FACULDADE INTERAMERICANA DE PORTO VELHO – UNIRON RAIRA VLÁXIO AZEVEDO MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS IMPOSTAS AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Porto Velho / RO 2014 RAIRA VLÁXIO AZEVEDO MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS IMPOSTAS AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Interamericana de Porto Velho, como requisito avaliativo para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Especialista Júlio César Rodrigues Ugalde. Porto Velho / RO 2014 1 RAIRA VLÁXIO AZEVEDO MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS IMPOSTAS AO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Interamericana de Porto Velho como, requisito avaliativo para obtenção do título de Bacharel em Direito. Porto Velho, 09 de Dezembro de 2014. Banca Examinadora: _________________________________________________ Orientador: Prof. Esp. Júlio César Rodrigues Ugalde _________________________________________________ Prof. Esp. Suellen Campos _________________________________________________ Prof. Esp. Sandro Moura Dedico esta monografia aos meus queridos familiares por terem acreditado e contribuído com toda atenção e paciência. AGRADECIMENTOS Agradeço aos colegas de turma por acompanharem e acreditarem em meus objetivos durante todo o curso e ao meu professor orientador pela dedicação e atenção, despendidos tanto nas pesquisas quanto na estruturação do trabalho. “Não há nada que não se consiga com a força de vontade, a bondade e, principalmente, com o amor”. Cícero. RESUMO Em 1988 entrou na ordem jurídica a Constituição Federal, não recepcionando o Código de Menores. E em 1990 fora instituído o atual Estatuto da Criança e do Adolescente. Esses institutos então formam o atual microssistema de direito dos menores. Esse sistema é definido por uma série de princípios, como o que impõe ao Estado o dever de tratar com prioridade os direitos menoristas, o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários como reflexo da imposição das medidas protetivas e socioeducativas, condição dos menores como sujeitos de direitos, poder público como responsável direto e solidário, medidas que melhor atendem ao interesse do menor, respeito à intimidade, imagem e vida privada, intervenção estatal imediata, indispensável para promoção dos direitos, adequada à situação atual, com responsabilização parental e prevalência da família, informação dos fatos e com oitiva obrigatória e participativa. As medidas socioeducativas permitidas pelo Estatuto da Criança e do adolescente são a advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade e internação. Os atos descritos como crime, praticado por menores de dezoito anos são considerados atos infracionais, aplicado-se ao invés da respectiva pena prevista no tipo penal as medidas socioeducativas se o agente causador do injusto for adolescente (de treze a dezessete anos) e as medidas de proteção se for criança (até doze anos). Os primeiros são processados pelos juizados da infância e da juventude, e os segundos pelos próprios conselhos tutelares. A prescrição aplicável às medidas sócio-educativas é a mesma prevista para as penas de cada crime, conforme parte geral do Código Penal. Em qualquer caso, somente a autoridade judiciária (juiz) é competente para decretar e aplicar as medidas. Ainda, a aplicação da medida deve atender a requisitos objetivos, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, não podendo o juiz aplicar medida gravosa por presunção de proporcionalidade sem observar a ocorrência dos requisitos legais. É aplicável às medidas socioeducativas a teoria da bagatela. Vedada ainda a aplicação da medida sem o trânsito em julgado da sentença como regra. Palavras-chave: Direito da criança e do adolescente. Direitos fundamentais. Medidas socioeducativas. Imputabilidade. ABSTRACT In 1988 entered the law the Federal Constitution, not entertaing the Minors Code and in 1990 established the current Statute of Children and Adolescents. These institutes then form the current microsystem right of minors. This system is defined by a set of principles such as the rule that imposes a duty to treat with priority the children rights, strengthening family and community ties as a result of the imposition of protective measures and socio-educational, condition of children as subjects rights, government as directly responsible and supportive measures that best serve the interests of the child, respect for intimacy, privacy and image, immediate state intervention necessary to promote the rights, appropriate to the current situation, with parental accountability and prevalence of family, information and facts to mandatory participatory and hearsay. The educational measures permissible under the Statute of Children and adolescents are warning obligation to repair the damage, provide community service, probation, and regime of semi-hospitalization. The acts described as a crime committed by persons below eighteen years are considered infractions, but applies instead of their sentences under the criminal type socio-educational measures if the causative agent is unfair teenager (thirteen to seventeen years) and protective measures if child (up to twelve years). The former are handled by courts of childhood and the second at own tutelary councils. The limitations applicable to the socio-educational measures is scheduled for the same penalties for each crime as general part of the Penal Code. In any case, only the judicial authority (judge) is competent to enact and implement the measures. Still, the application of the measure must meet objective criteria set out in the Statute of Children and Adolescents, the judge can not apply onerous measured by presumption of proportionality without observing the occurrence of legal requirements. It applies to socio-educational measures theory trifle. Still prohibited the application of the measure without the final judgment of sentence as a rule. Keywords: Rights of children and adolescents. Fundamental rights. Social and educational measures. Aaccountability. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 PROLEGÔMENOS NECESSÁRIOS...................................................................... 13 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS .................................................................................. 13 2.2 PRINCÍPIOS ........................................................................................................ 16 2.2.1 Prioridade absoluta ........................................................................................ 16 2.2.2 Fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários ............................. 18 2.2.3 Condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos............. 18 2.2.4 Responsabilidade primária e solidária do poder público ........................... 19 2.2.5 Interesse superior da criança e do adolescente .......................................... 19 2.2.6 Privacidade ..................................................................................................... 21 2.2.7 Intervenção precoce....................................................................................... 21 2.2.8 Intervenção mínima ........................................................................................ 22 2.2.9 Proporcionalidade e atualidade .................................................................... 23 2.2.10 Responsabilidade parental .......................................................................... 24 2.2.11 Prevalência da família .................................................................................. 24 2.2.12 Obrigatoriedade da informação .................................................................. 24 2.2.13 Oitiva obrigatória e participação ................................................................. 25 3 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ........................................................................... 26 3.1 ADVERTÊNCIA ................................................................................................... 