Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. OS LOGRADOUROS DE CAXIAS DO SUL: SEUS NOMES, SUAS INTERCONEXÕES. Vitalina Maria FROSI1 RESUMO – Este texto apresenta uma breve visão das ruas e praças de Caxias do Sul, principal cidade da Região de Colonização Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul (RCI).2 Examina os nomes de alguns logradouros dessa cidade, tendo em conta a história singular e o contexto que marcaram a trajetória dessa cidade. Dentre os elementos mais importantes que assinalam as denominações aí ocorridas, destacam-se as forças políticas, os fatos históricos, a cultura dos dois grupos étnicos, o de origem italiana e o de origem luso-brasileira, suas ideologias e crenças, suas tradições e valores. A área territorial de Caxias do Sul conta em 2009, com 3.611 ruas, incluídas nesse número também as praças. A cidade foi fundada e desenvolvida por italianos e seus descendentes. Os cargos de poder administrativo foram, todavia, durante quarenta e nove anos, ocupados por líderes brasileiros, indicados pelo Governador do Estado gaúcho. Somente em 1924, um italiano assumiu o governo do município. 61,78% dos logradouros de Caxias do Sul têm nomes italianos, na grande maioria, nomes de pessoas que fundaram a comunidade, nela trabalharam e viveram. Apesar disso, todas as ruas do bairro Centro da cidade possuem nomes luso-brasileiros. É evidente a influência política brasileira exercida nos primeiros 50 anos da história da RCI. O grupo étnico italiano representava a maioria dos habitantes, mas o poder estava nas mãos de brasileiros (MACHADO, 2004), PAGANI, 2005). Além da atuação política, havia, por um lado, a igreja católica, por outro, a maçonaria. No passado, as relações entre essas duas entidades mostraram-se aí em desarmonia (RELA, 2004). Os nomes estão ainda em estreita relação com fatos históricos de efeitos marcantes na área de colonização italiana (PESAVENTO, 1980). Com base na análise dos textos motivacionais dos processos de proposição de nomes para ruas e praças, é possível explicitar, principalmente, o papel político, neste caso, representado pelos vereadores da Câmara municipal. É também transparente a questão de gênero. Os textos revelam que a homenagem prestada à mulher, dando seu nome a uma rua ou praça, premiava atributos tais como ser trabalhadora, dedicada ao marido e aos filhos, católica praticante e mãe de numerosa prole. Dentre os 60,59% dos nomes italianos de pessoas que designam ruas, avenidas e praças, 8,69% homenageiam mulheres de origem étnica italiana. Este trabalho propicia 1 Universidade de Caxias do Sul, Campus I, Centro de Ciências Humanas, Departamento de Letras – Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 – Bloco H – 95001-970 – Caxias do Sul - RS – Brasil – [email protected] 2 Este texto é derivado de atividades por mim desenvolvidas no Projeto TOPONÍMIA do Mestrado em Letras, Cultura e Regionalidade. Fazem parte desse Projeto as professoras Carmen Maria Faggion, Giselle Olívia Mantovani Dal Corno, Luiza Horn Iotti e a bolsista do CNPq Gláucia Paim Honorato. 50 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. reflexões acerca das vicissitudes que marcaram a história sociolingüística local, com ênfase na lexicologia e na sua importância no contexto bilíngüe da localidade. PALAVRAS-CHAVE: hodônimos; grupos étnicos; cultura; política; fatos históricos. Introdução A rua é um ponto singular de atração da cidade, um verdadeiro microcosmo dentro do organismo maior do aglomerado urbano. Para ela tudo converge, desde o fato corriqueiro do dia-a-dia, o simples entra e sai das casas até as grandes comemorações solenes ou festivas. (Dick, 1997, p. 133). Este texto apresenta um breve estudo das ruas e praças de Caxias do Sul3, principal município da Região de Colonização Italiana do Nordeste do Rio Grande do Sul (RCI). Situa-se no ramo da Lingüística denominado Onomástica, especificamente, na área de abrangência da Toponímia e, mais precisamente, restringe-se à Hodonímia. A Onomástica é um ramo da filologia que estuda os nomes próprios. Localiza-se no setor da Lingüística denominado Lexicologia. A Toponímia compreende o estudo dos nomes próprios de lugares, da sua origem e da sua evolução. A Toponímia subsume a Hodonímia, objeto do presente estudo. Insere-se no nível do léxico de uma língua. Isquerdo (2001, p. 91) considera que “o nível lexical de um sistema lingüístico armazena e acumula as aquisições culturais representativas de uma sociedade”. É, pois, nesse nível que se encontra o tesouro de uma língua e, portanto, também os nomes próprios fazem parte desse tesouro lingüístico. 