CURSO DE DIREITO “RESPONSABILIDADE CIVIL DAS OPERADORAS DE PLANOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE” JULIANA MANGINI MIGLIANO RA: 470562-6 TURMA: 3109 A02 FONE: 36673219 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2007 13 JULIANA MANGINI MIGLIANO Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Daniel Fink SÃO PAULO 2007 14 BANCA EXAMINADORA: Professor Orientador:____________________________ Professor Argüidor:_____________________________ Professor Argüidor:_____________________________ 15 À minha querida mãe, compreensiva e companheira, a maior incentivadora do meu crescimento pessoal e acadêmico. 16 AGRADECIMENTOS: Considero muito importante expressar meu reconhecimento a algumas pessoas e instituições que se fizeram essenciais para a concretização deste trabalho. Desta forma, agradeço: Ao professor Daniel Fink pela orientação, pelo apoio e pelo estímulo durante o processo de elaboração desta atividade; À toda minha família, que sempre torceu e acreditou em mim; À Advocacia Chiaparini e Bastos, pelo apoio jurídico; Á Greenline Sistema de Saúde, operadora, que proporcionou todo suporte técnico necessário para traçar com destreza a tarefa realizada; contribuiu de maneira efetiva para o desenvolvimento deste estudo e colaborou fundamentalmente para o aprendizado da matéria; E, a todos que bem me quiseram e, que de alguma maneira me ajudaram. RESUMO 17 A Medicina e o Direito formam um conjunto organizado de conhecimentos responsáveis pelo cuidado com os valores sociais. O estudo sobre as operadoras de planos de assistência à saúde merece fundamental atenção, principalmente quando se visa amparar o paciente-consumidor. As dificuldades econômicas e sociais que atualmente abrangem os usuários, credenciados e planos, inviabilizam a oferta de serviços de ponta e limitam o desenvolvimento das empresas. Não obstante, as inúmeras Resoluções e Decretos, que complementam a análise sobre o sistema, tornam a matéria complexa, confusa e de difícil compreensão. Pode-se verificar nos contratos desse segmento que a matéria é ampla na extensão prática, pois não se trata apenas de um negócio, mas, sim, de um serviço com especificidade pela natureza do seu objeto. Ademais, a legislação protetora dos consumidores e a lei dos planos de saúde apesar de socialmente corretas, importam em maiores despesas e responsabilidades para as empresas, com intensa fiscalização da Agência Nacional de Saúde. Na mesma linha, não é coerente impor serviços não computados nos cálculos atuariais da empresa, de maneira indiscriminada. Por outro lado, a ocorrência de distorções desfavoráveis aos pacientes, somente têm solução com atuação do Poder Judiciário. Com efeito, as estipulações contratuais não se encontram adaptadas ao conteúdo técnico e científico que vigora no campo da medicina e a operadora também não dispõe de meios eficazes para responder pela essência do serviço ofertado. Destarte, instala-se o total desequilíbrio e plena desproporcionalidade no setor. Não há proteção aos usuários e a viabilidade das empresas encontra-se comprometida. 18 A questão da qualidade dos serviços e a burocratização imposta pelas empresas são objeto de freqüentes disputas judiciais. Essa realidade impulsiona a geração de direitos difusos, próprios das sociedades de massa, aos conflitos de classes, grupos ou categorias de indivíduos. Os direitos acima mencionados são direitos incorporados à luta do homem em busca de melhor qualidade de vida. É com esse sistema, sem titularidade pessoal, que o Poder Judiciário deve enfrentar as questões decorrentes da execução dos contratos de assistência médica. Progressivamente, o movimento em defesa do consumidor invade o setor e assim a matéria deve ser considerada tendo presente a ligação entre a oferta dos serviços, o contrato e a prestação efetiva. Portanto, o contrato deve refletir o poder da publicidade de massa, paga com os lucros da prestadora, em detrimento do consumidor. 19 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS: ABRASPE - Associação Brasileira das Autogestões em Saúde Patrocinada pelas Empresas AIDS - Acquired Immune Deficiency Syndrome, que em Português quer dizer Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. AIS - Ações Integradas de Saúde ANS - Agência de Saúde Suplementar CFM - Conselho Federal de Medicina CID - Código Internacional de Doenças CIEFAS - Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde CNDO - Central de Notificação, Captação de Distribuição de Órgãos CONSU - Conselho de Saúde Suplementar CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira CPT - Cobertura Parcial Temporária CTI - Centro de Terapia Intensiva DLP - Doença e Lesão Preexistente FENASEG - Federação Nacional das Seguradoras FUNASA - Fundação Nacional de Saúde IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social MP - Medida Provisória MS - Ministério da Saúde OMS - Organização Mundial de Saúde PIASS - Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento RDC - Resolução da Diretoria Colegiada RN - Resolução Normativa SES - Secretaria Estadual de Saúde SIS - Sistema de Informação de Saúde SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde SUS - Sistema Único de Saúde SUSEP - Superintendência de Seguros Privados 20 UNIDAS - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde UTI - Unidade de Terapia Intensiva 21 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................... 13 2. HISTÓRICO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL ................................... 15 3. A SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL........................................................ 18 4. PRINCÍPIOS E DEVERES NORTEADORES DOS CONTRATOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE ...................................................................................... 21 5. NATUREZA JURÍDICA DA SAÚDE SUPLEMENTAR ...................................... 26 6. MODALIDADES DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE ................................ 27 6.1. Do seguro Saúde....................................................................................... 28 6.2. Dos Planos de Assistência à Saúde.......................................................... 30 6.2.1. Das Cooperativas............................................................................ 31 6.2.2. Da Autogestão................................................................................. 31 7. CARTEIRA DE TITULARES DOS PLANOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE................................................................................................................... 34 8. MODALIDADES DE PLANOS PRIVADOS PREVISTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO........................................................................................ 35 8.1. Do Plano - Referência............................................................................... 35 8.1.1. Procedimentos Excluídos pelo Plano - Referência......................... 37 8.1.2. Transtorno Psiquiátrico e Transplantes........................................... 44 8.1.3. Carência do Plano – Referência..................................................... 45 8.2. Do Plano Ambulatorial............................................................................... 47 8.3. Do Plano Hospitalar................................................................................... 48 8.4. Do Plano Hospitalar com Obstetrícia........................................................ 49 8.5. Do Plano Odontológico.............................................................................. 51 8.6. Dos Produtos Combinados........................................................................ 51 22 9. DAS DOENÇAS E LESÕES PREEXISTENTES............................................... 52 10. RESPONSABILIDADE CIVIL........................................................................... 58 10.1. Noções Gerais......................................................................................... 58 10.1.1. Excludentes de Responsabilidade Civil......................................... 59 10.1.1.1. Excludentes de Responsabilidade Civil Subjetiva................ 59 10.1.1.2. Excludentes de Responsabilidade Civil Objetiva.................. 60 10.2. Responsabilidade Civil à Luz do Código de Defesa do Consumidor...... 60 10.2.1. Modalidades de Responsabilidades Previstas no Código de Defesa do Consumidor.......................................................................................... 63 10.2.2. Excludentes de Responsabilidade e Procedimento Processual Previsto no Código de Defesa do Consumidor......................................... 63 10.3. Responsabilidade Civil das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde............................................................................................................... 66 10.3.1. Da Responsabilidade Objetiva...................................................... 66 10.3.2. Da Responsabilidade Solidária..................................................... 67 10.4. Responsabilidade Civil do Médico........................................................... 70 10.5. Responsabilidade da Operadora em Casos de Urgência e Emergência....................................................................................................... 73 11. DOS CONTRATOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE ........................ 76 11.1. Características dos Contratos de Planos de Saúde................................ 76 11.2. Das Cláusulas Obrigatórias..................................................................... 80 11.3. Dos Reajustes......................................................................................... 81 11.3.1. Exceção Para os Maiores de 60 (sessenta) Anos......................... 86 11.4. Cancelamento do Contrato e Renovação Automática............................. 88 11.5. Dos Contratos Coletivos.......................................................................... 90 11.5.1. Cancelamento dos Contratos Coletivos........................................ 91 11.5.1.1. Cancelamento do Contrato Coletivo em decorrência do Vínculo Empregatício e da Aposentadoria........................................................ 92 12. DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR................................ 96 23 CONCLUSÃO........................................................................................................ 99 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................... 103 ABSTRACT............................................................................................................ 107 1. INTRODUÇÃO Será objeto de estudo da presente monografia a responsabilidade da sociedade civil, que se organiza para suprir a deficiência na saúde pública. O intuito é destacar de forma resumida, algumas das introduções operadas pela lei e identificar a norma aplicável ao caso concreto. Prefacialmente devemos entender, que a questão da saúde está intimamente ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois o Estado tem o dever de garantir ao cidadão o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Todavia, diante da falência do sistema público, o Estado brasileiro transferiu esse seu dever primordial ao setor privado, sem, inicialmente, regulamentar princípios e condições para atuação daquele. Sendo assim, ocorreu paulatinamente a substituição do dever estatal pela prestação do serviço por empresas particulares geridas pelo administrador profissional. 24 Até o surgimento da Lei 9656/98 a oferta e a contratação de bens e serviços em saúde eram reguladas única e exclusivamente pelas leis de mercado e as empresas de medicina de grupo, não sofriam qualquer intervenção ou fiscalização por parte dos órgãos do governo. A entrada em vigor da lei específica acabou por gerar novos embates, relacionados ao impacto da nova legislação em contratos a ela anteriores. Destarte, será desenvolvido igualmente estudo que facilite a composição dos inúmeros conflitos que envolvem o setor. Será evocado o Código de Defesa do Consumidor, que ingressou no sistema jurídico de forma horizontal, para atingir toda e qualquer relação jurídica na qual se possa identificar em um pólo o consumidor e em outro o fornecedor, não havendo, portanto, qualquer dúvida a respeito de sua incidência nos contratos do setor. Frise-se que a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor não afasta a lei específica, que regula os planos privados. O estudo visa esclarecer também os fundamentos contratuais e demonstrar as diferenças entre os diversos tipos de serviços oferecidos. É importante também, analisar a questão das cláusulas abusivas nos contratos de planos de saúde, como, a título de exemplo, a cláusula que trata dos reajustes por mudança de faixa etária. A proteção da pessoa idosa recebeu importante implementação através da lei 10.741/2003, denominada “Estatuto do Idoso”, que proíbe a discriminação dos consumidores idosos quando do reajuste de prestações em razão de mudanças de faixas etárias e impede também a exclusão de pessoas idosas de planos de saúde. O idoso é um consumidor de vulnerabilidade potencializada e não pode ter frustrada sua expectativa quanto ao atendimento médico-hospitalar que não é coberto. Ademais, será traçado, ao longo do presente estudo, a oportuna criação de uma agência reguladora para o setor, a Agência Nacional de Saúde Suplementar 25 - ANS, para conduzir um mercado saudável com a proteção indireta dos consumidores. O crescente número de ações indenizatórias provenientes de erro médico e os limites da responsabilidade civil das empresas prestadoras de serviços de assistência privada à saúde é assunto que merece estudo. O objetivo maior do presente trabalho é demonstrar a solidariedade passiva dessas empresas à medida que se começa a exigir mais atenção na seleção dos profissionais credenciados. 26 2. HISTÓRICO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL A punição dos médicos pelos erros cometidos no exercício da profissão, passou a ser codificada com o Código de Hamurabi ( 2394 a.c), Código de Manu ( 22 a.c), com a lei das XII Tábuas ( 452 a.c), e com a lei Aquilio Romana ( 287 a.c). O Direito Canônico, também influenciou no entendimento de Responsabilidade Civil Médica. Foi no ano de 1923 com a promulgação do Decreto legislativo 46.782/1923 de autoria de Eloy Chaves, que o governo brasileiro passou a disciplinar a atividade de assistência médica. A Lei 1920/53, regulamentada pelo Decreto 34.596/53, desdobrou o Ministério da Educação e Saúde em dois Ministérios: Ministério da Educação e Cultura e Ministério da Saúde. O seguro-saúde foi instituído no Brasil em 1966, pelos artigos 129 a 135 do Decreto- lei 73/66. É destinado a garantir o pagamento em dinheiro, diretamente ou mediante reembolso, dos gatos dos segurados com assistência médica e hospitalar. Valendo-se da liberdade de forma societária, entraram no mercado as cooperativas de serviços médicos, regidas pela Lei 5.764/71, que é a lei geral das cooperativas, permitindo que os médicos se organizassem sob pessoa jurídica. Em 1975, através da Lei 6.229, foi instituído o Sistema Nacional de Saúde e em 1977, foi criado o INAMPS, para atender exclusivamente as pessoas que possuíam carteira de trabalho. O atendimento dos desempregados e residentes no interior era de responsabilidade das Secretarias Estaduais de Saúde (SES) e dos serviços públicos federais. 27 Como tentativa de solucionar a precária assistência médica prestada pelo INAMPS, surgiu então a chamada medicina de grupo, na região do ABC paulista, que funciona como um sistema de pré-pagamento, oferecendo planos de saúde para empresas e famílias. Em 1979 foi implantado pelo Decreto 78.307/76, o PIASS, investindo para a expansão da rede de atenção primária de saúde, em municípios no interior dos Estados da Região Nordeste do país. Em 1983, se implantou a AIS, que foi o primeiro desenho estratégico de co-gestão, de desconcentração e de universalização da atenção à saúde. As entidades de medicina pré-paga não podiam ter como objetivo o lucro, conforme expõe o art. 135 do Decreto-lei 73; porém a Portaria 3.286/86 do Ministério do Trabalho passou por cima dessa Lei. No ano seguinte, se criou o SUDS, que representou a desconcentração das atividades do INAMPS para as Secretarias Estaduais de Saúde (SES). A Constituição Federal de 1988, incorporando parcialmente as propostas estabelecidas pelo movimento da reforma sanitária brasileira, criou o SUS, regulamentado dois anos depois pelas Leis 8.080, de 19 de setembro de 1990 e 8.142, de 28 de dezembro de 1990. No ano de 1989 foi publicado o decreto 99.060/90, que transferiu o INAMPS do Ministério da Previdência para o Ministério da Saúde. A Lei 6.839/80 obrigou o registro das empresas de medicina de grupo no CFM e nos respectivos conselhos regionais de cada Estado. Em 1990 a FENASEG, já tentava reestruturar o seguro-saúde, o que acabou acontecendo apenas com a edição da Lei 9656/98. O Decreto 100, de 16/04/1991, criou a FUNASA, responsável pela promoção da saúde dos povos indígenas e da inclusão social por meio de ações de saneamento. 