Conceitos da avaliação em transformação
A avaliação da aprendizagem, como parte contínua e
integrante do processo ensino-aprendizagem, não pode ser vista
como um elemento estranho a este processo. Mas qual a
concepção que temos desse ato enquanto prática pedagógica?
São muitas as concepções produzidas até o presente. Sendo
assim, nos valemos de alguns autores que nos servem como
referencial.
Para Tyler (1979), cuja proposta se constitui forte
referência no meio educacional, o processo de avaliação consiste
em determinar em que medida os objetivos educacionais estão
sendo atingidos e como visam a produzir mudanças de
comportamento. Para ele (1979, p.99), a "avaliação é o processo
mediante o qual se determina o grau em que essas mudanças de
comportamento estão realmente ocorrendo".
Esta concepção de avaliação foi incorporada, no
nosso meio educacional, no momento da força do tecnicismo. A
preocupação do autor não é com o processo, apesar de referir-se
a vários métodos para avaliar, mas com a determinação de
objetivos e com a mudança de comportamento como resultado ou
produto expresso através da medida. Assim, esta concepção
serviu para subsidiar o uso de objetivos relacionados a conteúdos
e à medida como se fora avaliação.
Segundo a concepção de Bloom, citado em
Sant'Anna (1995, p.29), "a avaliação é a coleta sistemática de
dados, por meio da qual se determinam as mudanças de
comportamento do aluno e em que medida essas mudanças
ocorrem". Como percebemos não alterou muito a linha proposta
por Tyler.
A maioria dos professores confunde medida com
avaliação. Para tentar dissuadir essa interpretação errônea,
vários autores têm explicitado o significado destes termos. Assim,
com base em Popham, Depresbíteris (1989, p.45) diz que
o processo avaliativo inclui a medida mas nela não se esgota. A medida diz o
quanto o aluno possui de determinada habilidade; a avaliação informa sobre
o valor dessa habilidade. A medida descreve os fenômenos com dados
quantitativos; a avaliação descreve os fenômenos e os interpreta utilizando
também os dados qualitativos.
Outros estudiosos da avaliação também se
preocupam em fazer essa distinção. Medeiros (1983), apesar de
sua preocupação estar mais voltada para provas, como
instrumentos de medida, e sua formulação técnica, apresenta de
modo claro a diferença quando diz que a medida é um apoio para a
avaliação e considera a amplitude e a validade desse processo.
Luckesi (1995) também procura mostrar a diferença
entre esses dois processos e a serviço de que se mostra cada um.
Como sinônimo de medida, utiliza-se da palavra verificação ou
aferição. Ele diz que o ato de verificar encerra-se com a obtenção
do dado ou da informação, enquanto avaliar implica uma tomada
de posição, "que a aferição da aprendizagem escolar é utilizada
na quase totalidade das vezes para classificar os alunos em
aprovados ou reprovados". (p.91) Assim, avaliar vai muito além
dessa concepção restrita. Diz, ainda, que "a avaliação é um
julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade,
tendo em vista uma tomada de decisão". (p.33) Percebemos que,
além de envolver o aspecto qualitativo quando se refere ao juízo de
valor, envolve também o objeto através dos dados relevantes e a
função dinâmica através da tomada de decisão para uma ação.
Subsidiada na postura de Luckesi, Gama (1993, p. 138)
diz que a avaliação pode ser entendida como um "processo de
julgamento que se vale de meios objetivos e subjetivos para
atribuir valores àqueles que participam dele interativamente com
a finalidade de superação do estágio de aprendizagem em que se
encontram".
A concepção é ampla, pois se vale de múltiplos
processos e induz que, através de uma ação de reciprocidade, o
crescimento é favorecido. Considera uma ação equilibradora, não
se reportando, portanto, a apenas um aspecto, seja qualitativo
ou quantitativo.
Para Haidt (1995, p.288), "a avaliação é um processo
de coleta e análise de dados, tendo em vista verificar se os
objetivos propostos foram alcançados". É uma concepção
tecnicista, um tanto limitada. Visa apenas ao produto, deixando
de dar à avaliação a dimensão que esse processo requer.
Certamente se fôssemos buscar outras concepções
de avaliação seriam de grande variabilidade, subjacentes à
concepção que cada um faz de educação e do processo
metodológico desenvolvido na sala de aula, e Lúdke (1994, p.
108) confirma dizendo que "as concepções de avaliação são
subsidiárias de uma determinada forma de trabalho pedagógico,
que inclui metodologia, relação professor-aluno e concepção de
aprendizagem".
Neste referencial, apresentamos conceitos de
avaliação da aprendizagem escolar com posturas semelhantes
e diferentes, conforme a concepção que cada um faz do
processo, para que percebamos a diferença. Assim,
acrescentamos que a avaliação que está direcionada apenas
para o julgamento'e classificação do aluno, bem como para o
produto através de dados quantitativos, precisa ser
redimensionada, sob pena de comprometer o processo educativo,
pois a avaliação é um processo amplo e só será efetivado através
de ação-reflexão. Como nos diz Veiga (1996, p. 163), "a
avaliação, em seu sentido amplo, só será possível na medida em
que estiver a serviço da aprendizagem do educando". Então a que
avaliação? Com base no sentido educativo, a expressão avaliação
se constitui num ponto de referência no processo educacional.
Através dela podemos detectar como está a prática pedagógica na
escola, a relação entre o ensino e a aprendizagem, entre o
programa e os objetivos, a relação professor-aluno, o
entendimento do processo democrático e em que base da
educação se sustenta a escola. A partir daí podemos então
definir suas funções.
Funções da avaliação
Bloom (1983) classificou a avaliação em:
diagnóstica, formativa e somativa, que apresentam diferenças e
semelhanças dependendo da função que pretendam cumprir. Diz
que a avaliação diagnostica pode ser levada a efeito com a
formativa, para detectarehn as falhas e descobrirem as causas.
Especificamente a diagnóstica determina em que nível o aluno se
encontra, para o ponto de partida do ensino. Quanto à avaliação
"é um processo constante, destinada a fornecer ao aluno e ao
professor um feedback contínuo quanto à sua eficiência, à medida
que avançam na hierarquia do ensino", (p. 100) A respeito da
"somativa" diz que é uma avaliação muito geral, que serve como
ponto de apoio para atribuir notas, classificar o aluno e transmitir
os resultados em termos quantitativos, feita no final de um
período de ensino.
E amplamente difundida, no meio educacional e entre
os estudiosos do assunto, a classificação de Bloom para elucidar
as funções da avaliação. Apresentamos de forma sucinta, no
quadro 1, as idéias de quatro autores, que compartilham o
pensamento de Bloom quanto às funções da avaliação da
aprendizagem.
AUTOR
Haidt
1995
(Bloom)
DIAGNOSTICA/
DIAGNOSTICAR
- Conhecer o
aluno: bagagem
cognitiva,
habilidades.
- Identificar
dificuldades de
aprendizagem
(causas).
FORMATIVA/
SOMATIVA/
CONTROLAR
CLASSIFICAR
- Verificar se os
objetivos foram
atingidos.
- Promover o aluno:
Informar sobre
classifica segundo
progressos e
nível de
dificuldades.
aproveitamento.
- Retroalimentação. - Carátur seletivo e
- Objetivo: aperfei competitivo.
çoar o processo e
dar condições de
êxito.
- Determinar a
presença ou
ausência de
conhecimentos,
habilidades, prérequisitos.
SanfAnna - Sondagem da
1995
situação do
(Bloom)
desenvolvimento
do aluno. Ver
o que aprendeu
e o que não
aprendeu.
- Objetivo: reajustar
a ação.
Diniz
1982
(Bloom)
- Localizar as
deficiências na
organização do
ensino.
- Indicar como os
alunos estão se
modificando.
- Objetivo: tomar
decisões.
- Favorecer o
desenvolvimento
individual,
- Caracterizar o
estimular
aluno quanto a
Lian Sousa
crescimento e
interesses,
in Souza
capacidade de
necessidades e
1993
auto-avaliar-se.
habilidades.
(com base em
- Controlar a
- Identificar causas
vários
eficácia dos
das dificuldades
autores,
planos e eficiência
de aprender.
inclusive
dos métodos.
- Objetivo:
Bloom)
Verificar alcance
replanejar
dos objetivos.
o trabalho.
- Objetivo:
tomada de
decisões.
- Classificar
segundo nível de
aproveitamento,
segundo
rendimento.
- Classificar o
aluno de acordo
com nível de
aproveitamento (no
final).
- Determinar as
habilidades iniciais,
requisitos prévios,
caracterizar
interesses,
personalidade,
atividades.
- Descobrir causas e
deficiências da
aprendizagem.
- Objetivo: tomar
medidas
terapêuticas.