51 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Alexandre Melo de Sousa (2007), diz que a “língua, como instituição social, reflete as manifestações sócio-culturais, a cosmovisão e os ideais de um povo. O estudo da língua, portanto, permite a descoberta de episódios históricos, o conhecimento de características físicogeográficas de uma região”. A palavra toponímia tem origem grega: topos ‘lugar’; onoma, ‘nome’. A Hodonímia compreende o estudo dos nomes dos logradouros, de estradas em geral. A palavra hodonímia tem origem grega hodós ‘estrada’ e onoma ‘nome. À Hodonímia compete estudar a origem e a evolução dos nomes das vias e dos espaços públicos de circulação das comunidades urbanas, contemplando os vários aspectos interdisciplinares – históricos, sociais, econômicos, étnicos e culturais – que aí se entrecruzam e se envolvem. Os hodônimos serão analisados em seus vários aspectos, conforme o interesse suscitado por cada um deles. Consideramos que nossa pesquisa possui caráter rigorosamente interdisciplinar. Desse modo, serão aproveitados os princípios teóricos pertinentes na descrição e explicação dos hodônimos, com a justa consideração à interdisciplinaridade aí implicada. Ao reportar-se ao caráter interdisciplinar da Toponímia, Dick (1990, p. 36) assevera que este campo de estudos apresenta-se como “um imenso complexo línguo-cultural em que dados das demais ciências se interseccionam necessariamente e não exclusivamente”. Consideramos válido e aplicável à hodonímia o que essa afirmação contém. Este trabalho propicia reflexões acerca das vicissitudes que marcaram a história sociolingüística local, com ênfase nos hodônimos e na sua importância no contexto bilíngüe da localidade. Pelo que nos é dado saber, não existe um estudo sistemático da 52 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. hodonímia da cidade de Caxias do Sul. O estudo justifica-se, portanto, por ser, nesse sentido, inédito e necessário. Analisar a hodonímia, em seus vários aspectos interdisciplinares, é garantir a preservação do verdadeiro e justo sentido que o nome, oficial ou popular, possui. A pesquisa foi desenvolvida com base em documentos escritos, isto é, efetuamos a leitura dos textos das Leis, dos Processos e dos Atos de denominação de ruas, praças, avenidas, parques e outros espaços da circulação urbana, junto à Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. Completamos o levantamento e análise dos dados alusivos às fontes escritas, junto à Secretaria Geral da Prefeitura Municipal de Caxias do Sul e junto ao Museu Municipal João Spadari Adami. Selecionamos e lemos as obras atinentes à história do município que apresentavam elementos interessantes sobre o assunto, desde sua fundação até os dias atuais. Buscamos informações em textos jornalísticos sobre a localidade, em boletins de empresas, em revistas que contivessem dados relevantes sobre o assunto. Além disso, procuramos, através de entrevistas semi-estruturadas, obter informações sobre denominações populares, bem como sobre logradouros cujos documentos ficaram perdidos por causa do incêndio ocorrido em 1992, que queimou parte da documentação que se encontrava no prédio da Prefeitura. 53 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Os nomes: suas interconexões4 Os nomes estão intimamente relacionados com a trajetória de vida dos homens que fundam e habitam os lugares, com a história e o desenvolvimento socioeconômico desses lugares, com a origem etnolinguística dos indivíduos e, no contexto de Caxias do Sul, com a cultura originária transplantada no país acolhedor. Nessa malha de relações, incluem-se, certamente, também segmentos importantes do universo cultural do país brasileiro. As estradas nascem com os povoados, às vezes, antes deles. No espaço que ocupam, os homens abrem caminhos, até mesmo antes de construírem as bases convenientes e necessárias para a vida saudável do grupo humano. Entendemos que o tempo de vida de um povoado ou de uma cidade é praticamente igual àquele da sua primeira estrada. Nomes escritos sobre placas, praças ou monumentos homenageiam figuras ilustres que dedicaram suas vidas a causas importantes, foram proeminentes dentre tantos, por seus atos ou por seus intelectos e até por sua genialidade, ou porque rememoram aos habitantes que aí estão suas próprias raízes guardadas em outras terras, longínquas, além mar. Outros, provavelmente, aí figuram por sua força política e econômica, ou, quem sabe, pela pressão exercida sobre a estrutura então existente, 4 Parte do texto compreendido nos subtítulos “Os nomes: suas interconexões” e “Os hodônimos: suas interfaces” foi por mim elaborado e redigido em março de 2007 e incluído no Projeto de Pesquisa: Os nomes da cidade de Caxias do Sul: vias, bairros, praças, monumentos. –– TOPONÍMIA ––, aprovado pelo 54 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. buscando ganhos e honrarias para si próprios, ou ainda por alguma ideologia norteadora de suas vidas, sempre defendida. Há também a justa homenagem