28 Em 27 de julho de 1993, o INAMPS foi extinto pela Lei 8.689, sendo suas funções, competências, atividades e atribuições absorvidas pela instância federal, estadual e municipal do SUS. O CFM, no mesmo ano, através da Resolução 1.401 obrigou as seguradoras e administradoras de planos de saúde a garantir o atendimento a todas as enfermidades relacionadas ao CID, da OMS, sob pena de cancelamento do registro e aplicação de sanções disciplinares. No ano de 1996 o Ministério da Educação inicia o projeto de Assistência Integral à Saúde do Escolar e a Lei 9311/96 institui a CPMF, cuja finalidade seria o custeio dos serviços de saúde. Finalmente, a Lei 9656/98 foi editada, para acabar com o desequilíbrio contratual existente até então, entre as empresas de planos de saúde e seus consumidores. Existiam mais de 10 (dez) Projetos de Lei 1 que tramitavam no Senado Federal versando a respeito da regulamentação dos planos de saúde. O Projeto de Lei 4.425/94 foi afinal convertido em lei, e o término do processo legislativo coincidiu com a substituição do Ministro da Saúde, que prometeu aperfeiçoar o projeto através de Medida Provisória. Assim que ocorrida a publicação em 03 de junho de 1998, a lei foi modificada no dia seguinte, pela Medida Provisória 1.685, que vem sendo sucessivamente renovada. Surge com a Lei 9656/98 o CONSU, que é um órgão colegiado integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde. Ele foi alterado posteriormente pelo Decreto 4.044/01. Finalmente, em 2000, foi criada a Agência Nacional de Saúde (ANS), que é uma agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, que traça as diretrizes, estabelece parâmetros, normas de atendimento, coberturas e reajustes de prestações. 1 Mariângela Sarrubbo, Convênios Médicos, p.165 29 3. A SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Entende-se que a Carta Constitucional em vigor tem as feições sociais 2 , assim como o Código de Defesa do Consumidor, priorizando dessa maneira a “igualdade” entre os cidadãos. Ocorre, porém, que nessas Constituições acabam sendo exigidas muitas ações governamentais para corrigir os desequilíbrios. A Carta Magna de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a assegurar expressamente a saúde pública; em seus artigos 196 a 200 define a saúde como direito público subjetivo oponível ao Estado. O art. 196 da Constituição Federal impõe ao Estado o dever de garantia à saúde da população, assegurando ao cidadão o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. O art. 197, por sua vez, classifica as ações e serviços de saúde como de relevância pública, dispondo a respeito da possibilidade de sua execução ser feita diretamente pelo poder público ou, sob sua fiscalização e controle, pela iniciativa privada. O art. 198 cria o SUS, que é um “sistema”, pois se caracteriza como um conjunto de unidades, de serviços e ações que interagem para um fim comum. É “Único” porque ele segue a mesma doutrina e os mesmos princípios organizativos em todo o território nacional. Finalmente o art. 199 da Constituição Federal abre as portas ao setor privado de assistência à saúde. Essa liberdade será sempre exercida de forma complementar 3 ao Sistema Único de Saúde. A atuação privada, com exceção daquela exercida por instituições filantrópicas não é parceria, mas de concorrência com o serviço público. 2 3 Fernanda Schaefer, Responsabilidade Civil dos Planos e Seguros de Saúde, p.27 Fernanda Schaefer, ob.cit. p.22 30 Torna-se facilmente perceptível a dificuldade encontrada pelo Poder Público em dar eficácia aos dispositivos constitucionais citados. A alternativa encontrada pelo próprio constituinte foi harmonizar o sistema de saúde pública com a iniciativa privada no setor, já que o SUS não consegue atender adequadamente a população. A situação do SUS não melhorou nem mesmo com a instituição em 1997 da CPMF, que teve como finalidade o financiamento da saúde pública, o que favorece o desenvolvimento do sistema de assistência privada. Ocorre, porém, que após a Constituição Federal entrar em vigor, foram necessários 10 (dez) anos 4 para que fosse editada uma norma que regularizasse e fiscalizasse a atuação das operadoras de planos de assistência à saúde, pois até então, vigorava o princípio da autonomia de vontades, sendo as normas ditadas de forma totalmente abusivas pelas empresas. A lei não teve por objeto regulamentar integralmente a atividade do setor privado. Este desenvolve atividade paralela à do Estado e é movido ora por altruísmo, ora pelo interesse de almejar o lucro. Parte da população resolveu aderir aos contratos das operadoras de planos de saúde, como medida de segurança, para não sentirem-se desamparados pelo Poder Público; mas até a edição da Lei 9656/98 não existia um equilíbrio nas relações entre os consumidores e essas empresas privadas. É fato que a maioria das pessoas residentes no país ainda depende do setor público, já que apenas 24,5 % 5 da população brasileira possui plano de saúde ou está coberta por instituto patronal de assistência ao servidor público civil ou militar. 4 5 Cláudia Lima Marques, Saúde e Responsabilidade, p.17 Disponível no site <www.ibge.com.br> Acesso em 24.02.07 31 Destarte, apesar da Lei 9656/98 ser considerada um marco para melhoria do vínculo existente entre os consumidores e os planos de saúde, a grande massa do povo continua dependendo da assistência pública, pois não têm condições de arcar com o pagamento de valores considerados “elevados” à título de parcelas mensais. Sendo assim, apesar da Constituição reconhecer o direito à saúde, como sendo bem de interesse público, e como um bem indisponível, o cidadão brasileiro é obrigado a optar pela prestação do serviço por empresas particulares, em decorrência da falência do serviço público. 32 4. PRINCÍPIOS E DEVERES NORTEADORES DOS CONTRATOS DE ASSISTÊNCIA Á SAÚDE Antes de relacionar os princípios norteadores das atividades dos planos de assistência à saúde, é preciso mencionar alguns direitos dos consumidores e alguns deveres das operadoras. O art. 6º do Código de Defesa do Consumidor cita alguns direitos básicos do consumidor, dentre eles: proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos e nocivos; a proteção contra publicidade enganosa e abusiva; métodos comerciais coercitivos ou desleais; acesso a órgãos administrativos ou judiciários e facilitação de seus direitos. Os deveres das operadoras de planos de assistência à saúde são: dever de efetivamente prestar o atendimento prometido ou reembolsar as quantias acordadas; dever de repassar aos médicos conveniados e segurados os valores devidos pelos atendimentos; dever de cuidado; dever de não pressionar os médicos para escolha de exames e tratamentos ou limitar tempo de internamento; dever de supervisionar materiais e equipamentos necessários ao desempenho adequado das especialidades médicas; dever de escolher com atenção os profissionais conveniados; dever de renovar automaticamente os contratos e dever de respeito a integridade física e psíquica da pessoa. Cabe anotar que princípio “é um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a validade” Segundo a lição de José Cretella Júnior 6 7 “Princípio é uma proposição que se põe na base das ciências, informando estas ciências, são os alicerces, as bases, os fundamentos da ciência.” 6 Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, p.05, apud Paulo Hamilton Siqueira Jr.Lições de Introdução ao Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p.148 7 Primeiras Lições de Direito, p.222, apud Paulo Hamilton Siqueira Jr., p.148 33 As operadoras de planos de assistência à saúde devem obedecer aos Princípios estabelecidos pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor, pois os serviços de assistência privada à saúde são considerados também de relevância pública. Serão nulas todas as cláusulas que contrariem as normas constitucionais e, inconstitucionais todos os atos normativos que afrontem a Constituição Federal. Os contratos oferecidos pelas operadoras de planos de assistência à saúde devem conter os princípios básicos da igualdade, da boa-fé, da confiança, da dignidade da pessoa humana, da proteção do consumidor, do equilíbrio contratual, da interpretação pró-consumidor das cláusulas contratuais, da proibição de inserção de cláusulas abusivas, do controle judicial dos contratos e da vulnerabilidade dos consumidores. O art. 5º da Constituição Federal consagra o princípio da isonomia. Assim, o cidadão possui o direito indisponível de não ser diferenciado por outros particulares nas mesmas situações em que a lei também não poderia diferenciar 8 O art. 1º da Constituição Federal estabelece o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo necessário que o contrato leve em consideração o restabelecimento completo da saúde do consumidor e garanta a mais ampla proteção ao paciente. O art. 5º, inc. XXXII da Constituição Federal, dispõe que se houver qualquer desequilíbrio contra o consumidor, a relação jurídica com o fornecedor será inconstitucional. O Código de Defesa do Consumidor estabelece princípios e regras que deverão incidir na interpretação dos contratos relativos aos planos de saúde, assim, 8 Paulo Hamilton Siqueira Jr, ob.cit. p.149 34 qualquer publicidade vinculará o fornecedor, ainda que tal estipulação não conste do contrato ou mesmo que o contrato disponha de maneira diferente. Exige-se a boa-fé não somente no momento da celebração do contrato, mas também antes de sua celebração e as cláusulas deverão estar claramente redigidas em destaque, sob pena de, deixarem de vincular o consumidor, como se infere da leitura dos artigos 46 e 54, § 4º do Código de Defesa do Consumidor e do art. 16 da Lei 9656/98. A boa-fé é considerada como um princípio básico e um dos pilares mais necessários para a sustentação da teoria contratual atual. Boa-fé significa uma atuação “refletida”, atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado para com a pessoa e o patrimônio do parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim das obrigações 9 . O princípio da boa-fé tem uma função criadora de novos deveres, que permite um nível mínimo e objetivo de cuidado e, uma função limitadora que reduz a liberdade de atuação dos parceiros contratuais. O conceito de boa-fé pode ser analisado sob dois aspectos: subjetivo: vontade dos contratantes de não causar prejuízos um ao outro; e objetivo: tratamento leal e objetivo com o contratante, de acordo com o art. 4º, inc. III do CDC. O princípio da confiança, intrinsecamente ligado ao princípio da segurança jurídica, traduz na certeza de que direitos alcançados e prescritos em leis não podem ser desrespeitados. Tem a intenção de proteger as expectativas legítimas que nascem do cidadão que confia nas normas prescritas no ordenamento jurídico. A relação entre o princípio da confiança e da boa-fé é estreita. 9 Claudia Lima Marques, ob.cit. p.145 35 O Código do Consumidor instituiu o princípio da confiança do consumidor no vínculo contratual, assegurando o equilíbrio das obrigações e os deveres de cada uma das partes, através da proibição de cláusulas abusivas nos contratos de adesão e de uma interpretação sempre pró-consumidor. A confiança também está presente na prestação contratual, pois ao consumidor deve ser garantida a adequação ao produto ou serviço adquirido, evitando riscos e prejuízos para atender de forma conveniente a lealdade nas relações entre fornecedores e consumidores. Apesar do princípio da confiança não estar expresso em nossa Constituição Federal, é legítimo e permite que as leis e atos normativos tenham efetividade e aplicabilidade correta. Encontra-se ínsito no princípio de Estado de Direito, preceituado no artigo 2º da CF. O princípio do equilíbrio contratual se manifesta, através da invalidação de determinadas cláusulas abusivas, como por exemplo, as que determinam obrigações incompatíveis com a boa-fé, com a equidade ou demasiadamente desvantajosas para os consumidores; as que obrigam o consumidor, mas abrem ao fornecedor a possibilidade de concluir ou não o negócio; as que possibilitam somente ao fornecedor o cancelamento unilateral do contrato e, as que obrigam apenas o consumidor a ressarcir despesas com cobrança de obrigação contratual. O princípio da vulnerabilidade dos consumidores protege os beneficiários de planos de assistência à saúde, que não possuem conhecimento acerca dos produtos e serviços nem dos aspectos jurídicos do negócio e as suas repercussões econômicas, contra propaganda enganosa e abusiva. As cláusulas abusivas atentam contra os interesses da coletividade e não têm como prosperar em contratos de adesão, pois estabelecem obrigações iníquas, abusivas ou desvantajosas para o consumidor. Portanto, nem mesmo o princípio da autonomia da vontade irá legitimar cláusula abusiva, atendendo ao princípio da proibição de inserção de cláusulas abusivas. Não é permitida a inclusão de 36 excessiva onerosidade ao consumidor para benefício exclusivo do fornecedor, devendo ser afastadas e declaradas judicialmente nulas. 37 5. NATUREZA JURÍDICA DA SAÚDE SUPLEMENTAR Deve ser levado em consideração, que a assistência privada à saúde trata de serviço de relevância pública, que incide sobre um direito subjetivo do cidadão que é a saúde. Nesse sentido, Fernandes Neto 10 adverte que “Saúde é um bem ou interesse transindividual que não se confunde com o objeto dos contratos com as operadoras, mas tem hierarquia superior e força pra determinar-lhes o sentido.” Segundo Lopes 11 , trata-se de contratos de natureza especial, cujo entendimento só é possível deixando-se de lado a simples percepção do caráter bilateral do contrato e da existência das pessoas jurídicas como verdadeiros seres humanos. Se o contrato de seguro dá-se entre segurador e segurado, ou, no caso de planos de saúde, das empresas de saúde ou prestadoras de serviços e seus respectivos clientes, a operação é sempre de caráter coletivo, mútuo ou solidário, em algum aspecto fundamental. Essa mutualidade decorre do fato de que os planos de assistência à saúde devem gerir recursos captados do público em geral, alocando a cada segurado ou participante de plano, parte suficiente da receita capaz de cobrir os riscos contratados. 10 Fernandes Neto, 2002, p.116 abud Fernanda Schaefer. Responsabilidade Civil dos Planos e Seguros de Saúde. Curitiba: Juruá, 2006 11 Saúde e Responsabilidade dos Seguros e Planos de Assistência Privada à Saúde, p.214. 38 6. MODALIDADES DE ASSISTÊNCIA PRIVADA A SAÚDE Antes de falar especificamente sobre as operadoras de planos privados de assistência à saúde, torna-se importante definir todos os institutos de assistência privada à saúde, para estabelecer os limites de responsabilidade de cada fornecedor. O art. 1º, inc. I e II da Lei 9656/98 dispõem, in verbis: Inc. I. “Plano privado de assistência à saúde é uma prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente à expensas da operadora contratada, mediante reembolso e pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.” Inc. II. “Operadora de Plano de Assistência à Saúde é a pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo.” De acordo com os dispositivos mencionados acima, entende-se que a lei denomina os planos e seguros privados de assistência à saúde ora como “produtos” e ora como “serviços”. O conceito de “produto” caracteriza um ramo industrial produtor de um bem as vida, sendo que a prestação continuada é uma característica acidental, pois não se desconhece a existência de seguros temporários 12 . A ANS define operadora de planos de assistência à saúde as empresas e entidades que atuam no setor de saúde suplementar oferecendo aos consumidores os planos de assistência à saúde 13 . 12 13 Maury Ângelo Bottesini, Lei dos Planos e Seguros de Saúde, p.51 Disponível no site <www.ANS.gov.br>. Acesso em 01.02.2007. 39 O art. 1º, § 1º da Lei 9656/98, permite que as operadoras de planos de assistência à saúde ofereçam outros produtos, além daquele conceituado no inciso I, podendo ter vantagens dos seguros-saúde, como é o caso do reembolso de despesas com os tratamentos utilizados pelo consumidor. O art 1º, § 4º da Lei 9656/98 impõe às operadoras e seguradoras a obrigatoriedade de constituírem-se sob a forma de pessoa jurídica, concluindo-se que devem estar registradas no Registro do Comércio ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. O plano privado de assistência à saúde que tenha o lucro como finalidade, não poderá ser uma microempresa, nem sociedade civil sem fins lucrativos. A sociedade civil, admitida como operadora de plano de assistência à saúde há de ser sem fins lucrativos. Apesar do art. 199 da Constituição Federal não permitir a participação de capital estrangeiro, o art. 1º, § 3º da lei 9656/98, contrariando a regra, admite a formação ou aumento do capital de sociedades constituídas sob as leis brasileiras, vedando-lhes a implantação de planos ou seguros próprios. 6.1. Do Seguro - Saúde Anteriormente à edição da Lei 9656/98, regia o Decreto - lei 73/66, que estruturou o sistema nacional de seguros privados. Elucidativas são as palavras de Lopes 14 ao tecer a seguinte definição: “O seguro-saúde é típico contrato de seguro, cobertura que aos tem por riscos finalidade de a assistência médica e hospitalar, sendo a garantia o pagamento em dinheiro, efetuado pela 14 Ob.cit, p.39 40 sociedade seguradora, à pessoa física ou jurídica prestante da assistência médicohospitalar ao segurado. Ao segurado assiste o direito de livre escolha do médico e do hospital. A seguradora não participa da limitando-se prestação a do reembolsar ou serviço, pagar despesas de tratamento.” Devem revestir-se sob a forma de Sociedade Anônima e serão fiscalizados pela SUSEP. O seguro-saúde foi instituído no Brasil em 1966, pelos artigos 129 a 135 do Decreto - lei 73/1966; é a forma de contratação mais antiga existente no Brasil. O Art. 2º § Ú, da lei 9656/98 expõe, in verbis: § Ú “Nos seguros privados se assistência à saúde, e sem que isso implique o desvirtuamento do princípio da livre escolha dos segurados, as sociedades seguradoras podem apresentar relação de prestadores de serviços de assistência à saúde.” Tal dispositivo fere o princípio da livre escolha. Lopes 15 entende que para ser preservada a livre escolha, o rol não pode ser vinculativo, e sim, meramente indicativo. O art. 2º da Lei 9656/98 foi revogado pela MP 1.976/00, reeditada 27 (vinte e sete) vezes, até ser editada a MP 2.177/01, reeditada 44 (quarenta e quatro) vezes. Se a seguradora apresentar uma relação de rede credenciada, esta deverá ser considerada como sugestão, pois o consumidor, ao utilizar serviço não credenciado, terá o direito de ser reembolsado, porém no limite do seu contrato. Qualquer companhia seguradora poderá obter autorização da ANS para operar com o produto seguro-saúde, em carteiras próprias. 