26 3.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO ............................................................... 27 3.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE .................................................. 29 3.4 LIBERDADE ASSISTIDA .................................................................................... 30 3.5 REGIME DE SEMILIBERDADE .......................................................................... 32 3.6 INTERNAÇÃO ..................................................................................................... 34 4 TEORIA DOS ATOS INFRACIONAIS E REGIME DE PENALIZAÇÃO ................ 38 4.1 IMPUTABILIDADE PENAL .................................................................................. 39 4.1.1 Conceito de imputabilidade ........................................................................... 39 4.1.2 Inimputabilidade, impunidade e ineficácia ................................................... 41 4.2 PRESCRIÇÃO..................................................................................................... 42 4.3 DA APLICAÇÃO DA PENA ................................................................................. 43 4.3.1 Competência / atribuição ............................................................................... 43 4.3.2 Regime de cumprimento de pena ................................................................. 44 4.3.3 Provas e requisitos ........................................................................................ 44 4.3.4 Bagatela .......................................................................................................... 45 4.4 TRÂNSITO EM JULGADO E MEDIDA ANTECIPADA ........................................ 46 4.5 ATRIBUIÇÃO FÁTICA, PROVAS E ANÁLISE OBJETIVA DOS REQUISITOS ............................................................................................................ 47 4.6 A RESSOCIALIZAÇÃO MEDIANTE PUNIÇÃO .................................................. 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 51 11 1 INTRODUÇÃO Este trabalho visa o aprofundamento em um tema importante, que é “medidas socioeducativas impostas ao adolescente em conflito com a lei”, o qual é bastante polêmico. Estas medidas são aplicadas pelo Estado àquele adolescente que comete atos infracionais. São elas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internação. A aplicação das medidas socioeducativas é a forma que o Estado tem de se manifestar em relação ao ato infracional cometido pelos menores de 18 anos, cuja aplicação tem como objetivo impedir a reincidência, sancionar, disciplinar e educar pedagogicamente. A problemática tratada é que hoje em dia todo e qualquer tipo de delito é praticado tanto por adolescentes, como por ou adultos. Cada vez mais a violência vem crescendo nesta sociedade criminosa “jovem”, e os delitos cometidos, são na maioria das vezes, praticados de forma consciente, assim como na sociedade criminosa “adulta”. Não se trata apenas de uma questão social, mas também uma questão jurídica, pois a conseqüência para estes jovens infratores são as sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais são especificas para quem comete ato infracional. A medida socioeducativa é aplicada ao adolescente que pratica ato infracional, visando reeducá-lo, alertando e disciplinando o mesmo para que possa repensar sobre os atos praticados por si contra a sociedade. Para a aplicação de tais medidas ao adolescente, será levada em conta a gravidade da infração, as circunstâncias que ocorreram o fato, e sua capacidade de poder cumpri-la. A aplicabilidade das medidas socioeducativas impostas aos adolescentes cumprem sua função atingindo seus objetivos conforme os métodos elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente? O objetivo da escolha desse tema se deu por interesse no entendimento mais aprofundado dos direitos destinados às crianças e aos adolescentes que cometem atos infracionais, e consequentemente as sanções aplicadas aos mesmos. O objetivo geral é analisar os fatores que influenciam diretamente para a ressocialização dos menores delituosos. Idealizando as melhores medidas para defesa dos direitos dos menores e dos interesses da sociedade. 12 Os objetivos específicos são evidenciar o direito da criança e adolescente, seus princípios e regras gerais. Buscar as soluções mais adequadas para cada problema identificado, para que os adolescentes em conflito com a lei consigam ter respeitados os seus direitos. E trazer à tona os argumentos que mais têm repercutido na esfera judicial, a partir da análise da jurisprudência dos nossos tribunais superiores. A pesquisa justifica-se na acepção pessoal, social e acadêmica. Na acepção pessoal, porque o indivíduo considerado individualmente é o titular do direito, de utilidade prática para cada menor em conflito com a lei. Na acepção social, pois é dever de toda a sociedade, assim como do Estado zelar pela segurança dos jovens e adolescentes. Na acepção acadêmica, por sua pertinência com o currículo acadêmico. Quanto à metodologia de pesquisa científica utilizada, optou-se pela abordagem qualitativa pelo método dedutivo, em uma investigação morfológica. O método investigativo é o monográfico, sendo a classificação da pesquisa do tipo objetivo, de pesquisa exploratória, o objeto é o bibliográfico, consubstanciado em livros e artigos. O trabalho está dividido em três seções, sendo a primeira destinada às teorizações sistemáticas, principiológicas e históricas, que informam a aplicação e as razões da legislação vigente. Na segunda seção a problemática das medidas socioeducativas e dos atos infracionais. Sendo a terceira relativa às soluções aplicáveis a cada problemática. Os doutrinadores em que se abalizou a pesquisa são: Jason Albergaria; Andréia Rodrigues Amin; Kátia Regina Ferreira Lobo Maciel; Antônio Carlos Gomes da Costa; André Viana Custódio; Josiane Rose Petry Veronese; Eduardo Roberto Alcântra DEL CAMPO; Thales César de Oliveira; Maria Helena Diniz; Cristiane Dupret; Roberto João Elias; Antônio Cezar Lima da Fonseca; Válter Kenji Ishida; Wilson Donizeti Liberati; Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel; Elcio Resmini Meneses; Washington de Barros Monteiro; Ângela Pinheiro; Moacir Rodrigues; João Batista Costa Saraiva; Oscar Joseph de Plácido e Silva; Josiane Rose Petry Veronese. 13 2 PROLEGÔMENOS NECESSÁRIOS O correto entendimento das medidas socioeducativas aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei demandam um conhecimento prévio acerca dos princípios norteadores do microssistema protetivo e dos aspectos históricos diferenciadores do atual sistema. 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS O Brasil experimentou significativa mudança econômica e política a partir do início do século XX, notadamente na década de vinte, onde o Estado passou a assumir uma posição mais ativa frente ao estado de violência vivido pelas crianças que se encontravam fora da esfera de proteção familiar. Nesse momento histórico foram inauguradas as primeiras instituições de repressão e prevenção à violência contra a criança, bem como de combate à criminalidade juvenil. Houve um grande apelo à situação precária, na qual as crianças pobres se encontravam, com taxas de mortalidade elevadas, registrando uma média de 70% (setenta por cento) em relação aos “expostos” das santas casas de misericórdia. Foi no ano de 1927, em 12 de outubro, que foi promulgado o Código de Menores, Decreto n. 17.943-A. Todos os menores de 18 (dezoito) anos que não estavam sob a proteção de uma instituição familiar era denominado “menor em situação irregular”, deixando de separar o menor abandonado do menor delinquente. De acordo com André Viana Custódio e Josiane Rose Petry Veronese (2007, p. 73) a doutrina da “situação irregular” “trouxe a concepção biopsicossocial do abandono e da infração, fortaleceu as desigualdades, o estigma e a discriminação dos meninos e meninas pobres tratando-os como menores em situação irregular e ressaltou a cultura do trabalho legitimando toda a ordem de exploração contra crianças