aos homens do povo, aos que construíram, passo a passo, no humilde anonimato das fábricas, a riqueza desfrutada pela elite economicamente privilegiada (FROSI; FAGGION e DAL CORNO, 2008). As ruas testemunham os passos dos que nelas transitam, por elas os homens vão e vêm no ritmo contínuo do viver quotidiano. Nas praças, as pessoas chegam e, por motivos os mais diversos, nelas permanecem por tempos vários. As cidades, as praças, os povoados, os parques e tudo o que nelas existe possui nomes. As ruas e praças, os monumentos e parques, os templos de Deus e as sociedades dos homens têm nomes que guardam a memória coletiva do tempo transcorrido. Os nomes carregam consigo significados que nem sempre apreendemos de imediato, quando os lemos ou ouvimos, caminhando pelas ruas de nossas cidades. Alguns nomes têm origem distante, no longínquo curso do tempo e no variado espaço territorial. Muitos nomes se ocultam no tempo, são substituídos por outros e há ainda os que se preservam na lembrança das pessoas ou nos registros documentais. Há também nomes novos que relatam histórias e fatos atuais, apontam projetos e vidas recentes memoráveis no mundo moderno. Os nomes dão existência às coisas, aos indivíduos, ao mundo. Colegiado do Mestrado em Letras, Cultura e Regionalidade da Universidade de Caxias do Sul, em junho de 2007. 55 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Os hodônimos: suas interfaces Os hodônimos são sinais importantes, indicativos da cultura, da história e da linguagem de um povo; ditos ou escritos, os hodônimos propiciam informações a respeito das sucessivas gerações de uma localidade, dos homens que aí nasceram, trabalharam e viveram. Não basta a um indivíduo saber o nome das ruas, dos parques e das praças de sua cidade. O cidadão que ama verdadeiramente sua cidade não dispensa o conhecimento do exato significado de seus nomes. No decurso do tempo, os hodônimos podem ser substituídos por outros; podem sofrer alterações formais; podem perder nuances de seu significado original e podem assumir outros sentidos; podem passar por alternâncias várias, consequentes da atuação de fatores a eles externos, às vezes, por conjunturas políticas, históricas ou de ordem diversa, mas, de qualquer modo, guardam tradições e crenças, sonhos e realizações: eles preservam a memória do passado e testemunham a tessitura do presente. Os hodônimos são reveladores da vida de uma comunidade, das escolhas feitas pelos homens e das vicissitudes por eles vividas. Os hodônimos informam a origem étnica do grupo, refletem a fidelidade para com seu universo cultural e/ou sua adesão ao novo ambiente e a tudo o que o cerca. Eles espelham as diferenças e as semelhanças, a estabilidade e os conflitos, a preservação e a mudança que marcaram a história de vida 56 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. de um grupo étnico minoritário inserido numa comunidade maior. No jogo das presenças e ausências, os topônimos refletem também o prestígio de alguns e o anonimato de outros como reflexo da desigualdade que sempre caracterizou o mundo dos homens. Os nomes chamam à vida nossas cidades com tudo o que nelas existe. Eles desvelam seres e poderes, fatos e feitos, diferenças e semelhanças. Além disso, os nomes põem à luz a trama oculta que une o passado ao presente: conhecê-los e compreendê-los, preservá-los e socializá-los é compromisso de todo cidadão. No estudo foi levada em conta a história singular e o contexto que marcaram a trajetória da Região. Dentre os elementos mais importantes que assinalam as denominações aí ocorridas, destacam-se as forças políticas, os fatos históricos, a cultura dos dois grupos étnicos, a origem italiana e a origem luso-brasileira, suas ideologias, crenças, valores, usos e costumes. A cidade foi fundada e desenvolvida por italianos e seus descendentes. O cargo de intendente foi, todavia, durante quarenta e nove anos, ocupado por líderes brasileiros, indicados pelo Governador do Estado gaúcho. Somente em 1924, um italiano assumiu o governo do município (MACHADO, 2001, p. 147). Todas as ruas centrais que cortam o centro da cidade possuem nomes luso-brasileiros o que demonstra a influência política brasileira exercida nos primeiros 49 anos da história da RCI. 57 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Os hodônimos: suas categorias, sua representatividade numérica. Caxias do Sul é um município do Estado do Rio Grande do Sul. Em 2007, de acordo com dados registrados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, sua população era de 405.858 habitantes. É um centro urbano em contínuo desenvolvimento. Por suas características industriais atrai pessoas de outros municípios do estado e do país. Na década de setenta do século passado, um estudo dos componentes étnicos de Caxias do Sul (FROSI; MIORANZA, 1983) indicava