Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva
© Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 2 – O perfil do professor de Língua Portuguesa: realidade e perspectivas nos países lusófonos.
PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA: UM SUJEITO SIMPLES?
LOPES1, Elisa Cristina
RESUMO
Partindo do pressuposto de que o perfil do Professor de Língua Portuguesa e Literatura
é construído ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional, este trabalho pretende
discutir em que medida o conhecimento sobre a bagagem cultural e o repertório de
leitura dos alunos de Letras podem servir de base para se delinear o perfil do professor
de Língua Portuguesa e Literatura. Para o desenvolvimento desse estudo, analisamos os
prefácios de antologias elaborados pelos alunos do último período do curso de Letras da
Universidade Federal de Viçosa (UFV – Minas Gerais/Brasil). Esta atividade foi
desenvolvida na disciplina “Estágio e Prática de Ensino em Literatura”, cujo objetivo
centrou-se na reflexão acerca das metodologias, possibilidades e perspectivas para o
ensino de Língua Portuguesa. Seguindo a linha teórica da Sociologia da leitura, os
resultados obtidos evidenciaram a prática de leitura de textos literários como uma
atividade capaz de interferir na formação do profissional de Letras. Além disso,
reafirmou que as competências básicas a serem exploradas no conteúdo de Língua
Portuguesa, devem estar atreladas à leitura e a todos os fatores que a envolve:
interpretação, julgamento, entretenimento, auto-conhecimento e ampliação cultural,
conforme se preconiza nos Parâmetros Curriculares Nacionais, elaborados no contexto
educacional brasileiro, em 1999. A pesquisa mostrou ainda que o professor de Língua
Portuguesa e Literatura precisa ampliar continuamente suas ações pedagógicas para não
apenas acompanhar o perfil dos alunos de hoje, cabendo-lhe a responsabilidade de
adotar uma postura plural e afinada com as demandas das diferentes linguagens, para
fomentar habilidades e competências do saber lingüístico e literário.
PALAVRAS-CHAVE: Professor de Língua Portuguesa e Literatura; Prática de
Leitura; Formação docente; Estética da Recepção e Sociologia da Leitura.
1
Filiação científica: Literatura, Leitura e Formação do leitor. Professora Adjunta do Departamento de
Letras da Universidade Federal de Viçosa, Condomínio Bosque ACAMARI, Casa 20. CEP: 36571-000 –
Viçosa, Minas Gerais – Brasil. [email protected].
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SLG 2 – O perfil do professor de Língua Portuguesa: realidade e perspectivas nos países lusófonos.
Para iniciar as reflexões sobre o perfil do professor de Língua Portuguesa na
contemporaneidade, incluindo o professor de Literatura, gostaria de retomar a noção de
Sistema, desenvolvida pelo crítico brasileiro – Antônio Cândido, na introdução de sua
obra intitulada Formação da Literatura Brasileira. Segundo ele, para se distinguir
manifestações literárias esparsas, de literatura propriamente dita, é necessária a
existência de três elementos, quais sejam: produtores literários – o autor; conjunto de
receptores – o leitor e, um mecanismo transmissor – o texto. (CÂNDIDO, 1981). Estes
três elementos integrados formam um sistema complexo chamado literatura, cujas
expressões deixam à tona o modus vivendi de uma sociedade e, a ausência de um destes
elementos inviabiliza a comunicação inter-humana inerente à leitura das obras literárias.
Em consonância com este argumento poderíamos afirmar que hoje a literatura
brasileira, baseada nesta tríade e inserida num contexto democrático, se encontra
consolidada? Ao que me parece, a resposta a esta questão é negativa e necessita de
alguns questionamentos. Porque, embora tenhamos, de um lado, escritores que ocupam
espaços legitimados socialmente e o mercado editorial tenha se firmado com uma
variedade de publicações, de outro, não percebemos o sujeito/leitor de textos literários
consolidado, o que nos leva a refletir acerca do público leitor e sua formação.
Lamentavelmente, observando a realidade empírica, a leitura de textos literários ainda é
uma prática elitista, circunscrita a um grupo restrito de pessoas.
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Diante disto, pergunta-se: qual o envolvimento que nós, professores de
Língua Portuguesa e Literatura, temos com esta questão? Qual a nossa responsabilidade
com a formação do público leitor?
Pelo que se tem observado, temos compactuado com um conteúdo
repetitivo e enfadonho de Língua Portuguesa que se preocupa muito mais em ensinar
aos alunos, todos os anos – do 5º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino
Médio – a classificação do sujeito na oração, mas não se destaca, com ênfase, o estudo
da linguagem como o principal instrumento para que o aluno seja ele próprio o sujeito
de sua história. São estas indagações que pretendo compartilhar neste trabalho,
posicionando-me com sugestões e experiências que ao longo da minha carreira docente
venho acumulando, sendo em estudos teóricos ou em ações da prática de ensino.