- Avaliação
sistemática para
precisar ograu
de domínio da
aprendizagem.
Feed-back
contínuo, alerta.
- Ver if ic ar
f alhas (sem
notas).
- Recuperação
imediata,
imprescindível.
- Classificar o
aluno segundo o
nível de
aprovação
expresso em
notas. Produto
final.
Quadro 1 – Modalidade/função da avaliação
Pela colocação dos autores, a avaliação "diagnóstica"
apresenta-se em dois momentos distintos: um antes do processo
para detectar os pré-requisitos do aluno, o outro durante o
processo para identificar as dificuldades, tanto no ensino quanto
na aprendizagem e, assim, partir para os reajustes. A diagnóstica
está muito relacionada com a modalidade "formativa", tanto no
processo quanto nos objetivos, pois se prende ao feedback das
dificuldades, partindo então para a ação imediata.
Referindo-se à função diagnóstica de avaliação. Mediano,
citado por Candau (1988, p. 137), diz que a avaliação tem
"como principal objetivo diagnosticar as dificuldades do processo
de transmissão/aquisição do conhecimento, buscar as falhas tanto
na transmissão, como na aquisição, para tomar decisões acerca
da próxima etapa do processo".
Machado (1995, p.33) partilha do mesmo pensamento,
quando diz que "a avaliação diagnóstica possibilita ao educador
e educando detectarem, ao longo do processo de
aprendizagem, suas falhas, desvios, suas dificuldades, a tempo
de redirecionarem os meios, os recursos, as estratégias e
procedimentos na direção desejada".
Ainda conforme Machado, quando a avaliação é conduzida
pelos caminhos do diagnóstico se constitui:
• um estímulo ao crescimento e ao fortalecimento das
dinâmicas do professor e do aluno;
• um processo na busca do equilíbrio sem censuras, repressões
e punições;
• uma segurança na caminhada pedagógica;
• uma garantia dos interesses e do direito das pessoas e das
instituições;
• um meio para superar limitações sem traumas;
• uma ajuda para o aluno saber tomar decisões, a aprender a
aprender por causa da transitoriedade dos conhecimentos e,
segundo Veiga (1996, p.161) "um meio investigativo da
aprendizagem para redimensionar o processo tendo em vista
garantir a qualidade do ensino para todos".
Sendo que a avaliação diagnóstica caminha junto ao
processo de ensino-aprendizagem e como parte contínua e
integrante deste, dá oportunidade à correção das defasagens,
no momento em que estas são detectadas e, ao mesmo
tempo, oferece suporte para a avaliação formativa que,
segundo Coll (1997, p. 148), "é uma prática universal o que se
realiza em maior ou menor grau, quase sempre de forma
intuitiva e, na maioria das vezes, inconsciente, mas com
frequentes resultados altamente satisfatórios". O próprio Bloom
(1983, p. 143) aconselha que "a maneira mais eficiente de usar a
avaliação formativa seja no estabelecimento do ritmo de
aprendizagem próprio de cada aluno".
Conforme a proposta de Bloom e dos outros autores que
o confirmam, a função classificatória tem o mesmo
encaminhamento - classificar é atribuir nota ao aluno. Tem
portanto caráter seletivo e competitivo e não atende aos
propósitos da avaliação da aprendizagem e da educação.
Bloom (1983, p. 129) diz que "é justamente a avaliação que gera
tanta ansiedade e defesa entre os alunos, professores e
programadores do ensino".
Redimensionando a função da avaliação
Na luta por um redimensionamento da avaliação,
apresentamos a posição de alguns autores quanto à função
classificatória. Por considerar a ação avaliativa um processo
dinâmico e não um ponto definitivo de chegada, Luckesi (1995,
p.35) afirma que, pela "função classificatória, a avaliação
constitui-se num instrumento estático e frenador do processo
de crescimento (...) Subtrai da prática da avaliação aquilo que
lhe é constitutivo: a obrigatoriedade da tomada de decisão
quanto à ação".
Para Hoffmann (1998, p.57), "a prática avaliativa
classificatória considera as tarefas de aprendizagem a partir de
uma visão linear, sem considerar a gradação das dificuldades
naturais nas tarefas que se sucedem". Nesta concepção, não
existe articulação de uma tarefa com a outra, que torna-se
independente e estática. O processo dialético e mediador é
descartado. Ainda diz (1993, p.26) que o "sistema
classificatório é tremendamente vago no sentido de apontar as
falhas do processo. Não aponta as reais dificuldades dos
alunos
e
dos
professores.
Não
sugere
qualquer
encaminhamento, porque discrimina e seleciona antes de mais
nada".
Veiga (1996, p.152) acrescenta que a avaliação
classificatória "concorre para a fragmentação do trabalho
pedagógico, ao transmitir ao aluno a idéia da separação de
seleção e da rotulação". Nesse sentido, a avaliação
classificatória, além de fragmentada, por se apresentar em
momentos estanques, desvinculada do processo ensinoaprendizagem, pode ser considerada uma violência ao direito
que todos têm de uma Educação Básica. Não há sentido, na
educação obrigatória, selecionar e classificar o aluno como se
fora um concurso ou vestibular. Não há por que promover a
competição entre os alunos, o direito de todos é prosseguir
sem retrocessos. O aluno só deve competir com ele mesmo na
busca do seu crescimento. Bloom (1983, p. 99) ainda adverte
que,
se a prática de utilização dos resultados somativos (...) não for planejada e
controlada com cautela, ela terá, no máximo, uma validade duvidosa e
poderá causar danos irreparáveis, fazendo com que certos alunos
caminhem em direção a uma profecia de fracasso (...) o fracasso repetido
pode destruirá confiança do aluno em sua própria capacidade de
rendimento.
Por uma concepção democrática
Em função do momento histórico-político que
vivenciamos, queremos focalizar também a concepção
democrática da avaliação. Falamos muito de democratização do
ensino (Luckesi analisa esta questão), e a avaliação da
aprendizagem por se constituir um ato educativo é uma prática
que não pode ficar fora desse contexto. Sendo assim, a escola
pode se valer desse processo para desenvolver, a cidadania,
oferecendo ao aluno oportunidades que devem ser exercidas
através do:
• direito de avaliar, não só de ser avaliado - todos
que participam do processo devem ser avaliados;
• direito de participar do processo - segundo
Fleuri (1994, p.98), a avaliação "é o momento privilegiado de
criticidade e criatividade coletiva";
• direito de ser ouvido - não para justificar o
descompromisso, mas para tirar dúvidas;
• direito a informações - o que, como e quando será
avaliado;
• direito à negociação - sem rigidez estática,
característica do processo classificatório;
• direito a sigilo - sem comentários públicos das
falhas e dificuldades, e proclamação dos resultados, como é
comum na avaliação classificatória. Isso inibe o aluno e pode
ser motivo de conflitos e traumas.
Não podemos omitir dessa concepção o compromisso de
todos com o processo e com os resultados de forma consciente, o
que se constitui o dever em um processo democrático de
avaliação.
Lüdke (1994, p.123) nos concita a um redirecionamento,
para que a escola seja
uma organização que permita ao aluno caminhar dentro de seu estágio e
sem retrocessos, construindo seu conhecimento dentro de suas
características pessoais e a avaliação tendo a função fundamental de
informar e dar consciência ao professor de como os alunos estão
caminhando nesse processo, para poder reorientá-lo e tomar as
decisões mais cabíveis.
Conforme foi apresentado neste tópico, as concepções
de avaliação se apoiam em duas vertentes principais, com
poucas nuanças. Umas se voltam para o produto - os
resultados, provas, testes, notas, com ênfase no quantitativo.
Outras para o processo - a reflexão-ação, para a busca do
conhecimento crescente, com ênfase no qualitativo. As
funções estão subsidiadas na devida concepção que se faz da
avaliação: classificatória ou diagnóstico-formativa. Apesar de
Bloom apresentar uma visão de avaliação voltada para o
tecnicismo, dá seguras orientações quanto às atribuições e à
operacionalização de cada função. O que precisamos, no
contexto de atualidade do cotidiano escolar, é buscar
entendimento para vivenciar um equilíbrio nas práticas
avaliativas, integradas ao processo ensino-aprendizagem,
voltadas para uma maior abrangência pedagógica, procurando
atender a cada uma das suas funções no devido momento. E
como está a escola vivenciando no seu cotidiano a prática da
avaliação da aprendizagem? O capítulo seguinte nos remeterá
a considerações sobre este aspecto.
FERREIRA, Lucinete. O contexto da prática avaliativa no
cotidiano escolar. In FERREIRA, Lucinete. Retratos da
Avaliação: conflitos, desvirtuamentos e caminhos para a
superação. Porto Alegre: Mediação, 2002.