que a população era constituída por, aproximadamente, 65% de indivíduos ítalo-descendente, 35% era formado, predominantemente, por pessoas luso-brasileiras. Hoje, embora não se conte com um levantamento sistemático atualizado da composição étnica vigente, calcula-se que estes percentuais devam ser aplicados diferentemente: 35% são atribuídos ao contingente de origem étnica italiana, 65% aos segmentos de outras origens, com predominância do grupo luso-brasileiro. De posse da relação geral dos nomes dos logradouros de Caxias do Sul, atualizada em 15 de julho de 2009, num total de 3611, demos início à categorização dos hodônimos. A primeira grande divisão colocou numa lista todos os nomes italianos e noutra todos os nomes não italianos. Foram consideradas italianas todas as denominações constituídas por nomes próprios de pessoas, cujos sobrenomes são italianos (CAFFARELLI, 2008; MIORANZA, 1997). No caso de dois sobrenomes para uma só pessoa, levou-se em conta o último deles. Numa segunda lista, estão todos os nomes de pessoas cujos sobrenomes são predominantemente luso-brasileiros 58 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. (GUÉRIOS, 1973; BARATA; BUENO, 1999) Foram incluídos, juntamente com os luso-brasileiros (por serem em número insignificante), também os de outras etnias que não a italiana. Obtivemos assim agrupamentos de hodônimos relacionados com dois grupos étnicos lingüístico-culturais distintos: os ítalo-descendentes e os luso-brasileiros, como mostra a Tabela 1. Da relação geral dos nomes de logradouros, 61,78% têm nomes italianos, na grande maioria, nomes de pessoas que fundaram a comunidade, nela trabalharam e viveram. Desse mesmo universo de hodônimos, 38,22% têm nomes não italianos. Observamos que os imigrantes não só denominaram os povoados com nomes de localidades italianas (FROSI, V. M.; FAGGION, C. M.; DAL CORNO, G. O. M., 2008, p. 412-415) como também se empenharam em homenagear a terra de origem dando a ruas, avenidas, parques e praças nomes de personagens ou de cidades italianas. TABELA 1 Hodônimos de Caxias do Sul categorizados por grupo étnico (com base na relação geral atualizada em 15 de julho de 2009) Especificação dos hodônimos categorizados por grupo étnico italiano versus grupo étnico não italiano Quantidades % sobre 3.611 Hodônimos representados por nomes italianos (pessoas, cidades, animais, acidentes geográficos vegetais, coisas etc...) ............................................................ 2231 61,78 Hodônimos representados por nomes não italianos (pessoas, cidades, animais, acidentes geográficos vegetais, coisas etc...) ............................................................ 1380 38,22 Total ......................................................................................................................... 3611 100,00 A Tabela 2 apresenta os quantitativos e os percentuais alusivos às demais categorias trabalhadas nesta primeira parte da pesquisa. Foram classificados como 59 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. italianos, os nomes de cidades, objetos, animais e outros que ou conservam a ortografia original, ou sofreram adaptações àquela portuguesa (Vêneto, por exemplo) com eventuais resultados de hipercorreção para o italiano como é o caso do topônimo Venetto, grafado erroneamente com dois “tt”. Nessa categoria, foram inseridos também os sobrenomes trentinos, mesmo aqueles que ainda preservam traços de sua origem germânica. Figuram como hodônimos não italianos, além daqueles alusivos a nomes de pessoas, os que são representados por nomes de vegetais, animais, santos, profissões etc., escritos em língua portuguesa e, portanto, pertencentes oficialmente ao léxico dessa língua. A Tabela 2 informa que há uma predominância de hodônimos representados por nomes italianos, particularmente de pessoas. Esse fato aponta para a presença dos italianos tanto na fundação quanto no desenvolvimento socioeconômico de Caxias do Sul. Apesar disso, essa comunidade foi governada por autoridades de origem lusobrasileia e, provavelmente, como decorrência disso, todas as ruas centrais da cidade têm nomes luso-brasileiros. Tabela 2 Hodônimos de Caxias do Sul, categorizados por gênero, por grupo étnico e categoria dos hodônimos não representados por nomes de pessoas (com base na relação geral atualizada em 15 de julho de 2009) Especificação dos hodônimos por gênero, grupo étnico italiano versus grupo étnico não italiano e categorias de hodônimos representados por nomes não designativos de pessoas. Hodônimos representados por nomes de pessoas, italianos de gênero masculino ...... Hodônimos representados por nomes de pessoas, italianos de gênero feminino ........ Hodônimos representados por outros nomes italianos (cidades, animais, acidentes Quantidades 1874 314 % sobre 3.611 51,90 8,69 60 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. geográficos, coisas etc...)