Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Suplementação de Creatina na Composição Corporal de Pacientes com Insuficiência Cardíaca Creatine Supplement Effects on Body Composition among Patients with Heart Failure Artigo Original 7 Ana Paula Perillo Ferreira Carvalho1, Inaiana Marques Filizola Vaz1, Krislainy de Sousa Corrêa2, Maria Luiza Ferreira Stringhini3, Salvador Rassi2 Resumo Abstract Fundamentos: A perda de massa muscular, independente da massa corpórea total, é comorbidade frequente entre os pacientes com insuficiência cardíaca, que pode resultar em piora dos sintomas clínicos, reduzida capacidade funcional e consequente progressão da doença. Objetivo: Avaliar a composição corporal dos pacientes com IC suplementados com creatina. Métodos: Estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego, com 33 pacientes, sexo masculino, idade >18 anos, IC classes funcionais II a IV segundo classificação da New York Heart Association, atendidos em hospital de referência da região centro-oeste do Brasil. Os pacientes foram estratificados, aleatoriamente, em grupo experimental (CRE, n=17), suplementado com creatina mono-hidratada e grupo-placebo (PLA, n=16), que recebeu maltodextrina. A ingestão do suplemento ou do placebo correspondia a 5 g diárias durante seis meses. Os pacientes foram submetidos à avaliação antropométrica e de consumo alimentar antes e após a suplementação. O modelo estatístico Ancova foi utilizado na análise dos grupos e nas formas de tratamento. Resultados: A massa corporal total, massa corporal magra e percentual de gordura não apresentaram diferença significativa entre os grupos. Quanto ao valor calórico energético total e macronutrientes da dieta, apenas as quantidades médias de lipídeos no grupo CRE apresentaram-se estatisticamente inferiores (p=0,0268). Conclusão: A suplementação alimentar de creatina não alterou a composição corporal de pacientes com IC. Background: Regardless of total body mass, muscle mass loss is a frequent co-morbidity among patients with heart failure, which may worsen clinical symptoms, with reduced functional capacity and consequent progression of the disease. Objective: To evaluate the body composition of patients with HF supplemented with creatine. Methods: Prospective, randomized, double-blind study with 33 patients, male, age over 18 years, HF functional class II to IV as classified by the New York Heart Association, seen at a reference hospital in the Center-West Brazil. The patients were randomly divided into an experimental group (CRE, n=17), supplemented with creatine monohydrate and a placebo group (PLA, n=16), which received maltodextrin, taking 5 g of the supplement or placebo daily for six months. The patients underwent anthropometric and food consumption evaluations before and after taking the supplement. The Ancova statistical model was used to analyze the groups and forms of treatment. Results: Total body mass, lean body mass and body fat percentage showed no significant differences between the groups. With regard to calorie value, total energy and macronutrients in the diet, only the average amounts of lipids in the CRE group were statistically lower (p=0.0268). Conclusion: Adding a creatine supplement to their diet did not alter the body composition of patients with HF. Palavras-chave: Creatina; Insuficiência cardíaca; Composição corporal; Suplementação alimentar Keywords: Creatine; Heart failure; Body composition; Dietary supplement Hospital das Clínicas - Universidade Federal de Goiás - Goiânia, GO - Brasil Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Goiás - Goiânia, GO - Brasil 3 Faculdade de Nutrição - Universidade Federal de Goiás - Goiânia, GO - Brasil Correspondência: Ana Paula Perillo Ferreira Carvalho E-mail: [email protected] Alameda D11 LT19 QD 22 - Jardins