15 Ob.cit. p.44 41 Existe outra espécie de seguro, denominada nos Estados Unidos da América “Hospital Cash” 16 , no Brasil é tratado como uma espécie do gênero “plano privado de renda e pecúlios”, regulado pela Lei 6.435/77. A Lei 9656/98 não trouxe para o seu campo de abrangência essa espécie, que é controlada e disciplinada pela SUSEP. 6.2. Dos Planos de Assistência à Saúde Fernandes Neto 17 delineia o tema com a seguinte definição: “Os contratos de planos de saúde são instrumentos de política econômica adotados para prover o direito à saúde [...] são pessoas jurídicas de direito privado, com liberdade de forma societária, que se dedicam a captar e administrar recursos necessários ao custeio de atividades de assistência à saúde do consumidor, prestando-as diretamente ou por terceiros.” As empresas que atuam na área de planos de saúde podem também atuar na área de seguro-saúde, desde que preenchidos os requisitos de atuação nessa área. As operadoras de planos privados podem oferecer suas próprias redes credenciadas ou referenciadas para atendimento dos clientes, mas as seguradoras não podem manter estabelecimentos e médicos próprios para atendimento de seus segurados. 16 O Hospital Cash garante o pagamento de uma renda diária por hospitalização, para cada dia que o paciente permanecer hospitalizado. 17 Direito de Comunicação Social, p.50 42 As formas mais utilizadas são as companhias organizadas sob a forma de sociedades por ações, e as cooperativas. Torna-se imprescindível citar também, as empresas ditas de autogestão. 6.2.1. Das Cooperativas Em consonância com o art. 1º, inciso II da Lei 9656/98, as operadoras de planos de saúde também podem vestir-se a forma de cooperativa. As cooperativas começaram a ser estruturadas em 1967 por órgãos associativos da classe médica. 18 A cooperativa médica foi a forma encontrada para que os médicos se organizassem sob pessoa jurídica com estrutura suficiente para operar os convênios com as empresas, transformando esses profissionais, em sócios dos resultados financeiros da cooperativa e em prestadores de serviços à empresa de que são sócios. O mais conhecido grupo de cooperativas é o Sistema Unimed 19 , que já passou por várias modificações dividindo-se em diversas Unimeds. Sobre o assunto, Bottesini 20 explica que: “os sistemas cooperativos de exploração dos planos de saúde ainda permanecerão por muito tempo no mercado, haja vista para o fato de que o cooperativismo parece estar se renovando e buscando outras formas de atuação, sem competir diretamente com as grandes empresas operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde.” 6.2.2. Da Autogestão A autogestão é um grupo fechado de acesso restrito sob a forma de empresa ou outro tipo de organização (geralmente são empresas de grande porte). 18 Samir Jacob Bechara. Moderno Dirigismo Econômico e o Direito Contratual: Contratos dos Planos de Saúde, p.132 19 Maury Ângelo Bottesini, ob.cit., p.45. Propugna o autor que cada fração do Sistema Unimed tem sido tratada como parte de um Sistema interligado, tanto na esfera administrativa como na esfera judicial. 20 Ibid., p.46 43 Não podem firmar convênio com hospitais ou médicos terceirizados. São denominadas de autogestão porque gerenciam e controlam os atendimentos e não têm fins lucrativos 21 . Ainda que em tese possam reduzir a sua oferta de serviços, essas empresas só o poderão fazer com a aprovação dos associados ou representantes, nos termos de seus estatutos e regulamentos. A autogestão depende de registro junto ao Ministério da Saúde, e é regulamentada pela resolução 05/98 do CONSU. Essas instituições são um sucesso, principalmente pelo fato de não ser necessário gastar com publicidade e com a intermediação. 22 Existe um Comitê de Integração de Entidades Fechadas de Assistência à Saúde (CIEFAS), operando em autogestão. A par do CIEFAS havia a Associação Brasileira das Autogestões em Saúde Patrocinada pelas Empresas (ABRASPE). De acordo com a ABRASPE 23 , o plano de autogestão, é um sistema fechado de assistência à saúde, sem fins lucrativos, não-comercializável no mercado, destinado exclusivamente a uma população definida de beneficiários. Segundo a Resolução CONSU 5/98, é um plano gerido e administrado pela própria empresa para seus empregados ativos, aposentados, pensionistas e exempregados, bem como seus respectivos grupos familiares até o terceiro grau de parentesco. 21 Nos dizeres de Fernanda Schaefer, a autogestão corresponde a um plano de saúde criado por uma ou mais empresas para assistir seus empregados ou funcionários ativos, dependentes, aposentados ou pensionistas e até ex-empregados, que poderão ser chamados a participar financeiramente e da administração. 22 Gislândia Ferreira da Silva, Planos e Seguros de assistência à Saúde, p.70. Elucida a autora que a cobertura assistencial prestada pelas empresas de autogestão inclui dentre outros benefícios, a complementação previdenciária. Assenta ainda que a oferta de serviços só pode ser reduzida mediante aprovação de associados ou representantes, nos termos de seus estatutos e regulamentos. 23 Dados disponíveis no site <www.ABRASPE.com.br.> Acesso em 03.02.2007. 44 Em novembro de 2002 o CIEFAS e a ABRASPE fundiram-se sob a denominação de União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS). 45 7. CARTEIRA DE TITUARES DE PLANOS DE ASSISTENCIA À SAÚDE O conceito de carteira precisa ser visto em conjunto com as disposições do art. 24, § 5º e art. 25, VII, da Lei 9656/98 e com a Resolução RDC 82/01. A carteira traz a idéia de clientela conquistada. O Art. 10 da Resolução RDC 82 dispõe, in verbis: Art. 10. “A alienação da carteira se dará sempre a título gratuito ou por valor simbólico, devendo a disputa ocorrer em função de condições econômicofinanceiras mais vantajosas para os consumidores vinculados à carteira 24 ”. A Resolução RDC 25/00 da ANS se destina a garantir a manutenção da prestação de serviços aos beneficiários e as operações voluntárias de alienação da totalidade da carteira deverão manter integralmente as condições vigentes dos contratos adquiridos. A questão da alienação parcial da carteira fica dependendo de prévia autorização da ANS. 24 A Sul América, operadora de planos de saúde, negociou a venda de sua carteira de planos individuais para a Golden Cross, pois pretendia continuar no mercado apenas com contratos coletivos. Outro exemplo de alienação de carteiras ocorreu com a Interclínicas, para a operadora Saúde ABC, mas de forma obrigatória durante processo de liquidação extrajudicial promovida pela ANS em decorrência de insolvência financeira. 46 8. MODALIDADES DE PLANOS PRIVADOS PREVISTOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 8.1. Do Plano - Referência O Art. 10 da lei 9656/98 obriga as operadoras de plano privado aberto (as operadoras de plano privado fechado não) a ofertar o plano - referência. O Art. 10, § 2º dispõe, in verbis: Art. 10: “Todas as operadoras e administradoras oferecerão, obrigatoriamente, o plano - referência a todos os seus atuais e futuros consumidores, exceção feita apenas às que operam com autogestão e àquelas que operam exclusivamente planos de assistência odontológica.” Ressalta-se que o legislador apenas instituiu um plano - referência e não um “seguro-saúde referência” de cobertura mínima. Embora o plano - referência seja de oferta obrigatória, ele não constitui a cobertura mínima obrigatória a ser oferecida, é só uma referência. Em dezembro de 1998, o governo baixou uma Medida Provisória e transferiu a obrigatoriedade de oferta desse plano para 03 de dezembro de 1999. A expressão “atuais e” desse dispositivo teve sua vigência suspensa pelo STF, por força de liminar deferida pelo Ministro Nelson Jobim na ADIN 1931/98. A conclusão é que o plano - referência somente deve obrigatoriamente ser oferecido aos titulares de planos que contrataram com a operadora depois de 02/01/1999, data limite a partir da qual nenhum plano poderia ser comercializado sem que estivesse licenciado, ainda que provisoriamente na ANS. Para entender o plano - referência cumpre citar o conceito empregado por Bottesini 25 : 25 Ob. cit. p. 76/77 47 “O plano referência é destinado ao grande contingente de consumidores [...] esses planos básicos atendimentos médicos em se clínicas ambulatoriais operadoras ou resumem em das e a centros próprias enfermarias de hospitais menos sofisticados, às vezes explorados pela própria operadora como o único disponível, dessa espécie.” O plano - referência deve cobrir todas as doenças relacionadas na OMS, em outras palavras, este plano não exclui doenças, mas muitos procedimentos; deve cobrir parto e atendimento com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando for necessária a internação hospitalar. A lei põe fim a inúmeros conflitos existentes, sobre cláusulas que excluíam doenças como a Aids. Originalmente, o plano - referência deveria ser o “top de linha” ofertado pelas operadoras e o objetivo político do Ministério da Saúde foi desconcentrar e aliviar a atuação do poder público e impedir que as operadoras atuassem apenas em segmentos lucrativos. A prática mostra, porém, que as operadoras discriminam aqueles que mantêm o plano - referência, com tentadoras ofertas de outros serviços além do limite legal, elevando a mensalidade 26 . No que tange a obrigatoriedade de oferta do plano - referência existe duas exceções expressamente previstas em lei: planos de assistência odontológica e pessoa jurídica de autogestão. Nessas duas modalidades o plano - referência não é obrigatório. 26 Maury Ângelo Bottesini, ob. cit. p.79 48 8.1.1. Procedimentos Excluídos Pelo Plano - Referência a) Tratamento Clínico ou Cirúrgico Experimental; Os tratamentos médicos são classificados em experimentais, aceitos e vedados. Cabe ao CFM, estabelecer essa classificação por meio de Resoluções. Os tratamentos experimentais não estarão cobertos pelo plano - referência. b) Procedimentos Clínicos ou Cirúrgicos Para Fins Estéticos, bem como Órteses e Próteses Para o Mesmo Fim; Entre a necessidade médica e a finalidade estética existe uma linha muito tênue, sendo que o critério utilizado para conceituar os procedimentos estéticos, acaba sendo muito subjetivo, o que gera inúmeros conflitos no judiciário. Ás vezes o tratamento estético é conseqüência natural do tratamento necessário, outras vezes tem como única finalidade o embelezamento. Porém em grande parte dos casos o tratamento estético está estritamente relacionado ao bem estar psicológico do paciente. Silvio de Salvo Venosa, 27 ao tratar sobre a Responsabilidade Civil dos Médicos, relata: “A cirurgia estética está autorizada no art. 51 do Código de Ética [...] o desajustamento psíquico é um conceito dúctil [...] Um aleijão no rosto de uma jovem causa evidentemente um problema psíquico. Uma cicatriz em um musculoso lutador de boxe poderá não causar. Aqui, 27 Direito Civil, p.145 49 também, é o caso concreto que dará a solução.” Entende-se que a operadora torna-se responsável pela reparação puramente estética, quando o procedimento causador da necessidade de reparo estético, foi coberto pelo plano - referência. No mesmo sentido conclui-se sobre a responsabilidade da operadora na reparação de danos integrantes do tratamento de cobertura contratada. Em relação às órteses e próteses, devem ser compreendidas, para dirimir os conflitos que surgem. A prótese tem a finalidade de substituição de partes do corpo humano, e a órtese tem a função de complementar ou auxiliar alguma parte do corpo. Tanto a órtese como a próteses estão cobertas pelos planos - referência e hospitalar, quando não provenientes de finalidade estética. Elucidativos são os comentários tecidos por Bottesini 28 a respeito do tema: “O INSS deveria fornecer a prótese e a órtese e a operadora o tratamento, porém não é o que ocorre.” Importante destacar a figura do stent, que é um anel de dilatação das artérias que permite a fluidez do líquido sanguíneo. Surgiram inúmeros conflitos, sobre a responsabilidade das operadoras de planos de saúde na cobertura de tal procedimento. Muitos desembargadores já decidiram que o stent não é uma prótese. O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já firmou entendimento em ações sempre em prol dos consumidores. Em julgamento pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande 28 Ob. cit. p.85 50 do Sul, definiu-se que stent não é prótese; em seu voto, o desembargador Cacildo de Andrade Xavier, expõe 29 : “O stent é uma estrutura usada para suportar o vaso depois que ele foi dilatado, em termos médicos a definição de prótese é uma estrutura que substitui outra, no caso, não há substituição, é apenas uma estrutura que se põe no sentido de suportar o vaso, evitando que ele possa fechar [...]. Não é prótese, na verdade, em termos técnicos, é uma estrutura de suporte. (Apelação Cível 70002785533, 6ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do rio Grande do Sul)” Mostra-se admissível também a concessão de tutela determinando o suporte dos vasos nesses casos ou, caso já gastos, o pronto ressarcimento por parte do plano, na colocação do stent, com base no art. 54, § 3º do CDC; art. 6º, inc. III do CDC; art. 12 § 2º e art. 35-C da Lei 9656/98; art. 247 e 249 do novo Código Civil. Remansosamente o Tribunal de Justiça de São Paulo também confere a antecipação de tutela nessas situações 30 : “Plano de saúde. Ação declaratória. Tutela antecipada para que a empresa suporte gastos com implantação de prótese denominada stents. Presença dos requisitos necessários à concessão da medida. Agravo não provido. (Agravo de 29 30 Disponível em <www.tj.rs.gov.br> Acesso em 20.12.06. Disponível em <www.tj.sp.gov.br> Acesso em 20.12.06. 51 Instrumento 267.415-4/7, 4ª Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de São Paulo, relator desembargador José Geraldo de Jacobina Rabelo, 14.08.2003)” “Seguro - saúde. Tutela antecipada. Colocação de válvula stent na aorta do paciente. Negativa de pagamento ao fundamento de que se trata de prótese excluída de cobertura securitária. Ação ordinária movida contra seguradora. Antecipação de tutela para determinar a ré que proceda ao pagamento imediato ao hospital da fatura respectiva. Requisitos do art. 273 do CPC presentes na espécie. Desnecessidade de prestação de caução. Decisão mantida. Recurso não provido. (Agravo de Instrumento 270.372-4/7-00, 7ª Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de São Paulo, relator desembargador Carlos Augusto de Santi Ribeiro, 18.12.2002)” c) Inseminação Artificial d) Tratamento de Rejuvenescimento ou de Emagrecimento com a Finalidade Estética; O tratamento de rejuvenescimento trata-se em última análise, de tratamento estético. No tocante ao tratamento para redução de massa corporal, ou para emagrecimento, é evidente que um paciente acometido por obesidade mórbida, 52 não se submeterá a uma cirurgia com a finalidade estética. Sobre a matéria, segue abaixo o seguinte julgado 31 : “Assistência médica - Plano de saúde Obesidade mórbida - Recomendação médica de realização de cirurgia de ‘septação gástrica’ - Recusa ao pagamento, por parte da recorrente, indevida - Alegação de cirrurgia estética improcedente - Art. 10 da Lei 9656/98 e art. 5º, parágrafo único, a, da Resolução 10 do Consu - Preponderância dos critérios objetivos e subjetivos do médico responsável pelo tratamento da paciente Ademais, falta desnecessidade de da comprovação cirurgia, da como também de que o médico e o hospital escolhidos pela recorrida não eram credenciados junto à recorrente, a quem competia desincumbir-se de tal ônus, no prazo do art. 33 da Lei dos JEC Sentença mantida - Recurso improvido (1º Colégio Recursal dos JECs da Capital - Recurso 10880 - j. 27.09.2002 - rel. Gonçalves Júnior - L. 217/02, f. 179-181) e) Fornecimento de Medicamentos Importados Não Nacionalizados; O veto à utilização de medicamentos importados não nacionalizados colide com as disposições do art. 51, IV, do CDC. Em sua obra, Bottesini 32 , novamente propõe a seguinte solução: 31 32 Disponível no site <www.tj.sp.gov.br> Acesso em 05.12.06 Ob. cit. 88 53 “Imputar ao INSS a obrigação de fornecer os medicamentos importados ou nacionais [...] Mesmo que a operadora venha a fornecer os medicamentos alienígenas ou expressamente excluídos por estipulação legítima no contrato ou na apólice, é evidente o direito de reembolso da operadora contra o INSS.” Sobre o tema, segue abaixo a seguinte decisão 33 : "Apelação cível. Plano de saúde. Negativa de cobertura para materiais utilizados na cirurgia do autor, sob a alegação de que eram importados. Negativa injustificada, ante a ausência de exclusão expressa tanto no manual do plano de saúde, bem como na Lei nº 9.656/98. A ressalva da lei diz respeito tão-somente aos medicamentos importados não nacionalizados, o que não é o caso dos autos. Abusividade da cobrança dos materiais por parte do hospital. tendo em vista que não havia, no momento da alta, qualquer negativa acerca da cobertura do custo integral do procedimento. Além disso, o paciente não foi informado sobre qualquer irregularidade quanto à realização da 33 Disponível no site <www.stj.gov.br > Acesso em 10.02.07 54 cirurgia." (Ag 777919 Ministro Aldir Passarinho Junior DJ 18.08.2006) f) Fornecimento de Medicamentos Para Tratamento Domiciliar; Se o médico recomenda que o paciente faça o tratamento em casa, por questões de segurança, e os medicamentos estariam cobertos caso houvesse internação, o plano deve responsabilizar-se por tais medicamentos. Se os medicamentos não seriam fornecidos durante a internação hospitalar, é certo que seu uso está fora da cobertura do plano - referência. g) Fornecimento de Próteses, Órteses e Seus Acessórios Não Ligados ao Ato Cirúrgico; Ressalta- se os seguintes julgados 34 : “Plano de saúde. Prostatectomia radical. Incontinência urinária. Colocação de prótese: esfíncter urinário artificial. 