................................................................................................ 43 1,19 Hodônimos representados por nomes de pessoas, não italianos, de gênero masculino.......... Hodônimos representados por nomes de pessoas, não italianos, de gênero feminino Hodônimos representados por outros nomes não italianos (cidades, animais, vegetais, acidentes geográficos, coisas etc.) .................................................................. 851 23,57 139 3,85 390 10,80 Em sua obra Construindo uma Cidade, a historiadora Maria Abel Machado (2001, p. 83) informa que: Uma análise dos nomes dados às primeiras ruas do núcleo urbano da Colônia Caxias revela que foram escolhidos nomes de líderes luso-brasileiros, sem que houvesse qualquer preocupação com nomes ligados à Itália, exceção feita à praça central que recebeu a denominação de Dante Alighieri, usada a partir de 1880, na mesma oportunidade em que o núcleo urbano também passou a ser chamado de Sede Dante. O Quadro 1 (FROSI, 2009, p. 344) contém as denominações das ruas do bairro Centro de Caxias do Sul, com especificação e caracterização sucinta dos personagens luso-brasileiros homenageados. 61 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Quadro 1 Nome da rua Nome da pessoa Avenida Júlio de Castilhos Rua Alfredo Chaves Rua Bento Gonçalves Júlio Prates Castilhos Rua Borges de Medeiros Antônio Augusto Borges de Medeiros de Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves Bento Gonçalves da Silva Função da pessoa homenageada Ano da denominação Jornalista, político, gaúcho. Foi presidente do Rio Grande do Sul e defensor do Partido Republicano Riograndense (PRR). Foi engenheiro e político, um dos ministros da Colonização do Império. 1897 Militar, comandante da revolução farroupilha nascido em Triunfo, Rio Grande do Sul, maçom e defensor de idéias liberais, pelas quais lutou. Foi político, governador do Rio Grande do Sul de 1908 a 1913. Foi engenheiro e político brasileiro, também funcionário da Comissão de Terras. Governou Porto Alegre por 27 anos, pertenceu ao partido Republicano Rio-grandense (PRR). Foi jornalista e político brasileiro, diretor da instrução pública. Colonização 1897 Colonização Rua Dr. Montaury Rua Ernesto Alves Rua Garibaldi Rua Guia Lopes Rua Marechal Floriano José Montaury de Aguiar Leitão Ernesto Alves de Oliveira Giuseppe Garibaldi José Francisco Lopes Floriano Peixoto Foi um político e militar revolucionário italiano, 1807-1882. Como militar consagrou-se herói da Guerra do Paraguai, mineiro de nascimento. Foi um grande militar, marechal do Exército e político brasileiro, vice-presidente e segundo presidente do Brasil, de 1891 a 1894, no período da República Velha. Colonização Rua Marquês do Herval Manuel Osório 1884 Rua Moreira César Antônio Moreira César Era um grupo revolucionário Foi político e militar, dirigiu as operações do combate de Tuiuti, onde o exército paraguaio foi dizimado. Foi também Ministro da Guerra. Foi um militar brasileiro. Atingiu o posto de coronel do Exército Brasileiro, na arma de infantaria. Os 18 do Forte foi assim denominado o grupo de 18 chefes militares revolucionários, movimento ocorrido em 1922 no Forte de Copacabana. Militar, gaúcho, general do exército. Rua Os 18 do Forte Rua Pinheiro Machado Rua Sinimbu Rua 20 de Luiz José Gomes Pinheiro Machado. João Lino Vieira da Cansação de Sinimbu Homenageia Colonização Colonização 1939 1897 Colonização Colonização Colonização Foi Presidente da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, político. 1897 É o dia da proclamação da República do Piratini. Colonização 62 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Setembro Rua Visconde de Pelotas Bento Gonçalves da Silva. José Antônio Correia da Câmara Bento Gonçalves da Silva foi militar e revolucionário brasileiro. Foi um militar, general e político brasileiro. Colonização Na coluna intitulada “Ano da denominação” consta a palavra Colonização, sempre que a rua recebeu o nome que lhe é correspondente, na primeira década da fundação da cidade (1875-1885), porém sem ter sido possível obter com precisão a data de confirmação em documentos escritos. Pela leitura do Quadro 1, observamos que as pessoas que tiveram seus nomes homenageados na denominação das ruas centrais da cidade de Caxias do Sul exerciam, em sua maioria, funções ligadas ao sistema político e militar brasileiro. Todas elas tiveram participação ativa na governança e/ou na defesa do país. Os nomes dos militares que figuram nas ruas do centro da cidade, acima transcritos, tiveram presença ativa na Revolução Federalista e na Guerra do Brasil contra o Paraguai. O grupo étnico italiano constituía a maioria dos habitantes, mas o poder político e militar estava nas mãos