2. O CONTEXTO DA PRÁTICA
AVALIATIVA NO COTIDIANO ESCOLAR
Reflexões sobre avaliação escolar
Neste capítulo, optamos por uma reflexão do contexto de
avaliação da aprendizagem, que se desenvolve no cotidiano
escolar e se efetiva através dos sujeitos diretamente
relacionados ao processo. Em contraposição, apresentamos o
procedimento mais viável, para tornar a ação mais compatível
com a realidade presente.
A prática da avaliação que se fundamenta em concepções
pedagógicas mais tradicionais denota uma necessidade de
atualização. Por esta razão, a avaliação da aprendizagem
escolar tem sido um tema de relevância nas discussões de
âmbito educacional na última década. Livros e artigos de
autores de renome nacional têm sido publicados com este tema
em destaque, mas ainda não o suficiente para atingir um
"universo" tão amplo, com um assunto complexo, de tal forma
que seja incorporado de maneira contextualizada no cotidiano
escolar, conforme concepções mais atualizadas de educação e
do processo ensino-aprendizagem.
Com a frequência e como o tema vem sendo abordado,
notamos que há uma inquietação e uma insatisfação com o que
vem ocorrendo no contexto escolar, em função dos componentes
do processo ensino-aprendizagem (objetivos, conteúdo e
metodologia), com reflexo direto no processo de avaliação e
quanto aos conflitos e tensões gerados por um processo
avaliativo desvirtuado, que incide diretamente sobre o fracasso
escolar.1 Sendo assim, novas concepções de avaliação vêm sendo
aos poucos incorporadas à prática docente em oposição à
concepção tradicional que era centrada não em valores e critérios
de desempenho do aluno, mas em normas. O aluno começa a ser
visto como ser único, não mais comparado a outros, mas com o seu
próprio desempenho, e valorizam-se outros instrumentos de
avaliação, para que esta seja um dos meios para tornar o
processo ensino-aprendizagem mais efetivo.
Vivemos em época de rápidas mudanças, e o "novo" nos
surpreende a cada dia, mas a prática pedagógica acompanha a
passos lentos esse contexto, e a avaliação da aprendizagem
caminha mais lentamenta ainda. Muitos professores não estão
conformados com esta situação e acham que é tempo de mudar
em face ao contexto que envolve o processo ensino-aprendizagem
e, em particular, o aluno, sujeito relevante do ato educativo.
Segundo Werneck (1995, p.67), o processo não é fácil porque
"qualquer mudança exige trabalho, convicção, suporte econômico
e muita vocação".
Mesmo consciente dessa situação, o professor ainda
pratica uma avaliação nos moldes tradicionais. Sendo o professor
o principal responsável para operacionalizar essa mudança, é
preciso que tenha base consistente em uma teoria de
aprendizagem que lhe norteie os rumos, pois, para mudar a
avaliação, é necessário rever os outros aspectos que envolvem o
processo ensino-aprendizagem. Muitos desconhecem o que é
proclamado sobre novas concepções de avaliação, e os que estão
conscientes vivem uma contradição na sua prática, comprovada
através do que é registrado nos planos de curso e o que é
1
Fracasso escolar- o contexto aqui não se refere somente à reprovação ou à
evasão escolar, mas também às conseqüências pessoais da aprendizagem
e até no futuro profissional do aluno.
operacionalizado, não só nos momentos de avaliação, mas também
em todo o processo ensino-aprendizagem.
Colocamos uma responsabilidade muito grande sobre o
professor, quanto à contextualização do processo de avaliação,
que reflita os novos parâmetros da educação. Alheios à sua
vontade, existem muitos fatores determinantes, quer de ordem
pessoal ou institucional, que dificultam uma prática avaliativa
coerente com novas concepções.
A cultura avaliativa do atual contexto escolar concebida
como um fim e não como um meio para viabilizar o processo
educativo, ocupa papel central sobrepondo-se à própria
aprendizagem, por isso que ainda existe muita resistência à
mudança por parte de professores, alunos, pais, escola, e o próprio
sistema escolar, que criam obstáculos para as propostas
inovadoras de avaliação. Questionamos a disciplina e a
significação da aprendizagem por conta de uma avaliação
mediadora.
A prática da avaliação no cotidiano escolar pouco tem a
ver com o verdadeiro sentido da avaliação. Usamos a
denominação avaliação, mas nos valemos de provas e testes,
por serem mais compatíveis com o contexto da sociedade e
"mais fácil" de serem executadas. Essa prática corre o risco de
não ser confiável, considerando os desvios aos quais este
procedimento está sujeito. Como sugere Luckesi (1995), provas e
exames servem apenas para verificar o grau ou nível de
desempenho em apenas um aspecto do desenvolvimento do
aluno.
Os desvios considerados na avaliação através de provas
referem-se ao que é constante na elaboração do instrumento sem
critérios didáticos; à aplicação em clima ritualístico, que envolve o
estado emocional do aluno, desvirtuando os resultados e também o
grande índice de fraudes (cola), tornando a avaliação sem
validade significativa para atender a seus pressupostos básicos.
Não nos referimos nesse contexto ao instrumento em si, pois tem
sua validade a depender do nível escolar e os propósitos a que
se destina.
A grande falha da prática da avaliação, além do contexto
referido, está em valer-se prioritariamente da função
classificatória em detrimento das demais funções. Luckesi
(1995, p.34) assim confirma esta posição:
A atual prática da avaliação escolar estipulou como função do ato de
avaliar a classificação e não o diagnóstico como deveria ser
constitutivamente. Ou seja, o julgamento do valor que teria função de,
possibilitar uma nova tomada de decisão sobre o objeto avaliado,
passa a ter a função estática de classificar um objeto ou um ser
humano histórico num padrão definitivamente determinado.
A função da avaliação fica descaracterizada quando a
ênfase é dada apenas ao aspecto classificatório. Segundo
Ferreira (1992, p.4), deixa de "ser encarada como um meio de
fornecer as informações sobre o processo, tanto para que o
professor conheça os resultados de sua ação pedagógica como
para o aluno verificar seu desempenho".
O cotidiano escolar está todo permeado por esta prática
avaliativa que se distanciou da função diagnóstica ou
formativa.
Esta função é negligenciada e desconsiderado o seu
verdadeiro significado. A maioria dos professores encontra
barreiras em desenvolver habilidades através da avaliação
diagnóstica ou formativa, seja por questionamento dos pais e
alunos, pela subjetividade e o aspecto não quantificável da
função, ou pela dificuldade de medir o que é de natureza
qualitativa, como atitudes, hábitos, destreza, valores, etc.
A avaliação diagnóstica ou formativa pode ser realizada
através dos mais variados instrumentos, até mesmo por provas e
testes, desde que sejam encarados como elementos integrantes
do processo ensino-aprendizagem, não dicotomizados ou com
feição ritualística. Muitas escolas proclamam, em suas propostas
pedagógicas, uma pretensa avaliação contínua, estando até
mesmo registrado no regimento escolar, mas o que termina
acontecendo é um número sucessivo de testes ou falsas
oportunidades de promover o crescimento e atender às reais
necessidades do aluno. Neste contexto da avaliação, que
deveria ser usada como diagnóstico, acompanhamento e
mediação da aprendizagem, passa a ser usada como um fim,
com objetivos promocionais. O professor dá a matéria, aplica
um teste ou prova, muitas vezes realizados em situação de
ansiedade, atribui a nota e encerra o ato de avaliar. Um
suposto processo contínuo de avaliação denominada
diagnóstica, mas com características de classificatória.
O dia-a-dia escolar dá muito mais chances de observação,
acompanhamento do desempenho e avaliação da aprendizagem
do aluno do que apenas uma situação de testagem, pois,
conforme Lúdke (1994, p.33), "ele aprende toda hora: na dúvida,
na pergunta, no relacionamento entre os colegas, no conteúdo
trabalhado em turma, na dúvida ou explicação do colega (...)
Cabe à professora estar atenta a isso e favorecer a
aprendizagem contínua".
Outro aspecto relevante que também merece ser
considerado e que pelas suas implicações deixa de atender à
função educativa da avaliação é, segundo Sousa (1993),
promover a prática discriminatória e seletiva, onde os
socialmente favorecidos são capazes de prosseguir nos estudos
e os vindos de classes sociais mais desfavorecidas são
eliminados do processo. Segundo Veiga (1996), distribui as
desigualdades sociais, hierarquiza e estimula a competição, que
se convertem em fracasso escolar, com seu espectro variado de
conseqüências. Sousa (1993, p.110) confirma esta posição
dizendo que "a avaliação do rendimento escolar tem se
traduzido, nas escolas, em uma prática autoritária que legitima
um processo de seletividade e discriminação de alunos com
conseqüências sociais e pessoais danosas, em nada coerente
com a função que lhe foi atribuída, de apoiar o aperfeiçoamento
do ensino".
