrina por poder fragilizar a posição do árbitro e
multiplicar os fundamentos para a recusa deste árbitro ou a recorribilidade da sentença. Mas
poderá sempre prever-se uma contratualização supletiva (e não imposta) através da inclusão dos
deveres deontológicos no contrato de árbitro, maxime através da assinatura de uma declaração
unilateral em tudo semelhante à Declaração de Independência e Disponibilidade exigida pela CCI.
Em última instância, a mera existência de um código de conduta, ainda que sem caracter
vinculativo, constitui um enunciado de modelos de comportamento que podem e devem
esclarecer e inspirar os árbitros. É que não se pode dar por adquirido que os árbitros, em especial
os árbitros portugueses, conheçam a extensão e o âmbito precisos das obrigações a que se
sujeitam ao aceitar o respectivo encargo.
A arbitragem só será um instrumento eficaz de administração da justiça se conseguir ganhar a
confiança dos cidadãos na sua integridade e respeitabilidade.
* Advogado / Sócio Presidente
Download

UM CÓDIGO DEONTOLÓGICO PARA OS ÁRBITROS