Em primeiro lugar, enfatiza-se a nossa formação enquanto leitores,
vivenciada durante toda a vida, em todos os espaços sociais que ocupamos. Portanto,
conhecer ainda no curso de Letras, os alunos/leitores que serão, no futuro, os
professores de Língua Portuguesa e Literatura pode servir de propósito para
aperfeiçoarmos as licenciaturas que deveriam priorizar uma formação qualificada para
os futuros profissionais da linguagem. Esta preocupação advém do fato de que estamos
recebendo no curso de Letras, uma geração oriunda da sociedade tecnológica com
pouca experiência da prática de leitura de textos estéticos, dificultando a aprendizagem
dos estudos literários que tem como um dos objetivos, a formação de um sujeito pleno,
imbuído de pensamento crítico e de visão humanista.
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Sabe-se que cada um de nós possui um repertório cultural construído ao longo de
uma trajetória de vida através das influências do meio social, incentivos e oportunidades
que recebemos. Um dos fatores que contribui para a formação deste repertório é, sem
dúvida, o contato com os livros e, consequentemente, as leituras que fizemos e ainda
fazemos.
Quais os textos fazem parte da nossa lembrança? Que tipo de textos buscamos e
temos mais interesse? Responder a estas perguntas leva-nos a um exercício de
autoconhecimento, na dupla perspectiva de que primeiramente o texto nos lê quando
também o lemos, ajudando-nos a reconhecer quem somos e, num segundo movimento,
lemos o texto para ampliarmos nosso conhecimento. Nesta direção, valoriza-se o
exercício de memória de leitura tentando relacionar a experiência de leitura individual
com o perfil do Professor de Língua Portuguesa e Literatura. Esta relação vem
corroborar com a assertiva aqui compactuada de que a melhoria da qualidade do ensino
no Brasil pressupõe, antes de mais nada, um professor/leitor.
Diante disto, empreendemos uma investigação cuja pergunta norteadora
foi formulada da seguinte maneira: o que leu/lê o estudante do curso de Letras? Nesta
perspectiva, analisamos as antologias e os prefácios neles contidos, elaborados pelos
alunos do último período do curso de Letras da Universidade Federal de Viçosa, como
atividade desenvolvida na disciplina “Estágio e Prática de Ensino em Literatura
Brasileira e Portuguesa”, durante seis semestres consecutivos, perfazendo um total de
42 antologias. A orientação estabelecia uma seleção de 10 textos literários que, por
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algum motivo, foram significativos e importantes na vida dos alunos. Com base nestes
textos, a análise centrou-se no exercício de memória de leitura, destacando três
aspectos: o primeiro, referente aos gêneros literários; o segundo, conforme a motivação,
ou seja, o motivo que os levou a leitura do texto e, por último, o nível de envolvimento
dos alunos com a leitura, se apenas uma prática obrigatória ou uma prática que foi sendo
incorporada pelo reconhecimento da importância da literatura na formação humana. Os
dois últimos aspectos foram observados através da escrita do prefácio que contem a
apresentação e as justificativas dos textos escolhidos e, neste artigo, os resultados de sua
análise serão apresentados conjuntamente.
A escolha diversificada dos gêneros
Quanto à variedade dos gêneros literários, observou-se que esta amostra não
revela nenhum autor ou livro que poderiam representar uma geração de leitores. Os
autores e textos mais citados são pertencentes à literatura canônica, tanto brasileira,
quanto estrangeira. Estes escritores são os mesmos que aparecem nos livros didáticos e
nos currículos escolares. Parece que os estudantes reproduzem a referência canônica
imposta pela escola. Diante disso, pode-se concluir que o espaço escolar ainda é
determinante quando se pensa na formação do leitor de textos literários.
Entretanto, importa-nos destacar a presença de textos da literatura
contemporânea, infantil, policial e de best-sellers, espírita, oral, além das Histórias em
Quadrinhos e das letras de músicas e, de outras formas de linguagens como o rádio, a
TV, os filmes, as tirinhas de jornal e as imagens que vêm exemplificar as artes plásticas.
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Esta diversidade demonstra a influência de outras manifestações artísticas na formação
cultural dos alunos, sendo as letras de músicas, as mais evidentes e expõe claramente
que o perfil do leitor de hoje raramente contempla os textos que outrora estavam
inseridos numa concepção da belles letters ou da ‘alta cultura’. A título de exemplo, se
quiséssemos demarcar um texto recorrente e que foi citado pela maioria dos estudantes,
destacaríamos uma canção do universo infantil, composta por Toquinho, Vinícius de
Moraes, G. Morra e M. Fabrizio, intitulada “Aquarela”, feita em 1983. Parece ser este o
texto lido, cantado e interpretado pela geração de leitores atual. Este dado da realidade
empírica vem corroborar com as argumentações do crítico literário Luis Augusto
Fischer de que o século 20, no Brasil, não pode ser compreendido sem a música
popular, que ajudou a formar uma sociedade. Ainda segundo o autor:
a canção nasceu, em parte, do analfabetismo, que está acabando.
