X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 TRABALHO DOCENTE NO ENSINO MÉDIO: UMA APROXIMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA Gilvan Luiz Machado Costa Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL [email protected] Resumo: O estudo objetivou compreender preliminarmente o trabalho do professor de matemática do ensino médio no Brasil. Buscou-se na literatura e nos documentos disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e pelo Ministério da Educação – MEC, identificar quem são os sujeitos docentes do ensino médio e compreender as condições em que o trabalho docente se realiza nessa etapa da educação básica. Pode-se inferir que os professores do ensino médio das escolas públicas compõem um grupo muito singular e que foi precarizado pelas reformas. Esses professores, em relação aos da educação infantil e ensino fundamental, têm mais aulas, turmas, alunos, turnos e empregos. Tal compreensão sinaliza para a necessidade de estudos que possam desvelar, ainda mais, quem são os sujeitos que ensinam matemática na última etapa da educação básica e suas condições de trabalho. Questões relacionadas à saúde, à evasão de professores de matemática, ao desinteresse dos jovens em tornar-se trabalhador da educação e à falta de professores de matemática, sobretudo no ensino médio, e que estão articuladas à precarização da remuneração e das condições de trabalho, continuam atuais e precisam ser compreendidas. Palavras-chave: Professor de Matemática; Ensino Médio; Regulação; Expansão. INTRODUÇÃO A escola aparece hoje como uma instituição frequentada pela quase totalidade da população brasileira de 7 a 14 anos. Tudo indica que, em poucos anos, essa realidade se estenderá para os brasileiros pertencentes à faixa etária de 4 a 17 anos. É inegável a ampliação significativa do acesso à educação básica em todas as suas etapas. Em 2008, foram matriculados 53.232.868 alunos na educação infantil, ensino fundamental e médio. O ensino médio, no mesmo ano, apresentou 8.366.100 alunos matriculados nessa etapa da educação básica. As políticas educacionais no Brasil das duas últimas décadas tiveram como eixo a equidade social e se articularam inicialmente pela busca da universalização do ensino fundamental e mais recentemente buscam ampliar o acesso ao ensino médio e educação infantil. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 1 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb, que substitui o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef, é uma demonstração de tais intenções, ao ampliar a abrangência do financiamento a etapas e modalidades da educação anteriormente excluídas do Fundef. E mais recentemente, a Emenda Complementar 59/2009, cuja redação alterou os incisos I e VII, do artigo 208, prevê obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos. As reformas educacionais ocorridas no Brasil buscaram a promoção da justiça social e foram concebidas para amenizar as desigualdades sociais, ao ampliar o acesso à educação básica e abrir a escola pública à população em situação vulnerável. As políticas educacionais foram ao mesmo tempo políticas de desenvolvimento e políticas sociais ao buscar, com a ampliação do acesso e a permanência na escola, a formação da força de trabalho articulada à distribuição de renda e assistência social (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009). A lógica adotada para as mudanças tem sua gênese na reforma do Estado que, a partir de 1990, assume uma forma de gestão baseada nos princípios da descentralização administrativa e financeira. A escola se “fortalece” e passa a assumir responsabilidades na condução do processo educacional e na captação de recursos para atingir as metas determinadas pelos órgãos centrais. O Estado centraliza as decisões, via diretrizes nacionais e avaliações, e descentraliza dando autonomia para as escolas públicas construírem seus projetos político-pedagógicos e buscarem outros recursos de ordem financeira, além dos recebidos do governo federal, estadual ou municipal. Com a Emenda Constitucional 14/1996, o governo federal transferiu as responsabilidades do ensino fundamental e médio para os municípios e estados, respectivamente. Com a criação do Fundef, em 1996, o movimento de ampliação das matrículas na educação básica se intensifica e ganha novos contornos. As redes estaduais e municipais adquirem autonomia e a usam para ampliar a matrícula, a partir da construção de novas escolas, sobretudo, pelas redes municipais, do aumento do número de alunos nas salas de aula, do uso intensivo do turno noturno e, em algumas situações, do turno intermediário. A escola passa a abrigar a quase totalidade das Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 2 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 crianças e adolescentes, além dos jovens e adultos que voltam à escola para manter/adquirir empregabilidade. A reforma educacional