1. Se a prótese, no caso o esfíncter urinário artificial, decorre de ato cirúrgico coberto pelo plano, sendo conseqüência possível da cirurgia de extirpação radical da próstata, diante de diagnóstico de câncer localizado, não pode valer a cláusula que proíbe a cobertura. Como se sabe, a prostatectomia radical em diagnóstico de câncer localizado tem finalidade curativa e o tratamento da incontinência urinária, que dela pode decorrer, inclui-se no 34 Disponível no site <www.stj.gov.br > Acesso em 10.02.07. 55 tratamento coberto, porque ligado ao ato cirúrgico principal. (REsp 519940 / SP ; Recurso especial 2003/0063287-0 Ministro Carlos Alberto Menezes DJ 01.09.2003 p. 288 )” “Ação de indenização. Rito sumário. Plano de saúde. Cláusula abusiva diante do CODECON. Material utilizado em cirurgia que não pode ser considerado como prótese. (Ag 813802 Ministro Aldir Passarinho Junior DJ 17.11.2006)”. Conclui-se que as inúmeras decisões desfavoráveis para a operadora, sobre o assunto, geram a extinção do plano - referência no mercado. 8.1.2.- Transtorno Psiquiátrico e Transplantes O art. 10, § 4º da Lei 9656/98 dispõe, in verbis: § 4º: “A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS.” A Resolução CONSU 11/98 disciplina a cobertura aos tratamentos de todos os transtornos psiquiátricos codificados na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Cumpre anotar que o art. 2º, II, § Ú da Resolução se refere a lesões auto - infringidas, mas o termo correto seria auto - infligidas. 35 A Resolução CONSU 12/98 trata da cobertura de transplantes e seus procedimentos por parte das operadoras de planos e seguros privados de 35 Maury Ângelo Bottesini, ob.cit. p.95 56 assistência à saúde. Expõe, outrossim, em seu art. 2º, que os planos e seguros referência e sua segmentação hospitalar cobrirão transplantes de rim e córnea, bem como as despesas com seus procedimentos vinculados. Os transplantes de rins e córneas têm cobertura pelo plano, devendo os candidatos a transplante de doador morto serem inscritos em uma Central de Notificação, Captação de Distribuição de Órgãos (CNDO). Em transplante de doador vivo, a fila única é dispensada e todas as despesas, inclusive o pós-operatório, serão cobertas pelo plano. Os demais dispositivos da Resolução 12 se referem a transplantes em geral e não apenas aos de cobertura obrigatória. Se o plano não tiver estabelecimento apto para realizar o transplante, deve o mesmo ser realizado pelo SUS com todas as despesas cobertas pelo plano. O CONSU deixou de fora da cobertura obrigatória os medicamentos usados após o transplante para evitar a rejeição e outros transplantes usuais, como os de fígado, coração e medula óssea. 8.1.3. Carência do Plano - Referência A carência consiste no período de tempo previsto contratualmente e respaldado na legislação, que decorre entre o início do contrato (assinatura) e a efetiva possibilidade de uso dos serviços. No que atine a importância da carência, Lopes 36 assenta: “Com a carência há a preocupação de permitir o recebimento de um numerário mínimo do consumidor ingressante, para a capitalização do fundo mútuo que é 36 Ob. cit. p. 94. 57 utilizado para a cobertura de todos os eventos [...] qualquer cláusula que estipule período de carência superior à expressamente permitida em lei será tida como nula de pleno direito, não vinculando as partes contratantes, naquilo que superar o prazo máximo permitido em lei.” O art. 5º, II, da Resolução CONSU 14, estabelece a vedação do estabelecimento de cláusulas relativas à carência nos planos e seguros coletivos empresariais com número superior a cinqüenta participantes. Sempre mais freqüente a venda pelas operadoras, de planos com isenção completa de carência, ou a “compra” de carência. Vige, em tais casos, o princípio da vinculação da oferta, ou seja, sempre que for ofertada isenção ou “compra” de carência para determinadas coberturas, o fornecedor ficará vinculado a cumprir o que foi propagado, ainda que o contrato disponha de forma distinta. Nessas mesmas situações, caso o fornecedor venha negar-se a cumprir o serviço na maneira ofertada, cumpre aplicar o art. 35 do CDC. Lopes 37 , em relação ao aspecto da recontagem de carências, entende: “Jamais o atraso no pagamento pode ser usado como causa ensejadora da recontagem de carências [...] o atraso no pagamento deve ter conseqüências meramente financeiras, com a incidência de correção monetária, juros de mora e multa moratória que forem pactuados.” 37 Ob.cit. p. 96. 58 Os contratos que prevêem como sanção para o atraso no pagamento, a imposição de multa moratória, correção monetária e juros de mora, além de novo prazo de carência, não contrariam apenas o art. 16 da Lei 9656/98, mas podem ser consideradas como verdadeiro bis in idem. A imposição de novo prazo de carência não só desequilibra a relação contratual, mas contraria a própria bilateralidade da relação existente e, viola expressamente a boa-fé objetiva. A carência máxima para o plano - referência é de 180 (cento e oitenta) dias, com exceção de emergências ou urgências, em que a carência cai para 24(vinte e quatro) horas, contadas a partir da contratação do plano. O CONSU estabeleceu ainda uma carência de 24 (vinte e quatro) meses para o atendimento a eventos relacionados com doenças preexistentes. Além do plano - referência, a lei criou quatro subplanos que se posicionam imediatamente acima do plano - referência, quais sejam: plano ambulatorial, hospitalar, hospitalar com obstetrícia e odontológico. 8.2.- Do Plano Ambulatorial No plano ambulatorial é assegurado ao beneficiário número ilimitado de consultas médicas em clínicas básicas e especializadas e presta serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico. 38 O art. 2º da Resolução CONSU 13/98 estabelece que o plano ambulatorial, deverá garantir cobertura de urgência e emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento. 38 Gislândia Ferreira da Silva, ob.cit. p.70. 59 Tal plano não permite a internação hospitalar nem procedimentos de diagnóstico ou terapia que exija apoio de estrutura hospitalar por período superior a doze horas. A carência máxima para esse plano é de 180 (cento e oitenta) dias, com exceção de urgências ou emergências, em que a carência cai para 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir da contratação do plano. O CONSU estabeleceu ainda uma carência de 24 (vinte e quatro) meses para o atendimento a eventos relacionados com doenças preexistentes. 8.3. Do Plano Hospitalar Qualquer plano que oferecer atenção hospitalar, isoladamente ou em combinação, terá de garantir atendimento aos casos que requerem a internação em hospitais, inclusive cirurgias ou outros procedimentos mais complexos. Neste plano, assim como no plano - referência, o grande avanço trazido pela lei foi a proibição do limite de dias de internação e do valor. Apesar do art. 12 da Lei 9656/98 vedar o limite de internação hospitalar, são freqüentes as demandas no judiciário discutindo cláusulas sobre limitação de internação em UTI ou CTI. Destarte, o STJ editou a Súmula 302 39 : STJ - Súmula 302: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”. DJU 22.11.2004 39 Disponível no site <www.stj.gov.br> Acesso em 10.02.07. 60 Os fundamentos de lei para a Súmula 302 são o art. 51, IV do CDC, o art. 5º da LICC, o art. 1460 do CC de 1916 e o art. 12, II, b da Lei 9656/98. Sendo assim, se existir alguma cláusula no contrato limitando a internação do paciente, tal cláusula será considerada como não escrita. Os exames complementares indispensáveis à elucidação diagnóstica e controle da doença e o fornecimento de medicamentos e tratamentos prescritos pelo médico são de cobertura obrigatória pelo plano. O plano hospitalar deve cobrir sala de cirurgia e materiais nela utilizados, bem como remoção do paciente para outro estabelecimento hospitalar, desde que necessária, em território nacional, dentro dos limites de abrangência geográfica previstos no contrato 40 . O art. 12 da Lei 9656/98 dispõe que o plano deve cobrir ainda as despesas de acompanhante, no caso de pacientes menores de dezoito anos. O mesmo dispositivo já impunha aos estabelecimentos de atendimento á saúde o dever de proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente. A carência máxima pode ser de 180 (cento e oitenta) dias, caindo para 24 (vinte e quatro horas) horas nos casos de emergência ou urgência, contadas a partir da contratação do plano. 8.4. Do Plano Hospitalar com Obstetrícia É o plano indicado para a mulher em idade fértil. Para este plano valem todas as coberturas citadas no seguimento anterior, mais as seguintes 41 : 40 41 Andréa Lazzarini. Planos de Saúde, p.32/33 Ibid, p.33/34 61 Procedimentos relativos ao pré - natal; assistência ao parto; cobertura do recém nascido durante os trinta primeiros dias após o parto; inscrição no plano sem carências para o filho natural ou adotivo, desde que a aquisição ocorra em até trinta dias depois o nascimento; eventuais complicações pós-parto da mãe. A Lei 9656/98 estabelece a carência máxima de 300 (trezentos) dias para o parto a termo (que completa os nove meses de gestação), ou seja, se o parto não for a termo, em razão de algum imprevisto, a empresa terá de cumprir seu dever de prestar assistência. 42 Até porque complicações no processo gestacional, como um parto prematuro, são enquadradas como situação de urgência. De acordo com o art. 4º, § Ú da Resolução CONSU 13/98, alterada pela Resolução 15/99, todas as gestantes que não tenham completado ainda os dez meses de carência, só terão direito ao atendimento de urgência e emergência durante 12 (doze horas) e, ainda assim, somente em nível de ambulatório. Isso pode deixar de fora da cobertura casos de aborto e outras complicações da gestação que exigem internação. Não há possibilidade de recusa de inclusão do recém nascido no plano, seja qual for o motivo. Deve-se, também entender, que a cobertura assistencial estende-se ao recém nascido durante os primeiros 30 (trinta) dias após o parto ou enquanto durar o tratamento, se iniciado durante os primeiros trinta dias. Entende-se também, que a cobertura assistencial estende-se ao recém nascido, filho natural, adotivo, ou à criança sobre quem o beneficiário detenha guarda judicial. 43 42 43 Vide art. 12, inciso V, a, da Lei 9656/98 Gislândia Ferreira da Silva, ob.cit. p.70 62 8.5. Do Plano Odontológico O plano que assegure atendimento odontológico deve cobrir consultas, exames auxiliares, procedimentos preventivos de dentística e endodontia, cirurgias menores, isto é, as realizadas em ambulatório e sem anestesia geral 44 De acordo com a Resolução CONSU 10, os procedimentos buco maxilares e aqueles passíveis de realização em consultório, mas que por imperativo clínico, necessitam de internação hospitalar, somente estarão cobertos pelos planos hospitalar e referência. Deve-se tomar cuidado para que não seja negado o direito a um procedimento passível de ser feito em consultório somente para excluir. A carência máxima pode ser de até 180 (cento e oitenta) dias, sendo que os casos de urgência e emergência têm carência limite de 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir da contratação. 8.6. Dos Produtos Combinados O art. 12 da Lei 9656/98 permite a venda de um plano composto por mais de um segmento. De acordo com a Resolução CONSU 02/98, entende-se como segmentação, cada um dos tipos de plano de que trata o art. 12 da Lei 9656/98. Segmento, para o legislador, significa modalidade ou espécie de plano. O dispositivo permite a montagem de planos de acordo com o interesse mercadológico da operadora. 45 44 45 Vide artigo 12, IV, a,b,c, da Lei 9656/98 A empresa pode vender um plano “misto” composto pelos segmentos ambulatorial e hospitalar 63 9. DAS DOENÇAS E LESÕES PREEXISTENTES Este ponto sempre foi um dos mais conturbados na prestação de serviços assistenciais à saúde. Pois as empresas tentam incluir as doenças congênitas (nascido com o indivíduo), bem como problemas de câncer , AIDS, ou mesmo a obesidade mórbida como preexistentes 46 . Compreende-se que a inclusão de portadores de doenças cujo tratamento agrava a equação atuarial que governa a implantação, a administração e o funcionamento dos planos, representa dificuldade para as empresas. O art. 1º da Resolução CONSU 2/98 define o conceito de doença e lesão preexistente (DLP): Art. 1º: “Definir que doenças e lesões preexistentes são aquelas que o consumidor ou seu responsável, saiba ser portador ou sofredor, à época da contratação de planos ou seguros privados de assistência à saúde, de acordo com o art. 11 e o inciso XII do art. 35-A da Lei 9656/98 e as diretrizes estabelecidas nesta Resolução”. Da leitura do artigo acima, conclui-se que se o consumidor desconhecia a doença na época da contratação, não poderá ser considerada preexistente. Nesse sentido consigna o julgado abaixo 47 : “Esta Corte já assentou que quando o Acórdão recorrido afirma que o segurado ‘comprovadamente, não sabia da doença maligna, com isso afastando a má-fé, é evidente que está repousado nas circunstâncias fácticas, vedando para o Especial 46 47 Gislândia Ferreira da Silva, ob.cit, p.70/71 Disponível no site <www.stj.gov.br> Acesso em 10.02.07 64 (REsp. 170.367/CE, DJ 26.10.1998). De outra feita, Relator do Senhor Ministro Eduardo Ribeiro, entendeu a Corte que para a incidência do artigo 1444 do Código Civil, ‘necessário que o segurado tenha feito declarações inverídicas quando poderia fazê-las verdadeiras e completas. E isso não se verifica se não tiver ciência do seu real estado de saúde” (AgRgAg 3.727/SP - DJ 20.08.1990). E, ainda, Relator Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, decidiu a Corte que salientando o Acórdão Recorrido “que não se poderia imputar má-fé ao estipulante do seguro, impossível de se cogitar de ofensa ao artigo 1.444, CC, sem a análise do conjunto fático-probatório impróprio de se fazer dos na autos, instância especial, a teor do verbete 7 da Súmula/ STJ’ (REsp. 40.491/RS - DJ 05.05.1997). “( REsp. 191.241- PR, j.19.10.1999 - DJU 06.12.1999, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). A mencionada Resolução do CONSU 48 também define outros termos que devem ser levados em consideração. Entende - se por cobertura parcial temporária aquela que admite num prazo determinado a suspensão da cobertura de eventos cirúrgicos, leitos de alta tecnologia e procedimentos de alta complexidade 49 . A lei não explica o que são “leitos de alta tecnologia”, nem o que são “procedimentos de alta complexidade”. 48 49 Vide art. 2º da Resolução CONSU 2/98 Maury Ângelo Bottesini, ob.cit. p.108 65 Entende - se por agravo o acréscimo temporário no valor da mensalidade ou do prêmio do seguro, com o qual se estabelece cobertura para uma doença já existente no momento da contratação ou se supera naquele contrato e para aquele consumidor, uma carência que faz parte integrante do produto registrado na ANS 50 . O consumidor deve escolher, na rede credenciada ou apresentada pela empresa, um médico para realizar uma entrevista qualificada, que resultará no preenchimento de um formulário de declaração de saúde 51 . O médico deve então, atuar como orientador, esclarecendo sobre as doenças que podem ser consideradas preexistentes. O consumidor pode escolher um médico não credenciado, mas deverá pagar. O Instituto de Defesa do Consumidor 52 entende que exigir um exame de saúde antes da assinatura do contrato, representa uma violação à intimidade da pessoa que é protegida pela Constituição Federal. Sendo constatada pela operadora, por perícia ou através de declaração do consumidor, a existência de doença ou lesão no momento da contratação, deve a mesma obrigatoriamente, oferecer as alternativas possíveis que estão vinculadas à imposição de um agravo ou de cobertura parcial temporária, sendo a escolha exclusiva do consumidor. Se o consumidor optar pela cobertura parcial temporária 53 , deverá suportar uma limitação de 24 (vinte e quatro) meses e, desde então, a cobertura passará a ser integral, de acordo com a segmentação contratada, sem que possa ser imposto qualquer agravo ao contratante. Lopes 54 entende que nesses 24 (vinte e quatro) meses o consumidor deveria pagar um preço menor, pois há diminuição do risco da empresa. 50 Ibid., p.108. Adrea Lazzarini, ob.cit. p.22 52 Disponível no site: <www.idec.org.br> Acesso em 04.10.06 53 Vide art. 5º da Resolução CONSU 2/98 e art. 11 da Lei 9656/98 54 Ob.cit. p.83 51 66 Após 24 (vinte e quatro) meses de manutenção do contrato de plano de saúde, não tem cabimento a alegação de preexistência da doença. Tal prazo é decadencial. Na cobertura parcial temporária, os atendimentos de urgência e emergência, relacionados à doença e lesão preexistente terão cobertura igual àquela assegurada na segmentação ambulatorial, independente do contrato firmado 55 . No que tange ao agravo, caberá à operadora efetuar os estudos de agravo possíveis e, quando solicitado pelo Ministério da Saúde, comprovar os valores resultantes 56 . A operadora deve obrigatoriamente esclarecer para o consumidor o valor que será acrescido em suas prestações mensais, em decorrência do agravo. Nesse sentido Lopes 57 entende: “A majoração somente pode valer para os dois primeiros anos. Depois o preço deve voltar ao padrão comum, já que, depois de decorrido o biênio, a operadora ou seguradora de qualquer modo, teria de arcar com os custos de tratamento de qualquer doença, mesmo que preexistente.” Como já dito anteriormente, a cobertura parcial e o agravo não valem para os planos coletivos com mais de 50 (cinqüenta) participantes. 