DIREITO DO CONSUMO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 25 DE MARÇO DE 2009 PROCESSO N.º 08A1992 (CARDOSO DE ALBUQUERQUE) JOANA CAMEIRA (2324) ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 25 DE MARÇO DE 2009 PROCESSO N.º 08A1992 INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO PELO ADQUIRENTE: OS JUROS REMUNERATÓRIOS SUMÁRIO FACTOS QUESTÃO PREJUDICIAL INTRODUÇÃO À QUESTÃO EM CAUSA ENQUADRAMENTO LEGAL ARGUMENTOS DECISÃO CRÍTICA ALTERAÇÕES CONCLUSÃO FACTOS No Tribunal de 1.ª instância: O Banco … SA propôs contra BB e mulher CC acção ordinária, pedindo a condenação dos RR a pagar-lhe a quantia de € 16.553,20, acrescida de juros à taxa de 23,3%, correspondente ao montante alegadamente por aqueles devido, por força do empréstimo concedido ao 1.º R em proveito comum do casal; Na decisão julgou-se a acção parcialmente procedente: o 1.º R foi condenado a reembolsar a quantia correspondente às prestações não pagas do capital mutuado, acrescidas dos juros de mora à taxa de 19.3% desde 10.03.2003, e a 2.ª R foi absolvida da totalidade do pedido contra ela formulado. FACTOS No Tribunal da Relação: O A interpôs recurso, pedindo a revogação da sentença; Pretendia que o R fosse condenado na totalidade do pedido, alegando que a norma do art. 781.º do C. Civ. se aplica igualmente, no tocante ao vencimento imediato, às prestações de juros remuneratórios; O recurso foi julgado improcedente; De novo inconformado, o A interpôs recurso para o STJ e requereu igualmente que fosse proferido acórdão de uniformização de jurisprudência. FACTOS No STJ foram dados por apurados: Que, no exercício da sua actividade comercial e por acordo escrito, o A “emprestou” ao R a quantia de € 12.460,00; Essa quantia destinava-se à aquisição de um veículo automóvel; O R apôs a sua assinatura no documento intitulado de contrato de mútuo; Nos termos do contrato o A “emprestava” ao R a quantia, com juros à taxa nominal de 19,3% ao ano; A importância do empréstimo e juros, bem como o prémio de seguro de vida deviam ser restituídos nos termos acordados; FACTOS No STJ foram dados por apurados: (cont.) Nos termos do contrato, a falta de pagamento de qualquer das prestações, na data do seu vencimento, implicava o imediato vencimento de todas as prestações e, em caso de mora, sobre o montante em débito acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro estipulada acrescida de 4 pontos percentuais; O R não pagou a 6.ª prestação e seguintes no valor, cada uma, de € 338,16; O veículo foi adquirido para o exercício da actividade profissional do R, nunca tendo sido posto à disposição do agregado familiar; QUESTÃO PREJUDICIAL “Num contrato de mútuo oneroso comercial e no âmbito do crédito ao consumo, vencidas todas as prestações em razão da falta de alguma delas, por accionamento da respectiva cláusula pelo mutuante, são ou não devidos, além do capital ainda em dívida, os juros remuneratórios que estavam incluídos nas mesmas prestações, respeitantes a prazo que ainda não tenha decorrido no momento do vencimento antecipado?” [sublinhado nosso] INTRODUÇÃO À QUESTÃO EM CAUSA Contrato de mútuo oneroso - Mútuo bancário Crédito ao consumo - Contrato de adesão “Condições Gerais” do contrato – Cláusula idêntica ao art. 781.º do C. Civil Accionamento da cláusula pelo mutuante – Efeitos idênticos ao do art. 781.º do C. Civil Juros remuneratórios que estavam incluídos nessas prestações, respeitantes a prazo que ainda não tenha decorrido no momento do vencimento antecipado, são devidos? ENQUADRAMENTO LEGAL C. Civil – arts. 1142.º a 1151.º; Decreto-Lei n.º 344/78, de 17.11 (prazos de vencimento do crédito bancário e juros) – art. 1.º e arts. 5.º a 7.º; Decreto-Lei n.º 359/91, de 21.09 (crédito ao consumo) – art. 2.º; Decreto-Lei n.º contratuais gerais); 446/85, C. Civil – art. 781.º e 405.º. de 25.10 (cláusulas ARGUMENTOS 1. Prazo no mútuo oneroso (art. 1147.º do C. Civil): Recorrente – equipara o cumprimento antecipado pelo mutuário (art. 1147.º) com o incumprimento pelo mutuário; STJ – rejeita a equiparação, com base na distinção entre os sujeitos que impõem o cumprimento (mutuário) e o vencimento (mutuante) antecipados; ARGUMENTOS 2. “Custo total do crédito” (art. 4.º/3 do DL n.º359/91): Recorrente – a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração; os juros remuneratórios já estão calculados desde a celebração do contrato; STJ – é calculado em função do período de tempo de privação do capital e é distribuído em prestações no pressuposto de que será cumprido conforme acordado e no tempo convencionado (opção do mutuante). ARGUMENTOS 3. Admissibilidade do anatocismo (art. 560.º/3 do C. Civil): Recorrente – é possível pedir juros de mora sobre o valor dos juros remuneratórios; capitalização de juros remuneratórios; STJ – questão irrelevante, uma vez que, o vencimento de todas as prestações não acarreta o vencimento dos juros remuneratórios respectivos, pelo que, não pode haver capitalização de juros vincendos. ARGUMENTOS 4. Antecipação do vencimento (art. 781.º do C. Civil): Recorrente – os juros remuneratórios vencem-se no momento da celebração do contrato ou no momento do incumprimento; valor único e unitário de capital (o capital e os juros são indistintos); STJ – a obrigação de juros remuneratórios só se vai vencendo à medida em que o tempo a faz nascer pela disponibilidade do capital (a obrigação de juros remuneratórios é distinta, mas dependente, da obrigação de capital única fraccionada). DECISÃO “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art. 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.” [sublinhado nosso] CRÍTICA Qualificação jurídica: Contrato de crédito ao consumo? Art. 2.º/1, b) do DL n.º 359/91: “Para os efeitos da aplicação deste diploma entende-se por «consumidor», a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente diploma, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” Factualidade provada: “O veículo foi adquirido para o exercício da actividade profissional do R” CRÍTICA De qualquer forma: O DL n.º 359/91, no incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, não é objecto de norma específica; a ideia de protecção do consumidor é inexistente, aplicando-se o regime geral civilista (art. 781.º do C. Civil); A solução do acórdão encontra-se correcta, tornando-se irrelevante a distinção entre contratos de mútuo oneroso bancário que se encontrem dentro ou fora do âmbito do crédito ao consumo. ALTERAÇÕES “O DL n.º 133/09, de 02.06, relativo ao crédito aos consumidores, veio revogar o DL n.º 359/91, de 21.09, referente ao crédito ao consumo, tendo entrado em vigor a 01.07.2009 (art. 37.º).” Fernando Gravato Morais O incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor encontra-se previsto numa norma específica (art. 20.º); A aplicação do regime geral civilista encontra-se limitada; O credor só pode utilizar da norma do art. 781.º do C. Civil se estiverem verificados os requisitos cumulativos do art. 20.º do Diploma. CONCLUSÃO Com o DL n.º 133/09: O incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor é objecto de norma específica e a aplicação do art. 781.º do C. Civil encontra-se limitada; A solução do acórdão encontra-se correcta, mas torna-se essencial distinguir entre contratos de mútuo oneroso bancário que se encontrem dentro ou fora do âmbito do crédito ao consumo.