Mônaco – 74934-694 - Vera Cruz Aparecida de Goiânia, GO - Brasil Recebido em: 14/05/2013 | Aceito em: 16/08/2013 1 2 281 Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome na qual ocorre alteração do débito cardíaco e comprometimento da circulação sistêmica, apresentando como manifestações mais frequentes a dispneia, edema e fadiga1. A perda de massa muscular, independente da massa corpórea total, é uma comorbidade frequente entre os pacientes com insuficiência cardíaca2, o que pode resultar em piora dos sintomas clínicos, levando à redução da capacidade funcional e à progressão da d o e n ç a 3. A n o r m a l i d a d e s d o m e t a b o l i s m o intramuscular, como a redução da fosfocreatina, também são observadas na IC 4 , assim como a diminuição de creatina muscular5 e da adenosina trifosfato (ATP) no fluxo cardíaco6. Baseado nos resultados referentes ao ganho de massa magra e melhora da performance de atletas, o efeito da suplementação de creatina, importante fonte química para contração muscular por facilitar a transferência de energia dentro das células, tem sido avaliado em portadores de insuficiência cardíaca7. Considerando-se que a IC é caracterizada por hipercatabolismo e que a inadequação da ingestão calórica dos pacientes propicia a deterioração progressiva das concentrações de glicogênio e aminoácidos intracelulares8, a suplementação com creatina poderia auxiliar no tratamento desses indivíduos9. A escassez de evidências científicas quanto aos efeitos decorrentes da administração oral de creatina na IC estimulou a realização desta pesquisa, com o objetivo de avaliar a influência deste suplemento na composição corporal em pacientes com insuficiência cardíaca. Métodos Estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego, desenvolvido no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, no período de abril 2009 a janeiro 2010. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da UFG, sob o nº 095/2008. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram incluídos no estudo pacientes com IC classes funcionais II a IV, segundo a classificação da New York Heart Association (NYHA), do sexo masculino e idade >18 anos. Os critérios de exclusão definidos foram: instabilidade clínica (como arritmia atrial ou ventricular não controlada, infarto do miocárdio) nos três meses prévios ao início da pesquisa, cardiopatia com necessidade de correção cirúrgica, alcoolismo, 282 Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original concentração de creatinina >2,5 mg/dL, índice de massa corporal >40 kg/m², insuficiência renal, limitação ortopédica que pudesse dificultar a execução dos testes e dificuldade de aderência ao protocolo. Do total de 41 pacientes que atenderam aos critérios de inclusão, 8 não completaram o estudo: 4 foram a óbito, 1 demonstrou consumo inadequado do suplemento, 2 foram submetidos à cirurgia e 1 apresentou quadro infeccioso, resultando na amostra final de 33 pacientes. Os pacientes selecionados foram randomizados em grupo experimental (CRE, n=17), suplementado com creatina mono-hidratada; e grupo-placebo (PLA, n=16), que recebeu maltodextrina. Esses produtos foram apresentados sob a forma de pó branco, sem sabor, porcionados em sachês de 5 g. Para ambos os grupos a instrução sobre a ingestão do suplemento ou do placebo foi 5 g diárias, dissolvidos em 200 mL de suco de fruta, durante o período de seis meses. O monitoramento do consumo dos produtos era realizado mensalmente por contato telefônico e acompanhamento ambulatorial para entrega dos mesmos. Os pacientes foram submetidos à avaliação antropométrica e de consumo alimentar antes de iniciarem a suplementação e após seis meses. A avaliação antropométrica foi realizada por pesquisador único, previamente treinado e incluiu: massa corporal total (MCT), estatura, circunferências do braço (CB) e muscular do braço (CMB), dobras cutâneas tricipital (DCT), subescapular (DSE), suprailíaca (DSI) e bicipital (DCB). A MCT e a estatura foram obtidas em balança plataforma marca Welmy (Welmy, Santa Bárbara D’Oeste, São Paulo, Brasil), com régua antropométrica, capacidade de 150 kg e precisão de 100 g. A partir dessas medidas calculou-se o índice de massa corpórea (IMC), seguindo os pontos de corte propostos pela Organização Mundial da Saúde10 e Lipschitz11. A CB foi medida com fita métrica inextensível, com escala de 0–150 cm e resolução de 0,1 cm. Para a realização das medidas de dobras cutâneas foi utilizado o adipômetro Lange Skinfold Caliper (Beta Technology, Santa Cruz, Califórnia, USA), seguindo a técnica descrita por Harrison et al. 12 A CMB foi calculada a partir da CB e dobra cutânea do tríceps e comparada aos padrões de referência de Frisancho13. O percentual de gordura corporal (%G) foi estimado pelo somatório das quatro dobras cutâneas (DCT, DCB, DCSI, DCSE), utilizando-se as equações da densidade corporal de Durnin e Womersley14 e do percentual de gordura corporal de Siri15. A quantidade de gordura corporal em kg foi calculada Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original multiplicando-se o peso atual pela porcentagem de gordura corporal. A massa corporal magra (MCM) foi deduzida, diminuindo-se da massa corporal total (MCT) a gordura corporal. O consumo dietético foi avaliado utilizando-se o registro alimentar de três dias não consecutivos (RA) e um recordatório de 24 horas. Esses inquéritos permitiram estimar os alimentos e as respectivas porções consumidas pelos participantes para a determinação do consumo energético diário e dos macronutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios). Medidas caseiras tais como colher de sopa, concha, copo e xícara foram usados para facilitar o cálculo dos inquéritos. Posteriormente, as medidas caseiras foram convertidas em gramas16 e os dados processados no programa Nutwin (UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil), para cálculo de energia e macronutrientes. Realizou-se análise descritiva, na qual foram utilizadas medidas de frequência para os dados qualitativos e medidas de posição e de variabilidade para os dados quantitativos. Para se comparar as médias das diversas medidas entre os dois grupos (PLA e CRE) utilizou-se o teste t de Student para aquelas variáveis que apresentavam distribuição gaussiana; nos casos em que não se observou a normalidade, em ambos os grupos, foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. O teste do qui-quadrado foi aplicado para se avaliar a associação entre o grupo e a classe funcional (NYHA) no momento pré-tratamento. Um modelo linear de análise de covariância (Ancova), em que as medidas no pré-teste e idade foram incluídas como covariáveis, foi usado para avaliar se existia diferença significativa nas medidas de pós-teste entre os dois grupos (CRE e PLA). Esse procedimento permitiu a construção dos intervalos de confiança de 95,0 % (IC95 %). Para efeito de análise utilizou-se um nível de significância de 5,0 %. Os dados foram analisados no Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 para windows (SPSS, Inc. Chicago, IL, USA) e Statistical Analysis System (SAS) versão 9.2 (SAS, Institute, Inc. Cary, North Carolina, USA). Resultados As características dos participantes como idade, massa corporal total (MCT), estatura, índice de massa corporal (IMC), expressos em valores médios e desvio-padrão, por grupo de tratamento, estão apresentadas na Tabela 1. Dados sociais, clínicos e de estilo de vida dos pacientes avaliados podem ser consultados na Tabela 2. Destaca-se que a principal etiologia da IC foi a doença de Chagas (55,0 %). Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Tabela 1 Características da amostra estudada por grupo de tratamento Variáveis Grupo Grupo-placebo creatina (média±DP) (média±DP) Idade* (anos) MCT* (kg) p 51,7±10,5 59,9±10,0 0,0439 66,0±5,6 68,5±10,3 0,3641 Estatura* (cm) 168,0±7,0 169,0±6,0 0,7149 IMC† (kg/m2) 23,6±2,8 24,3±3,5 0,4824 15 (88,0 %) 15 (94,0 %) 0,6572 2 (12,0 %) 1 (6,0 %) 0,6572 Classe funcional II e III ‡ (NYHA) Classe funcional IV ‡ (NYHA) MCT=massa corporal total; IMC=índice de massa corporal; NYHA=New York Heart Association; DP=desvio-padrão * teste t de Student; † teste não paramétrico de Mann-Whitney; ‡ teste do qui-quadrado; p<0,05 Tabela 2 Características sociais, clínicas e estilo de vida da amostra estudada Características Total n % Etiologia Doença de Chagas 18 55,0 Hipertensiva 9 27,0 Isquêmica 5 15,0 Alcóolica 1 3,0 6 18,0 1ª fase do ensino fundamental 18 55,0 2ª fase do ensino fundamental 4 12,0 Ensino médio 5 15,0 Sim 9 27,0 Não 24 73,0 Escolaridade Analfabeto Hipertensão Profissão Aposentado 18 55,0 Motorista Pedreiro 4 3 12,0 9,0 Outras 8 24,0 2 31 6,0 94,0 6 27 18,0 82,0 Uso de cigarro Sim Não Uso de álcool Sim Não Exercício físico Sim 0 0,0 Não 33 100,0 283 Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original Do total de 33 pacientes, 17 eram do grupo CRE e 16 eram do grupo PLA. As Tabelas 3 e 4 apresentam a comparação das medidas de composição corporal e consumo alimentar sucessivamente entre os dois grupos, no período antes da suplementação. Observa-se que houve diferença significativa entre os grupos em relação às medidas de composição corporal apenas para o % de gordura (p=0,0437). As medidas de consumo alimentar se mostraram semelhantes antes da suplementação, não apresentando diferença significativa entre os grupos (Tabela 4). A suplementação da creatina foi avaliada por meio dos exames laboratoriais de creatinina e ureia antes e após a suplementação e apresentou-se segura. A média ajustada final de ureia foi 38,78 mg/dL com IC95 % (34,32 - 43,24) no grupo CRE e 36,67 mg/dL (32,07 - 41,27) no grupo PLA, não havendo diferença significativa entre os grupos (p>0,05). A média ajustada final de creatinina foi 1,31 mg/dL (1,21 - 1,42) no grupo CRE e 1,20 mg/dL (1,09 - 1,31) no grupo PLA, não havendo diferença significativa entre os grupos (p=0,1499). A Tabela 5 apresenta a comparação das medidas de composição corporal entre os dois grupos, após o período de suplementação. Observa-se que não houve diferença significativa entre os grupos para todas as medidas de composição corporal: CMB (p=0,0967), MCT (p=0,5188), IMC (p=0,4270), % gordura (p=0,5519) e MCM (p=0,9388). No grupo CRE encontraram-se medidas de CMB, pós-suplementação, 6,80 mm maiores do que nos pacientes do grupo PLA, porém sem significado estatístico. Tabela 3 Composição corporal entre os grupos creatina e placebo antes da suplementação Variáveis Grupos CRE Média no basal – (IC95 %) p 249,20 (238,97 - 259,43) CMB (mm) PLA 250,23 (235,25 - 265,22) CRE 66,02 (63,15 - 68,88) MCT (kg) PLA 68,51 (63,00 - 74,01) CRE 23,62 (22,17 - 25,08) IMC (kg/m2) PLA 24,12 (23,31 - 25,94) CRE 23,84 (21,65 - 26,02) Gordura (%) PLA 27,60 (24,43 - 30,77) CRE 50,22 (47,98 - 52,46) MCM (kg) PLA Diferença entre médias (IC95 %) -1,03 (-18,24 - 16,18) 0,9034 -2,49 (-8,52 - 3,55) 0,4022 -0,50 (-2,72 - 1,72) 0,6502 -3,76 (-7,41 - -0,11) 0,0437 1,11 (-2,06 - 4,28) 0,4805 49,11 (46,67 - 51,54) p-valor calculado a partir do teste t de Student; Nível de significância de 5 ,0 %; CRE=grupo creatina; PLA=grupo-placebo; CMB=circunferência muscular do braço; MCT=massa corporal total; IMC=índice de massa corporal; MCM=massa corporal magra 284 Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Tabela 4 Consumo alimentar entre os grupos creatina e placebo antes da suplementação Variável Grupos CRE Média no basal (IC95 %) p 1872,60 (1681,16 - 