55 Vide art. 5º § 1º da Resolução CONSU 2/98 Vide art. 6º § Único da Resolução CONSU 2/98 57 Ob. cit. p.84 56 67 Cabe à operadora do plano, o encargo de fiscalizar o preenchimento das declarações no momento da contratação 58 . Para isto todos os meios de prova em direito admitidos são válidos. A lei fala em prova e não em simples e infundada suspeita. Se antes dos 02 (dois) anos o consumidor apresentar doença que a empresa entende que exista antes da contratação, a operadora deverá demonstrar ser tal doença efetivamente preexistente e, provar que o segurado tinha conhecimento da preexistência. Se o consumidor de boa-fé, não tiver conhecimento da existência da doença e a operadora permitir a adesão sem requisitar qualquer exame, caberá à empresa arcar com os custos do tratamento. A única causa excludente seria a demonstração de que o consumidor agiu de má-fé, em decorrência do princípio da boa-fé objetiva. A empresa ao entender pela preexistência da doença não alegada no momento da contratação deve comunicar ao consumidor. Caso ele não concorde com a alegação, toda a documentação deverá ser entregue a um contencioso administrativo existente no Ministério da Saúde 59 . Não será permitida, sob qualquer alegação, a suspensão do contrato até o resultado do julgamento pelo Ministério da Saúde. Após o julgamento, caso o Ministério da Saúde acolha a alegação da operadora, o consumidor passa a ser responsável pelo pagamento das despesas. Não basta a alegação de preexistência, mas também de conhecimento do consumidor. As normas do processo administrativo para comprovação do conhecimento prévio de doença e lesão preexistente são reguladas pela ANS 60 . A 58 59 Vide art. 11 da Lei 9656/98, bem como art. 6º, inc. VIII e art. 47 do CDC Vide art. 7º da Resolução CONSU 2/98 Vide Resolução RN 55/2003 que não revogou expressamente as disposições da resolução CONSU 2/98 60 68 operadora não poderá cessar os serviços até demonstrar a preexistência da doença e a má-fé do consumidor. No caso do neonato temos duas hipóteses 61 : Se nascido fora da cobertura de um plano, com alguma doença congênita, o mal será considerado como doença preexistente se conhecido do seu responsável. Já no caso de crianças nascidas de mães com cobertura de parto estão livres de agravo, cobertura parcial ou carência, desde que estejam inscritas no plano até o trigésimo dia de vida. 61 Vide art. 8º da Resolução CONSU 2/98 69 10. RESPONSABILIDADE CIVIL 10.1.- Noções Gerais A Reparação Civil é um dever jurídico de recomposição do dano sofrido, imposto ao seu causador direto ou indireto 62 . A Responsabilidade Civil pode ser dividida em: a) Subjetiva: É apurada mediante culpa do agente causador do prejuízo à vítima; b) Subjetiva com presunção e culpa: A Responsabilidade Civil nesse caso será imputada ao agente independente da prova de culpa nos casos em que a lei presume a culpa do mesmo, cabendo a este a prova de que não de comportou dolosa ou culposamente; c) Objetiva, em razão da atividade perigosa: Independe da existência de culpa do agente causador do dano, pois o dano ou o perigo resultam da própria natureza da atividade; Presume-se perigosa a atividade de transportes, atividades de gestão desenvolvidas pelo Estado e as relações de consumo 63 . Interessa observar que o Código de Defesa do Consumidor consagrou a teoria da Responsabilidade Objetiva nas relações de consumo. Adota-se a teoria do risco da atividade para informar a responsabilidade objetiva por erro médico, pois decorrente de ato ilícito, mas, por natureza, perigoso. 62 Roberto Senise Lisboa. Manual Elementar de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil, p.182 63 Ibid, p.259 70 São necessários dois requisitos básicos na Responsabilidade Objetiva 64 : O Dano, que é a lesão ao bem jurídico. Pode ser moral ou patrimonial. O dano médico pode ir desde uma pequena lesão até a morte, devendo em quaisquer hipóteses, ser indenizado. O Nexo de Causalidade, ou seja, o dano alegado deve ter sido causado por um agente, independente da demonstração de culpa ou dolo. No Código de processo Civil, o nexo Causal é a relação direta entre o defeito e o produto ou serviço; d) Objetiva por risco exacerbado: Trata dos acidentes por danos nucleares. A legislação atual somente prevê a responsabilidade por acidente nuclear ocorrido nas instalações nucleares. 10.1.1. Excludentes da Responsabilidade Civil 10.1.1.1. Excludentes da Responsabilidade Civil Subjetiva: a)Legítima Defesa própria; b)Legítima defesa de terceiro; c)Estado de necessidade próprio; d)Estado de necessidade de terceiro; e)Exercício regular do direito; f)Estrito cumprimento do dever legal; g)Caso fortuito; h)Força maior. 64 Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil, p.258 71 10.1.1.2. Excludentes da Responsabilidade Civil Objetiva: a)Culpa exclusiva da vítima: Violação ao dever jurídico que causa dano ao próprio violador; b)Culpa exclusiva de terceiro: Violação ao dever jurídico de terceiro que causa dano à vítima; c)Força maior: Evento inevitável e às vezes imprevisível que prejudica os interesses patrimoniais ou morais da vítima; d)Caso fortuito: Evento imprevisível, e às vezes inevitável, que prejudica os interesses patrimoniais ou morais da vítima. 10.2. Responsabilidade Civil à Luz do Código de Defesa do Consumidor A Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor, conforme citado anteriormente, será objetiva. O Código de Defesa do Consumidor é lei de ordem pública, portanto seus dispositivos são irrenunciáveis, impedindo que as relações de consumo causem prejuízo ao consumidor e à própria sociedade. O Código de Defesa do Consumidor traz as características jurídicas da relação de consumo, que estão configuradas em elementos objetivos e subjetivos 65 . a)Os elementos subjetivos são: O Fornecedor e o Consumidor. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, e mesmo o ente despersonalizado (como as sociedades de fato e as irregulares), que promova, a qualquer título, a circulação de produtos e serviços 66 . 65 66 Vide art. 2º e 3º do CDC Vide art. 3º do CDC 72 Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou se utiliza de um produto ou de um serviço como destinatária final. Também pode ser considerado consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo 67 . As pessoas atingidas por acidentes de consumo são equiparadas aos consumidores 68 e, finalmente, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas de consumo 69 . b) Os elementos objetivos são: Objeto imediato, objeto mediato e a causa da relação jurídica Objeto imediato é a operação jurídica por meio da qual o consumidor procederá à aquisição do produto ou serviço. Exemplo: compra e venda. Objeto mediato é a necessidade visada pelo interessado, ou seja, o produto (bem móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo) ou serviço (atividade humana remunerada lançada no mercado de consumo). Para aplicação do Código de Defesa do Consumidor, basta a presença de um objeto mediato. Produto 70 é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial e; serviço 71 qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. A Lei 9.656/98, utiliza por 30 (trinta) vezes a expressão “ inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei” com a finalidade de referir-se a planos e seguros privados de 67 Vide art. 2º § Único do CDC Vide art. 17 do CDC 69 Vide art. 29 do CDC 70 Vide art. 3º § 2º do CDC 71 Vide art. 3º § 3º do CDC 68 73 assistência à saúde, que em suas modalidades são denominados ora de produtos, ora de serviços 72 . O Código de Defesa do Consumidor somente será aplicado, quando estiverem presentes todos esses requisitos. Sobre o tema, ressalta-se que as operadoras, são pessoas jurídicas prestadoras de serviços típicas, cuja atividade profissional é a prestação de serviços relacionados à assistência privada à saúde, sendo essa atividade subordinada ao Código do Consumidor, e o consumidor, por sua vez, goza dos serviços prestados pela empresa como destinatário final, mediante o pagamento de mensalidades, encontrando-se em uma situação de vulnerabilidade no mercado de consumo. Destarte, tem-se que o vínculo existente entre as operadoras de planos de assistência à saúde e os consumidores, configura uma relação de consumo manifesta, e ademais, pacífica no poder judiciário, sendo que os beneficiários desses planos devem ser protegidos por serem hipossuficientes e vulneráveis. Não há qualquer interpretação aceitável que exclua os planos de saúde da tutela do Código de Defesa do Consumidor. O interesse do fornecedor, prestador de serviços relacionados à saúde, é lucrar com sua atividade e o interesse legítimo do consumidor é conseguir cobertura de riscos, envolvendo uma expectativa atual e futura, representadas no preço pago mensalmente e nas contribuições já realizadas. Apesar do art. 3º da Lei 9656/98, que previa a aplicabilidade subsidiária do Código de Defesa do Consumidor, ter sido revogado pela Medida Provisória 1.908-19/99, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor não afasta a Lei 9.656/98 e vice-versa, pois esta cuida exclusivamente da prestação do serviço, 72 Maury Ângelo Bottesini, ob.cit. p.50. Preconiza o autor que ao denominar de produto o plano privado, o legislador reforçou o caráter empresarial da atividade, considerando a empresa como produtora daquele bem de vida. 74 enquanto aquele cuida dos defeitos do descumprimento das obrigações, sendo que ambas devem ser interpretadas de maneira sistemática. A Resolução CONSU 8/98 não pode deixar de ser mencionada, pois tem como finalidade adequar as regras do Código de Defesa do Consumidor, aos usuários de operadoras de planos de assistência à saúde. 10.2.1. Modalidades de Responsabilidades Previstas no Código de Defesa do Consumidor a) Por Vício do Produto ou Serviço 73 : São vícios de qualidade, quantidade ou informação, que acarretam um dano ao patrimônio do consumidor, devendo a responsabilização se dar “ in re ipsa”, ou seja, não ultrapassando os limites valorativos o produto ou serviço 74 . Verifica-se nessa modalidade, a responsabilidade apenas por danos patrimoniais, e todos os fornecedores da cadeia econômica de consumo, responderão solidariamente perante o consumidor. Por fato do produto ou serviço 75 : São também denominados de acidente de consumo. O escopo do legislador é preservar a saúde, a integridade física e a vida do consumidor 76 . Interessa a responsabilidade pelo fato de serviço, pois os erros médicos são considerados acidentes de consumo já que causam sérios danos à personalidade do consumidor. 10.2.2. Excludentes de Responsabilidade e Procedimento Processual Previsto no Código de Defesa do Consumidor 73 Vide art. 18 a 24 do CDC Fernanda Schaefer, ob.cit. p. 84 75 Vide art. 12 a 17 do CDC 76 Ronaldo Alves de Andrade. Curso de Direito do Consumidor, p.146 74 75 As excludentes de responsabilidade objetiva previstas no Código Civil, conforme já visto, se limitam à culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiro, força maior e caso fortuito. Entretanto, o Código Civil será aplicado de forma supletiva às excludentes previstas no art. 14 § 3º do CDC. Se houver acidente de consumo, a operadora, os médicos e hospitais deverão trazer prova das seguintes excludentes: a) Após a prestação de serviço, o defeito alegado não existe, pois não há dano; b) Culpa exclusiva do consumidor; c) Culpa exclusiva de terceiro; d) Caso fortuito e força maior. No caso de erro médico o imprevisto deve ser excepcional e inevitável 77 ; e) Legítima defesa 78 ; f) estado de necessidade 79 ; g) exercício regular de direito e cumprimento a dever legal 80 . Em relação a culpa exclusiva de terceiro, vale ressalvar que o terceiro não pode ter qualquer relação jurídica com o fornecedor. Neste ponto Maranhão 81 informa: “...Se o preposto não se confunde com o terceiro, comente quando relação de 77 Vide art. 393 do CC Vide art. 188, inc. I do CC 79 Vide art. 24 do Código Penal 80 Vide art. 23, inc. III do Código Penal 81 Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor: Pensamento Jurídico, p.231 78 76 subordinação não houver é que pode o estabelecimento hospitalar eximir-se de responsabilidade. O preposto, quando culpado, responde solidariamente com o fornecedor. A culpa exclusiva do terceiro é causa eximente da responsabilidade do fornecedor.” No que tange ao procedimento especial previsto no art. 101, inciso I do CDC, a ação poderá ser proposta no domicílio do Autor. 82 O dano sofrido pelo consumidor pode também levar o profissional médico a responder por dano moral, de acordo com o art. 6º, VI do CDC. Em matéria de prescrição ou decadência, devem ser examinados os dispositivos dos arts. 26 e 27 do CDC. O fornecedor responsabiliza-se tanto pelos vícios aparentes como pelos vícios ocultos. No que tange a responsabilidade das operadoras dos planos de saúde, aplica-se o art. 27 do CDC, que nada tem a ver com os defeitos de produtos ou serviços previstos, mas com os danos ocasionados por eles, tanto materiais como pessoais 83 . O prazo inicia-se a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, sendo que passado esse prazo, perde-se o direito de acionamento judicial. Sendo assim, a responsabilidade pelo serviço defeituoso está submetida ao prazo de prescrição de 5 (cinco) anos. 82 83 Genival Veloso de França. O Código do Consumidor e o Exercício da Medicina, p.58 Ibid., mesma página. 77 10.3. Responsabilidade Civil das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde 10.3.1.- Da Responsabilidade Objetiva Não apenas o Código de Defesa do Consumidor, mas o Código de Processo Civil em seu art. 14, também estabelece uma séria limitação à responsabilidade das operadoras e seguradoras, pois dispõe que o fornecedor de serviços responde independente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores. Conclui-se que a responsabilidade da operadora, que é a fornecedora de serviços, independe de culpa, ou seja, é responsabilidade objetiva. Aplica-se tal responsabilidade não apenas nos casos em que o atendimento da vítima é feita em hospitais e clínicas da rede própria, como nos casos em que os danos são decorrentes do atendimento em clínicas e hospitais credenciados ou conveniados. Não será considerado defeituoso o serviço pela adoção de novas técnicas médicas, se o fim almejado foi atingido. Em se tratando de plano de saúde, a responsabilidade deve ser objetiva, pois deve responder pela escolha de seus profissionais, independente da constatação de culpa. A operadora de plano de saúde é assim responsável pela qualidade dos serviços, do atendimento e dos profissionais que põe à disposição de seus consumidores. Os planos de saúde respondem independentemente de culpa, pois há necessidade de pré-verificação da qualidade dos nosocômios e da capacidade dos profissionais. O credenciamento não deve ser realizado apenas em razão de uma adequação financeira. A obrigação dessas operadoras é de resultado, ou seja, assumem o compromisso de prestar um serviço médico de alto padrão e confiabilidade. 78 Pode ser responsabilizado por acidente de consumo ou vício ou fato do produto ou serviço, tanto o fornecedor direto ou imediato, como o mediato ou indireto (participa do contrato). A escolha cabe ao consumidor e, entre os fornecedores haverá direito de regresso contra aquele que deu causa ao dano. Destaca-se o seguinte julgado sobre o assunto 84 : “CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. Quem se assistência compromete médica a por prestar meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido.” (REsp 138059 / MG ; RECURSO ESPECIAL 1997/0044326- Ministro Ari Pargendler DJ 11.06.2001) 10.3.2. - Da Responsabilidade Solidária O Código de Defesa do Consumidor no art. 7º, § Único; art. 25, § Único e no art. 18, determina a solidariedade passiva de todos os fornecedores envolvidos na cadeia econômica. Não obstante, o Código Civil, também prevê a responsabilidade solidária 85 . A responsabilidade será compartilhada pelo médico, pelo hospital, pelos integrantes das “equipes médicas”, inclusive os paramédicos e pelas operadoras de planos de saúde, permitindo-se o direito de regresso daquele que ressarcir o dano contra aquele que o provocou. Nesse sentido segue o seguinte julgado 86 : 84 Disponível no site <www. stj.gov.br> Acesso em 25.02.07 O Art. 942 do CC afirma que “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e se a ofensa tiver mais de um autor todos responderão solidariamente pela reparação” 86 Disponível no site <www.tj.df.gov.br> Acesso em 13.02.07 85 79 Direito Civil. Erro médico. Operação de períneo. Morte da paciente por hipersensibilidade a penicilina constatada no pré-operatório cirurgia. e descuidada Responsabilidade da na equipe médica, do hospital e do plano de saúde. Evidenciado o erro médico que causou a morte da vítima, impõe-se solidariamente o dever de indenizar entre a equipe médica que realizou a cirurgia, o hospital e a empresa responsável pelo plano de saúde. Assim, podem os familiares da vítima fatal optar por demandar todos ou apenas um defeituosa (Apelação dos responsáveis prestação Cível APC de pela serviço 4824898/DF, 110616, 24.08.1998. 