Gente que nunca soube escrever (letra ou música) foi imantada pela
capacidade estética do gênero, e também pôde compor maravilhas no
gênero: em grande medida, a história da canção brasileira acompanha,
como virtude, a mazela da pouca cultura letrada. (Jornal Folha de São
Paulo. Caderno Mais. 5 de julho de 2009. P.5)
Neste sentido, sob o ponto de vista da leitura como uma prática social
incorporada no cotidiano das pessoas, a pesquisa mostrou que a maioria busca gêneros
variados e a referência aos clássicos fica por conta das listas, sugestões e obrigações
escolares. Poderíamos concluir, portanto, que a aproximação da literatura clássica está
para a escola, assim como a escolha de outros gêneros está atrelada a outros espaços
sociais e ao cotidiano, numa espécie de liberdade de escolha.
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Na poesia, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa foram os mais
citados. Mais uma vez percebe-se a ausência de poetas da geração atual, o que nos leva
a concluir que os alunos se envolvem com a literatura apenas no espaço escolar.
Em menor escala, foram citados textos visuais. Apareceram três obras das artes
plásticas: O Grito, de Edvard Munch; a Leiteira, de Vermeer e Os Retirantes, de
Portinari e uma fotografia sobre a fome na África. Os depoimentos dos próprios alunos
ilustram a riqueza da interação entre outras linguagens artísticas e a formação do
sujeito:
O quadro do pintor norueguês Edvard Munch me impressiona pela
maneira como ele consegue passar a dor que sente, a dor parece ser
nossa também e as cores tão fortes parecem pular da tela e invadir
nosso íntimo, nos levando para dentro dele. Outra pintura que me
deixa com sentimentos muito confusos e que me impressiona é a tela
Retirantes do brasileiro Candido Portinari. Impressiona-me a realidade
que o quadro nos passa, as expressões tão reais e tão características
das pessoas nordestinas que estão sendo retratadas. Porém ele
consegue transcender a tela e colocar estas pessoas como reais. Para
mim, este quadro seria o oposto d’O Grito, ele sai da tela e se
confunde com a realidade.
Outro depoimento, também mostra a conjunção das linguagens artísticas no
conhecimento de mundo e da própria pessoa:
Essa pintura [A leiteira, de Vermeer] é muito especial para mim. A
primeira vez que a vi foi em um sítio, na casa de um casal que
freqüenta a mesma igreja que eu (Batista). Não sabia explicar porque,
mas não conseguia parar de olhá-lo. Hoje penso que ele representa
grande parte da minha via, já que minha família também mora em um
sítio e vive da produção de leite e de outras fontes ligadas a terra.
Acredito também que a simplicidade, concentração e singeleza da
moça me encantem nessa pintura.
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Embora seja restrita a presença destes gêneros, eles também são capazes de
mobilizar no leitor diversas e variadas emoções, levando-o a organizar o seu
entendimento de mundo. De qualquer forma, a pulverização dos gêneros textuais
inviabiliza a identificação de obras específicas que formaram uma geração e evidencia e
comprova que mais do que temáticas e conteúdos, o código e os diferentes suportes de
expressão da linguagem caracterizam o leitor de hoje. Há grupos sociais diferentes,
realidades desiguais,
interesses diversos que dificultam a compreensão ou
caracterização homogênea da sociedade. E assim, a prática da leitura de textos literários
refletirá esta fragmentação. Assim, as comunidades interpretativas de leitores são
proporcionalmente paralelas às deferentes realidades sociais.
Esta gama de possibilidades articuladas com a história da leitura, objeto
de estudo da Sociologia da Leitura, subsidia teoricamente as nossas práticas
pedagógicas. Segundo o historiador francês Roger Chartier,
A leitura não é uma invariante antropológica sem historicidade. Os
homens e as mulheres do Ocidente não leram sempre do mesmo
modo. Vários modelos governaram suas práticas, várias ‘revoluções
da leitura’ modificaram seus gestos e seus hábitos. (Chartier e
Cavallo, 1998:38)
Essa observação explicita o aspecto dinâmico da leitura, cujo movimento,
dependente do espaço e do tempo, revela que os homens mudam a sua maneira de ler
conforme o meio e as circunstâncias sociais nos quais se inserem. Outros nem lêem. Isto
demonstra, a posteriori, que a leitura influencia o modo de ser do homem. Daí, a
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pertinência de entendermos alguns preceitos da leitura, pois a relação literatura e leitura
leva-nos à reflexões mais específicas e particulares da própria ação de ler.