2064,04) VCT (kcal) PLA 1975,19 (1668,21 - 2282,18) CRE 218,01 (183,02 - 253,01) CHO (g) PLA 232,41 (189,47 - 275,34) CRE 80,35 (70,47 - 90,22) LIP (g) PLA 80,82 (70,16 - 91,48) CRE 83,52 (71,29 - 95,76) PTN (g) PLA Diferença entre médias (IC95 %) -102,59 (-444,90 - 239,70) 0,5454 -14,39 (-67,23 - 38,44) 0,5825 -0,47 (-14,40 - 13,44) 0,9449 -3,73 (-25,92 - 18,46) 0,7341 87,25 (67,23 - 107,28) p-valor calculado a partir do teste t de Student; Nível de significância de 5,0 %; CRE=grupo creatina; PLA=grupo-placebo; VCT=valor calórico total; CHO=carboidrato; LIP=lipídio; PTN=proteína Observa-se na Tabela 6 que os pacientes do grupo CRE apresentaram valores médios de consumo lipídico estatisticamente inferiores aos dos pacientes do grupo PLA (p=0,0268). As demais medidas de consumo alimentar (valor calórico total p=0,8866, carboidrato p=0,5143 e proteína p=0,3606), após a suplementação, não apresentaram diferença significativa entre os grupos. Discussão A análise dos parâmetros antropométricos dos pacientes antes da suplementação indica que, em média, estes não apresentavam déficit de MCT, alteração de IMC (a maioria se apresentava eutrófica) ou de gordura corporal, mas apenas um maior comprometimento de massa magra evidenciado pela CMB que indicou cerca de 1/3 de pacientes com desnutrição. Essa situação é comumente observada em pacientes com IC17. Entre os fatores que podem favorecer a perda de massa magra nesse grupo de pacientes estão: a própria inatividade física, o estado hipermetabólico da IC, interação de drogas nutrientes que podem levar a sintomas como anorexia, diarreia e diminuição da ingestão alimentar18, além dos edemas de alças intestinais que, quando presentes, são responsáveis por má absorção de nutrientes19. Outra característica importante no processo de perda de massa magra é o próprio envelhecimento20. A cada década há um declínio da massa magra, que se inicia aos 45-50 anos, mesmo em indivíduos saudáveis, fisicamente ativos, quando ocorrem perdas da massa muscular de aproximadamente 1 % a 2 % ao ano20. Na amostra avaliada, 88 % dos pacientes tinham mais que 45 anos. Embora alguns estudos com indivíduos saudáveis suplementados com creatina apontem ganho de massa corporal total, massa magra, aumento de força 285 Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original Tabela 5 Composição corporal entre os grupos creatina e placebo após suplementação Variáveis Grupos CRE Média final ajustada (IC95 %) Diferença entre médias (IC95 %) 256,48 (251,05 - 261,91) CMB (mm) PLA 249,68 (244,07 - 255,29) CRE 68,65 (67,05 - 70,25) MCT (kg) PLA 67,88 (66,22 - 69,54) CRE 24,41 (23,85 - 24,96) IMC (kg/m2) PLA 24,08 (23,50 - 24,65) CRE 27,25 (26,05 - 28,46) Gordura (%) PLA 26,71 (25,47 - 27,96) CRE 49,50 (48,63 - 50,37) MCM (kg) PLA p 6,80 (-1,30 - 14,90) 0,0967 0,77 (-1,64 - 3,18) 0,5188 0,33 (-0,50 - 1,16) 0,4270 0,54 (-1,29 - 2,36) 0,5519 0,05 (-1,25 - 1,34) 0,9388 49,45 (48,55 - 50,35) Modelo estatístico utilizado: Ancova; Nível de significância de 5,0 %; CRE=grupo creatina; PLA=grupo-placebo; CMB=circunferência muscular do braço; MCT=massa corporal total; IMC=índice de massa corporal; MCM=massa corporal magra muscular e da capacidade aeróbia21-23, o ganho de massa magra não foi observado entre os pacientes do grupo CRE e a massa corporal total demonstrou pequeno aumento neste grupo, porém sem significância estatística. Estes resultados poderiam ser justificados por não ter ocorrido aumento do consumo calórico. Desde 1992, quando se demonstrou a melhora do conteúdo muscular de creatina fosfato (CP) com a suplementação de creatina24, ela tem sido largamente usada para melhorar a capacidade de exercício em indivíduos saudáveis e atletas 9. Sugere-se que o 286 processo de hipertrofia com a suplementação de creatina se inicie com uma retenção hídrica