1ª Turma Cível, Waldir Leôncio Júnior, 16.12.1998) Por conseguinte, qualquer falha na prestação de serviço médicohospitalar é suficiente para gerar a responsabilidade solidária do plano de saúde, em função do risco-proveito por ele assumido. Se não for provada a culpa do profissional liberal, as operadoras respondem pela reparação sem a co-responsabilidade dos médicos. Muitos conflitos acontecem por conta disso, pois as operadoras tentam exonerar-se da responsabilidade objetiva, com a inexistência da culpa do médico credenciado ou conveniado. A operadora não pode exonerar-se contratualmente, pois tem o dever de garantia legal não apenas pelos serviços prestados mas, também, pela mensagem publicitária vinculadora. Qualquer cláusula que restrinja, impossibilite, ou atenue a 80 obrigação de indenizar será nula, conforme art. 25 do Código de Defesa Consumidor. A operadora, responde dessa maneira, não apenas pelo produto “plano de saúde” colocado no mercado, como também pela imagem que divulga desse produto, sendo obrigada a respeitar sua veracidade. Aconselha-se ter cautela na escolha do responsável solidário, pois às vezes, a presença de muitos deles poderá impedir a celeridade processual. Abaixo seguem os pronunciamentos do Tribunal Superior acerca da matéria em exame 87 : “Civil. Responsabilidade civil. Prestação de serviços médicos. Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Legitimidade passiva. Empresa prestadora de serviço, plano de saúde, ação de médico, indenização, decorrência, responsabilidade hipótese, erro caracterização, concorrente, médico, hospital credenciado. Recurso Especial não conhecido (Recurso Especial 138.059 - Minas Gerais. Relator Ministro Ari Pargendler - Terceira Turma)”. Civil e processual. Ação indenizatória. Ressarcimento de despesas médico- hospitalares. Plano de saúde. Alegação 87 Disponíveis no site <www.stj.gov.br> Acesso em 12.02.07. 81 de erro de diagnóstico no atendimento pela rede credenciada. Cirurgia de urgência realizada em nosocômio diverso. Cobertura negada. Extinção do processo por ilegitimidade passiva ad causam. Incorreção. Procedimento da lide. 1. A prestadora de serviços de plano de saúde é responsável, concorrentemente, pela qualidade do atendimento oferecido ao contratante em hospitais e por médicos por ela credenciados, aos quais aquele teve de obrigatoriamente se socorrer sob pena de não fruir da cobertura respectiva. 2.Recurso conhecido e provido, para conhecer a legitimidade passiva da ré e determinar o prosseguimento do feito. (Relator Ministro Aldir passarinho Junior Quarta Turma. Recurso Especial 164.084 - São Paulo) 10.4. Responsabilidade Civil do Médico O CC dispõe sobre o direito de indenização no caso de práticas abusivas decorrentes de atos ilícitos. Não apenas as operadoras de planos de saúde, mas os profissionais liberais podem ser responsabilizados, se avançarem além dos limites legais impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A responsabilidade civil do médico, na qualidade de profissional liberal, será subjetiva, ou seja, mediante culpa 88 . 88 O art. 14 § 4º do CDC preceitua que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. 82 Justifica-se a adoção da responsabilidade subjetiva para os médicos, pois nas relações de consumo com seus clientes, não está obrigado a um resultado, já que existe entre eles um contrato de meios e não de fins. O Código de Defesa do Consumidor levou em consideração que a relação de consumo existente entre consumidor e profissional liberal nasce de uma relação intuitu personae. Haverá acidente de consumo, quando o médico exercer a atividade de forma irregular, atípica ou imprudente. O erro médico não pode ser confundido com a não-realização das expectativas do paciente, mas deve ser entendido como a falha de técnica médica. Logo, se o médico trabalha em hospital, responderá apenas por culpa, enquanto a responsabilidade do hospital será apreciada objetivamente. Ainda sob o Código Civil, o art. 949 trata dos casos de lesão ou ofensa à saúde, em que o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o final da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. O art. 950 do Código Civil manda pagar uma pensão correspondente à importância do trabalho para o qual se inabilitou a vítima, ou da depreciação sofrida. Por fim, o art. 951 do CC afirma que o profissional liberal deverá arcar com indenização, quando por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Apesar do legislador não falar em médico, claramente percebe-se que foi redigido visando os profissionais de medicina e de odontologia. Considera-se prática abusiva na relação de consumo aquela que extrapola a normalidade no exercício da prestação de serviço entre fornecedor e 83 consumidor 89 . O art. 39, inc. VI e o art. 40 do CDC veda ao prestador de serviço executar serviços sem a prévia elaboração do orçamento e autorização expressa do consumidor. No tocante à prévia elaboração de orçamento, caso o paciente não esteja amparado por plano ou seguro saúde deve ser verificado o próprio Código de Ética Médica 90 . A medicina acaba apresentando a característica de imprevisibilidade, sendo que o início e o término da prestação de serviços não podem ser cogitados nessa atividade. Caso o profissional execute serviços sem a elaboração orçamentária e autorização expressa ou tácita do usuário, em casos de não urgência ou emergência, além de multa, poderão ser aplicadas as seguintes sanções 91 : a) Cassação da licença do estabelecimento ou das atividades de pessoas físicas ou jurídicas que necessitem de licença através de alvará de localização ou licença da Secretaria de Saúde; b) Intervenção administrativa com nomeação de interventores ou através de ordem da administração pública; c) Suspensão temporária da atividade de fornecedor ou prestador de serviços; d) Imposição de contrapropaganda; e) Suspensão de permissão de concessionário do serviço público; 89 Genival Veloso de França. O Código do Consumidor e o Exercício da Medicina, p.58/59 O art. 90 do Código de Ética Médica diz textualmente que é vedado ao médico “deixar de ajustar previamente com o paciente o custo provável dos procedimentos propostos quando solicitados”. 91 Vide art. 56 a 59 do CDC. 90 84 f) Interdição total ou parcial de estabelecimento ou de atividade, quando houver maior gravidade e reincidência do prestador e serviços. As sanções relacionadas serão aplicadas pela autoridade administrativa, podendo ser cumuladas com a responsabilidade penal e infrações previstas e tipificadas no CDC. As penas serão aplicadas sem prejuízo das correspondentes às lesões corporais e a morte. 10.5. Responsabilidade Civil da Operadora em Casos de Urgência e Emergência Antes de explicar sobre a responsabilidade nesses casos, faz-se mister mencionar a diferença entre urgência e emergência. O Art. 35-C da lei 9656/98, instituído por medida provisória, surge para estabelecer a diferença entre urgência e emergência, através de simples conceitos médicos. Sendo assim, a emergência, de acordo com o art. 35-C, I, da Lei 9656/98, é o atendimento que implicar risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizada em declaração do médico assistente; A urgência, de acordo com o art. 35-C, II, da Lei 9656/98, é o atendimento resultante de acidente pessoal ou de complicação no processo gestacional. A urgência traz a idéia daquilo que deve ser feito com rapidez, imediatamente. Ex: ameaça de aborto com sangramento ou atropelamento; na emergência temos uma idéia de imprevisto, de perigoso, e de fortuito, embora não precise ser atendido com rapidez. Ex: infarto de miocárdio, úlcera perfurada, hemorragia uterina, psicose aguda, depressão com desejo de suicídio, hematoma cerebral. 85 Diante da urgência, omitindo-se o médico, responderá pela omissão do socorro na esfera civil e criminal. Na emergência, a responsabilidade pode atingir outros profissionais ao qual o doente seja apresentado. O art. 30 do Código de Ética diz que o alvo da atenção do médico é o doente, em benefício do qual deverá agir com o máximo zelo e o melhor de sua capacidade profissional. O art. 156 da lei 10.406/02 diz que configura o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. É vedada a exigência de “caução” nos hospitais, através de notas promissórias e termos de responsabilidade, de acordo com a Resolução RN 44/03. Não cabe a desinternação, se o paciente, ainda pendente de carência para internação em UTI ou CTI, tiver que continuar o tratamento iniciado em urgência ou emergência. 92 A operadora deve dar cobertura e ressarcir-se ou perante o SUS ou perante o causador do mal que exigiu o atendimento. Nesse sentido, o seguinte julgado 93 : “Plano de saúde - Internação - Não há contrato válido que restrinja internação hospitalar para patologia de paciente que requeira urgência de tratamento, com risco de vida - Alegação de prazo de carência destituída de fundamento Recurso improvido. (1º Colégio Recursal dos JECs da Capital - Recurso 9455 - j. 18.09.2001 - rel Aben Athar)”. 92 93 Maury Ângelo Bottesini. Lei dos Planos e Seguros de Saúde, p.125. Disponível no site <www.tj.sp.gov.br> Acesso em 12.02.07 86 A Resolução CONSU 13/98 dispõe sobre a cobertura nos casos de urgência e emergência aos diferentes tipos de planos previstos em lei. O plano ou seguro - referência deverá garantir a cobertura integral, ambulatorial e hospitalar, para urgência e emergência. O plano ambulatorial deverá garantir cobertura de urgência e emergência limitada às 12 (doze) primeiras horas de atendimento. Os contratos de plano hospitalar e devem oferecer cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta ou que sejam necessários à preservação da vida, órgãos ou funções. Qualquer plano deverá, de acordo com suas características, incluir os procedimentos de urgência e emergência. Qualquer cláusula restritiva de atendimento nestas hipóteses seria nula de pleno direito. A carência máxima para atendimento dessas situações é de 24 (vinte e quatro) horas, sendo necessário o reembolso, em todos os tipos de plano, nos limites das obrigações contratuais. 87 11. DOS CONTRATOS DE ASSISTÊNCIA PRIVADA À SAÚDE 11.1. Características dos Contratos de Planos de Saúde As principais características dos contratos de planos de saúde são: Quanto aos efeitos: a bilateralidade, onerosidade, contratos aleatórios; Quanto à formação: são contratos de massa e adesivos; Quanto ao momento de sua execução: execução continuada; Quanto ao agente: individuais; Quanto à forma: concluídos por escrito; No que toca à bilateralidade, os contratos de planos de saúde geram obrigações para ambos os contratantes, há uma reciprocidade, pois a operadora deve cobrir os eventos contratados e o consumidor deve pagar em dia as prestações acordadas; São onerosos, pois, ambos os contratantes obtêm proveito, acarretando vantagens a ambas as partes, ou seja, sacrifícios e benefícios recíprocos. Carlos Roberto Gonçalves 94 define contrato aleatório como sendo: “O bilateral e oneroso em que pelo menos um dos contraentes não pode antever a vantagem que receberá, em troca da prestação fornecida. Caracterizase, ao contrário do comutativo, pela incerteza, para as duas partes, sobre as vantagens e sacrifícios que dele podem advir. É que a perda ou lucro dependem de um fato futuro e imprevisível”. 94 Direito Civil Brasileiro, p.73 88 O vocábulo aleatório é originário do latim álea, que significa sorte, risco. Porém a álea não pode ser confundida com o risco. Aquela é a probabilidade de uma vantagem, com a correspondente probabilidade de uma perda. Este é o efeito de certos negócios jurídicos 95 . A contraprestação principal do fornecedor fica a depender da ocorrência de evento futuro e incerto, que é a doença dos consumidores ou seus dependentes. A incerteza nesses contratos é em relação à “necessidade” da prestação e não com que qualidade, segurança e adequação, deve ela ser prestada. Quando necessária a prestação nos contratos de assistência médica, deve ser fornecida com a devida qualidade e adequação para que o contrato atinja sua finalidade. São contratos de socialização de riscos, há uma solidariedade na divisão dos riscos e do pagamento, porque aquele que está são e ingressa no plano por segurança, suporta aquele consumidor que não é mais jovem e necessita de prestações específicas maiores. Conclui-se que a álea existe apenas para o consumidor, pois a operadora baseia a sua prestação em cálculos atuariais por probabilidade de eventos de saúde na dedução de percentagem certa pra custeio e lucro, não lhe trazendo qualquer risco. Consequentemente, a relação contratual do plano de saúde é uma obrigação de resultado porque o que se espera do prestador é um serviço médico adequado, um reembolso, fornecimento de exames, alimentação, medicamentos. Se o consumidor irá curar-se é incerto. 95 Fernanda Schaefer, ob.cit. p. 56 89 Contratos de massa (ou Standard) são aqueles utilizados para a oferta em massa de produtos e serviços. As relações de massa tendem a ser despersonalizadas. O Contrato de adesão é a forma utilizada pelos contratos de massa, pois não se admite discussão sobre suas cláusulas, já que um dos contratantes elabora o contrato em forma impressa ou datilografada e o outro, aceita ou rejeita o documento, como restrição ao princípio da autonomia da vontade. Diferencia-se do contrato paritário, pois a ausência de negociações implica em clara posição de desigualdade e inferioridade para o contratante mais fraco. Cumpre esclarecer que os contratos de adesão são endereçados a um número indeterminado e desconhecido de pessoas. Alguns Autores negam sua natureza contratual, já que falta a vontade de uma das partes, porém o entendimento majoritário é de que a aceitação das cláusulas, ainda que preestabelecidas, lhe assegura aquele caráter 96 . O art. 54 do CDC conceitua o contrato de adesão da seguinte forma: Art. 54: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. O art. 47 do CDC estabelece que as cláusulas contratuais sejam sempre interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. O art. 423 do CC dispõe que quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Não obstante o art. 424 do mesmo diploma proclama que nos 96 Nesse sentido: Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro, p.76 e Silvio Rodrigues. Direito Civil, p.45 90 contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente à direito resultante da natureza do negócio. Por conseguinte, qualquer cláusula que não obedeça a Lei 9656/98 ou aos princípios e deveres (dever de informação, dever de transparência, dever de destaque das cláusulas limitadoras dos direitos dos consumidores, dever de redação simples que possibilite sua compreensão pelo homem comum) estabelecidos pelo CDC e pela CF serão nulas, pois são leis de ordem pública cujo conteúdo não pode ser afastado. Contratos de execução continuada ou de trato sucessivo são cumpridos por meio de atos reiterados. Os contratos de planos de saúde são contratos cativos de longa duração (quanto maior o vínculo, mais cativo está o consumidor), pois há uma estreita, cativa e contínua vinculação entre o fornecedor e os consumidores. São serviços contínuos, pois o contrato não se consuma com apenas um único ato, complexos e prestados por terceiros. A vigência dos presentes contratos é por tempo indeterminado (longa duração), ou sujeita a termo final renovável automaticamente pela ausência de manifestação das partes. O legislador estabeleceu que o prazo mínimo para vigência dos contratos é de um ano e que, decorrido esse prazo inicial, passará a viger por prazo indeterminado, sendo a renovação automática 97 . No que tange ao contrato individual, Caio Mário 98 destaca: “Contrato individual é o que se forma pelo consentimento vontades de são pessoas, cujas individualmente consideradas. Não é a singularidade de parte que o identifica. Pode uma pessoa contratar com várias outras ou um grupo 97 98 Vide art. 13 da Lei 9656/98 Instituições de Direito Civil, p.71 91 de pessoas com outro grupo, e o contrato ser individual, uma vez que, na sua constituição, a emissão de vontade de cada um entra na etiologia da sua celebração”. Os contratos coletivos são denominados convenções coletivas, constituem um acordo normativo após sua homologação, enquanto os contratos individuais criam direitos e obrigações. Os Contratos concluídos por escrito, no caso dos seguros, são ainda solenes, pois devem obedecer à forma prescrita em lei para serem firmados. A formalidade nesse caso será substância do ato e a não observância será causa de nulidade do contrato. 11.2. Das Cláusulas Obrigatórias O art. 16 da Lei 9656/98 exige não apenas a clareza nos contratos para facilitar a compreensão, mas também estabelece alguns pontos que obrigatoriamente devem ser redigidos com tipos legíveis, são eles: a) condições de admissão; b) início da vigência do contrato; c) períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames; d) faixas etárias e os percentuais para reajuste por mudança de faixa etária; e) condições em que o beneficiário ou segurado perde seus direitos (quando atinge a maioridade); 92 f) eventos cobertos e excluídos; g) modalidade do plano (individual, familiar ou coletivo); h) franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica; i) bônus, os descontos ou os reajustes das mensalidades; j) área geográfica de abrangência do plano; l) critérios de reajuste e revisão das mensalidades; m) número do certificado de registro da operadora. 11.3. Dos Reajustes Cumpre destacar dois reajustes aplicáveis aos planos de saúde de assistência médico - hospitalar. Os contratos podem estabelecer reajustes por faixas etárias, desde que previamente estabelecido, inclusive com fixação dos percentuais de reajustes incidentes sobre as faixas etárias 99 . O art. 35, § 2º e o art. 35 - E, § 2º dispõem que a aplicação de cláusula de reajuste das contraprestações pecuniárias dependerá de prévia aprovação da ANS, mas este dispositivo de lei teve sua vigência suspensa pelo STF na liminar deferida pelo Ministro Nelson Jobim em Ação Direta de Inconstitucionalidade 1931/98. 