Para Chartier (1999), a leitura é pensada numa dupla dimensão. Uma, a
individual, é passível de uma descrição fenomenológica2 que “encara” a leitura como
uma resposta às solicitações do texto. A outra, a dimensão coletiva, é caracterizada
como uma relação dialógica, em que as significações do texto dependem de critérios de
classificação, de referências e de categorias interpretativas que são as de seus diferentes
públicos, sucessivos ou contemporâneos. A leitura está atrelada às “comunidades
interpretativas”3 que estabelecem estratégias de interpretação já existentes antes do ato
de ler e determinam a forma do que é lido, acabando por orientar a leitura.
Seguindo esta linha de argumentação, afirma Chartier (1991: 181):
A leitura não é somente uma operação de intelecção: é pôr em jogo o
corpo, é inscrição num espaço, relação consigo ou com o outro. Por
isso devem ser reconstruídas as maneiras de ler próprias a cada
comunidade de leitores.
A leitura também pode ser vista como apropriação, que visa a uma história
social dos usos e das interpretações, contrapondo o pensamento do universal e de
categorias dadas como invariantes. (CHARTIER, 1991). Daí, ela cumpre, de um lado, o
papel de efetuação e atualização das possibilidades semânticas do texto e, de outro, situa
2
O procedimento fenomenológico e hermenêutico supõem implicitamente uma universalidade da leitura.
Por toda parte e sempre, a leitura é pensada como um ato de pura intelecção e interpretação – um ato
cujas modalidades concretas não importam.
3
Ver: FISH, S. Is there a text in this class? 9.ed. Massachusetts, Harvard Univ. Press: 1995
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a interpretação do texto como a mediação através da qual o leitor pode operar a
compreensão de si e a construção da realidade.
No domínio das letras, afirma Zilberman (1989: 28), “as convenções transmitidas por instituições como a escola, acabam dirigindo o modo como o texto é lido e
compreendido”.
Por esta razão, Certeau (1994), faz críticas ao estabelecimento social que
sobredetermina a sua relação com o texto – daí a expressão “reserva de caça” –,
trazendo como exemplo a igreja, em que se refere à autonomia do texto enquanto uma
reprodução das relações socioculturais no seio da instituição cujos pressupostos fixavam
o que se deveria ler nas Escrituras. Inserida nesta mesma lógica, a de imposição,
pensamos também na própria escola, pois na maioria das vezes ela favorece os textos
canônicos, obrigando a sua leitura, em detrimento das leituras ditas comuns e
desqualificadas pelos detentores da “legítima” cultura.
Perante tais constatações, a idéia de que a prática de leitura é única e universal
deve ser fortemente questionada e revista para tirar-lhe o estatuto de extraterritorialidade que os professores e educadores, influenciados por alguns intelectuais e mais
precisamente por vários literários, são inclinados a conceder. A leitura é um ato
contínuo para a vida a fora que mobiliza todo o repertório do sujeito, suas crenças e
valores. Sendo assim, não se pode dizer que há uma categoria absoluta chamada
“leitor”, mas tipos distintos, distribuídos pela história e pelas classes sociais.
Novamente, Chartier vem reafirmar, advogando que:
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(...) contra todas as formas de abstração do leitor ou, dizendo melhor,
de ‘etnocentrismo da leitura’, que supõe comuns a todos os leitores e
práticas que são, na verdade, absolutamente específicas – por
exemplo, aquelas do crítico literário ou do filósofo hermeneuta –,
devemos lembrar que a leitura tem uma história e uma sociologia. (...)
É, pois, necessário reconstruir as competências, as técnicas, as
convenções, os hábitos, as práticas próprias a cada comunidade de
leitores (ou leitoras). Deles também depende a significação que, em
determinado momento ou lugar, um ‘público’ pode atribuir a um
texto. (Chartier, 1995: 5)
O etnocentrismo da leitura faz com que o leitor se esqueça da realidade e força
de suas próprias condições sociais de produção, tornando uma experiência muito
particular o modelo universal de toda a leitura. Por isto, no contexto escolar, seria
plausível o ataque direto ao etnocentrismo, dando lugar às experiências de leitura dos
alunos, considerando, neste caso, a concepção comum e abrangente da leitura, enquanto
leitura de mundo que precede a leitura da palavra (Freire, 1982: 11).
Sob outro enfoque, no qual a leitura é realçada como uma prática inserida no
contexto social mais amplo – como consumo cultural – Bourdieu (1979)4 mostra que há
duas grandes ordens que orientam a formação do gosto e as modalidades de consumação: – a ordem ética – sobretudo atestada pelas classes populares; e a ordem estética
– vista como apanágio das classes cultas.
A ordem estética implica um forte distanciamento entre o objeto consumido, no
caso o texto, e aquele que o consome, o leitor. Prevalece nesta ordem a leitura pura,
erudita, em que acontece o primado da forma sobre o seu conteúdo, a sua função
prática. O texto é lido com fins em si mesmo, e não como instrumento de satisfazer os
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Ver: BOURDIEU, P. La distinction. Critique sociale du jugement. Coll. “Len sens commum”. Paris,
Minuit, 1979.