e adolescentes”. O poder judiciário passa a entrar no controle das situações jurídicas com a instituição do Juizado de Menores. Enquanto o executivo fica responsável pelos danos ocorridos aos menores por omissão ao perderem a proteção familiar, tanto 14 por morte dos pais como pelo abandono, obrigado a criar oportunidades de emprego, inclusive. A família também recebeu responsabilidades expressas, o chamado “pátrio poder”/dever. Segundo Washington de Barros Monteiro (2007, p. 125): Modernamente, o poder familiar despiu-se inteiramente do caráter egoístico de que se impregnava. Seu conceito na atualidade, graças à influência do cristianismo é profundamente diverso. Ele constitui presentemente um conjunto de deveres, cuja base é nitidamente altruística. Para Maria Helena Diniz (2008, p. 537): Um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. Josiane Rose Petry Veronese (2005, p. 315): O Poder Familiar, conforme a denominação dada pelo novo Código Civil, é misto de poder e dever imposto pelo Estado a ambos os pais, em igualdade de condições, direcionado ao interesse do filho menor de idade não emancipado, que incide sobre a pessoa e o patrimônio deste filho e serve como meio para mantê-lo, protegê-lo e educá-lo. Na década de trinta foi inaugurada a legislação trabalhista, instituído o ensino básico obrigatório e seguridade social. Durante duas décadas o governo efetivou suas políticas mediante um modelo de assistência a instituições privadas. As críticas evidenciaram grandes problemas de abuso e maus tratos, como a corrupção e a superlotação por parte de instituições mal intencionadas e descomprometidas. Os menores “infratores” e “abandonados” eram alocados em centros de triagem. Com a criação dos Serviços de Assistência ao Menor em 1942 os infratores passam a ser encaminhados aos reformatórios e os carentes abandonados para os patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos. Para Ângela Pinheiro (2006, p. 121): A criação do SAM inaugura uma seqüência de ações do Estado voltadas para institucionalização como forma de intervenção junto à criança e ao adolescente, particularmente àqueles a que se atribui a autoria dos atos infracionais. É a instauração e a consolidação, no plano institucional estatal, de um conjunto de praticas, baseadas na internação e forjadas na punição e na segregação, como modelo de atendimento para “menores” abandonados e para aqueles a quem se atribuía a autoria dos atos infracionais. Na década de sessenta ocorre o golpe militar, levando a efeito o sistema de governo ditatorial que se estende por duas décadas. Os serviços de assistência 15 são extintos e em seu lugar são criadas as FEBENS, Fundação Estadual do Bem Estar do Menor em cada Estado, e a FUNABEM - Fundação Nacional do Bem Estar do Menor, em busca de um melhor atendimento à Declaração dos Direitos das Crianças1. Contudo, registrou-se um aumento do analfabetismo e da violência, principalmente a sexual, por causa da política antidemocrática2. Anota Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 15): O Código revogado não passava de um Código Penal do “Menor”, disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas de medidas de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação irregular da criança e do jovem, que, na realidade, eram seres privados de seus direitos. Em 1979 é promulgado o novo Código de Menores, baseado na doutrina da proteção integral, mas sob o mesmo paradigma do menor em situação irregular do anterior Código de Menores que vigorou desde 1927.3 Destacam, Andréia Rodrigues Amin e Kátia Regina Ferreira Lobo Maciel (2006, p. 07): Foi uma lei que uniu Justiça e Assistência, união necessária para que o Juiz de Menores exercesse toda a sua autoridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre, potencialmente perigosa. Estava construída a categoria Menor, conceito estigmatizado que acompanharia crianças e adolescentes até a lei nº 8.069, de 1990. Em 1988 a Constituição Federal foi promulgada, deixando de recepcionar o Código de Menores, demandando nova legislação reguladora, surgindo então o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Foi neste momento que iniciou a organização institucional que conhecemos hoje, instituída a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e a Adolescência, extinta a FEBEM e a FUNABEM, sendo suas tarefas e objetivos passados aos sistema dos conselhos tutelares. Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 15) explica a divergência entre a Constituição Federal e o Código de Menores, bem como o ECA veio a regulamentar a matéria: É integral, primeiro, porque assim diz a CF em seu art. 227, quando determina e assegura os direitos fundamentais de todas as crianças e 1 SARAIVA, João Batista Costa. Adolescente em conflito com a lei. 3ª ed. Porto Alegre: Editora Livraria dos Advogados, 2009, p. 45. 2 AMIN, Andréia Rodrigues; MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo. Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 07. 3 FONSECA, Antonio Cezar Lima da. Direitos da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 08. 16 adolescentes, sem descriminação de qualquer tipo; segundo, porque se contrapõe à teoria do “Direito tutelar do menor”, adotada pelo o Código de Menores revogado (Lei 6.697/1979), que considerava as crianças e os adolescentes como objetos de medidas judiciais, quando evidenciada a situação irregular, disciplinada no art. 2º da antiga lei. 2.2 PRINCÍPIOS Os princípios assumem uma infinidade de hipóteses. Os principais podem ser encontrados basicamente na Constituição Federal, em seu art. 227 e no Estatuto da Criança e do Adolescente nos arts. 4º e 100. 2.2.1 Prioridade absoluta Trata-se do princípio basilar do microssistema, disponível no texto constitucional (art. 227): É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Bem como no Estatuto da criança e do adolescente (art. 4º e 100, caput, II). É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; Assim, a criança, o adolescente e o jovem devem ter seus direitos efetivados pelos familiares, comunidade, sociedade, Estado e poder público antes de qualquer outro membro da sociedade. No recurso especial n. 1.308.666, de Minas Gerais, dje de 16.10.2012, o relator Luis Felipe Salomão faz uso do princípio da prioridade absoluta para condenar a negligência do Ministério Público na efetivação de direito de menor. Em vista do princípio da prioridade absoluta - que impõe ao Estado e, pois, ao Ministério Público o dever de tratar com prioridade a defesa dos direitos menoristas insculpido no artigo 227 da Constituição Federal e 4º e 100, parágrafo único, II, do Estatuto da Criança e do adolescente - é inconcebível 17 que a Promotoria de Justiça que cuida da matéria não esteja dotada da mínima estrutura indispensável para o exercício de seu importante mister, isto é, que não conte com os serviços profissionais de assistente social e psicólogo. A jurisprudência noticia um caso4 bastante recorrente em que se utiliza do princípio da prioridade absoluta para justificar o direito à pensão por morte a menor sob guarda judicial. Ocorre que o art. 33, §3º do Estatuto da Criança e do Adolescente confere tal direito aos menores, contudo, em diversos ordenamentos jurídicos previdenciários estaduais e municipais não há tal previsão, assim, questiona-se o uso de tal regra por serem as leis previdenciárias normas específicas. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria comprometida com as regras protetivas estabelecidas na CF e no ECA (...) Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Ainda que as lei previdenciárias sejam específica para reger as relações dos diversos regime próprios de previdência social, o ECA é norma específica das crianças e adolescentes (...) o Estatuto da Criança e do Adolescente (...) norma que representa a política de proteção ao menor, embasada na Constituição Federal (...) Havendo plano de proteção alocado em arcabouço sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser garantido o benefício para quem dependa economicamente do instituidor. Por fim, interessante mencionar uma corrente doutrinária, da qual é afiliada Roberto João Elias5, para a qual a proteção absoluta e integral em nenhuma hipóteses pode ser viabilizada sem conhecer as peculiaridades de cada família, visto que a instituição familiar é o elemento básico da formação da personalidade das crianças e adolescentes.6 Segundo Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 19): 4 E.g. Recurso em mandado de segurança n. 36.034 de Mato Grosso, relator ministro Benedito Gonçalves, dje de 15.04.2014. 