implantada no Brasil nas duas últimas décadas pode estar na contramão de uma educação de qualidade social. Tem-se como hipótese que as novas regulações educativas atribuem mais responsabilidades aos docentes, que não dispõem, nas escolas públicas, de condições apropriadas para realizar o seu trabalho. A nova regulação da política educacional centrada na eficácia e na responsabilidade da escola trouxe sérias consequências para os professores, provocando uma reestruturação de seu trabalho. Após vinte anos de aprovação da Constituição e aproximadamente quinze da promulgação da LDBEN 9394/96, vale questionar se as reformas que incidiram sobre as escolas de educação básica, os trabalhadores da educação e os estudantes tiveram uma “escola pública de qualidade para todos, como direito social” (DOURADO; OLIVEIRA, 2008, p. 15). Considerando que durante vinte anos, aproximadamente, os trabalhadores docentes convivem nas escolas públicas brasileiras com as novas regulações trazidas pelas reformas educacionais, e por se tratar de uma categoria de trabalhadores quantitativamente considerável, vale problematizar o trabalho docente, em sua totalidade, e do professor de matemática do ensino médio, em particular. Diante do exposto, questiona-se: Quem são os sujeitos docentes que lecionam matemática no ensino médio nas escolas públicas estaduais do Brasil? Considerando as novas regulações educativas, em que condições esses docentes realizam o seu trabalho? Para tentar compreender preliminarmente esse tema tão caro a uma educação de qualidade social, foram identificados e analisados artigos de periódicos da área de educação, sobretudo os disponíveis no portal Scielo, e que publicaram dossiês sobre o trabalho docente. Os painéis do VII Seminário da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente completaram o material bibliográfico. A discussão teórica foi cotejada com dados dos professores do ensino médio coletados pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, através da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios – Pnad; pelo Ministério da Educação – MEC, via informações e documentos disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Inep. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 3 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 O TRABALHO DOCENTE NO DEBATE EDUCACIONAL O campo educacional apresenta, nessa primeira década do novo século, um paradoxo preocupante: mesmo com a centralidade atribuída à educação escolar “faltam” professores habilitados para lecionar nas escolas públicas brasileiras, sobretudo no ensino médio (BRASIL. Inep/MEC, 2009). Chama atenção a forma como esse problema foi enfrentado pelos governos dos últimos 20 anos: ampliar o acesso a cursos de formação inicial. A opção pela ampliação das vagas nos cursos de licenciaturas sugere que as discussões e ações no campo educacional não incidiram uniformemente sobre o estatuto econômico, social e científico dos professores (DOURADO; OLIVEIRA, 2008). A organização e expansão da formação de professores foram exaustivamente debatidas nos meios acadêmicos, durante a década de 1990, e passou por algumas mudanças, todavia, o mesmo parece não se verificar com o trabalho docente. Em um contexto marcado por novas regulações educacionais que atingiram duramente as condições materiais e simbólicas do trabalho docente, “as investigações acadêmicas dedicadas a investigar o tema foram menos numerosas”. (LEHER; LOPES, 2008, p. 1). Destaca-se, a partir dos primeiros anos do século XXI, a retomada do debate sobre as condições objetivas do professor. Ganha proeminência no Brasil pesquisas cujos resultados indicam que está para além das forças dos professores a plena realização das demandas trazidas às escolas públicas contemporâneas, sem que as condições objetivas e subjetivas sejam substancialmente modificadas (OLIVEIRA, 2006). Adquire ênfase “investigações que procurem contemplar a difícil equação entre a macrorrealidade dos sistemas educacionais e o cotidiano escolar” (OLIVEIRA, 2004, p. 1128). Corroborando esse entendimento, Mancebo (2007) aponta que o trabalho docente, para ser investigado em sua totalidade, é imprescindível que tenha certa cautela metodológica, de tal modo que se possa permitir um fecundo diálogo entre a teoria e a confrontação empírica dos contextos em que ele se realiza. Boa parte dos estudos sobre o trabalho docente destaca a centralidade atribuída pelas reformas educacionais à administração escolar, elegendo a escola como núcleo do planejamento e da gestão; o financiamento per capita, presente no ensino fundamental e Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 4 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 mais recentemente incluindo a educação infantil e o ensino médio; a regularidade e ampliação dos exames nacionais de avaliação; a avaliação institucional e de desempenho; e outros mecanismos de gestão escolares