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interesses externos, e adquire uma forma pura na qual o prazer estético é a única razão
de ler. A leitura formalista, assumindo estas mesmas características, também não se liga
ao mundo representado, mas aos dispositivos da representação, isto é, a leitura é feita
abstraindo-se do seu entorno.
Já a ordem ética consiste em apreciar uma obra de arte baseada em valores
profissionais que coloca a obra na vida do grupo social ao qual pertence. A prática da
leitura é imbuída de preocupações imediatas da vida cotidiana. As pessoas lêem para
fugir dos problemas, para se informarem, para se aperfeiçoarem ou por puro prazer.
A divisão entre o consumo cultural das classes populares e o das classes cultas
aparece na escola direcionando e influenciando currículos, livros didáticos, metodologias e seleção de textos a serem trabalhados em sala de aula. Valendo-se destas
argumentações teóricas podemos entender a leitura de textos literários como uma
atividade per si que explora tanto o lado cognitivo quanto o aspecto lúdico e afetivo,
sem desconsiderar a sua historicidade. Segundo Elisabeth Serra, secretária geral da
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ –, em entrevista a revista
“Discutindo Literatura”,
falta também acreditarmos mais na leitura em si. Não tem outro
caminho. Se temos a responsabilidade, em uma instituição, de formar
leitores, o foco tem que ser a leitura, principalmente em um país como
nosso, tão carente de leitores críticos. (SERRA, 2009)
Motivação e envolvimento com a leitura de textos literários
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Os outros dois aspectos analisados a partir do discurso construído no prefácio
foram os fatores de motivação e o nível de envolvimento dos alunos com as leituras de
textos literários e, consequentemente, com a Literatura. Buscou-se trilhar o caminho de
questões sobre se o estudante de Letras tem consciência da importância da leitura de
textos literários e se a prática de leitura literária fez ou faz alguma diferença na vida
deles.
Pela amostragem foi possível observar que, com raríssimas exceções, os alunos
explicitaram as suas impressões pessoais defendendo a leitura literária como um
instrumento de reflexão, de conhecimento, entendimento do mundo e dos problemas
sociais. Uns disseram ainda que a Literatura desperta o veio crítico e com suas
características estéticas, ajuda a desenvolver a sensibilidade artística, concluindo que o
envolvimento não é apenas cognitivo, mas também emocional. Outros afirmam ter
consciência de que o texto literário é utilizado ‘para definir ocasiões da vida’ e que ele
expressa o leitor, ‘me representa, me emociona’ e que ‘os nossos segredos estão nas
palavras que nos lêem’.
A análise empreendida nos prefácios verificou que o exercício de memória de
leitura expôs duas situações diferentes: de um lado, existem aqueles que lêem por
obrigação, não se envolvem e não utilizam nenhum conhecimento teórico adquirido no
curso e não souberam articular o nível analítico de leitura com o nível crítico. Foram
prefácios escritos de forma superficial, sem demonstrar envolvimento subjetivo com o
que estava expressando. Era apenas mais uma obrigação da academia. De outro lado,
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alguns alunos se envolveram emocionalmente e conseguiram organizar um discurso que
mesclava informação e poesia. As antologias se constituíram em narrativas bem escritas
e compostas de intertextualidades e, até mesmo, valeram-se de pastiches e/ou
paráfrases. Notou-se assim que o exercício de leitura realmente mobilizou uma
retrospectiva, organizando idéias e emoções e fez refletir sobre os textos que
possibilitaram o auto-conhecimento e a definir que somos feitos por muitas vozes, tal
como a idéia backtiniana. Eis um exemplo:
Posfácio ou Escuta feita voz
Sou bem nascido. Fui menino feliz como os demais. Depois, veio o
mau destino e fez de mim o que quis. Um anjo torto, desses que vivem
nas sombras, levou tudo de vencida, rugiu como um furacão, turbou,
partiu, abateu, queimou sem razão nem dó. Após a minha desgraça,
longe dos túmulos famosos, num cemitério já sepulto, meu coração,
tambor oculto, passou a percutir acordes dolorosos. Já o verme – este
operário das ruínas – que o sangue podre das carnificinas come, e à
vida em geral declara guerra, andou a espreitar meu coração para roêlo. Mas como o anjo torto, em suas horas ardentes, já havia feito de
meu peito esta cinza fria, estes trezentos e cinqüenta grãos de cinza
fria, me tornei névoa tênue e esvaecida, o que no mundo anda perdido,
o que na vida tem norte, o que passa e ninguém vê. Me tornei todo
mundo sendo fundo sem fundo. Multidão sendo estranheza e solidão.