E ainda nos diz que, constitucionalmente, há oportunidade
igual para todos, mas, na prática, negamos as diferenças
individuais dos alunos e as decorrentes das classes sociais
provenientes.
Após refletirmos sobre vários aspectos que envolvem a
prática da avaliação no cotidiano escolar, a dimensão como vem
sendo discutido o tema, a necessidade de mudança para uma
prática que tente corrigir os desvios a que o processo está
sujeito e que atenda suas reais funções, é importante
considerarmos como os sujeitos mais envolvidos no cotidiano da
avaliação vivenciam esta prática e em que contexto ela se
manifesta segundo a natureza do envolvimento de cada um.
A escola e a avaliação: uma posição reducionista?
Pressupomos a escola como a instituição formal,
constituída pela sociedade incumbida de promover o
desenvolvimento integral das crianças através do saber
sistematizado. É nesse espaço instituído que os sujeitos se
ocupam no seu cotidiano, com a produção do saber em todas as
dimensões do conhecimento humano, a fim de preparar o aluno
para a vida, de modo que se torne uma pessoa crítica e
determinada.
O preparo para a vida que se manifesta nesse espaço é
resultado das decisões que alunos e professores desenvolvem na
busca de aprender. O aprender é produto das relações que se
estabelecem entre os indivíduos, através de suas experiências
diferenciadas, de suas desigualdades, quer sejam sociais,
culturais ou individuais. É nessa relação de desigualdade, no
entanto, que se manifesta o poder através das práticas
pedagógicas instituídas e operacionalizadas no processo
avaliativo.
O ensino é a principal função da escola e dentro do
processo ensino-aprendizagem, a prática avaliativa ocupa
espaço de fundamental importância. Através de instrumentos
como provas e testes, que têm a função de classificar o aluno, a
avaliação é considerada momento de destaque. Luckesi (1995,
p. 17) nos diz que "a avaliação da aprendizagem ganhou um
espaço tão amplo nos processos de ensino que nossa prática
educativa escolar passou a ser direcionada por uma pedagogia
do exame".
Nesse espaço conquistado, a prática avaliativa está
fortemente presente, predominando sobre todas as demais
práticas vivenciadas na escola e, através dela, estabelecemos as
relações de poder da escola e do professor. Criamos
dispositivos pedagógicos e normativos que regulam o
procedimento de tal forma que, segundo Rogers (1985, p.20), "a
relação professor-estudante perde sua qualidade de encontro de
pessoa a pessoa, numa confusa rede de normas, limites e
'objetivos' exigidos".
A qualidade dessas relações bem poderia servir-se das
desigualdades como mecanismo para fortalecer o crescimento
dos sujeitos através do processo dialético e não para legitimar
as desigualdades evidenciadas através do processo de
avaliação.
Como a escola evidencia em seu cotidiano uma prática
avaliativa que se furta de seus pressupostos básicos?
Consideremos a partir do modo como a avaliação da
aprendizagem é encarada na escola. Da forma como se
processa e como um evento que encerra cada ciclo de ensinoaprendizagem, mas, no parecer de Luckesi (1995, p.12), "a
avaliação da aprendizagem não poderia continuar a ser tratada
como um elemento à parte, pois integra o processo didático do
ensino-aprendizagem
como
um
de
seus elementos
constitutivos". Caracteriza-se como um verdadeiro ritual, onde o
aluno é submetido a provas e exames para provar o que
aprendeu.
Nesse contexto toda a escola se organiza em função
desse momento. Muda-se de forma acentuada toda dinâmica de
trabalho pedagógico, ocupando grande parte deste, no
processamento desse ritual.
A avaliação passa a ser
considerada como um fim, sobrepujando a própria
aprendizagem. Luckesi nos diz que, em tais condições, todos na
escola têm suas atenções centradas em prova, nota, promoção
em detrimento do ensino-aprendizagem. A avaliação como
meio para confirmar seus pressupostos básicos passa para
outro pólo de interesse constante da sociedade. Para Souza
(1993, p.97), "se o ritual é improdutivo quando se considera o
papel da avaliação como meio de promover o aprimoramento
pedagógico, é produtivo e eficiente como meio de controlar e
adaptar as condutas sociais dos alunos".
Consideramos, ainda, que os momentos que dedicamos
aos rituais de provas constituem-se verdadeiros pesadelos para
muitos, como nos diz Pizzi (1995, p.36): "aparentemente tudo
segue normalmente na escola, até que surgem os períodos das
avaliações. Todo trabalho desenvolvido durante meses fica
exposto podendo perder-se em poucos dias".
Evidenciamos, também, como o furtar-se de seu
pressuposto básico, a maneira como a avaliação vem se
desenvolvendo como uma prática "reprodutivista". A capacidade
de pensar do aluno tem sido embotada. O processo de ensinoaprendizagem reduz-se a uma seqüência de atos: transmitir assimilar - memorizar - reproduzir conhecimentos. Na escola,
esse processo ganha vida através dos instrumentos de
avaliação não problematizadores, com questões que induzem à
memorização, sem um significado real para a vida dos alunos.
Na escola, o conceito de ensinar é passar os conteúdos
determinados e cobramos do aluno a reprodução desses
conteúdos transmitidos através de provas e testes e a nota
como destino final e como indicação da assimilação dos
conteúdos.
Quanto a esta posição, Ferreira (1992, p. 5) nos indica
que
objetivos do ensino?"
avaliar não é verificar a reprodução, mas fornecer as condições para que
o aluno crie algo novo. A avaliação deve ser momento de questionar, de
problematizar, de "hipotetizar" o que já foi visto. O professor deve criar
formas de avaliações que levem em consideração o raciocínio do aluno,
sua capacidade de produzir novos conhecimentos.
Além da posição reprodutivista, no que concerne aos
conhecimentos, a escola desenvolve uma visão "reducionista"
por reduzir a aspectos bem distintos o processo avaliativo.
1. É reducionista quando ocorre em períodos bem distintos e
determinados dentro do ano, que acabam sendo
dicotomizados do processo educativo. A avaliação fica
reduzida a momentos estanques, não se caracterizando
como um processo contínuo, presente em todos os
momentos da atividade escolar. Neste contexto, o ato de
avaliar deixa de cumprir um de seus significativos
pressupostos básicos - a função diagnosticadora. Para
Werneck (1997, p.89) "muitas avaliações serão mais
efetivas quando feitas durante o ato de aprender, porque
facilitarão a imediata correção dos rumos".
2. É um processo reducionista quando se detém no aspecto
cognitivo da aprendizagem e, reduz-se, ainda mais,
quando privilegia a memorização em detrimento dos
outros aspectos da inteligência. O processo educativo é
amplo e não deve recair exclusivamente na avaliação
dos conhecimentos. O aluno é um todo integrado e os
aspectos afetivos e habilidades fazem parte deste
contexto. Por isso, para Carvalho (1987, p.342), "de
pouca relevância é verificar o que o aluno aprendeu
dentro das matérias de ensino. Se não podemos medir a
criatividade, os valores éticos, o ajustamento social, a
capacidade intelectual do educando - qual a importância
de medir as informações ou as técnicas, simples
3. É reducionista quando valoriza a utilização do instrumento
prova ou exame. No entanto, Ferreira (1992, p.5) nos orienta que "o professor deve estar atento para não
empobrecer o seu processo avaliatório aplicando só um
tipo de instrumento".
4. Assume ainda posição reducionista quando o ato de avaliar reduz-se a uma apreciação final do desempenho do
aluno para fins de classificação, como se este ato não se
constituísse parte integrante do processo educativo.
Segundo Goleman (1995, p.50), "devíamos gastar menos
tempo classificando crianças e mais tempo ajudando-as a
identificar suas aptidões e dons naturais cultivados".
Quando a escola assume uma postura onde o aluno é
visto como um todo, como pessoa que age e interage,
segundo Hoffmann (1997, p.21), "a avaliação deixa de
ser momento terminal do processo educativo (como
hoje é concebida) para se transformar na busca
incessante de compreensão das dificuldades do
educando e na dinamização de novas oportunidades de
conhecimento".
Apenas o aluno é avaliado...
A escola também promove a visão unilateral da avaliação,
garantindo que apenas um dos pólos seja avaliado por todos - o
aluno. A avaliação, nesse contexto, é uma ação unidirecional no seu
foco e no processo, pois só o aluno é sistematicamente avaliado.
Uma proposta de avaliação centralizadora e autoritária como a
que se percebe normalmente no cotidiano escolar é uma proposta
antidemocrática e se concretiza pelo poder que o professor detém
sobre o aluno.