5 Sobre o assunto, ELIAS, Roberto João. Comentárioas ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 8. 6 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 20. Aponta que a comunidade partilha das mesmas crenças e costumes, e nesse sentido são responsáveis por violarem direitos dos menores na área de 18 Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas de moradias e trabalho, não se deveriam asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante. Além de descrever e enumerar os direitos da crianças e do adolescente, o Estatuto indica o mecanismo de sua exigibilidade. 2.2.2 Fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários Inscrito no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 100, caput, tem por finalidade informar a aplicação das medidas socioeducativas, ou seja, será eleita a medida que melhor homenageie o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários de acordo com cada caso – conduta praticada, dano provocado e situação peculiar do menor. O dispositivo assim reza: “na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários”. Nos habeas corpus julgados pelo ministro relator Campos Marques, de números 242.801/SP, dje de 09.11.2012 e 234.099/SP, dje de 26.10.2012 e pelo ministro relator Adilson Vieira Macabu, de número 203.624/SP, dje de 06.03.2012, concedeu-se o mandamus para aplicar a medida de semi-liberdade em substituição à mais gravosa com base no referido princípio. (...) a imposição da medida socioeducativa ao infrator constitui instrumento útil para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, servindo como balizamento para sua fixação a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. 2.2.3 Condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos Representa a mudança de paradigmas, da teoria da situação irregular para a teoria da proteção integral. A objetividade jurídica das leis dos menores era a princípio a repressão a atos infracionais, ilegalidades, e passa a ser o cuidado e prevenção das situações que colocam a criança e o adolescente em perigo. Está positivado no Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 100, parágrafo único, I: “condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e convivência ou de evitar cuidar de seus direitos. A família tem inúmeras obrigações (poder/dever familiar), responsabilizando-se pela segurança e bem estar das crianças e adolescentes. O Estado – legislador, judiciário e executivo – deve dar prioridade e preferência aos direitos dos menores. 19 adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal”. No recurso especial n. 1.119.587 de Sergipe, relatado pelo ministro Arnaldo Esteves Lima, dje de 12.11.2010, essa questão ficou muito bem explicitada, onde reconhece que a Constituição Federal adotou a nova teoria/sistema da proteção integral, seguindo a Declaração Internacional dos Direitos da Criança, tomando os menores como sujeitos portadores de direitos: “a Constituição Federal alterou o anterior Sistema de Situação de Risco então vigente, reconhecendo a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, protegidos atualmente pelo Sistema de Proteção Integral”. 2.2.4 Responsabilidade primária e solidária do poder público Disseminado pelos arts. 4º, 70, 98 e 100, parágrafo único, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, preconiza a responsabilização solidária da família, estado e sociedade pela efetivação dos direitos das crianças e adolescentes. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou 7 omissão da sociedade ou do Estado; 2.2.5 Interesse superior da criança e do adolescente Parens patrie, o instituto do direito anglo-saxão pelo qual o Estado era responsabilizado pelos atos e manutenção das pessoas que hoje em dia estariam na condição de incapacidade civil, notadamente aplicável aos menores ou com capacidade de discernimento reduzido. 7 Os demais dispositivos: “Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente. ECA. Art. 100. Parágrafo único. III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais”. 20 No direito inglês, diferenciou-se a tutela estatal entregada aos menores daquele disposta aos amentais, com gama maior de direitos, aproximando-se vigorosamente do princípio do melhor interesse. Com a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, ratificada pelo Brasil, o instituto fora internalizado no sistema jurídico pátrio. Posteriormente aplicado ao Código de Menores, em seu art. 5º, contudo inspirado pela doutrina da “situação irregular”. Essa doutrina foi substituída quando da ratificação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança pela doutrina da “proteção integral”, mudando-se a orientação do princípio do melhor interesse ou do interesse superior dos menores. No Estatuto da Criança e do Adolescente, que veio para adequar a ordem interna do ordenamento jurídico à nova doutrina, em seu art. 100, parágrafo único, IV, orienta o poder judiciário e executivo a ponderar cada caso concreto quanto à possibilidade de atender em primeiro lugar os interesses da criança e dos adolescentes, quando não implicar em desarrazoado ou desproporcional prejuízo a outros interesses legítimos. interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; O Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente caso (CC n. 126.555/SP, relator ministro Raul Araújo, dje de 04.09.2014) afastando a aplicação da súmula 3838 em face do referido princípio. Em razão das peculiaridades do caso concreto, é recomendável solução diversa da preconizada pela Súmula 383/STJ (...) Levando-se em consideração os interesses dos menores envolvidos na questão, não resta dúvida de que o juízo que presidiu toda a instrução processual possui melhores condições de avaliar e decidir a controvérsia, pois interagiu diretamente com as crianças, seus pais e testemunhas que conviviam com os menores. Esta conclusão atende melhor o primado da preservação dos interesses dos infantes. Além da questão processual da competência do juízo, o princípio do interesse superior da criança e do adolescente também é questão de mérito, 8 SUM383STJ - A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda. 21 podendo-se citar como exemplo o recurso especial n. 984.836, da Bahia, relatora ministra Nancy Andrihi, dje de 04.08.20099. Andréia Rodrigues Amorin (2010, p. 28): Muitas vezes, apesar de remotíssima a chance da reintegração familiar, porque, por exemplo, a criança esta em abandono a anos, as equipes técnicas insistem em buscar um vinculo jurídico despido de afeto. Procurase uma avó que já declarou não reunir condições de ficar com o neto, ou uma tia materna, que também não procurou a criança ou limita a visitá-la de três em três meses, mendigando-se caridade, amor, afeto. Enquanto perdura esse via crucis, a criança vai se tornando “filha do abrigo”, privada do direito fundamental à convivência familiar. 2.2.6 Privacidade Exceção da regra da publicidade, os processos envolvendo menores devem ser regidos pela privacidade dos atos processuais, com total respeito à intimidade, imagem e vida privada (art. 100, parágrafo único, V, ECA): “privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada”. Lembre-se que o direito à intimidade material – fora do processo – está previsto constitucionalmente no art. 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. 2.2.7 Intervenção precoce Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 100, parágrafo único, inciso VI, previsão legal do princípio da intervenção precoce, que informa a aplicação das normas de proteção dos direitos e interesses das crianças e adolescentes de maneira preventiva e acautelatória. Trata-se de efetivo efeito in dubio pro societate: “intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida”. 