E sinto que em minha morte corporal – minha dispersão total – o
verme finalmente poderá, entre moscas e larvas, se lambuzar em
minha carcaça e tornar meu corpo tão podre quanto minha alma. Eu,
verme infinitamente mais vil que um verme viilíssimo, serei nevoeiro
deixando o tédio do deserto. Talvez nem morrerei de má sorte.
Morrerei de amor, pois nela que se vive para a vida eterna.
As antologias também se diferenciaram uma das outras. O destaque fica por
conta de um aluno que se mostrou mais sincero e mais próximo do perfil do jovem de
hoje. Conforme as suas próprias palavras: ‘como pessoa de meu tempo, quis conciliar
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algumas das ferramentas artísticas que me rodeiam, sejam elas arte propriamente dita
ou as que se subsidiam da arte para cumprir o seu papel’. Os textos selecionados
foram: Hino do Botafogo, a TV com o programa do Chaves5, destacando a figura e as
piadas ambíguas do personagem Sr. Madruga; o filme e um Best Seller. Por isto pode-se
considerar esta antologia mais original e autêntica, sem a preocupação dos modelos
prescritos pelas instituições oficiais. É interessante observar que o aluno não ficou
apenas com este repertório cultural, pois mais adiante ele cita a descoberta de Machado
de Assis.
Os fatores de motivação que levaram os estudantes ao contato com os textos
escolhidos ou com a literatura de uma forma geral foram muitos e variados.
Resumidamente, poderíamos elencar os seguintes: a fuga da realidade; as relações
sociais, como uma amiga que lhes apresentava alguns livros; a musicalidade dos textos
e para ilustrar citaram a relação da leitura com os textos comemorativos como Hino
Nacional, Hino à Bandeira e Poemas em homenagem ao Dia dos Pais e ao Dia das
mães; a família, principalmente na figura da mãe que lia para os filhos; o encontro com
o autor e as adaptações feitas para o cinema também foram descritos como fatores de
motivação da leitura das obras literárias.
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Programa humorístico apresentado na televisão brasileira, originado do México, criado na década de 70.
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SLG 2 – O perfil do professor de Língua Portuguesa: realidade e perspectivas nos países lusófonos.
Vários disseram que o começo de tudo, isto é, o marco para a prática da leitura
de textos literários foi o ingresso no Curso de Letras. O depoimento escrito por um dos
alunos confirma:
Todas as obras que aqui constam, foram lidas por mim já no período
da graduação, pois as escolas que estudei não incentivavam a leitura e
a biblioteca estava muitas vezes inoperante. Além disso, as aulas de
literatura eram escassas e não possuíam qualidade alguma.
Entretanto, paradoxalmente, o fator que mais contribuiu para a motivação e
incentivo foram a escola, na figura do Professor de Língua Portuguesa e Literatura, a
aula de português e o vestibular. Isto nos leva a pensar acerca da importância do
ambiente escolar na formação do leitor, colocando-nos diante do desafio de otimizar
nossas aulas para que pelo menos nelas sejam garantidos aos alunos o contato direto
com o texto literário e a experiência estética da leitura.
A pesquisa de Mauger e Poliak (1989), descrita e comentada no artigo “Les
usages sociaux de la lecture” evidencia a opinião dos autores que são contra a visão
letrada da leitura como prática desinteressada e auto-suficiente e analisam as intenções
práticas da leitura: os motivos, as razões declaradas ou implícitas, os usos, interesses e
os seus efeitos.
As representações da leitura, quer se trate da oposição entre leitura obrigatória e
leitura de prazer, quer de expressões de interesses e de gostos literários, são o produto
da história escolar. A reverência ao objeto livro – depositário de segredos e da salvação
cultural – provoca um efeito que afasta o aluno do texto, da mesma forma que a
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supervalorização das leituras herméticas como paradigma de alta cultura é privilégio de
poucos.
Neste sentido, qual seria a maneira de romper com o tipo de etnocentrismo, visto
aqui como escolástico? Segundo Mauger e Poliack (1989: 24):
A ruptura com o etnocentrismo letrado passa pela objetivação das
condições históricas e sociais de possibilidade do prazer estético, este
“prazer puro que deve poder ser experimentado por todo homem”:
descobre-se que ele [o prazer estético] é o privilégio raro daqueles que
têm acesso às condições nas quais a disposição ‘pura’ pode-se
constituir duradouramente.