Silva (1986) nos apresenta uma proposta democrática de
avaliação onde "todos avaliam todos", ou seja, a participação
real de todos os envolvidos no processo. A sua proposta está
baseada no tripé: aluno-professor-CTA (Corpo Técnico
Administrativo). Essa proposta desloca o peso de decisão
centralizada no professor e corrige desvios autoritários.
Ainda queremos destacar dois pontos que são evidentes no
cotidiano escolar e que ajudam a reforçar o aspecto tradicional da
avaliação.
Primeiro destacamos o aspecto físico-dimensional e
organizacional da sala de aula, onde um elevado número de
alunos está em fila, de costas uns para os outros, tendo à frente
o professor como figura central. Esta situação prejudica não só
o ato pedagógico como induz a uma avaliação nos moldes
tradicionais com sérios riscos de desvirtuamento do processo.
Em segundo lugar, destacamos o processo burocrático, que
a escola evidencia em seu cotidiano, onde há, segundo Silva
(1996, p.20), uma "inversão entre as funções da avaliação: o
registro burocrático sobrepondo-se à natureza pedagógica de
acompanhamento dirigindo mesmo toda organização do
trabalho escolar." Os professores preocupados em cumprir uma
exigência burocrática, no parecer de Hoffmann (1997, p.19),
"estabelecem uma rotina de tarefas e provas periódicas
desvinculadas de sua razão de ser no processo de construção
do conhecimento", deixando de ser esta a sua função precípua.
O problema não é o registro ou a nota em si, mas sim a
configuração desse ato. Esse procedimento burocrático
descaracteriza a avaliação. Após as avaliações bimestrais, não
importando quais os resultados obtidos, o professor procede o
cumprimento da formalidade legal, exigida pela escola - dar no
final do bimestre uma nota ao aluno. A partir daí, continua na sua
rotineira tarefa de "dar a matéria". Nesse pressuposto, a função
pedagógica da avaliação praticamente inexiste, pois a tomada de
decisão nesse caso é apenas classificar - aprovar ou reprovar.
Para amenizar esta situação, a escola vale-se de um programa
que supostamente recupera as deficiências de aprendizagem do
aluno.
A partir das considerações feitas, quanto à função da escola
como instituição pressupostamente determinada para o ensino e
parcialmente para a educação, notamos que, no seu cotidiano,
tem-se furtado de seus pressupostos básicos, em particular, no que
se refere à avaliação escolar - contexto discutido nesse trabalho.
Através do posicionamento reprodutivista, reducionista e unilateral
do processo avaliativo, reforçado pelo aspecto físico-dimensional e
organizacional dá sala de aula e o burocrático exigido pelo sistema,
a escola evidencia no seu cotidiano uma prática sujeita a
desvirtuamentos.
A escola precisa reverter ou amenizar esse contexto, o que
só será possível a partir do momento em que ela passar,
segundo Rogers (1985, p. 197), a "respeitar e valorizar o
estudante, compreender o que sua experiência escolar
representa para ele".
Sejam quais forem as circunstâncias, é o professor que se
constitui peça fundamental para dinamizar e contextualizar o
processo avaliativo ou torná-lo retrógrado. O tópico seguinte fará
uma abordagem acerca do papel do professor na dinâmica desse
processo.
A postura do professor frente à avaliação
No cotidiano da maioria das escolas, o professor ainda
ocupa papel de destaque na dinâmica do processo ensinoaprendizagem, que se efetiva em um espaço privilegiado,
instituído pela sociedade - a escola. É nesse espaço que o
professor concretiza sua prática pedagógica determinada pela
sua experiência, seus valores, seu comprometimento, seu
contexto social e onde vivência múltiplas interações.
Com base nas abordagens cognitivista e humanista,
expressas em Mizukami (1986), o professor é aquele que:
• assume o papel de orientador. Ele conduz e orienta o
processo, cria condições para que o aluno analise seu contexto
e produza cultura, conduz o processo de forma participativa,
através do diálogo e da cooperação. Trata o aluno como pessoa
concreta, determinada pelo seu contexto histórico e que
o torna um ser individual;
• assume o papel de facilitador da aprendizagem. Não é
meramente um transmissor de conhecimentos. Cria condições
para que o aluno aprenda, dando-lhe assistência. Trata o aluno
como pessoa única e o aceita tal qual ele é.
Como vimos, essas abordagens se identificam em vários
aspectos da prática pedagógica e em especial no tratamento
que o professor deve dar ao aluno, pessoa com quem interage,
para consecução do processo ensino-aprendizagem. E o
professor, no seu cotidiano, como se identifica com esta prática?
O que determina o seu desempenho?
E nesse contexto que se concretiza uma prática de
avaliação determinada pelo postulado teórico do professor e pela
concepção que ele tem dessa prática. Esta posição está
referendada por Ludke (1994, p. 30) na seguinte expressão:
"certamente o que o professor faz em avaliação é condicionado
pela concepção que tem desse processo mais amplo de ensino e
aprendizagem". É determinada também pela sua história, pela
sua cultura e conjuntura social onde se desenvolveu. Para Cunha
(1995, p.44), "aquilo que a pessoa diz ou faz está moldado
consciente ou inconscientemente pela situação social. São as
experiências e as condições de vida que fornecem a formação
dos conceitos e do desempenho do indivíduo". Toda atividade do
professor é um reflexo daquilo que ele vivenciou. Para a autora,
"o fato de o professor ter tido uma educação autoritária e
punitiva pode fazê-lo tentar repelir esta forma no seu cotidiano
docente mas pode também levá-lo a repetir esta prática". (p.36)
Presumimos, com essa afirmação, que muitos professores
tratam a avaliação da maneira como vivenciaram na sua
experiência escolar. O que o professor pratica hoje é, segundo
Hoffmann (1997, p.28), um
reflexo do modelo de avaliação vivenciado enquanto educandos e dos
pressupostos teóricos que embasaram seu curso de formação. Suas
perguntas e respostas, seus exemplos de situações, os fantasmas
relacionados a esta prática revelam princípios e metodologias de caráter
fundamentalmente sentencivo e, portanto, relacionados a procedimentos
terminais e conclusivos.
De acordo com a abordagem humanista, o professor
desenvolverá suas próprias estratégias de ensino e usará sua
capacidade e criatividade para a avaliação. Rogers (1985) nos
diz que o educador eficiente desenvolverá seu estilo próprio
para facilitar a aprendizagem dos seus alunos e por inferência
acrescentamos, para facilitar o processo de avaliação.
Ainda que seja em uma postura tradicional, quando se
exacerba o uso do instrumento prova, segundo Carvalho
(1987, p.347) "o bom senso do professor o levará, então a optar
por este ou por aquele meio de verificar a aprendizagem, e sua
criatividade irá impulsioná-lo a imaginar novos meios, ou a
conjugar, em uma prova, dois ou mais recursos".
O trabalho que o professor desenvolve, além de
determinado por sua concepção e postulado teórico, é fruto
também da realidade do cotidiano escolar. Acerca disto, nos diz
Fleuri (1994, p.92): "sua atuação em sala de aula é
profundamente condicionada pelo regimento da escola, pelas leis
do ensino, pelos sistemas burocráticos de controle, pelas
relações de emprego".
O professor vive em um ambiente complexo e desenvolve
no seu cotidiano pedagógico uma atividade também complexa
- a avaliação da aprendizagem. Nesse ato ele determina e é
determinado pelo contexto de seus valores, pessoais e pela
contingência institucional. É, em meio a essa complexidade, que
o professor se constitui peça fundamental para operacionalizar o
processo, sejam quais forem os parâmetros estabelecidos por
ele ou pela instituição. Ao operacionalizar o seu ato pedagógico,
através da avaliação, a maioria dos professores enfrenta
dificuldades tanto de ordem pessoal quanto as que estão
atreladas ao sistema.
Na verdade, muitos professores não apresentam um
entendimento claro sobre o verdadeiro significado e funções da
avaliação, ao expressarem sua concepção de avaliação, no
registro em seus planos, onde esta aparece prescrita apenas
como obrigação burocrática e formal. Apesar de demonstrarem
uma postura anti-tradicional, na prática o que acontece mesmo é,
na sua maioria, aplicação de provas e testes com base nos
aspectos cognitivos e privilegiando a memorização; não
desenvolvendo, portanto, o pensamento, o raciocínio e a
capacidade de criação e de reflexão. White (1976, p. 140) diz
que
os professores devem induzir os alunos a pensar, e a entender claramente
a verdade por si mesmo. Não basta ao mestre explicar, ou ao aluno crer;
cumpre suscitar o espírito de Investigação, e o aluno ser atraído a
enunciar a verdade em sua própria linguagem, tornando assim evidente
que lhe vê a força e faz a aplicação.