9 “Ao exercício da guarda sobrepõe-se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (...) para proteger o (...) Não há, portanto, tutela de interesses de uma ou de outra parte em processos deste jaez; há, tão-somente, a salvaguarda do direito da criança e do adolescente (...) Melhores condições, para o exercício da guarda de menor, evidencia, acima de tudo, o atendimento ao melhor interesse da criança (...) o aparelhamento econômico (...) deve estar perfeitamente equilibrado com todos os demais fatores sujeitos à” ponderação do Juiz “Considerado o atendimento ao melhor interesse dos menores, bem assim, manifestada em Juízo a vontade destes (...) deve ser atribuída a guarda dos filhos à genitora (...)”. 22 Assim, a intervenção estatal é viável com base em simples notícia de ameaça a direitos ou interesses de menores, não sendo necessário que se produzam provas fortes e robustas da tal ofensa. No recurso especial n. 1.295.020 do Sergipe, ministra relatora Nanci Andrihi, dje de 02.06.2014, essa questão ficou bem ilustrada. (...) os elementos trazidos pelo Órgão Ministerial (...) são, por si sós, suficientes para revelar uma situação de perigo, consubstanciada em suposto abuso sexual de menor, a exigir a intervenção precoce e imediata da autoridade competente, a teor do que dispõe o art. 100, VI, do ECA, propondo-se, desde logo, a ação pertinente (...) evitar que o menor, em juízo, seja outra vez provocado a falar sobre acontecimentos que lhe causam constrangimento e dor (...) impõe que a realização de tais perícias, em regra, se dê sob o crivo do contraditório. 2.2.8 Intervenção mínima É o contraposto do princípio da intervenção precoce. A intervenção mínima é o postulado da atipicidade material por conta do princípio da insignificância. Além de estar entranhado na doutrina criminalista, esta tipificado especialmente no ECA (art. 100, Parágrafo único, VII): “intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente”. Ainda que em um primeiro momento possa parecer contrário, antagônico, e inevitável a colidência desses dois princípios, em verdade a aplicação de cada qual informam hipóteses distintas, tanto na base subjetiva (das partes) quanto na base objetiva (da situação de perigo posta). Explica-se, enquanto a intervenção precoce informa os casos em que o menor encontra-se na posição de subjulgado da violência, o princípio da intervenção mínima informa os casos em que o menor está na condição de infrator, conflitante com a lei. Para o primeiro busca-se prevenir um crime contra a criança ou adolescente, ou então que os menores se coloquem em situação de perigo, e.g. após ocorrer o abandono material e afetivo passam a trabalhar em condições insalubres ou perigosas, ou ainda a cometer delitos pondo em risco a sua segurança. 23 Enquanto isso, a base objetiva do princípio da intervenção mínima são os fatos típicos praticados por menores – infração análoga a crime – que para desafiar uma medida socioeducativa deve afetar fortemente o bem jurídico tutelado. Um exemplo de intervenção mínima processual está no recurso especial n. 1.296155, do Rio de Janeiro, dje de 20.03.2014, ministro Luis Felipe Salomão, onde fora criticada a atuação da defensoria pública por não haver mandamento legal expresso, nem ser hipótese de atuação genérica da instituição, senão vejamos: A Defensoria Pública (...) tem a função de (...) defesa (...) dos necessitados, aí incluída a defesa de crianças e adolescentes. Entretanto (...) não deve ocorrer como substituto processual, agindo de ofício em casos (...) em que o Ministério Público já havia ajuizado medidas cabíveis em favor do menor abrigado (...) A atuação (...) como curadora especial (...) deve se dar somente quando chamada ao feito pelo Juiz (...) em processos em que a criança ou adolescente seja parte (...) vislumbrada tal necessidade, sob pena de violação ao princípio da intervenção mínima. Em outro julgado do Superior Tribunal de Justiça (habeas corpus n. 241.248, de São Paulo, relator Og Fernandes, dje de 27.08.2012) pode-se vislumbrar a aplicação do princípio da intervenção mínima material. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico (...) exposto a um dano relevante. Inocorrência de tipicidade material (...) quando a conduta não possui relevância jurídica (...) em face do postulado da intervenção mínima. É o chamado princípio da insignificância (...) verificadas: a mínima ofensividade da conduta (...); nenhuma periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento 10 e; a inexpressividade da lesão jurídica provocada . (...) reconhecer a mínima ofensividade (...) subtraiu (...) 2 bonés avaliados em R$ 15,00 cada. 2.2.9 Proporcionalidade e atualidade O primado da proporcionalidade é típico das medidas de política administrativa, do exercício do poder de polícia característico dos atos do poder executivo. A medida eleita deve ser suficiente para proteger a sociedade da irregularidade verificada. Já o princípio da atualidade entrega caráter de fungibilidade para os procedimentos envolvendo menores em conflito com a lei. Isso porque enquanto no direito penal convencional a “pena” é aplicada com base no tempo em que se pratica o ato descrito como crime, a preceito do Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 100, parágrafo único, inciso VIII, a medida socioeducativa deve ser aplicada com 10 Precedente do Supremo Tribunal Federal: habeas corpus n. 84.412, de São Paulo, Ministro Celso de Mello, dje de 19.11.04. 24 base no tempo em que a decisão é tomada, assim a medida aplicada pode diferenciar-se da medida cabível ao tempo da conduta infracional: “proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada”. 2.2.10 Responsabilidade parental Princípio acessório da intervenção do Estado na esfera de direitos dos menores. Além de precoce e mínima a intervenção não deve afastar a responsabilidade da família, pelo contrário, deve obrigá-los efetivamente, conforme dispõe o art. 100, parágrafo único, IX, do ECA: “responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente”. 2.2.11 Prevalência da família Basicamente, as medidas socioeducativas são tomadas levando em consideração a condição peculiar de cada menor de acordo com a sua relação familiar, se inseridas em um contexto seguro e saudável ou se inseridas em um contexto violento, inseguro ou mesmo com abandono/omissão. Nesse sentido, quando a decisão tiver o condão de modificar a relação familiar, mesmo que por vias colaterais, interferindo no poder familiar, deverá decidir sobre a adaptação e promover a reintegração à família natural quando possível, viável, interessante, ou do contrário tentar integrar em uma família substituta. 2.2.12 Obrigatoriedade da informação Apesar de estar formalmente integrado ao rol dos princípios do art. 100, parágrafo único, do ECA (inciso XI), trata-se materialmente de uma regra, segundo a qual, quando um menor estiver sofrendo a intervenção estatal motivado por um possível conflito com a lei, tanto os menores como seus responsáveis devem receber toda informação sobre as razões da intervenção, seus direitos individuais, 25 bem como sobre as regras do processo (procedimento, prazos e penalidades de preclusão). 2.2.13 Oitiva obrigatória e participação É uma forma derivada do contraditório, que no entanto não procura exatamente impugnar os fatos ocorridos, mas delimitar de forma mais precisa a situação em que a família se encontra com o fim de que a medida socioeducativa seja dada para melhor promover os direitos e a proteção dos menores. Art. 100. Parágrafo único. XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada o pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1 e o 2 do art. 28 desta Lei. A criança e o adolescente, então, na companhia de seus pais ou responsáveis, têm o direito de serem ouvidos e de tomar parte nos atos e na fixação da medida de promoção dos direitos de proteção. Ao ser fixada a medida, o menor deverá ser citado e informado da acusação que recebe. 