de brasileiros (MACHADO, 2001; PAGANI, 2005). Além da atuação política e militar, havia, por um lado, a Igreja Católica, por outro, a maçonaria. No passado, as relações entre essas duas entidades eram sabidamente de grande desarmonia na RCI (RELA, 2004). A respeito da presença da maçonaria, nos cargos de poder, vale lembrar o que afirma Machado (2004, p. 158): As autoridades locais, nomeadas e indicadas pelo governo do estado, em sua maioria eram maçons e, como tal, na época, eram vistos como inimigos da Igreja. Representavam também “o poder” que estava nas mãos de elementos considerados “estranhos”, mas que detinham a autoridade e consequentemente a faculdade de tomar decisões, independente da participação ou não das lideranças constituídas pelos imigrantes. 63 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. As religiões, as associações, os grupos de poder têm papel marcante na vida das comunidades, nos rumos de seu desenvolvimento, na sua configuração. Não faltam nomes de religiosos, de líderes políticos e militares, de personagens importantes nas placas de ruas e praças de nossa cidade. Uma análise dos 3.178 hodônimos de Caxias do Sul (cf. Tabela 2), alusivos a nomes de pessoas, mostra que existem aí trinta e cinco logradouros portadores de nomes de pessoas pertencentes à Maçonaria. Desses indivíduos, luso-brasileiros e imigrantes italianos, os que pertenciam à Loja Maçônica Força e Fraternidade de Caxias do Sul, em sua maioria, foram atuantes na administração e na vida dessa comunidade. Fundada nesse centro urbano em 1887, a referida Loja teve seu funcionamento até 1903, quando foi fechada (COLUSSI, 2.003, p. 502-574; RELA, 2004, p. 36.). Muitos nomes têm relação com fatos históricos de efeitos marcantes na área de colonização italiana (PESAVENTO, 1980). Na década de trinta do século passado e nos anos subsequentes – com agravamento no decorrer da Segunda Guerra Mundial –, por determinação do governo federal do Brasil foram desencadeadas várias ações com implicações diretas e negativas para as áreas bilíngües do Rio Grande do Sul (SGANZERLA, 2001; PAYER 2001; FROSI; FAGGION; DAL CORNO, 2008a). As medidas tomadas pelo Governo central tiveram fortes e imediatos reflexos, particularmente, nas regiões caracterizadas pela presença de grupos estrangeiros (PAGANI, 2005; CAMPOS, 2006). Na RCI, muitos municípios e distritos tiveram seus 64 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. nomes italianos substituídos por denominações brasileiras (FROSI; FAGGION; DAL CORNO, 2008). Nas cidades da RCI, é significativo o número de ruas, praças e avenidas que também tiveram seus nomes italianos trocados por outros brasileiros (FROSI, 2009, p. 341-346). As questões atinentes a esse assunto eram apresentadas às autoridades locais e por elas rapidamente resolvidas. Para exemplificar, o Acto nº 85 de 2 de maio de 1939 (Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami), assinado pelo então prefeito municipal de Caxias do Sul, estabeleceu as seguintes mudanças de nomes para algumas vias da cidade: (a) a Rua Veneza passou a denominar-se Rua Olavo Bilac; (b) a Rua Treviso passou a denominar-se Rua Machado de Assis; (c) a Rua Vicenza passou a denominar-se Rua Castro Alves; (d) a Rua Trento passou a denominar-se Rua José do Patrocínio. Oficialmente cancelados dos registros documentais, esses nomes permanecem, todavia, na memória das pessoas ainda viventes que testemunharam os acontecimentos ocorridos no passado. Os nomes de pessoas e de localidades italianas remetem à cultura e à identidade desse grupo étnico (FAGGION, 2006). Serve, como ilustração, o caso da rua que oficialmente se chama Angelina Michielon. Nas primeiras décadas da colonização, o povo a batizara de “Rua Mântua“. Não foi, neste caso, a força do poder político o elemento determinante do nome popular e, sim, o fato de ser natural de Mântua a maioria das pessoas que nela morava. De igual forma, desde o início da colonização, denominou-se Cremona uma das ruas do bairro São Pelegrino, aliás, tal denominação permanece até hoje. A coesão étnica atua, muitas vezes e fortemente, na preservação do 65 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. que é caro ao grupo em termos de sua identidade sociocultural. Vale lembrar o caso da Avenida Itália. O poder político determinou, na década de trinta, a troca desse nome pelo de Avenida Brasil. A placa indicativa do nome Avenida Itália, substituída por outra com os dizeres Avenida Brasil, foi logo recolocada no seu devido lugar pelos próprios habitantes dessa avenida que, até hoje, leva a denominação italiana, preferida pelo grupo étnico local ítalo-descendente. A maioria das ruas que sofreu a troca dos nomes não teve, porém, o mesmo final: o nome brasileiro, registrado em substituição ao italiano, permanece até hoje, na maior parte