Muitos criticam e até questionam a validade da prática
tradicional, demonstrando um grau de consciência quanto à
questão, por isso se mostram ansiosos em reverter esse
quadro, mas encontram dificuldades para tornar o processo
avaliativo mais coerente com suas funções.
Uma das dificuldades bem presentes, na atuação do
professor, é a falta de preparo específico e de atualização para
exercer a difícil tarefa de avaliar, até mesmo em uma postura
tradicional, onde prevalece o instrumento prova. Conforme nos
diz Carvalho (1987, p.357), "a tarefa de avaliar não é fácil.
Planejar uma boa prova; redigir com clareza e precisão uma
questão objetiva; corrigir criteriosamente uma dissertação;
interpretar de forma adequada o valor de um teste são
atividades complexas e que exigem bom preparo do professor".
Para entender a necessidade do preparo do professor no
aspecto didático da avaliação como um todo, Mediano, citado em
Veiga (1996, p. 164), nos diz que "é importante que o professor
seja competente na elaboração de instrumentos de avaliação
que meçam com confiança e validade todos os objetivos que
visa alcançar".
A falta de preparo do professor não é só no que diz respeito
à desprofissionalização (o que gera descompromisso), mas até
aqueles que passam por um curso de formação de professores ou
licenciatura, onde o tema em questão é tratado de forma simplória e
sem relevância. No preparo do professor, leva-se mais em conta os
aspectos técnicos da avaliação, pouco se referindo ao contexto
social, psicológico e filosófico do processo em si. Ainda não damos
a devida Importância a um assunto amplo e complexo, que se
intrinca no cotidiano do professor e serve como um marco de sua
postura.
No que diz respeito ainda ao preparo do professor, Kenski,
citado em Veiga (1991, p.138),
amplia estas considerações dizendo que o professor precisa possuir
competência não apenas no domínio do conteúdo da disciplina a ser
ministrada, mas, também, no conhecimento de propostas alternativas
para trabalhar o conteúdo de maneira a ser aprendido, em suas relações
complexas da melhor forma possível.
White (1977, p.278) nos apresenta seu posicionamento
quanto ao preparo e domínio de conhecimento do professor, para
obtenção de melhores resultados de seu trabalho, afirmando que
quanto mais tiver o professor de verdadeiro conhecimento, melhor será seu
trabalho. A sala de aula não é lugar para trabalho superficial. Nenhum
professor que esteja satisfeito com um saber superficial atingirá um elevado
grau de eficiência (...) O verdadeiro professor não se contenta com
pensamentos obtusos e memória inculta (...) Procura constantemente
consecução mais elevada e melhores métodos (...) Sua vida é de
contínuo crescimento.
Para referendar o que já foi citado sobre o preparo do
professor, é preciso entender que esse preparo deve ser
abrangente nos vários níveis de domínio do conhecimento. Luckesi,
citado em Candau (1991, p. 26), nos diz que
formar o educador, seria criar condições para que o sujeito se prepare
filosófica, científica, técnica e afetivamente para o tipo de ação que vai
exercer. Para tanto serão necessárias não só as aprendizagens
cognitivas sobre os diversos campos do conhecimento que o auxilia no
desempenho do seu papel, mas - especialmente - o desenvolvimento de
uma atitude, dialeticamente crítica sobre o mundo e sua prática
educacional (...) A sua constante atualização se fará pela reflexão
diuturna sobre os dados de sua prática.
Necessidade urgente de conscientização
e comprometimento do professor
A partir de tais considerações teóricas, é possível
perceber que o professor exerce papel fundamental, e que o seu
preparo é necessário para que ele seja eficiente na ação
pedagógica e, em particular, na sua proposta de avaliação.
Além do preparo deficiente do professor, outros
aspectos emergem no seu cotidiano, alheios à sua vontade, mas
que influenciam e interferem no processo avaliativo, de forma
objetiva e subjetivamente. Por conta do contexto econômicosocial, o professor se vê obrigado a levar uma carga de trabalho
que supera as condições mínimas necessárias para exercer sua
ação pedagógica, de forma eficiente. Muitas vezes, o professor
se vê obrigado a trabalhar em várias escolas, em três turnos,
para sobreviver. Além disso, as condições pedagógicas e
estruturais oferecidas pela escola, desde classes numerosas
até uma proposta pedagógica desatualizada ou inexistente,
limitam a ação do professor, ainda que ele seja bem preparado
e comprometido.
Diante do contexto, como pode o professor operacionalizar
uma ação avaliativa, que se coadune com as necessidades e
peculiaridades do aluno e atenda os pressupostos básicos da
avaliação?
Não podemos generalizar esta situação, mas há
necessidade de urgente conscientização e comprometimento do
professor, da escola e até do sistema para tornar a avaliação um
ato educativo. Fleuri (1994) nos diz que através da avaliação
ficam evidentes o compromisso e o descompromisso; os
equívocos e as ambigüidades da prática desempenhada.
Por conta do contexto vivenciado no cotidiano escolar,
muitos professores valem-se da avaliação como uma arma,
instrumento de punição, demonstração de poder e autoridade.
Conforme Saul (1988, p. 48),
a avaliação da aprendizagem definida como uma das dimensões do
papel do professor, transformou-se numa verdadeira "arma", em um
instrumento de controle que tudo pode. Através deste uso
exacerbado do poder, o professor mantém o silêncio, a "disciplina"
dos alunos, ganha "atenção" da classe, faz com que os alunos
executem as tarefas de casa.
Assim, o professor se utiliza dessa poderosa "arma" como
suposto elemento motivador para conseguir a ordem e um clima
favorável para a aprendizagem. Lima (1996, p.45) diz que
"provavelmente a maior parte dos professores não conseguiria
dar aula se não dispusesse do poder de reprovar".
Ainda sobre este aspecto, Oliveira (1991, p.41) afirma que
"a manutenção do clima de tensão, o medo parecem ser as
grandes armas da escola e do professor".
No exercício do seu poder e autoridade, o professor
acaba por ferir princípios éticos de sua profissão no seu
procedimento de avaliação:
• quando ironiza respostas pessoais de seus alunos em
situação de prova ou em quaisquer instrumentos de
avaliação;
• quando não justifica seu julgamento - o aluno tem o
direito de saber o porquê dos seus erros;
• quando o aluno não tem a clareza dos resultados
obtidos pela ambigüidade das correções, variabilidade de
critérios, em particular, nas questões subjetivas da
avaliação;
• quando, por questões pessoais, age de tal forma que os
alunos se sintam "marcados", e o resultado se faz sentir
no que se constitui o ponto-chave - a nota. Reportandose à autoridade do professor, Souza (1993) nos diz que
eles estabelecem regras segundo suas expectativas, dando
um tratamento diferenciado aos alunos;
• quando aplica provas-surpresas - conforme nos diz Pizzi
(1995, p.37), "o aluno tem o direito de saber o que e como
será avaliado. Além de diminuir sua angústia, torna a
prática pedagógica do professor mais democrática";
• quando subtrai pontos do valor obtido, como resultado do
direito adquirido do aluno, pelas avaliações dos
conhecimentos, por motivo de indisciplina ou outro aspecto
do comportamento;
• quando formula questões, em suas avaliações, que dão
margem para interpretações várias ou sentido dúbio, questões
capciosas ou do tema que não foi abordado;
• quando não tem critérios definidos e proclamados para
sua ação educativa.
Fica evidente, através do que foi exposto, conforme
enuncia Cunha (1995, p.27), que "as relações de poder
permeiam o papel do professor e são, ao mesmo tempo, causa
e conseqüência da realidade escolar".
Além dos aspectos éticos que o professor acaba por ferir
no seu cotidiano e tantos outros que se afiguram conforme o
contexto, para tornar os momentos de avaliação ainda mais
tensos, o professor assume uma postura diferenciada do seu
cotidiano da sala de aula. Muda de comportamento. Oblitera
até o relacionamento amigável. Às vezes assume postura
estereotipada como: óculos escuros para esconder a direção
visual; andar pela sala suavemente assobiando "aquela
musiquinha" que atrapalha o raciocínio; subir na cadeira para
inibir o aluno com sua vigilância exacerbada, etc. "Atrapalha o
aluno, ter que lembrar de tudo com uma pessoa lhe vigiando."
(Expressão de um aluno da 8a série)
Quanto à postura do professor nesse contexto, White
(1976, p. 16) nos aconselha a agir com as crianças nos momentos
de atividades, "sem lhes dar a impressão de serem vigiadas, e
sem andar de um lado para o outro com aspecto imponente,
como se fosse um soldado a montar guarda sobre elas".
Após essas considerações sobre o professor, como peça
fundamental na operacionalização do processo de avaliação, cuja
postura é produto de sua concepção, de seu contexto históricosocial, de sua prática na convivência de seu cotidiano escolar,
coadjuvado pelas condições que a instituição proporciona para a
consecução de sua ação pedagógica, é importante que
atentemos para a posição do aluno frente à avaliação, que será
aspecto a ser analisado no tópico seguinte.