26 3 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS As disposições gerais das medidas socioeducativas encontram-se previstas nos artigos 112 a 114 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas medidas são aplicadas aos adolescentes que incidem na prática de ato infracional. São medidas jurídicas de conteúdo pedagógico, com a finalidade de proteger e educar o adolescente em conflito com a lei, sem a intenção de submetê-lo ao cumprimento de uma pena, mesmo tendo um caráter sancionador. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê qual medida será aplicada pela autoridade competente caso o adolescente venha a cometer ato infracional, conforme é mencionado no art. 112 do ECA, in verbis: Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da 11 infração. O art. 114 do ECA ressalta que “as medidas dos artigos II e VI do art. 112 somente poderão ser aplicadas quando existir provas da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão nos termos do art. 127.” Contudo, as medidas socioeducativas visam a inserção do adolescente na sociedade e no ambiente familiar, além de prevenir a delinquência juvenil. 3.1 ADVERTÊNCIA Esta medida é considerada a mais leve. Está prevista no artigo 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde estabelece que “a advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”. Alguns doutrinadores entendem que poderá ser fundamentada em simples indício de autoria, se estiver presente a prova de materialidade. Nesse sentido, ressalta Roberto João Elias (2010, p.156): 11 Diz o parágrafo segundo do referido dispositivo “em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado”. Diz o parágrafo terceiro do referido dispositivo: “os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições”. 27 Sendo a medida mais simples, a de advertência não exige que o fato tenha sido apurado tão rigorosamente, uma vez que consistirá em admoestação verbal, sem maior repercussão. Entretanto, as constantes dos incs. I a VI são medidas com reflexos mais graves, e assim sendo, há necessidade de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração. A medida de Advertência tem como objetivo esclarecer ao adolescente que sua conduta não foi adequada ou conveniente. Essa medida é aplicada quando o ato infracional cometido for de natureza superficial, ou seja, leve. Ou até mesmo quando o adolescente for primário. Para Valter Kenji Ishida (2010, p. 217): Prevê o ECA a medida de advertência consistindo em admoestação, ou seja, a leitura do ato cometido e o comprometimento de que a situação não se repetirá. Assim, atos infracionais como de adolescente que cometa, pela primeira vez, lesões leves em outro ou vias de fato, podem levar à aplicação desta medida. A lei não prevê se a advertência poderá ser aplicada mais de uma vez ao infrator, mas a intenção é a aplicação dela uma única vez, pois se o adolescente cometer outro ato infracional, existe outras medidas para impor a ele, já que o mesmo não será mais primário. Caso a advertência fosse aplicada várias vezes, a ressocialização do infrator estaria sendo prejudicada, pois um dos seus objetivos é proporcionar ao adolescente benefícios que o leve a pensar que o ato que cometeu não está de acordo com a sociedade, e que tal ato não voltará a acontecer. 3.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO Esta medida socioeducativa está prevista no artigo 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente e tem como objetivo fazer com que o adolescente observe que o seu ato não foi correto. Fica evidente que tal medida é adotada quando o adolescente causou algum dano material à vítima, podendo o mesmo ser reparado pelo infrator. Reparação essa que ocorre com o ressarcimento ou a devolução da coisa ou objeto, conforme artigo 116, caput, ECA. O parágrafo único desse artigo prevê que caso o adolescente não tenha condições de reparar o dano causado à vitima, esta medida será transformada em outra medida em meio aberto, são elas: prestação de serviço a comunidade e liberdade assistida, in verbis: Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a 28 coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada. Nesse sentido, menciona Wilson Donizeti Liberati (2010, p.105): O art. 116 do ECA apresenta três hipóteses de satisfação da obrigação, a saber: a devolução da coisa; o ressarcimento do prejuízo; e a compensação do prejuízo por qualquer meio. A medida indicada apresenta - na escolha do meio de reparação – caráter facultativo, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto e pelas condições do infrator. A obrigação de reparar o dano, como medida socioeducativa, deve ser suficiente e tem a finalidade de despertar no adolescente o senso de responsabilidade social e econômica em face do bem alheio. A medida deve buscar a reparação do dano causado à vítima tendo sempre em vista a orientação educativa a que se presta e o senso de responsabilidade em cima daquilo que não é seu.12 Vale ressaltar, que quando um adolescente com menos de 16 anos de idade for avaliado culpado e obrigado a reparar o dano causado, em razão de sentença definitiva, a responsabilidade de restituição do bem à vítima, caberá excepcionalmente aos pais ou responsáveis. Acima de 16 e abaixo de 21 anos, o adolescente será solidário com os pais ou responsáveis quanto às obrigações que resultaram do ato infracional por ele atentado.13 Entende-se então, que esta medida tem um caráter educativo e sancionatório, já que através dela o infrator passa a avaliar a gravidade e as consequências de sua conduta. O infrator reconhece que ele é realmente o culpado pelos danos causados à vitima, e que reparar este dano é importante, portanto, consertar o prejuízo pode fazer com que o adolescente se sinta responsável pelos seus atos, trazendo consigo o senso de responsabilidade. 12 Nesse sentido: ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente. 11 ed. São Paulo: Editora Atlas, p.217. 13 Nesse sentido: LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros Editores, 1991, p.59. 29 3.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE É uma medida socioeducativa que versa em realizar atividades gratuitas de interesse coletivo em órgãos públicos assistenciais, devendo ser cumpridos os horários estabelecidos quando a medida é imposta. Esta medida está elencada no Art. 117, onde dispõe que: A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. A aplicação da medida socioeducativa Prestação de Serviços à Comunidade é de grande importância, pois é realizada pelo próprio adolescente que cometeu ato infracional e que atingiu de alguma forma a sociedade com o seu ato delituoso. O parágrafo único do artigo 117 determina que o adolescente cumpra no máximo 08 (oito) horas semanais de tarefa sem prejudicar sua vida escolar ou de trabalho, in verbis: Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho. Não poderá ser o adolescente submetido a trabalho forçado, e a prestação de serviços imposta a ele, deverá ser expressamente aceita pelo mesmo. A medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade não poderá ser confundida com a prevista no Código Penal, pois nesse instrumento, em seu artigo 46 é prevista a prestação de serviços à comunidade, mas possui natureza de pena alternativa, que é substitutiva de uma pena privativa de liberdade.14 Portanto, tendo em vista o caráter pedagógico dessa medida, as particularidades do adolescente deverão ser observadas, para que a aplicação desta medida seja imposta de uma forma correta, evitando atingir de uma forma negativa seu desenvolvimento pessoal e educativo. Para Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 106): Como as demais medidas socioeducativas, tem natureza sancionatóriopunitiva e, também, com grande apelo comunitário e educativo, a medida socioeducativa de prestação de serviços a comunidade constitui medida de excelência tanto para o jovem infrator quanto para a comunidade. Esta 14 Nesse sentido: DUPRET, Cristiane. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Editora Ius, 2010, p. 175. 