decorrente do alto poder osmótico da creatina e, consecutivamente, esse fato estaria acompanhado de um ganho de massa magra efetivo, por meio do aumento da taxa de síntese de proteínas contráteis e/ou diminuição da degradação proteica25. Entretanto, neste estudo, os pacientes não praticaram atividade física e este pode ter sido um fator limitante para o ganho de massa magra. A creatina, por si só, pode estimular a síntese de proteína miofibrilar, o que Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Tabela 6 Consumo alimentar entre grupos creatina e placebo após suplementação Variáveis Grupos Média final ajustada (IC95 %) CRE 1984,99 (1794,46 - 2175,53) VCT (kcal) PLA 1964,82 (1767,86 - 2161,79) CRE 237,07 (197,76 - 276,38) CHO (g) PLA 217,85 (177,20 - 258,51) CRE 78,36 (70,80 - 85,93) LIP (g) PLA 91,17 (83,36 - 98,98) CRE 87,22 (75,23 - 99,21) PTN (g) PLA Diferença entre médias (IC95 %) p 20,17 (-266,52 - 306,86) 0,8866 19,22 (-40,31 - 778,74) 0,5143 -12,81 (-24,04 - -1,58) 0,0268 -8,16 (-26,13 - 9,81) 0,3606 95,38 (82,99 - 107,77) Modelo estatístico utilizado: Ancova; Nível de significância de 5,0 %; CRE=grupo creatina; PLA=grupo-placebo; VCT=valor calórico total; CHO=carboidrato; LIP=lipídio; PTN=proteína foi observado por Ingwall26 em culturas isoladas de músculos cardíaco e esquelético. Outros autores27,28 também demonstraram que o aumento da massa magra não era explicado somente pela retenção de água, como se acreditava anteriormente. Há fortes evidências de que a suplementação de creatina promova a hipertrofia muscular, induzindo a síntese proteica 29,30, porém esses resultados não foram demonstrados no presente trabalho. Poucos são os estudos com suplementação de creatina em pacientes portadores de IC. Gordon et al. 31 observaram em 17 pacientes com IC suplementados com 20 g/d de creatina, durante 10 dias, um aumento de força muscular. Andrews et al.32 suplementaram 20 pacientes em IC com a mesma quantidade de creatina, durante cinco dias e observaram o mesmo resultado. Mais recentemente, Kuethe et al. 33 suplementaram 20 pacientes com IC, com 20 g/d de creatina, durante seis dias e verificaram aumento de força e massa corporal total. No presente estudo, com amostragem de 33 pacientes, suplementados por um tempo maior (seis meses) e menor dose de creatina (5 g/d) que a utilizada em estudos anteriores, não foi observado aumento de massa magra. Em meta-análise34 avaliando a suplementação de creatina em indivíduos saudáveis, não foram identificados efeitos adversos. Em estudo experimental conduzido por Carvalho et al.35, sobre a segurança do uso da creatina em indivíduos saudáveis, utilizando doses entre 2-5 g durante oito semanas, concluiu-se que não houve efeitos nefrotóxicos. Em pacientes com IC suplementados com creatina não foram observados estudos que apontassem comprometimento em sua função renal. À semelhança dos resultados apontados 287 Rev Bras Cardiol. 2013;26(4):281-90 julho/agosto Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original na literatura, a dose de 5 g de creatina num período de seis meses, utilizada nos pacientes do presente estudo, também não demonstrou efeitos na função renal, uma vez que não foi observada diferença significativa nos níveis séricos de ureia e creatinina, antes e após a suplementação. através do exercício físico regular, apresentam-se como um dos grandes benefícios para auxiliar na promoção de ganho de massa magra40. Portanto, considera-se que a associação da suplementação de creatina com a RC otimizaria os resultados encontrados neste estudo. Das análises referentes ao consumo alimentar desses pacientes, não foram observadas mudanças na ingestão dos grupos após a suplementação, com exceção do teor de lipídio da dieta, que aumentou no grupo-controle. O maior consumo de lipídios, além de ter ocorrido no