dos casos. Paralelamente ao nome oficial, não poucas vezes, o nome popular era preferido e usado na vida quotidiana das pessoas. A rua que, até hoje preserva o nome oficial de “Dr. Montaury”, tinha também a denominação popular “Rua Vila Bela” (ADAMI, 1971, p. 136). Os depoimentos das pessoas mais idosas explicam que, nessa ‘Vila Bela’, moravam moças muito lindas. Villa (Vila e Bela, em dialeto vêneto) é, na cultura italiana, palacete ou palácio, correspondendo ao termo mansão na linguagem do português brasileiro. O nome da mansão e o qualificativo atribuído às jovens que aí habitavam formou essa locução “Vila Bela” que ultrapassou os limites da casa e, popularmente, passou a designar toda a rua. Outros fatos se sucederam e marcaram o contexto sociocultural da RCI com reflexos nos hodônimos existentes nas suas cidades. O ano das celebrações do centenário da imigração italiana inaugurou o quarto período da história sociolinguística da Região de Colonização Italiana do nordeste do Rio Grande do Sul (RCI). Um novo processo tomou forma em ritmo contínuo e intenso, envolvendo os vários aspectos do contexto da região (FROSI, V. M.; MIORANZA, C., 2009, p. 105). 66 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. O movimento de retorno às origens étnicas teve efeitos na cultura regional, com reflexos também na denominação de logradouros. Verificam-se, então, novas trocas em favor de nomes italianos. Além disso, algumas ruas e praças, abertas e inauguradas após o Centenário da Imigração Italiana (ocorrido em 1975), receberam nomes ligados à cultura original desse grupo étnico. Ilustram essa afirmação algumas denominações de ruas, praças e bairros, com indicação do ano entre parênteses: Vicenza (1980), Arsié (1988), Seren del Grappa (1988), Fonzaso (1988), Rótula do Vêneto (2003), Praça Pedavena (2004), Bairro Pedancino (2008), Bairro Santa Corona (2008). Com base na análise dos textos motivacionais dos processos de proposição de nomes para ruas e praças, é possível explicitar, principalmente, o papel político, neste caso, representado pelos vereadores da Câmara Municipal. Nesses textos, é demonstrada também a questão de gênero. Os textos revelam que a homenagem prestada à mulher, dando seu nome a uma rua ou praça, premiava atributos tais como os de ser trabalhadora, dedicada ao marido e aos filhos, católica praticante e mãe de numerosa prole. Somente em três textos é dada ênfase ao nível social e à atividade cultural.5 Dentre os 60,59% dos nomes italianos de pessoas que designam ruas, praças e avenidas, 8,69% homenageiam mulheres de origem étnica italiana, 51,90% constituem homenagem ao gênero masculino desse mesmo grupo étnico. Dos 27,42 do universo de 5 Atestam os textos objeto dessa análise as leis constantes na Câmara Municipal de Vereadores de Caxias do Sul, aprovadas conforme enumeração e ano assim especificados: Lei nº 3.831 de 1992; Lei nº 3.859 de 1992; Lei nº 3.861 de 1992; Lei nº 3.982 de 1992; Lei nº 4018 de 1993; Lei nº 4037 de 1993; Lei nº 4038 de 1993; Lei nº 4040 de 1993; Lei nº 4769 de 1997; Lei nº 5351 de 2000; Lei nº 4.310 de 1995; Lei nº 4.328 de 1995; n° 4.292 de 1995; n° 4.287 de 1995; n°4.306 de 1995; Lei nº 4.282 de 1995; Lei nº 4.257 de 1995; Lei nº 4.277 de 1995; Lei nº 4.236 de 1995;Lei nº 4.210 de 1994; Lei nº 4.244 de 1994;Lei nº 4.166 de 1995; Lei nº 4.131 de 1994. 67 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. hodônimos representados por pessoas não italianas, 3,85% é constituído pelo gênero feminino, 23,57% são de nomes masculinos. Os hodônimos estão em estreita relação com o contexto histórico e social de que fazem parte. Isso nos adverte quanto ao papel que, de modo geral, foi desempenhado pela mulher, através do tempo. A desigualdade dos dois gêneros, em detrimento da mulher e com privilégios para o homem, reflete-se também nos hodônimos. Numa única categoria (porque o trabalho ainda está em processo) abrigamos, provisoriamente, todos aqueles hodônimos que não são representados com nomes de pessoas. São poucos os do grupo étnico italiano, oficialmente existentes. Na memória, porém, são bem mais numerosos, assim o revelaram os depoimentos colhidos através de entrevistas. Esses poucos hodônimos que se salvaram têm como referenciais os nomes italianos dos lugares de origem dos que, impelidos pela fome, tiveram de emigrar para terras brasileiras (FROSI; MIORANZA, 2009). Fatos históricos suprimiram muitos outros das placas, substituindo-os, nos registros documentais, por nomes do país receptor. São, proporcionalmente, mais abundantes e variados os que figuram para essa categoria no grupo étnico não italiano. Tiveram a seu favor o prestígio dos precedentes donos da terra brasileira. De qualquer forma, é já sabido que a escolha dos nomes não foi aleatória, nem para um grupo, nem para o outro. Os hodônimos