30 poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral do adolescente. Ao jovem valerá como experiência de vida comunitária, de aprendizado de valores e compromissos sociais. Com sua intenção educacional, esta medida, possui conteúdo pedagógico, pois responde aos anseios da sociedade a partir do momento em que o povo percebe que o adolescente está sendo integralizado novamente com a comunidade em que vive, já que o ponto importante dessa medida é não ser uma pena restritiva de liberdade, dando chance ao adolescente de se envolver com sociedade de uma forma natural, trabalhando por todos. 3.4 LIBERDADE ASSISTIDA A medida socioeducativa de Liberdade Assistida tem o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, para que este desenvolva um bom relacionamento com a família e com a sociedade; é acompanhado nas atividades escolares e profissionalizantes, para inserção no mercado de trabalho, conforme dispõe o artigo 18 do Estatuto (Lei 8.069/90), in verbis: Art.18 A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. §1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. §2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor. Nesse sentido, menciona Wilson Donizeti Liberati (2010, p.107): A medida socioeducativa de liberdade assistida é uma medida que impõe obrigações ao adolescente de forma coercitiva. Ela é desenvolvida por meio de acompanhamento do infrator em suas atividades sociais (escola, família, trabalho). Esta medida será aplicada, exclusivamente quando ela for a mais adequada para ser utilizada no caso em questão. Vale ressaltar, que a medida de Liberdade Assistida será aplicada ao infrator se contra ele existir “provas suficientes de autoria e materialidade da infração”, conforme caput do artigo 114, com ressalva do artigo 127 do mesmo estatuto. A aplicação e utilização correta dessa medida, levando em consideração o tempo de máximo de realização da mesma, contribuirão para a ressocialização do menor, já que sua intenção é a mudança no comportamento do adolescente e fazer 31 com que ele tenha novos pensamentos quanto a sua forma de agir e quanto à formação de uma vida social mais tranquila. A aplicação da liberdade assistida deverá obedecer a um prazo mínimo, que é de um semestre. O adolescente será assistido apenas nos horários que não estiver realizando seus afazeres particulares, como trabalho ou estudo. Para execução desta medida, é nomeado pelo Juiz competente, um orientador, cujo papel destinado a ele é de suma importância. Ele tem o papel de auxiliar, acompanhar e conduzir a medida ao adolescente em conflito com a lei. Com isso, o orientador não tem apenas responsabilidade pelo adolescente, mas também pela família do mesmo. O orientador tem a função de realizar relatórios do caso, para uma facilitação da análise judicial, a qual é realizada pela autoridade competente. O relatório é de extrema importância, pois, com ele, o Juiz irá verificar se há necessidade da medida de Liberdade Assistida ser substituída por uma outra medida, ou até mesmo se poderá ser revogada ou consertada. Seu papel também é impor ao adolescente atividades que o induza a ser aceito na sociedade sem perder sua personalidade de jovem. Muitos dos orientadores têm receio de orientar alguns adolescentes, pelo fato de estes terem se envolvido na prática de atos infracionais. Nesse contexto, Moacir Rodrigues (1995, p. 27) afirma: A recomendação legal é no sentido de que seja designada pessoa capacitada para acompanhar o caso, podendo ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. Na prática, nós juízes de todo o País lutado com dificuldades para encontrar pessoas que queiram aceitar a função de orientador. Maioria das pessoas tem receio de lida de perto adolescentes envolvidos com aos infracionais pela dificuldade de fazer o acompanhamento, especialmente pelo fato de serem criados com ausência de autoridade paterna ou até mesmo materna. Quando se fala em medida socioeducativa de meio aberto, verifica-se que a liberdade assistida é avaliada como a mais grave, até porque ela poderá ser substituída por outra medida se o adolescente não cumprir as regras aplicadas a ele na sentença, ou até mesmo se não seguir as recomendações de seu orientador. Se isso acontecer, a medida de liberdade assistida poderá ser substituída por outras medidas, até mesmo pela medida socioeducativa de internação.15 15 Nesse sentido: FONSECA, Antônio Cezar Lima da. Direito da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p.34. 32 Verifica-se então que a medida de Liberdade Assistida caracteriza-se pela inclusão do menor na sociedade, e na sua família, com o objetivo de desenvolver sem perturbações sua vida escolar e profissional. É aplicada então, àqueles adolescentes que cometem atos infracionais, necessitando de auxílio, orientação e acompanhamento, que será executado por uma pessoa capacitada para acompanhar o caso do adolescente, chamado de orientador. 3.5 REGIME DE SEMILIBERDADE Seguindo a ordem das medidas socioeducativas, o Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe sobre a medida de Semiliberdade em seu artigo 120, onde prescreve: O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o inicio, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. §1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. §2º A medida não comporta prazo determinado, aplicando se, no que couber, as disposições relativas à internação. Com a semiliberdade o adolescente permanece internado em local adequado, levando em consideração, que para ser aplicada, precisa-se de uma Unidade de internação para adolescentes, sendo indispensável uma estrutura confortável. Deverá haver dormitórios apropriados, alimentação, direção e corpo técnico. Fatores fundamentais que formam uma composição necessária para acompanhamento do adolescente. O corpo técnico da unidade deverá realizar relatórios circunstanciados dos adolescentes que ali se encontram internados, os quais deverão ser enviados a autoridade judiciária.16 Neste regime, o adolescente ficará internado durante a noite, podendo, durante o dia realizar atividades externas realizadas por tempo indeterminado e sem prazo de duração. Sendo caracterizada como uma internação parcial, já que fica privado de sua liberdade necessariamente no período noturno, e realiza atividades em meio aberto no período diurno. Valter Kenji Ishida (2010, p. 226) menciona: 16 Nesse sentido: RODRIGUES, Moacir. Medidas socioeducativas. 2 ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1995, p. 32. 33 A lei prevê também o regime de semiliberdade, onde o adolescente permanece internado no período noturno, podendo, contudo realizar atividades externas. Dentre essas atividades, incluem-se a escolarização e a profissionalização. Não há prazo de duração determinado, dependendo de avaliação a cada seis meses como na internação pelo Setor Técnico. Corresponde no sistema penal ao regime semiaberto. Verifica-se que (LIBERATI, 2003, p. 111) “existem dois tipos de semiliberdade: o primeiro é aquele tratamento tutelar determinado desde o início pela autoridade judiciária através do devido processo legal; o segundo caracterizase pela progressão de regime: o adolescente internado é beneficiado com a mudança de regime, do internato para a semiliberdade (Art.120)”. Entende-se que esta medida é aplicada ao adolescente em conflito com a lei de dois modos: desde o início, sendo a medida aplicada como uma recompensa para aquelas infrações de menor potencial ofensivo, se comparada com a sanção de internação aplicada para aqueles atos infracionais de maior potencial ofensivo, como também a progressão de regime, beneficiando, contudo, o infrator. Conforme ensinamentos de Roberto João Elias (2010, p.164): A medida pode ser aplicada desde o início, quando, pelo estudo técnico, se verificar que é adequada e suficiente do ponto de vista pedagógico. Pode ser, ademais, aplicada como forma de transição para o meio aberto, isto no caso do adolescente que sofreu medida de internação. Se este deixou de representar perigo à sociedade, deve passar para um regime mais ameno, em que possa visitar os familiares e freqüentar escolas externas ou trabalhar. Em suma, a medida socioeducativa de semiliberdade é uma maneira mais branda e atenuada de se aplicar uma sanção, quando se trata de privação de liberdade do adolescente, deixando evidente que há um certo limite no direito de ir e vir do menor. Ela é caracterizada pela privação parcial da liberdade do adolescente em conflito com a lei, ou seja, ele poderá realizar atividades externas, independente de autorização judicial. Por fim, só poderá ser aplicada a medida de semiliberdade, mediante provas suficientes de autoria e de materialidade, como dispõe o artigo 114, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente.17 3.6 INTERNAÇÃO 17 Nesse sentido: FONSECA, Antônio Cezar Lima da. Direito da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 344. 