99 Vide art. 15 da Lei 9656/98 93 A Resolução CONSU 6/98 estabeleceu em seu art. 1º uma divisão etária por sete faixas. Porém a Resolução RN 63/03 da ANS afirma que deverão ser adotadas dez faixas etárias, sendo a primeira de zero a 18 (dezoito) anos e a última de 59 (cinqüenta e nove) anos ou mais. Entretanto a Resolução CONSU 6/98 não foi expressamente revogada pela Resolução de 2003 da ANS. O art. 3º, inc. I, da Resolução RN 63/03 dispõe que o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária. O inc. II estabelece que entre a sétima faixa e a décima não pode haver reajustes somados maiores que aqueles aplicáveis da primeira à sétima faixa. Em relação aos contratos firmados antes de 01/01/99, o art. 6º da Resolução RN 64/03 dispõe, in verbis: Art 6º “Para cálculo do percentual de ajuste da contraprestação pecuniária, fica definido um Índice Geral - IG de 15% (quinze por cento), que representa o limite máximo de aumento de receita a ser obtido com os novos valores a serem adotados, considerando-se o conjunto dos contratos objeto da proposta de aditamento, observando-se as seguintes regras.” Os dispositivos da Resolução CONSU 6/98 que tratavam da adaptação dos contratos anteriores à Lei 9656/98, foram derrogados pelas Resoluções RN 64 e RN 74. Existe a possibilidade do titular do contrato estar em uma faixa anterior e o preço da mensalidade ser maior, em razão da presença de dependente ou agregado com idade avançada. Sendo assim, o art. 35 - E criou uma fórmula de diluição do valor das mensalidades em razão da idade dos usuários, titulares e dependentes. Ocorre, porém, que todos os dispositivos do Art. 35 - E, exceto o caput e o § 3º, estão suspensos pela liminar do STF na ADin 1931/1998. A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada em dezembro de 1998 pela Confederação 94 Nacional da Saúde, estabelecimentos e serviços CNS, ABRANGE, CIEFAS e ABRASPE. Torna-se imprescindível mencionar a existência de outro reajuste, denominado reajuste financeiro, aplicado por todas as operadoras na data de aniversário do contrato. Refere-se tanto a contratos individuais e familiares, porém nos contratos individuais a ANS fiscaliza e autoriza os limites para esse reajuste. Apesar da ANS não regular estritamente a forma de reajuste dos contratos coletivos, eles não podem ser negociados em desacordo com a legislação e com os princípios de proteção do consumidor. A autorização do aumento deve ser informada no boleto de cobrança da mensalidade, especificando o índice, o número do ofício com a permissão para o aumento, o nome e o número de identificação do plano na ANS. Em maio de 2004, o índice fixado foi de 11,75 %, e em maio de 2005, de 11,69%. A Resolução Normativa nº 128 publicada no Diário Oficial da União de 19 de maio de 2006 estabeleceu o índice de 8,89%, que é aplicado pelas operadoras que têm data-base entre maio de 2006 e abril de 2007. O índice de 8,89% vale para os planos de saúde de assistência médicohospitalar independentemente de possuírem ou não cobertura odontológica, contratados por pessoas físicas a partir de 1º de janeiro de 1999, bem como para os planos adaptados à Lei 9656/98. Estão considerados os planos individuais ou familiares e aqueles operados por entidades de autogestão não patrocinada, cujo financiamento de dê exclusivamente por recursos de seus beneficiários. Para chegar ao índice dos planos novos contratados por pessoas físicas, a ANS considera a média dos aumentos aplicados aos contratos coletivos nos últimos 12 meses (contratados por empresas, associações ou sindicatos). É aplicado em decorrência da inflação nos custos hospitalares, médicos e farmacêuticos, 95 corrigindo o valor do contrato monetariamente, de acordo com índice próprio do setor, determinado e divulgado anualmente pela ANS. Em relação aos planos antigos assinados antes de janeiro de 1999, com cláusulas claras, vale o que estiver no contrato, desde que o índice esteja explícito (IGP-M, IPC). Se o contrato for omisso, a operadora é obrigada a enviar para os beneficiários a cópia da cláusula em questão juntamente com o percentual aplicado e identificação do plano na ANS. Para os contratos de planos exclusivamente odontológicos que possuem cláusulas com índice previamente definido, como IGP-M e IPC, deverá ser aplicado tal índice. Já nos contratos em que não há cláusula de reajuste, a operadora deverá oferecer ao titular do contrato um termo aditivo propondo a determinação de um índice de preços divulgados por instituição externa. Em alguns contratos coletivos de assistência à saúde aplica-se ainda um terceiro reajuste das mensalidades em função da “sinistralidade”, baseada no aumento de utilização do plano pela massa de beneficiários. Ocorre, porém, que essa cláusula é considerada abusiva já que a operadora não pode reajustar unilateralmente os preços pagos pelos consumidores, em razão da proibição contida no inc. X do art. 51 do CDC. Ainda que contratado de forma coletiva, o contrato inclui-se na categoria dos contratos de consumo. A cláusula que prevê o aumento em razão da “sinistralidade” pode ser considerada abusiva à luz do inc. IV do art. 51 do CDC, pois elimina a característica aleatória do contrato de plano de saúde, transferindo ônus que, em princípio seria seu, para a outra parte, através de uma onerosidade excessiva. É imprescindível que qualquer aumento contratualmente previsto seja veiculado através de fórmula claramente 96 definida, de sorte a fornecer antecipadamente ao contratante uma noção do ônus que suportará. Sobre o tema, seguem os seguintes pronunciamentos 100 : “Medida cautelar. Concessão de liminar. Seguro saúde. Reajuste de mensalidade. Cláusula leonina. CDC. Agravo de Instrumento. Recurso desprovido. Agravo de Instrumento. Decisão concessiva de liminar em ação Cautelar. Aumento de cerca de 170% no valor das prestações das mensalidades em plano de saúde, decorrentes de contrato, firmado há 17 anos, por haver completado a beneficiária 60 anos de idade. Prática abusiva vedada pelo Código de Defesa ao Consumidor. Presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. Desprovimento do recurso.(TJRJ; AI 1999.002.2049, 20.04.1999) Seguro saúde. Cláusula de reajuste. Cômputo da idade. Cláusula leonina. Nulidade de cláusula. Plano de Saúde. Reajuste das prestações. Aumento excessivo, de cerca de 100% (cem por cento) do valor da prestação por implemento da idade. Contrato anterior à Lei do Consumidor. O fato de o contrato ter se iniciado anteriormente à vigência do CDC, não retira a sua aplicabilidade à hipótese, quando as alterações no valor 100 Disponíveis no site <www.tj.rj.gov.br> Acesso em 13.02.07 97 das mensalidades por faixa etária vem a ocorrer sob a sua égide. Contrariedade ao equilíbrio contratual, evidenciando abuso de direito, se estipulado aumento de 100% (cem por contribuições por cento) ter o sobre as contribuinte atingido 70 (setenta) anos de idade. Invalidade das cláusulas abusivas, nos termos da Lei 8078/90, aplicando-se os índices de correção monetária adequados à hipótese. Não ocorre dano moral pois o contrato apenas observasse seus pretendeu que termos, se embora contendo cláusulas abusivas, o que não evidencia constrangimento à Apelante. Recurso parcialmente Apelação Cível, nº provido.(TJRJ do proc. 1999.001.19254, des. Sidney Hartung, 06.04.2000) 11.3.1. Exceção Para os Maiores de 60 (Sessenta) Anos O Art. 15 § Ú informa que é vedado o reajuste para os contratos de beneficiários que contem mais de 60 (sessenta) anos de idade e pelo menos 10 (dez) de adesão ao plano. Porém esse dispositivo foi derrogado pela Resolução RN 63/03, sendo necessário apenas ter mais de 60 (sessenta) anos de idade para não ter suas mensalidades reajustadas. A proteção da pessoa idosa (acima de 60 anos) recebeu importante implementação através da Lei 10.741/2003 conhecida como “estatuto do idoso”, que veda qualquer forma de discriminação do consumidor idoso em planos e seguros de saúde e que se manifestem através de cobranças de valores diferenciados em razão 98 da idade. O último aumento permitido por mudança de faixa etária deve ocorrer aos 59 (cinqüenta e nove) anos do consumidor. A questão dos contratos anteriores ao Estatuto do Idoso (§ 3º do art. 15) e dos contratos anteriores à Lei 9656/98 (art. 35-E), dependerá do julgamento final da referida Adin 1931/98. No âmbito de proteção dos idosos o Código do Consumidor dispõe no inciso IV do caput do seu art. 39 tratar-se de prática abusiva, vedada pelo fornecedor de produtos ou serviços, prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingirlhes seus produtos ou serviços. Além das normas constantes do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor de planos de saúde, não necessariamente o idoso, encontra amparo também junto a Portaria da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que prevêem rol de cláusulas contratuais consideradas abusivas, e são editadas em aditamento ao art.51 do CDC. Cumpre citar a ementa do seguinte julgado 101 : “Plano de saúde - faixa etária - Adequação à Lei 9656/98 que deve ser realizado sem ônus para o consumidor Impraticável o aumento em razão do octogésimo aniversário do consumidor se a legislação vigente já fixou como última faixa aquela dos ‘setenta anos ou mais’ (inciso VV do art. 1º da Resolução CONSU, de 03.11.1998, que regulamentou o art 15 da Lei 9656/98) Cobrança excessiva caracterizada - Recurso a que se nega provimento 101 Disponível no site <www.tj.sp.gov.br > Acesso em 13.02.07 99 porque deve a recorrente devolver os valores recebidos de forma abusiva” (1º Colégio Recursal dos JEC da Capital Recurso 7.536 19.09.2000) 11.4. Cancelamento do Contrato e Renovação Automática O art. 13 da Lei 9656/98 impede que a operadora cancele o contrato unilateralmente. Mas há duas exceções: a) Atraso no pagamento por mais de sessenta dias por ano de vigência do contrato. A operadora pode rescindir o contrato se o consumidor atrasar uma ou mais mensalidades de modo que esses atrasos totalizem mais de sessenta dias no período de um ano. Decorrido esse período, os atrasos do passado não são mais computados. Ex: Se nos primeiros 05 (cinco) meses do período de um ano de vigência houver atraso no pagamento de duas parcelas, deve de admitir o pagamento dos atrasados e o restabelecimento do contrato. Se, porém, ocorrer o terceiro atraso antes que se complete aquele ano, a operadora pode resolver o contrato. b) Fraude do consumidor: a empresa pode rescindir o contrato se, por exemplo, quando o plano for utilizado por pessoa estranha ao contrato ou se o consumidor não declarar uma doença preexistente. No entanto, para a operadora suspender o atendimento e resolver o contrato, deverá notificar o usuário até o 50º dia de inadimplência, caso não seja notificado, o consumidor poderá emendar a mora e restabelecer o contrato mesmo que o atraso seja superior a 60 (sessenta) dias. A Lei 9656/98, em seu art. 13, inc.III, permite concluir que em qualquer caso a resolução do contrato só é permitida quando o titular não estiver internado. Mesmo se o consumidor estiver internado em unidade de terapia intensiva (UTI), o 100 plano deve custear a internação pelo tempo determinado pelo médico, não podendo transferi - lo ou limitar o número de dias de internação hospitalar. Apesar do dispositivo apenas referir-se ao titular do plano, o dependente não pode ser desinternado, se não houver outra instalação hospitalar, porque não pode haver tratamento discriminatório dos usuários dos planos de saúde. Anteriormente à Lei 9656/98 eram comuns as “expulsões” dos planos, pois existiam cláusulas nos contratos dizendo que qualquer das partes poderia, a qualquer momento, rescindir o contrato. A operadora era sempre favorecida, pois os usuários que adoeciam mais, ou aqueles que atingiam idade avançada após pagar anos de plano e ter cumprido as carências exigidas, eram informados que o contrato seria rescindido a partir do mês seguinte. Alguns autores entendem que essa restrição à liberdade de resolver o contrato torna tal dispositivo de constitucionalidade duvidosa, diante da liberdade de contratar e da inexistência de contrato perpétuo nem de obrigação legal de permanecer eternamente vinculado por contrato. Todavia, o que a lei não permite é a denúncia imotivada pela operadora quando houver prejuízo irreparável para a parte inocente, sendo permitido colocar fim ao vínculo, desde que a parte que der causa ao dano responda pela reparação. Como as operadoras estão proibidas de cancelar unilateralmente os contratos, esses documentos terão renovação automática, não sendo permitida nenhuma cobrança adicional no ato da renovação. É vedado às operadoras reiniciarem a contagem dos prazos de carência quando da renovação, adaptação ou pagamento de mensalidades em atraso por período inferior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses. 102 102 Vide art. 13, inc. I da lei 9656/98 101 O CDC também impede que o fornecedor de serviços de saúde modifique ou cancele unilateralmente o conteúdo do contrato, pois a escolha sempre deve ser do consumidor. As cláusulas previstas em contratos anteriores à vigência da lei 9656/98, que autorizarem estas práticas, serão abusivas e nulas, uma vez que o CDC é norma de ordem pública 103 . 11.5. Dos Contratos Coletivos Contrato coletivo é aquele em que a empresa contratada forma uma rede de consumidores, agrupados por um interesse comum e por um representante legitimado coletivamente que firma um contrato com um fornecedor de serviços. Este fornecedor indireto organiza sua rede de fornecedores diretos 104 . Este modelo coletivo também está subordinado ao CDC e permite que empregados e servidores defendam seus interesses em juízo e fora dele quando o representante legitimado prejudicar os interesses dos consumidores 105 . O estipulante deve proteger e realizar os interesses legítimos e contratuais de seus representados (beneficiários principais e dependentes). A formação de redes contratuais ou grupos acaba por impedir ou limitar a capacidade de escolha individual do consumidor 106 . As operadoras de planos de assistência à saúde preferem esses contratos não apenas pelo lucro, mas pelo estado de catividade e grande número de consumidores, formando uma relação de massa despersonalizada. Todavia o fornecedor deve incluir os riscos em seus cálculos e manter as promessas feitas com os consumidores, evitando frustrar o fim do contrato. 103 Vide art. 51 e 54 do CDC Claudia Lima Marques, ob.cit. p. 136 105 Vide arts. 81, 82, 83, 91 e 101 do CDC 106 Roberto Senise Lisboa, ob.cit. p. 124 104 102 11.5.1. Cancelamento de Contratos Coletivos A denúncia unilateral e a rescisão são consideradas abusivas também nos contratos coletivos, onde a catividade e a falta de possibilidade de escolha do consumidor é maior, sendo a repercussão social muito intensa. O representante dos consumidores negocia a renovação ou continuação do contrato em nome de um grande número de pessoas, que não podem impedir que o fornecedor desvincule-se. A jurisprudência e o CDC consideram abusiva toda a denúncia unilateral, face ao desequilíbrio de forças das partes, à boa-fé e ao interesse do consumidor na continuação do vínculo já que todos os contratos procuram o equilíbrio. A Resolução CONSU 14, em seu art. 6º, dispõe que no plano ou seguro coletivo poderá também ocorrer, a denúncia unilateral por inelegibilidade, ou perda dos direitos de titularidade ou dependência. Bottesini 107 explica que a inelegibilidade, para os efeitos da lei, está relacionada com a forma de vinculação ao plano coletivo, empresarial. Portanto, se o dirigente sindical não for reeleito, ou se tornar inelegível, ou ainda, se o empregado for demitido, o contrato poderá ser desfeito pelo usuário. A operadora poderá colocar fim ao vínculo, com a alienação de carteira, nos casos legalmente previstos, mas com o imediato restabelecimento do vínculo com a operadora adquirente, nas mesmas condições da alienante. A cessão de carteiras ou de planos não pode ser usada em fraude à lei para forçar a modificação do conteúdo contratual, podendo, por conseqüência, prejudicar os consumidores 108 . 107 108 Ob.cit. p.137 Vide art. 51, inc. XIII do CDC 103 11.5.1.1. Cancelamento do Contrato Coletivo em Decorrência do Vínculo Empregatício e da Aposentadoria O Art. 30 da Lei 9656/98 dispõe, in verbis: Art. 30 “Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.” Apesar do dispositivo apenas tratar das relações de trabalho em que há vínculo empregatício, compreende-se que o art. 30 há de ter aplicação aos empregados e prestadores autônomos de serviços, os denominados terceirizados, pela isonomia de tratamento dos consumidores, que impede discriminação em razão na natureza jurídica do vínculo. 109 Pode-se deduzir que os trabalhadores avulsos também estariam incluídos no dispositivo em questão, em consonância com o art. 7º da CF. Rescisão do contrato de trabalho sem justa causa traduz-se pela demissão imotivada do empregado que mantém contrato de trabalho regido pelo regime celetista. 