Diante desta argumentação, parece-me importante esclarecer o fato de que a
possibilidade de vivenciar o prazer estético deve ser direito de todos. Entretanto, para
que tal experiência seja alcançada, é preciso disponibilizar condições no espaço público
de acesso à leitura, transformando-a efetivamente em práxis social, pois, acima de tudo,
a literatura deve ser concebida como uma prática social. No tocante à escola, cabe a ela
reconhecer as condições históricas e sociais dos alunos, levando-se em consideração o
repertório cultural que eles trazem consigo, e propiciar aos estudantes as condições
necessárias para que eles experimentem o prazer estético através da leitura. Em outras
palavras, não é porque o aluno provém da classe baixa, sem acesso a livros, a bens de
consumo considerados eruditos, que ele não pode desfrutar do privilégio de experimentar leituras que o levem ao puro prazer. No entanto, para se alcançar este objetivo,
seria necessário pensar num horizonte de leitura plural e aberto, contrário àquele
centrado apenas no patrimônio literário, pois existem, hoje, bons textos que circulam na
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imprensa escrita, repletos de jogo de palavras, de expressões metafóricas, que podem
despertar no aluno o prazer da descoberta literária.
Adentrando no mundo do texto propriamente dito, Mauger e Poliack (1989), ao
comentar as representações da leitura escolar, chamam a atenção para a leitura de
evasão com o objetivo de contrapô-la à leitura estética. Para eles, os efeitos da leitura de
evasão sobre o leitor seriam o de abandonar a sensação imediata; submeter aos afetos e
não distanciar da ilusão. Em suas palavras:
A leitura de evasão capta o espírito da ilusão, do faz-de-conta de suas
intrigas para fugir da miséria da vida ordinária. O leitor se afasta do
mundo real e se aproxima do mundo fictício imaginário, não somente
com suas competências e experiências, mas também de
representações, esquemas de representação que sustentam o mundo do
texto. (Mauger e Poliack, 1989: 4)
Dessa forma, o divertimento dentro da leitura induz um deslocamento do mundo
social representado, ou seja, mundo do leitor ao mundo do texto. A noção de divertimento e prazer sugere a possível equivalência entre a evasão dentro dos mundos
fictícios e o divertimento dentro do mundo real. Para os teóricos, tal correspondência
não é incompatível e estabelece um vínculo dinâmico entre ficção e realidade.
Geralmente, considera-se a leitura de evasão como uma leitura fácil de se fazer,
diametralmente oposta à atitude estética que valoriza o prazer pela forma e a distância
reflexiva. A leitura de evasão mobiliza essencialmente as experiências emocionais que
vêm de um registro universalista de sentimentos: amor, ciúme, traição, por exemplo, e
de um esquema de percepção dualista fundamentada na oposição de caracteres universais: bom/mau; forte/fraco; corajoso/medroso. Além disso, esta modalidade permite
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romper com a monotonia do mundo real, reencontrar e imaginar o amor e descobrir
outras formas de sociabilidade, pois substitui o face-a-face do grupo. Conforme Mauger
(1989: 8), “leitura de evasão parece ser uma prática relativamente independente de
posições sociais e dos recursos culturais e escolares detidos”.
Já a leitura letrada, considerada mais legítima pela sociedade e pela escola, exige
do leitor uma concentração maior e o entendimento de mecanismos mais complexos do
texto. Assumindo características opostas às da leitura de evasão, ela é um convite à
decifração de um sentido atribuído ao texto, que vê na exegese o fim de toda leitura e
não admite o deleite e a contemplação, eliminando toda a sua intenção prática.
Quanto a este perfil diferenciado do leitor, OLINTO (1995), utilizando outra
terminologia para contrapor leitores amadores ao leitor especializado, diz:
Se, para o amador, o encontro com livros ocorre, na maior parte das
vezes, em livrarias e bancas de jornal, o circuito predileto para a gula
do crítico erudito inclui o sebo, a biblioteca, mas também a sala de
aula, que, além de uma platéia de presença compulsória, oferece
estágios variados e públicos heterogêneos, em constante renovação,
para a sua apresentação enquanto professor. Este espaço é marcado
pelos sinais da institucionalização mas, assim mesmo, permite
modulações de caráter pessoal dentro dos limites do permitido. Deste
modo, pode transformar-se tanto em espaço sagrado de permanente
reafirmação da função humanista e emancipatória da literatura,
acompanhada por uma pedagogia adequada que opera com destaque
para a leitura das chamadas obras-mestras ou clássicos, no ritmo
pausado das periodizações impostas, quanto transformar-se em tubo
de ensaio para novas experiências de leitura que permitem a
coexistência de produções não canônicas esquecidas à margem ou
ofertadas pela nova mídia. (Olinto, 1995: 48)
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A ênfase que poderia ser dada a esta citação recai sobre o papel do professor,
chamando para si a responsabilidade de ser constantemente um leitor em formação. É de
conhecimento tácito e indiscutível que, se o professor não é leitor, torna-se impossível
qualquer envolvimento com os textos literários e, conseqüentemente, um ensino de
literatura com qualidade. Porém, pensando no aluno, poderemos considerá-lo um leitor
amador, pois:
(...) o leitor amador tem outros compromissos. De temperamento
nômade, em oposição ao leitor especializado, que reside em locais
institucionalmente circunscritos, dele não se cobra um saber
específico e, ao mesmo tempo, amplo que forma e informa o horizonte
de expectativa do leitor especializado, como se fosse um megatexto
que o acompanha, afiançando a sua competência profissional.