que aí estão falam dos homens, de seu trabalho, de suas crenças e ideologias, de suas vicissitudes, em suma, contam a história da cidade de que fazem parte. As estudiosas Patrícia de Jesus Carvalhinhos e Alessandra Martins Antunes, em seu texto “Princípios teóricos de toponímia e antroponímia: a questão do nome próprio” (2007) observam que: 68 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Em países jovens como o Brasil, existem muito mais nomes de lugares transparentes, isto é, cujo significado ainda está ativo no léxico comum, que nomes opacos. A opacidade ocorre por dois motivos principais: o primeiro, mais óbvio, é por desconhecimento da língua em questão, o que leva à não decodificação ou não complementação do percurso de decodificação daquele nome. No segundo motivo, o tempo e a sobreposição de camadas lingüísticas concorrem para a opacidade do nome. Não diverge muito do que se contém no texto acima o caso dos nomes das ruas de Caxias do Sul. Com efeito, muitos desses signos hodonímicos conservam a transparência, em consonância com a idade do próprio centro urbano local, que não ultrapassa dos cento e trinta e quatro anos de vida. Outros, porém, tornaram-se opacos, talvez porque o bilingüismo é hoje passivo e o italiano é restrito às pessoas mais idosas que aprenderam esse dialeto em família, quando pequenas. Em se tratando de uma predominância de hodônimos representados por nomes próprios de pessoas e situados em dois universos culturais distintos, há os que são transparentes para alguns, opacos para outros e vice versa. Considerações finais Apoiados nos dados analisados, entendemos que os hodônimos representados por nomes italianos de pessoas superam aqueles alusivos a denominações não italianas de pessoas. Isso é bastante significativo uma vez que, em termos de contingentes populacionais, os luso-brasileiros são hoje numericamente superiores aos ítalo- 69 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. descendentes, isto é, aproximadamente, 65% de indivíduos para aqueles, 35% para esses. Uma primeira possibilidade de interpretação é a de que haveria, na cultura italiana, uma tendência a privilegiar os nomes de pessoas, talvez, como forma de preservar na memória, através dos hodônimos, aquelas vidas que o silêncio envolveu. Uma segunda possibilidade de entendimento desta questão teria como base os acontecimentos brasileiros de ordem histórica e política que coibiram manifestações lingüístico-culturais italianas, com reflexos nas denominações dos logradouros. As ruas que tinham nomes italianos de lugares tiveram suas denominações suprimidas e substituídas por nomes luso-brasileiros. Como solução, os italianos passaram a atribuir aos logradouros nomes de pessoas. Dos quarenta e três hodônimos representados por nomes italianos de lugares, somente quatro são anteriores a 1959, vale dizer, salvaramse apenas quatro. Uma conclusão definitiva só é possível se forem recuperados todos os hodônimos alusivos a nomes italianos de lugares dados às ruas no percurso histórico que vai de 1875 a, aproximadamente, 1950. Na categoria dos hodônimos representados por nomes que não são designativos de pessoas, o grupo étnico não italiano apresenta uma distribuição mais equilibrada entre esses nomes e os antropo-hodônimos (990 para os antropo-hodônimos, 390 para os demais). Nessa mesma categoria, o grupo étnico italiano situa os resultados, praticamente, em dois pólos opostos, isto é, 2188 são hodônimos alusivos a nomes próprios de pessoas, 43 são representados por outros nomes. 70 Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 23 – Estudos sobre o Português dos séculos XX e XXI. Nas categorias de gênero masculino e feminino, a representatividade numérica dos hodônimos dos dois grupos étnicos estudados denunciam a desigualdade de condições sociais entre homens e mulheres. Mesmo em se tratando de hodônimos, o gênero masculino é premiado em detrimento do feminino. A pesquisa está em processo. Os nomes dos logradouros de Caxias do Sul constituem um patrimônio rico e complexo. Inúmeras são as interfaces dos hodônimos a serem analisadas, para conclusões mais abrangentes e para a socialização do conhecimento produzido. Referências bibliográficas ADAMI, João Spadari. História de Caxias do Sul. I Tomo. 2ª ed. Caxias do Sul: EDIÇÕES PAULINAS, 1971. BARATA, Carlos Eduardo de Almeida; BUENO, Antônio Henrique da Cunha. Dicionário das Famílias Brasileiras, tomo I, 2 vol. (A-H e I-Z). São Paulo: ÁRVORE DA TERRA, 1999. CAFFARELLI, Enzo; MARCATO, Carla. (a cura di). I cognomi d’Italia. Dizionario storico ed etimologico, Torino: UTET, 2008, 2 vol. L+1882. CAMPOS, Cynthia Machado. A política da língua na era Vargas; proibição do falar alemão e resistências no Sul do Brasil. Campinas: UNICAMP, 2006. 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