grupo-controle, poderia ter influenciado no ganho de massa corporal total, o que não ocorreu no presente estudo. Outras pesquisas com indivíduos saudáveis observaram que os participantes mantiveram o valor energético total durante todo o período de suplementação com creatina21,23,36. Outra limitação apontada neste trabalho é o longo intervalo entre as medidas de avaliação da composição corporal. Não está bem claro se a suplementação de creatina produziu algum efeito na composição corporal dos indivíduos avaliados a curto e médio prazo dentro dos seis meses de acompanhamento. Assim sugere-se uma modificação no delineamento deste estudo, com a realização de medidas de avaliação da composição corporal inicial aos 60-120-180 dias. As estimativas do valor energético total (VET) e macronutrientes foram propostas para controlar possíveis vieses nutricionais e observar a existência de alterações do padrão alimentar entre os grupos que pudessem interferir nas conclusões sobre a suplementação. No entanto, não foi observada alteração significativa do padrão alimentar nos grupos que interferisse na MCT e /ou no ganho de massa magra. Conclusão Segundo os experimentos de Green et al.37 a ingestão de carboidratos aumenta a concentração plasmática e muscular de creatina. Pesquisas utilizando de 6 g até 95 g de carboidrato verificaram efeitos significativamente positivos quanto à associação deste com a creatina37-39. Cribb et al.39, ao compararem três grupos com gramaturas diferenciadas de carboidratos (6 g, 59 g e 53 g) verificaram diferença significativa na hipertrofia e ganho de força para o grupo suplementado com creatina com 53 g de carboidrato. No presente estudo optou-se por utilizar 30 g de carboidrato associada à creatina, uma vez que este suplemento era oferecido em dose única diária e uma quantidade superior de carboidrato poderia não ser tolerada pelo paciente, do ponto de vista de efeitos gastrointestinais e de palatabilidade. Doses maiores de carboidrato interfeririam na oferta calórica diária o que poderia levar ao aumento da MCT, à custa de aumento de gordura corporal, sem necessariamente promover ganho de massa magra e se tornar um viés do estudo. A ausência do exercício físico é uma limitação inerente a este estudo. Acredita-se que a associação do exercício físico poderia ter produzido melhores efeitos no incremento de massa magra ou potencializar os efeitos da creatina. Os programas de reabilitação cardíaca (RC), 288 A suplementação alimentar de creatina não alterou a composição corporal de pacientes com IC. Os resultados obtidos nesta pesquisa chamam a atenção do profissional que atua na área de nutrição clínica sobre a necessidade de mais investigações sobre a suplementação alimentar, bem como o processo de educação nutricional que envolva a prescrição dietoterápica do paciente com IC. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Universitária Este artigo representa parte de Tese de Doutorado de Ana Paula Perillo Ferreira Carvalho pela Universidade Federal de Goiás. Referências 1. 2. 3. Bocchi EA, Braga FG, Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira WA, Almeida DR, et al; Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretriz Brasileira de insuficiência cardíaca crônica. Arq Bras Cardiol. 2009;93(1 supl. 1):3-70. Fülster S, Tacke M, Sandek A, Ebner N, Tschöpe C, Doehner W, et al. Muscle wasting in patients with chronic heart failure: results from the studies investigating co-morbidities aggravating heart failure (SICA-HF). Eur Heart J. 2013;34(7):512-9. Kitzman DW, Groban L. Exercice intolerance. Heart Fail Clin. 2008;4(1):99-115. Perillo et al. Creatina na Insuficiência Cardíaca Artigo Original 4. Massie BM, Conway M, Rajagopalan B, Yonge R, Frostick S, Ledingham J, et al. 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