110 Enquanto que, exoneração, é instituto de direito público, é o pedido de demissão pelo próprio servidor público. Não há previsão específica de manutenção do plano de saúde em caso de demissão motivada (rescisão do contrato de trabalho por justa causa), pois a demissão equipara-se à rescisão, porém é penalidade imposta ao servidor. A lei não menciona também as hipóteses de suspensão do contrato de trabalho e nem mesmo os casos em que os sócios da firma estipulante do plano se 109 110 Vide arts. 196, 5º, 6º, 7º e 225 da CF Vide art. 479 da CLT 104 desliguem da sociedade 111 . Há ainda os empregados que aderem aos Planos de Desligamento Voluntário (PDV), já que não se trata de demissão sem justa causa. O art. 30 da Lei 9656/98 estipula que o cônjuge separado também tem o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho desde que assuma seu pagamento integral. Aos filhos do cônjuge separado a vinculação também deve ser mantida, conforme as cláusulas dos acordos de separação. O § 1º do art. 30 da Lei 9656/98 limita o prazo de manutenção da condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, por um terço do tempo em que esteve filiado ao plano de saúde coletivo. No entanto o piso é de 06 (seis) meses e o teto de 24 (vinte e quatro) meses. O § 2º deste art. 30 afirma que o passamento do titular filiado a um plano empresarial coletivo de saúde implica a sucessão pelos seus dependentes, agregados e herdeiros. Não é necessário inventário e havendo negativa da operadora, a questão poderá ser objeto de ação declaratória e condenatória. O § 5º do art. 30 diz que o benefício não será aplicado quando o consumidor titular for admitido em novo emprego. Bottesini 112 explica que o dispositivo não pode ter aplicação se no novo emprego não existir um plano empresarial coletivo acessível a todos os empregados. O art. 2º, § 7º, da Resolução CONSU 20/99 afirma que o vínculo do titular, dos dependentes e agregados se mantém por prazo indeterminado, desde que haja pagamento integral da mensalidade. Ex: A CASSI ( Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil) permite que seus ex-associados permaneçam no plano, mesmo cessado o vínculo trabalhista. 111 112 Vide art. 461 a 476 da CLT Ob.cit. p.266 105 Se a legalidade da demissão estiver sendo discutida judicialmente, a operadora deverá manter o vínculo contratual nas mesmas condições de admissão. O juiz trabalhista pode deferir em antecipação de tutela para pagamento integral da mensalidade. O § 6º do art. 30 da Lei 9656/98 define que não pode ser considerado “contribuição para os produtos”, ou seja, pagamento da mensalidade do plano de assistência à saúde, a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos dos serviços de assistência médica ou hospitalar. Algumas empresas contratam planos de saúde para seus empregados e incluem esse benefício como cláusula de convenção coletiva, entretanto torna-se cada vez menor o número de empresas que custeiam integralmente os planos e seguros de saúde para seus empregados. É de salientar-se que não existe qualquer lei que determine a obrigatoriedade do empregador em oferecer ou copatrocinar cobertura assistencial de saúde à seus empregados, porém se oferecerem este benefício voluntariamente, incorpora-se ao contrato de trabalho. A aposentadoria desfaz o vínculo empregatício, sendo frequentemente denominada jubilamento. O art. 31 da Lei 9656/98 informa que o aposentado que contribuir para o plano coletivo de assistência à saúde, em decorrência de vínculo empregatício, por mais de 10 (dez) anos, tem garantido a manutenção do mesmo nas mesmas condições quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. Não é essencial que seja um único plano, de uma única operadora por 10 (dez) anos, pois podem ser planos sucessivos, tenha ou não havido interrupções, por 10 (dez) anos ou mais. O aposentado que contribuiu por menos de 10 (dez) anos também tem o direito de se manter no plano, porém por um período limitado, à razão de 01 (um) 106 ano para cada ano de contribuição, sendo descartada a fração do período de um ano incompleto. Por exemplo, se participou de um plano coletivo durante 07 (sete) anos, poderá usufruir daquele plano durante mais sete anos, pagando a prestação integral. Os dependentes e agregados do aposentado também continuam com direito à cobertura, desde que mantenham essa condição de dependente ou agregado e se o consumidor for admitido em novo emprego, perde a garantia a esse direito. 107 12. DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR A lei 9961/00 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS , que é uma agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde e trabalha para promover o equilíbrio nas relações entre as empresas operadoras de planos de saúde e os consumidores. As agências reguladoras têm a natureza de autarquias especiais e integram a Administração Federal indireta 113 . Os diretores de tais agências são nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado, para cumprir mandatos. O Estado para promover o bem social sem assumir diretamente as atividades econômicas, cria competências para atender e organizar as demandas da sociedade. As agências reguladoras surgem com o propósito de controlar as atividades privadas na execução de serviços de caráter público, sendo imprescindível no processo de descentralização estatal. A ANS é uma autarquia especial que tem sede e foro na cidade do Rio de Janeiro. Surgi para promover a defesa do interesse público e regular as relações entre prestadores e consumidores. A lei foi alterada por medidas provisórias e aguarda consolidação pelo Congresso Nacional. A ANS tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no país 114 . O setor de saúde suplementar reúne mais de 2000 (duas mil) empresas operadoras de planos de saúde que atende a mais de 37 (trinta e sete) milhões de 113 114 Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno, p. 85 Disponível no site <www.ANS.gov.br> Acesso em 13.02.07 108 consumidores atualmente. A ANS trabalha para promover a estabilidade entre esses segmentos 115 . As funções da Agência são econômico-financeiras, defesa da concorrência, garantia do cumprimento dos contratos, defesa do consumidor, preservação da qualidade do produto assistência à saúde e garantia de adequadas condições de acesso à saúde. A ANS deve promover o relacionamento efetivo entre os envolvidos no setor e reunir, organizar, consolidar e divulgar informação. Deve também garantir direitos e deveres para corrigir as imperfeições do mercado em uma gestão transparente, propiciando condições de acesso à Saúde Suplementar para a população brasileira. A Agência surgiu para promover também o desenvolvimento e para solucionar problemas locais e nacionais, através de uma perspectiva de valorização da cidadania. Tem a obrigação de fiscalizar o cumprimento da legislação referente aos aspectos sanitários e epidemiológicos. Atualmente, a ANS conta com o Sistema de Informações de Produtos (SIP), implantado pela Resolução RDC 85/2001, que coleta dados sobre a assistência prestada a beneficiários pelas operadoras desde janeiro de 2002. O SIP permite acompanhar a assistência hospitalar prestada à beneficiários de planos privados de assistência à saúde. Todavia, a ANS necessita avançar na construção de um sistema de informações melhor para acompanhar a assistência prestada à beneficiários dos planos privados, pois a saúde é um bem de alta relevância social e portanto, merece uma regulação completa. 115 Disponível no site <www.ANS.gov.br> Acesso em 13.02.07 109 Ademais, para racionalizar o sistema de saúde, a ANS deverá buscar formas de aumentar a eficiência no setor para que os preços possam ser controlados. Apenas a ANS tem condições de reverter essa situação, criando condições para que empresas pequenas também possam ofertar planos de saúdes individuais. 110 CONCLUSÃO A saúde é um direito público subjetivo oponível contra o Estado, pois a Constituição Federal traça as diretrizes do sistema nacional de assistência à saúde. As instituições privadas participam do sistema apenas de forma complementar e o objeto maior desses contratos é a proteção da saúde do consumidor. Essas instituições privadas se auto-organizam para oferecer uma mercadoria ao público, mediante contribuição baseada no fator álea, ou seja, em probabilidades previamente conhecidas e elencadas em quadros estatísticos. As empresas prestadoras de serviços relacionados à saúde são constituídas para gerarem lucros. Como o poder público tem falhado sistematicamente no cumprimento da promessa constitucional, surgem as empresas privadas prestadoras de serviços de saúde, que são instrumentos aptos a desempenhar papel fundamental na realização de princípios fundamentais. A existência deles permite o exercício da dignidade da pessoa humana, proteção à saúde e à vida. Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, os serviços de saúde prestados por convênios ou seguros de saúde transferem o tema do direito social à saúde para a esfera do direito do consumidor. O direito do consumidor assumiu uma tarefa supletiva de políticas públicas na área, refletindo na qualidade de distribuição de assistência médica. A jurisprudência favorável ao consumidor foi se consolidando, impedindo cláusulas de exclusão de patologias, já que a saúde não é um bem fracionável e não pode ser equiparada a uma mercadoria qualquer. De modo geral, nos casos de exclusão de tratamento, a orientação da jurisprudência é favorável aos consumidores e leva em consideração não apenas o conhecimento prévio das condições de contrato, mas também a extensão das coberturas. 111 Os julgados protegem a parte mais fraca e procuram garantir a preponderância dos princípios da boa-fé, da confiança e da equidade, pois existe uma presunção de que o consumidor desconhece o verdadeiro sentido das cláusulas contratuais. A jurisprudência pátria tem se manifestado favoravelmente à indenização pelo abalo moral causado aos consumidores de planos de saúde que ilegalmente têm visto frustradas suas expectativas quanto ao atendimento médicohospitalar que não é coberto. A edição da lei 9656/98 representou um marco para o consumidor que está mais protegido, pois estabelece maior controle, rigidez e fiscalização das empresas privadas que operam nesse segmento, conforme preceitua o art. 197 da Carta Magna. No entanto, a lei está longe de contemplar o preceito constitucional de saúde como direito de todos, pois o que deveria ser um direito e garantia constitucional foi transformado em produto de consumo restrito àqueles que podem custear o pagamento de um plano de saúde. A relação médico - paciente perdeu seu caráter personalista, passando a predominar o autonomismo e o individualismo. O tempo agravou o impacto da lei, pois o assunto tramitou na Câmara dos Deputados por pelo menos 6 anos. É possível que se a lei federal tivesse demorado menos a surgir, encontrasse ambiente mais propício, já que surgiu de maneira extremamente detalhista e exaustiva, fadada à extinção e a ficar obsoleta. A solução de conflitos de graves interesses socioeconômicos não pode ser atribuído à simples publicação de uma lei, pois mesmo após anos de vigência, percebe-se, claramente, que os abusos persistem. Por outro lado, os planos de saúde também passam por dificuldades, em decorrência do baixo poder econômico da população, que se traduz em grande inadimplência. Ao cidadão resta em última instância, recorrer ao Poder Judiciário. No entanto, até que a questão seja decidida pelos Tribunais, o doente pode até já ter morrido, restando á família dividir o sofrimento da perda ao da cobrança judicial. 112 Inquestionável, portanto, a importância da antecipação de tutela em ações de declaratórias e das ações cautelares para, compelir a empresa Ré a custear tratamentos urgentes e estruturar a ordem nas relações jurídicas. A liminar deferida em primeiro grau, geralmente é mantida, com fundamento no risco grave de comprometimento de estado de saúde. Havendo plausibilidade nas razões alegadas, relevância da fundamentação jurídica do Autor e ameaça de dano irreversível, deve ser prestigiada a alternativa que preserve a saúde do Autor, bem jurídico mais relevante do que o eventual prejuízo econômico que possa advir para a Ré. Assim, percebe-se um posicionamento que não busca a modificação da estrutura do contrato e, sim, a alteração das cláusulas contratuais abusivas. De modo geral, a lei interessa a uma pequena parcela da população que tem acesso à alternativa privada de atendimento, pois com o avanço da tecnologia, o custo da assistência médica foi elevado a um nível que o conjunto da sociedade não tem condições de pagar. O governo, para corrigir a desigualdade, deve melhorar os serviços que presta diretamente, de que depende a maioria da população e criar um projeto capaz de enfrentar as dificuldades da hora presentes. A contratação de serviços de assistência à saúde realiza-se em instrumento contratual massificado de grande escala e comercialização. O contrato de adesão, como resultado desse processo, consagra a vontade do fornecedor, que estipula previamente as cláusulas contratuais, sem participação do consumidor: ou o consumidor adere ao pacote ou fica de fora. As cláusulas de exclusão ou restritivas a determinadas patologias devem presumir-se não escritas, pois as operadoras não podem vedar o elenco de doenças a ser atendido como prestação contratual e porque o cidadão tem direito à saúde. A contratação dos chamados planos de saúde deve estar adaptada à realidade sócioeconômica. 113 Uma vez apurada a prática de qualquer ato prejudicial aos consumidores pelos hospitais, pelas casas de tratamento, pelas clínicas, pelos consultórios ou pelas empresas de plano de saúde, estarão sujeitos à responsabilidade civil, penal e administrativa. Nas ações penais por abuso do poder econômico, em regra a competência é da Justiça Estadual, sendo expressamente prevista a desnecessidade da ocorrência de resultado lesivo. Na esfera cível são admissíveis ações individuais e de natureza coletiva. A ação civil pública pode ser proposta em vista de prejuízo a interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. É de ser lembrado, que o controle das cláusulas contratuais também pode ocorrer administrativamente, através de inquérito civil, sendo esta atribuição exclusiva do Ministério Público e que serve como preparação para eventual ajuizamento de ação civil pública. A responsabilidade objetiva dos planos de saúde é conseqüência do Código de Defesa do Consumidor. A responsabilização solidária das operadoras de planos de saúde visa o equilíbrio da relação de consumo. A sociedade já despertou e tomou consciência dos seus direitos diante da alta indiscriminada dos preços, do abuso, do oportunismo, das cobranças abusivas e incontroláveis, infiltradas em uma contabilidade sem padrões. Espera-se que, com o decurso do tempo e adaptação de todos os setores, seja alcançado o equilíbrio, compartilhando os riscos, sem lucro nem prejuízo insuportáveis, mas em plena proporcionalidade. Aos hipossuficientes consumidores - contratantes presume-se o direito a um tratamento igualitário, seja qual for a doença, fundado no princípio da continuidade, sem qualquer tipo de restrição. 114 BIBLIOGRAFIA ABRASPE - Associação Patrocinada Pelas Empresas Brasileira das Autogestões em Saúde <http://www.ABRASPE.com.br> ANDRADE, Ronaldo Alves de, Curso de Direito do Consumidor, Barueri, ed. Manole, 2006. ANS – Agência Nacional de Saúde, Missão da ANS <http://www.ans.gov.br/portal/site/aans/missão.asp> BOLETIM DOUTRINA ADCOAS. 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The economics and social difficulties which currently affect a number of consumers as well as the medical insurances make the high quality services’ offering impracticable and eventually limit the companies’ development. Furthermore, the uncountable Resolutions and Decrees, which complete the analysis over the entire system, make this subject more complex, confusing and quite hard to comprehend. As verified from the contracts concerning the aforesaid matter, such a subject is extensive over the practical action since it is not just a business, but it is in fact a service followed by the specificity of its object’s essentiality. In addition to that, the consumers’ protective legislation and the medical insurance companies’ regulation, although morally correct, cause expressive expenses and liabilities to the companies, with the intensive inspection from the Health National Agency. Along the same line, it is not coherent to impose non computed services into the companies’ budget, in an indiscriminate manner. On the other hand, the occurrence of disruptions which are not positive to patients can just be solved once the Judiciary Power intervenes. Moreover, the contracts provisions are not in consonance with the technical and scientific subject which are in force in the medicine field as well as the insurance company also do not have efficient means to answer by the essentiality of the offered service. This way, an entire instability has been installed inside that sector. There is no protection to those consumers and the companies’ development and viability has become clearly damaged. 119 The issue concerning the quality of service and the bureaucracy imposed by those companies are object of frequent judicial disputes. This reality boosts the diffuse rights generation, which fits in to the massive contemporary society, to the social conflicts, groups or categories of individuals. The rights above mentioned are those one incorporated into the constant human battle to reach a better quality of life. And based upon this system, without personal title, the Judiciary shall face issues arising from the enforcement of the medical insurance contracts. Progressively, the movement in favor of consumer’s defense eventually enters the said sector and, for such a reason, that issue shall be considered when presented the relationship between the offer of services and its effective rendering. Taking that reasons into account, the contract is supposed to reflect the massive publicity power, supported by the medical insurance companies’ profits, to the detriment of consumers. 120