que insistem na participação da comunidade, bem como a proliferação de conselhos com funções consultivas (OLIVEIRA, 2008; MANCEBO, 2007; HYPÓLITO, 2008). A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, em março de 1990, pode ser considerada o marco das reformas educacionais dos países mais pobres e populosos do mundo, o que inclui o Brasil: a educação para a equidade social. A partir de Jomtien, as políticas educacionais visaram a ampliar o atendimento escolar às populações menos favorecidas economicamente, entretanto, sem onerar em demasia os cofres dos Estados Nacionais (OLIVEIRA, 2006). É nítido que a expansão da educação básica no Brasil logrou êxito. As redes municipais de ensino apresentaram 24.500.852 matrículas em 2008, superando a rede estadual que apresentou 21.433.441 e a rede particular, 7.101.043. A rede federal de ensino apresentou 197.532 matrículas em suas escolas técnicas. Os estados e municípios, portanto, concentram a maior parte das matrículas da educação básica. Em 2008, essa etapa apresentava 45.934.283 alunos matriculados nas escolas públicas brasileiras. Em 1991, eram 25.490.176 (BRASIL. Inep/MEC, 2008). Pode-se inferir, através das pesquisas, que o docente foi envolvido pelas novas regulações e teve seu trabalho reestruturado com as reformas educacionais e com a explícita expansão do atendimento público (GARCIA; ANADON, 2009). A ampliação de matrículas suscita uma grande demanda por professores. Em 1991, a necessidade de docentes na educação básica era de 1.360.924, subindo para 1.882.961 professores em 2007 (BRASIL. Inep/MEC, 2009). As reformas educacionais e as novas regulações, acrescidas da ampliação de vagas na educação básica, sobrecarregaram o docente, atribuindo-lhe mais responsabilidade, para além das relacionadas à sala de aula (OLIVEIRA, 2006). Ampliam-se as funções dos professores, incluindo cuidar das demandas oriundas dos contextos de pobreza que marcam os alunos das escolas públicas. Soma-se o apelo à participação do coletivo dos professores na gestão democrática da escola e o aumento quantitativo dos dias letivos. Passa a fazer parte do repertório do professor, segunda Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 5 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Oliveira (2004), desempenhar funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre outras. O PROFESSOR DE MATEMÁTICA E SEU TRABALHO NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO A matrícula na última etapa da educação básica se concentra, majoritariamente, na rede estadual de ensino que nas duas últimas décadas registrou uma expressiva ampliação. Dos 2.472.964 alunos da rede estadual de ensino, em 1991, passou-se para 7.177.377 matriculados em 2008. O mesmo crescimento não se verificou na rede privada que, em 1991, contemplava 1.019.374 matriculados, recuando para 970.523, em 2008 (BRASIL. Inep/MEC, 2008). Com os números da matrícula pode-se considerar que a maioria dos professores do ensino médio vende sua força de trabalho para gestores estaduais. Logo, são 27 possibilidades salariais, carreira e condições de trabalho, no caso específico do ensino médio. A expansão do número de alunos em todas as etapas da educação básica desencadeou a ampliação do número de professores. No primeiro ano da década passada, encontravam-se 259.380 funções docentes no ensino médio. Vale ressaltar que o número de funções docente é maior que o número de professores, que em 2007 alcança a marca de 414.555 (BRASIL. Inep/MEC, 2009). É inegável o tamanho da categoria docente, que tende a aumentar, considerando a emergência de ampliação da matrícula no ensino médio. Ao considerar os 414.555 professores da última etapa da educação básica, percebe-se que 317.286 são funcionários públicos estaduais, 147.381 são do sexo masculino. A maioria dos professores do ensino médio, mais precisamente 302.435, possui mais de 32 anos (BRASIL. Inep/MEC, 2009). Trata-se de um grupo de trabalhadores com características muito próprias como mostra a Tabela 1. Pode-se inferir que os professores do ensino médio apresentam determinadas singularidades que podem lhes fazer reagir a sua maneira as novas regulações colocadas pelas reformas educacionais. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 6 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 1 – Professores dos Anos Iniciais e Ensino Médio, segundo a Dependência Administrativa. Sexo e Idade Predominante Etapa da Dependência Sexo Faixa Etária Educação Administrativa Básica Estadual Municipal Masculino Feminino Até 24 25-32 Ensino Médio 317.286 8.243 147.381 267.174 14.895 97.225 Anos Iniciais 141.237 419.159 60.175 624.850 36.994 175.499 Fonte: MEC/Inep/Deed Nesse contexto de reformas educacionais e das novas regulações por elas trazidas, cresce o número de alunos, de tarefas, e mais professores são necessários. No caso específico do ensino de matemática no ensino médio são necessários 67.447 professores (BRASIL. Inep/MEC, 2009) submetidos às demandas dentro e fora da sala de aula: cobrança constante de cumprimento de prazos, necessidade permanente de reciclagem e atualização, realização de inúmeras tarefas não remuneradas, como reuniões noturnas e em finais de semana e trabalhos realizados em casa (REIS et. al., 2006). Somam-se a remuneração e o número de alunos, turmas e aulas sob responsabilidade do professor. Como corolário, o processo de trabalho realizado nas escolas públicas tem sofrido ampla precarização, mormente, nas condições de sua realização. Os docentes constituem uma categoria numerosa. Pagar bons salários para 1.573.317 professores da educação básica que atuam nas escolas públicas (BRASIL. Inep/MEC, 2009), como é o caso brasileiro, seria natural para um Estado plenamente comprometido com a ampla formação de suas crianças, jovens e adolescentes. Entretanto, as pesquisas têm apontado em outra direção. Ao considerar as últimas cinco décadas da história dos trabalhadores da educação, percebe-se que foram cinquenta anos de forte arrocho salarial (GARCIA; ANADON, 2009). A tabela 2 explicita a média e a mediana relacionada ao salário do professor da educação básica. Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 7 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 2- Remuneração dos professores da educação básica/2006 Brasil Nível de Ensino Parâmetro Educação Ensino Ensino Total Infantil Fundamental Médio Média 661 873 1.390 927 Mediana 500 700 1.200 720 Fonte:IBGE/Pnad Os baixos salários dos professores, a partir da instauração do regime militar no Brasil, também são destacados por Ferreira Jr e Bittar (2006). Para os autores, essa situação se mantém, considerando que os governos democráticos dos últimos vinte anos não reverteram o quadro de perdas salariais dos docentes. As políticas educacionais implantadas durante a ditadura e as políticas neoliberais adotadas a partir da década de 1990 foram devastadoras e distanciaram na linha do horizonte “a possibilidade da libertação espiritual e econômica do professor, mediante uma formação e remuneração que lhe confira dignidade e prestígio” (FERREIRA JR; BITTAR, 2006, p.1174). Para Sampaio e Marin (2004), a precarização se torna mais aguda com os salários recebidos pelos docentes, pois a pauperização profissional significa empobrecimento da vida pessoal nas suas relações entre vida e trabalho, sobretudo no que tange ao acesso a bens culturais. A melhoria da educação básica exige condições de trabalho para os docentes que hoje não estão presentes nas escolas públicas (SAMPAIO; MARIN, 2004). O aumento das demandas tem suscitado a necessidade e consequente apelo à formação em nível superior dos docentes. Tal compreensão é reforçada pela LDB 9394/96. A partir da referida lei, observa-se a busca por cursos de formação inicial em nível superior. Entretanto, o número de professores da última etapa da educação básica sem habilitação na disciplina em que atuam é significativo. Esse contexto é ainda mais grave nas disciplinas de Física, Química, Matemática e Biologia. O ensino de Matemática talvez seja um dos mais preocupantes. Ao considerar a última etapa da educação básica, tem-se 67.447 professores de matemática e apenas 39.285 possuem licenciatura na área (BRASIL. Inep/MEC, 2009). Tornar-se professor, inclusive de matemática da última etapa da educação básica, parece não ser desejado pela maioria dos jovens que estão concluindo o ensino Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 8 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 médio, como explicita a Tabela 3. As atividades que oferecem maior remuneração são as principais opções dos alunos que participaram em 2007 do Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM. Não considerar a urgência de melhor remuneração para os docentes, carreira que permita ganhos significativos com o tempo de docência e realização de formação continuada de forma ampla, compromete a busca de uma educação de qualidade para todos, pois, segundo Sampaio e Marin (2008, p.1223), a “relação de desvalorização e relativização total do conhecimento se articula ao desmonte da escola pública e acompanha o movimento de desvalorização das pessoas que usam a escola e fazem dela seu posto de trabalho”. 3-Alunos do Ensino Médio e o Tornar-se Professor-2007 Escolheu Ser Professor Não Escolheu Ser Professor 5,2% 94,8% Fonte: Elaboração Dired/Inep, a partir de dados do Enem 2007 AMPLIAÇÃO DA JORNADA E INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO As precárias condições de trabalho e remuneração parecem “convidar” o professor a aumentar sua carga horária, ou seja, a ampliar a jornada de trabalho. A jornada, considerando sua duração, está relacionada à quantidade de tempo que o trabalho consome da vida das pessoas. Entendido como uma dimensão-chave da vida humana, o trabalho padece no apagar das luzes da primeira década do século XXI. Os professores da educação básica, particularmente os que lecionam no ensino médio, possuem uma carga horária extensa como mostra a Tabela 4. 