Enquanto grande parte da moldura do leitor-apenas-leitor é
provavelmente formada por dados de sua experiência cotidiana e de
sua sensibilidade, o cenário do profissional é ocupado por fragmentos
de dois milênios de nossa tradição cultural. Assim sendo, quando a
literatura é tratada em esferas públicas, como as de ensino e pesquisa,
pode-se supor um tipo de trabalho diferente do juízo cotidiano do
senso comum. (Olinto, 1995: 50)
O importante, porém, é adotar como regra que toda prática de leitura produz
conhecimento, mesmo a de evasão. A definição da leitura na escola, ou melhor, a sua
prática, deveria ligar-se à possibilidade de uma articulação eficaz entre leitura ordinária
e a leitura literária, pois a primeira serviria de apoio à segunda e nunca de afastamento.
O ato da leitura, mesmo quando é vivido como uma busca do prazer ou como
uma necessidade pessoal, é sempre suscetível de encontrar uma utilidade social, senão
estritamente profissional.
Para concluir, mais uma vez, as palavras de Mauger e Poliack (1989:23):
Em sua versão mais ortodoxa de leitura, derivada da tradição
acadêmica, a leitura é ao mesmo tempo formação da sensibilidade, do
gosto, do julgamento, exercício de imaginação, convite ao sonho,
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recreação, encontro de si com as grandes obras, comunhão de alma
com os grandes escritores: eruditos ou mundanos (...) Ela não difere
ao fundo das leituras comuns se não pela ênfase na gratuidade
reivindicada pela prática.
Neste ponto dos comentários sobre a leitura e suas diferentes práticas, pode-se
chegar então a um consenso e dizer com clareza que a escola deveria trabalhar com
todas as noções de leitura e, porém, jamais deixar de atribuir-lhe
(...) o estatuto de uma prática criadora, inventiva, produtora e não
anulá-la no texto lido, como se o sentido desejado por seu autor
devesse inscrever-se no espírito de seus leitores (...) pensando também
que os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis
situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais,
herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas. Chartier (1996: 89)
Considerações finais
A guisa de conclusão e retomando a proposta inicial deste artigo, podemos
afirmar que na articulação entre Literatura, Leitura e Formação de leitor, o professor de
Língua Portuguesa e Literatura assume um papel de importância fundamental na
constituição de um sujeito autônomo, crítico e sensível, levando-o a transformar a
realidade que o cerca, obrigando-o, a chamar para si a responsabilidade da constituição
de um público leitor.
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Cabe também ao professor a ampliação de uma percepção diante da variedade da
produção da escrita artística ou estética que tem como ponto positivo, a aproximação de
duas gerações diferentes de leitores – a do professor e a do aluno.
Das manifestações artísticas escolhidas, duas são destaques: as letras das
canções, já consideradas poesias, e as artes plásticas de um modo geral. São formas de
arte que auxiliam na formação da sensibilidade e de observação de mundo, ampliando o
repertório cultural do aluno. Portanto, não vale apenas respeitar e valorizar o
conhecimento prévio do aluno, mas encaminhá-lo para além do conhecido.
Indiscutivelmente, o uso destas possibilidades de arte viabiliza metodologias para o
aperfeiçoamento do Ensino da Literatura na perspectiva da formação do leitor.
Se tomarmos como referência a distribuição dos conteúdos de Língua
Portuguesa, veremos que em média, a grade curricular nos faculta 4 aulas de Português
por semana. Porque não se dedicar duas delas à atividades, cujo benefício seria sentido
na formação mais integral e holística do aluno? Talvez este posicionamento evitaria
depoimentos sobre as aulas de literatura que, conforme citado anteriormente, as aulas de
literatura quando existem, não se prioriza a leitura literária e ainda reforçam somente o
seu aspecto historiográfico com os estilos de época, principais autores e características.
Daí supor que o perfil do Professor de Língua Portuguesa e Literatura não pode
se resumir a ser um sujeito simples, mas um sujeito composto e complexo para dar
conta de uma sociedade plural e diversa, tal qual o perfil dos alunos da atual geração.
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Pensando e agindo desta forma estaremos contribuindo para que o funcionamento dos
três elementos do Sistema literário, conforme Cândido, seja eficaz também no que
concerne ao público leitor.
Referências Bibliográficas
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Paris: Minuit, 1979.
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São Paulo: Ática, 1999.
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SERRA, Elisabeth. Entrevista à Revista “Discutindo Literatura”, agosto de 2009. Brasil.
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ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática,
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Folha de São Paulo, Caderno Mais. 5 de julho de 2009.
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