O estado do aluno frente à avaliação
No processo educativo, o aluno, sujeito para o qual os
interesses da educação estão voltados, tem suas
características peculiares destacadas nas abordagens
pedagógicas, que corroboram com o nosso posicionamento e
que nos deram suporte para a fundamentação desta pesquisa.
Mizukami (1986) destaca estas características nas
abordagens cognitivista e humanista, cujos suportes teóricos se
fundamentam em Piaget e Rogers como figuras de destaque,
em quem nos fundamentamos para elucidar nossas proposições.
A abordagem cognitivista de perspectiva interacionista
onde sujeito e mundo interagem, e o conhecimento é o produto
dessa interação, o indivíduo, ou seja, o aluno é ser ativo –
desenvolve atividades motoras verbais e mentais; é social - a
sociabilidade desenvolve aspecto integrador; é cooperativo favorecido através de atividades em grupo; é individual - dentro
do próprio grupo, onde desenvolve a sociabilidade e desenvolve
suas atividades é ser único; é afetivo - necessidade do ser para
que a inteligência se desenvolva, é preciso que haja
interdependência entre afetividade e aspectos cognitivos. Nessa
abordagem, o aluno goza de liberdade orientada - onde se
respeita seu ritmo próprio, seu modo de ser e agir, de pensar, de
descobrir, de inventar.
Na abordagem humanista, o sujeito é ser único, total, o
centro do processo, com potencialidades e capacidades a
desenvolver. Segundo Carvalho (1987), a iniciativa, a
responsabilidade, o espírito crítico, a cooperação, a criatividade,
a adaptabilidade e a socialização é que devem ser vivenciadas
em um ambiente no qual haja o mínimo de ameaças ao eu, para
que a aprendizagem possa ser significativa. É na liberdade plena,
em que se postula essa abordagem e que deve ser entendida,
segundo Carvalho (1987, p.320), como uma "liberdade para viver
a própria experiência, para sentir, para pensar, mas não para
expressarem palavras tais sentimentos e pensamentos, quando
tal supressão prejudica a própria pessoa, seu semelhante e a
vida social e muito menos para agir, quando os atos também
prejudicam o próprio indivíduo".
Apesar de algumas posições diferenciadas, ambas as
abordagens consideram o aluno como ser total e único que deve
per respeitado e valorizado.
Diante do acima exposto, notamos que o aluno é um ser
com características próprias dotado de individualidade, capaz
de pensar e agir, e, para tanto, a escola e os professores devem
estudar cuidadosamente meios e disposição para adaptar o
processo de ensino-aprendizagem e, conseqüentemente, a
avaliação às suas necessidades peculiares.
É através do processo ensino-aprendizagem que os
indivíduos interagem e se relacionam no cotidiano da sala de
aula e da escola. Nessa premissa, o ato de avaliar é uma
constante que favorece as relações, frente à avaliação,
assumindo posições diferenciadas segundo suas peculiaridades e
individualidade e as variações do seu comportamento.
Segundo Rogers (1985), é nesse ser que aprende que
reside definitivamente o lócus da avaliação, ou seja, é o aluno o
ponto central da avaliação, no seu cotidiano vivência esta
prática através da exteriorização de seus valores devendo,
portanto, ser avaliado como um todo. Essa totalidade passa às
vezes desapercebida pela escola e pelo professor que se detêm
em desenvolver um processo ensino-aprendizagem sem
significado pessoal, não envolvendo todos os aspectos da
pessoa do aluno. Segundo Rogers (1985, p.29), "uma
aprendizagem desse tipo envolve apenas a mente, é uma
aprendizagem que se processa 'do pescoço para cima', não
envolve sentimentos ou significados pessoais, não tem
relevância para a pessoa integral".
No cotidiano da avaliação, muitos professores dizem que
avaliam o aluno todo ou tudo no aluno, e isso implica valorizar
não somente aspectos cognitivos mas também os afetivos
dentro do processo de ensino-aprendizagem. É uma pretensa
totalidade, pois no momento de avaliar o que se leva mais em
conta é o aspecto cognitivo, direcionado mais especificamente
para a memorização. O professor e a escola perdem excelentes
momentos, que o dia-a-dia escolar apresenta, para avaliar seus
alunos. Os momentos das aulas se constituem excelentes
oportunidades para avaliarmos o aluno como um todo: suas
atitudes, seus valores, sua participação, seu interesse, sua
vivência e experiência, seu relacionamento, seu espírito de
iniciativa, sua postura, respeito e tantos outros atributos, além
do seu desempenho intelectual. São excelentes momentos para se
avaliar o aluno de forma prazerosa e não de forma angustiante. O
aluno pode ser avaliado a partir de tarefas diversificadas, de tudo
o que ele produz como expressão do seu conhecimento. Nesse
contexto, a avaliação assume posição mediadora e diagnóstica
tão bem defendida por Hoffmann (1993) e Luckesi (1995),
postulado com a qual nos identificamos. Contrariamente,
conforme Espirito Santo (1996, p.76),
o sistema de provas desconsidera o corpo emocional do aluno que é
submetido à violência de um ato de julgamento tantas vezes único. A
carga trazida pela ansiedade oriunda da expectativa do próprio aluno
acrescida das expectativas familiares, tantas vezes marcadas pelo aluno
de castigos ou punições, ainda que velado, transforma uma simples
prova em verdadeiro suplício.
Um processo avaliativo desvirtuado: tensão e
punição
O estado emocional, a tensão e a punição nos quais o
aluno se envolve, mediante situações de um processo avaliativo
desvirtuado, parece não ser preocupação da escola e do
professor, talvez por desconhecerem as conseqüências que
podem acarretar para a vida futura do estudante.
Para melhor compreensão do contexto, queremos
considerar brevemente estes aspectos. Em Golemam (1995,
p.305) encontramos a definição de emoção "como qualquer
agitação ou perturbação da mente, sentimento, paixão; qualquer
estado mental veemente ou excitado". Acrescenta, ainda, que
são estados psicológicos e biológicos que sem dúvida são
afetados diante de um estado emocional abalado. Diz que há
centenas de emoções com suas combinações, variações,
mutações e matizes. Destaca as famílias básicas de emoções
com seu amplo espectro de variações. A ira, a tristeza, o medo
(ansiedade, tensão, apreensão, nervosismo, preocupação,
inquietação, etc.), o prazer, o amor, a surpresa, o nojo, a
vergonha, etc. são exemplos dos intermináveis matizes de nossa
vida emocional. Como nos diz Bolsanello (1986, p. 706), "a
emoção cobre todas as sensações e sentimentos que o ser
humano é capaz de experimentar".
São situações emocionais agradáveis e desagradáveis, bom
que o ser humano convive no seu cotidiano. O aluno também
vive seu dia-a-dia cheio de alegrias e prazer (ele gosta da
escola), mas normalmente são emoções desagradáveis as que
ele enfrenta em situações de pretensas avaliações - provas - e
que desde cedo já começa a experimentar, um estado emocional
provocado por situações de avaliações, que bem poderiam ser
evitadas ou amenizadas.
A ansiedade, por exemplo, é bem caracterizada no
cotidiano escolar nos períodos destinados à avaliação. Ela
arruína o intelecto fazendo com que a pessoa fracasse. Allen
(1969) diz que os fatores emocionais interferem na leitura e na
interpretação das perguntas e que, para passar em um exame,
deve-se estar bem física e mentalmente. E Goleman (1995,
p.96-97) acrescenta que "a ansiedade também sabota todos os
tipos de desempenho acadêmico (...) a apreensão pré-prova
interfere com a clareza do pensamento e a memória necessárias
para estudar eficazmente e durante a prova perturba a clareza
mental essencial para sair-se bem".
Bolsanello (1986, p.810) nos diz que "a ansiedade e a
tensão que é resultado do estado mental do indivíduo tem
várias formas de se manifestar e as causas ou agentes de
tensão tanto pode ser fisiológica quanto psicológica".
A tensão, tal qual se manifesta no cotidiano escolar do
aluno, é normalmente passageira ou temporária e, através de
manifestações várias, produz incapacidade de concentração, que
muito afeta o aluno na hora de uma prova. O mesmo autor
(1986, p.811) nos diz que "a tensão pode afetar seriamente as
crianças principalmente quando obrigadas a atingir metas a que
elas próprias não se propuseram, mas sim seus pais ambiciosos
e dominadores. Esse tipo de tensão pode acarretar graves
problemas".
A tensão também pode ser causada pelo excesso de
trabalho ou estudo, no caso do aluno que normalmente se excede
nos estudos na véspera de uma prova.