4- Número de Horas Trabalhadas no Ensino Médio/2006 Nível de Ensino no Administração Trabalho Ensino Fundamental Privada Pública Média Mediana Média Mediana 28 24 31 30 28 26 33 40 Anos Iniciais Ensino Médio MET/Pnad-2006 Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 9 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 Trabalhar em demasia parece ser rotina entre os professores da última etapa da educação básica. A carga horária parece estar diluída em pelo menos dois turnos de trabalho com ampla utilização do noturno que apresentou 3.087.933 alunos matriculados nas escolas públicas estaduais em 2008 (BRASIL. Inep/MEC, 2008). Em um contexto de grande flexibilização do trabalho e de múltiplas funções atribuídas ao professor, desenha-se uma jornada de trabalho com novos contornos. Destaca-se a intensificação do trabalho docente, entendida como a ampliação das tarefas sem a ampliação do tempo. A carga de trabalho torna-se mais aguda com a ampliação do número de alunos por turma, o que implica o aumento do número de alunos por professor. Além disso, como tem várias turmas, é grande a rotatividade/itinerância dos professores pelas escolas (SAMPAIO; MARIN, 2004). O impacto sobre o trabalho docente, a partir dos processos de reestruturação educacional desencadeados a partir da década de 1990, com a captura da subjetividade do professor pelos reformadores, é apontado também por Hypólito (2008), ao destacar que o processo de trabalho docente se encontra demasiadamente intensificado. O autor destaca a importância de aprofundar o conceito de intensificação para compreender os encargos e sobrecargas colocados aos professores das escolas públicas. Tal acúmulo de tarefas/funções interfere no corpo e, sobretudo, na mente, fazendo com que os processos de intensificação se internalizem e se transformem em processos de autointensificação. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A escola básica brasileira está mais pública que há vinte anos. A equidade social preconizada pela reforma educacional logrou êxito com 53.232.868 de matrículas na educação básica em 2008, mas a que custo para os docentes das escolas públicas? Tentou-se neste estudo cotejar uma parte da produção bibliográfica com o conjunto de dados disponibilizados sobre o trabalho docente no ensino médio, contexto em que o professor de matemática está inserido. O contraste dos dados com a literatura permitiu perceber manifestações da precarização da remuneração, da jornada e das condições do trabalho realizado pelo professor do ensino médio, fortemente imbricadas. O estudo sugere que a expansão quantitativa da educação básica gerou impacto sobre o professor que não dispõe das condições objetivas para dar conta das inúmeras Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática Comunicação Científica 10 X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010 demandas que chegam às escolas e às salas de aula. Como consequência, o processo de trabalho do professor, materializado nas escolas públicas brasileiras, se encontra precarizado, mormente quanto às condições de sua realização. Pode-se inferir que os professores da última etapa da educação básica, inclusive os de matemática, em relação aos da educação infantil e ensino fundamental, têm mais aulas, turmas, alunos, turnos e empregos. Esses elementos apontam que a precarização do trabalho docente no ensino médio tem suas singularidades. Tal compreensão sinaliza para a necessidade de estudos que possam desvelar, ainda mais, quem são os sujeitos que ensinam matemática e suas condições de trabalho. Tais argumentos ganham força na atualidade, a partir das novas ações governamentais que incidem sobre os docentes e condicionam as condições de trabalho oferecidas aos professores da educação básica. Questões relacionadas à saúde, à evasão de professores de matemática, ao desinteresse dos jovens em tornar-se trabalhador da educação e à falta de professores de matemática, sobretudo no ensino médio, continuam atuais e precisam ser compreendidas. Tal compreensão é condição necessária para que políticas públicas, que venham ao encontro das reais necessidades dos docentes e de uma educação matemática de qualidade socialmente referenciada, possam ser concebidas. REFERÊNCIAS ASSUNÇÃO, A. A.; OLIVEIRA, D. A. Intensificação do trabalho e saúde dos professores. Educação & Sociedade, v. 107, p. 77-99, 2009. BRASIL. Censo escolar da educação básica. Brasília: MEC/Inep, 2008. BRASIL. Estudo exploratório sobre o professor brasileiro: com base nos resultados do Censo Escolar da Educação Básica 2007. Brasília: MEC/Inep, 2009. DOURADO, L. F.; OLIVEIRA, J. F. Verbos intransitivos para uma política pública: formar, valorizar e profissionalizar. 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