Eliminar totalmente a tensão não é possível, porque ela
faz parte do cotidiano, mas é possível reduzir os seus efeitos
maléficos, como seria no caso de evitar que o aluno se
excedesse nos estudos, mas adquirisse hábito de estudo
constante em pequenas doses, favorecidos por um sistema de
avaliação contínua.
É interessante observar que a tensão é contagiosa, pois,
segundo Bolsanello (1986, p.812), "a pessoa pode transmitir seu
estado para outras pessoas. Ao revelar sua própria insegurança
ou medo, consciente ou inconsciente, um indivíduo pode até fazer
outras pessoas entrarem em pânico devido ao seu grau de
tensão".
É uma situação bem sentida na escola, que vivência uma
proposta pedagógica, onde a avaliação está voltada para
provas e exames (famosas semanas de provas), quando
alguns alunos propensos à tensão emocional contaminam o
ambiente escolar com seu comportamento alterado. Notamos
a efervescência e a alteração da rotina escolar. O aluno sob
um estado de tensão, mediante seu comportamento, pode
contagiar os outros através de sua concepção desvirtuada de
prova, histórias fantasiosas de professores, podendo levar uma
classe inteira a pânico generalizado. Até a família é afetada
quando um dos seus membros está sob tensão.
Todos os aspectos acima descritos que envolvem os
alunos diante das avaliações são resultantes do fator
emocional causado pelo medo, medo de provas, medo das
notas, medo do fracasso, medo da reprovação. Luckesi (1995,
p.94) nos diz que "sob a forma de verificação tem se utilizado o
processo de aferição da aprendizagem de uma forma negativa,
à medida que tem servido para desenvolver o ciclo do medo
nas crianças e jovens, pela constante 'ameaça' de reprovação".
O medo é uma reação emocional que envolve sentimento de
desprazer, diante de uma situação específica, acompanhada
de modificações orgânicas. Segundo o autor (1995, p.24), o
medo "produz não só uma personalidade submissa como
também hábitos de comportamento físico tenso que conduzem
às doenças respiratórias, gástricas, sexuais, etc. em função
dos diversos tipos de estresses permanentes".
De acordo com Goleman (1995), numa pessoa sob tensão
emocional (ansiedade, medo), o sistema imunológico se torna
mais vulnerável e o organismo fica mais indefeso, podendo o
campo ficar mais aberto às doenças tais como: doenças
infecciosas (resfriados, gripes, herpes), gastrintestinal (colite) e
doenças inflamatórias do intestino. Ele diz que, sob tensão
emocional, as defesas do organismo, na maioria das vezes,
falham. O próprio cérebro está sujeito aos efeitos da tensão, o
que inclui danos ao hipocampo2 e, portanto à memória, além do
desgaste do sistema nervoso.
Pressões dentro e fora da escola
Existem outras causas de ordem externa, que podem estar
na escola ou fora dela, que afetam o aluno, resultando no
fracasso escolar com conseqüências danosas para a vida do
aluno, refletindo mais tarde na sua vida profissional. Dentre
outras, destacamos:
• provas difíceis - segundo Luckesi (1991, p.83),"os
professores utilizam-se das provas como instrumento de
ameaça e tortura prévia dos alunos". Sendo este assunto
uma das categorias básicas desse texto, deixamos
maiores considerações para o capítulo quatro;
2
Saliência em forma de chifre, situada no pavimento do ventrículo lateral do
cérebro, por onde passam células nervosas.
• ameaças - o mesmo autor diz que a ameaça é um
castigo antecipado (às vezes pior que o físico), tantas
vezes
utilizado
pelo
professor
consciente
ou
inconscientemente, através de pequenas frases e até de
linguagem não-verbal. Segundo San’Anna (1995, p.43)
a avaliação, quer seja feita através de testes ou provas ou por ambos,
deve realizar-se numa atmosfera que permita o crescimento do aluno, e
não a criação de bloqueios. A própria limitação será melhor constatada
quando a estrutura e organização da aprendizagem for feita num ambiente
completamente livre de ameaça.
• rigidez excessiva - normalmente por parte do
professor, que pode ser um obstáculo, quando o aluno,
em pânico, esquece um dado importante, "dá um branco" e
acaba se perdendo no contexto da avaliação.
• punição e pressão - que podem assumir as mais variadas
formas na escola e na família. Em seu livro: "Exames, um
livro para pais", Allen relata várias experiências de tragédias
resultantes da forte pressão paterna. Confirmando esta
situação, Machado (1995, p.32) diz que, ao longo da
história, pelo uso que se fez dessa prática, a avaliação "foi
geradora de estigmas, de traumas, com conseqüências
às vezes irreversíveis".
• discriminação - é um aspecto social que também afeta o
aspecto emocional do aluno e que pode conduzir ao
insucesso. Muitas vezes, a escola ou o professor se vale do
mecanismo dentro da prática da avaliação que acentua a
seleção e a manutenção da hierarquia social. É o que comenta Sousa (1993; p. 104): "desigualdades sociais
convertem-se em fracasso escolar". Da mesma forma, para
Machado (1995, p.32), "o baixo rendimento escolar que
serviu de base para reprovar o aluno não é superado com a
repetição de série, e rotula o aluno, que experimenta
um desequilíbrio emocional acompanhado de inibições e
desânimo, estancando sua iniciativa, sua criatividade, seu
interesse e seu entusiasmo".
• falta de preparo do aluno - não se pode negar que há um
certo descompromisso do aluno com relação aos estudos e
ao processo de avaliação. O seu compromisso é com a
conquista de determinados conceitos - a nota, e não dos
conhecimentos. Isso se constitui um forte requisito para o
seu fracasso. E por que o aluno não estuda? Onde está o
problema? Com certeza as respostas seriam múltiplas e
dariam lugar para longas reflexões o que não se pretende
fazer neste trabalho. Mesmo assim, Rogers (1985, p.45)
nos adverte que "criança alguma jamais deveria experimentar
o senso do fracasso que é imposto por um sistema de notas,
pela crítica e pelo ridículo da parte dos professores e outras
pessoas, pela rejeição que se dá quando ela se mostra
lenta para aprender".
Sem dúvida, existem outras causas para o fracasso escolar,
além das que se originam dentre as que foram mencionadas, mas
não queremos mais ampliar estas considerações. Citamos apenas
ainda para enriquecer o acima exposto o que nos diz Allen (1969,
p. 193): "tanto no adulto como na criança, o fracasso no exame é
um choque terrível. Em primeiro lugar repercute-se na estima de si
próprio e adquire-se em conseqüência um sentimento de
incapacidade".
O outro aspecto que ainda queremos salientar a respeito
do medo, muito bem caracterizado no cotidiano escolar do
aluno, é o que nos diz Bolsanello (1986, p.680): "o medo age,
também como instrumento de persuasão (sic!) que vai desde o
respeito pela professora primária até um roubo, assassinato,
terrorismo". É não raro observarmos alunos que respeitam,
obedecem, são disciplinados, estudam, cumprem os deveres, por
medo. Até aí não se discute, é até considerada como atitude
louvável do aluno, no entanto, o medo nesse sentido pode ir
além do desejável, como por exemplo a fraude (cola), tão
generalizada na escola e que o aluno dela faz uso quase
naturalmente como arma para defender-se, ou mesmo por
decisão própria. Assumindo proporções mais sérias, cita-se a
agressividade que está se avolumando cada vez mais na escola.
Bolsanello (1986, p.679) assim se expressa, para caracterizar a
relação entre o medo e a agressividade: "o medo é filho da
agressividade e a agressividade é filha do medo", e o aluno não
pode se furtar às implicações que estão impregnadas no
cotidiano escolar através de procedimentos de avaliações e
então ele age e reage frente a estas, conforme sua
individualidade e as características que lhe são próprias.
Conforme foi apresentado até aqui, a avaliação é um
processo difícil para todos que interagem no cotidiano escolar,
mas em especial para o aluno que sofre diretamente as ações das
situações de conflitos emocionais, com estigmas que podem lhe
acompanhar pelo resto da vida. Para confirmar esta posição,
Goleman em seu livro "Inteligência emocional" relata experiências
de pessoas adultas com sérios problemas de ansiedade, que
dizem ter sua origem na escola.
É tempo para significativas tomadas de decisões, quanto a
encarar a avaliação de forma contextualizada, onde o aluno se sinta
satisfeito pelo conhecimento adquirido e demonstre prazer, prazer
de saber, pois, conforme Bloom (1983, p. 63), "quando o aluno
dominou um assunto e recebe indicações subjetivas e objetivas de
que o fez, ocorrem profundas modificações em sua maneira de
encarar a si próprio e ao mundo".
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O contexto da prática avaliativa no cotidiano