34 Está prevista no artigo 121 do ECA. Esta medida existe antes do Estatuto ser criado. Ela foi herdada do Código Penal, mas hoje em dia sofre com constantes mutações, pois no início ela surgiu com um intuito repressivo, e hoje nada mais é, que uma medida socioeducativa de caráter educativo. A medida de internação é considerada a mais grave e mais severa entre todas as medidas socioeducativas citadas anteriormente. Alcançando o prazo máximo de 3 (três anos), o adolescente será liberado e inserido na Semiliberdade ou na Liberdade Assistida (121, § 6º, ECA). E ao completar 21 (vinte e um) anos de idade, o adolescente será liberado de forma compulsória, caso ainda esteja cumprindo medida de internação (art. 121, § 5º, ECA) A Internação está prevista no artigo 121 do ECA, dispondo dessa forma: Art. 121. A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese 18 o período máximo de internação excederá a três anos. Esta medida representa privação de liberdade exigida pela sociedade. A internação submete-se aos “princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (art. 121, do ECA). O princípio da brevidade, diz que a internação deverá ser cumprida por um prazo máximo de três anos, mesmo não tendo prazo determinado na sentença pelo juiz. Fala-se em regra, pois o Estatuto prevê outros prazos também de grande importância.19 De acordo com o princípio da excepcionalidade, a medida de internação, por ser considerada a medida mais severa, somente poderá ser aplicada nos casos expressos de modo taxativo no artigo 122 do ECA. Eventual sentença que não 18 . Diz o parágrafo quarto: “atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida”. Diz o parágrafo quinto: “a liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade”. Diz o parágrafo sexto: “em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público”. 19 Nesse sentido: DUPRET, Cristiane. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Editora Ius, 2010, p. 179. 35 estabelecer a medida da forma correta, ou seja, fora dos casos previstos no artigo 122, será nula, por violar o disposto em lei.20 O terceiro e último princípio, que é o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, está disposto no artigo 125 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê: “é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”. Além disso, quanto a aplicação da medida de internação, deverá ser respeitada as hipóteses previstas no artigo 122 do ECA, que dispõe três situações para impor tal medida. Quanto a isso afirma Wilson Donizeti Liberati (1991, p. 66): A autoridade judiciária somente poderá aplicar a medida socioeducativa de internação quando: I – Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II – Por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (Art. 122). O elenco de condições é taxativo e exaustivo, não havendo possibilidade de aplicação da medida fora das hipóteses apresentadas. Muitos doutrinadores creem que a medida de internação, assim como as demais medidas, tem finalidade educativa e pedagógica, que expõe a proposta de novos pensamentos e comportamentos dos adolescentes em conflito com a lei diante da sociedade. Com isso, Elcio Resmini Meneses (2008, p. 211) expõe pensamento diverso: A internação que se apresenta no sistema socioeducativo, tal como a prisão do sistema penal, não tem qualquer finalidade educativa [...] se educativa é a construção do sujeito, individualmente, com a construção de valores para reconhecimento de sua cidadania, em nada contribui o isolamento do adolescente infrator, menos ainda quando o atual modelo socioeducativo impõe disputas internas de espaço, eis que flagrante é a superlotação das casas. Verifica-se que a medida de internação é considerada grave, pois a liberdade do adolescente está sendo privada. Esta medida tem o objetivo de socioeducar, sancionar e disciplinar o adolescente para que ele não volte a cometer atos infracionais prejudiciais à sociedade. 20 Nesse sentido: DUPRET, Cristiane. Direito da criança e do adolescente. São Paulo: Editora Ius, 2010, p. 182. 36 O artigo 123 do ECA estabelece que essa medida deverá ser cumprida em entidades específicas, e atender às exigências de um ambiente adequado, in verbis: Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. Parágrafo único, Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas. O § 1º do artigo 121 do Estatuto estabelece sobre as atividades que deverão ser realizadas na Unidade de Internação. Essas atividades ficarão a critério da equipe técnica, salvo determinação judicial em contrário. Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa (2006, p. 68): A possibilidade de realização de atividade externa – salvo expressa determinação em contrário da autoridade judicial – é um dado revelador da consciência do legislador estatutário em relação à necessidade de mitigar os danos advindos de sua aplicação. Na internação, o adolescente estará sujeito a diferentes atividades educativas e recreativas, que englobam: instrução, religião, esporte, trabalho, e recreação.21 Em suma, o adolescente privado de sua liberdade poderá realizar atividades externas e internas. Essas atividades externas podem ser cursos relativos à saúde, humanização, conscientização, prevenção de doenças, entre outros. Com esses cursos realizados dentro e fora da Unidade de Internação, o adolescente interno estará de certa forma, preparando-se para o mercado de trabalho ao integrar-se novamente na sociedade. A medida em questão priva a liberdade do adolescente e é resultante de um processo judicial. Tem como alvo os jovens entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos, que vêm a cometer atos infracionais. Ela deverá ser aplicada mediante o cometimento de ato infracional de grave ameaça ou violência à pessoa, ou quando o adolescente for considerado reincidente no cometimento de infrações. Levando em conta o prazo máximo de 3 (três) anos de internação o adolescente será liberado e passará a cumprir medida de Semiliberdade ou de Liberdade Assistida. E esse prazo deverá ser analisado conjuntamente com a idade máxima permitida para internação, que é de 21 (vinte e um) anos. 21 Nesse sentido: ALBERGARIA, Jason. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Editora Aide, 1991, p. 133. 37 Cristiane Dupret (2010, p. 198) expõe seu entendimento, nesse sentido: O prazo máximo de três anos deve ser analisado conjuntamente com a idade máxima permitida para o cumprimento da internação, que é de 21 anos, consoante disposto no parágrafo 5º do artigo 121. Tal limite máximo de idade foi estabelecido pelo legislador justamente levando em conta o prazo máximo de três anos. Se não houvesse a possibilidade de aplicação de internação até os 21 anos, o adolescente que praticasse o ato próximo à data completar a maioridade provavelmente não receberia a medida. Em suma, compreende-se que a medida socioeducativa de internação trata-se da privação de liberdade; o adolescente realizará atividades internas e externas; a cada seis meses deverá ser avaliado o comportamento do adolescente pela equipe técnica; não poderá ser excedido o prazo de 3 (três) anos de sua aplicação, e atingindo tal limite o adolescente será liberado e passará a cumprir medidas de meio aberto; a desinternação do adolescente deverá ser efetuada apenas com autorização judicial; e o mais importante: as unidades socioeducativas deverão ter um plano eficaz de desenvolvimento do adolescente, para que o mesmo volte a ser inserido na sociedade devidamente capaz. 38 4 TEORIA DOS ATOS INFRACIONAIS E REGIME DE PENALIZAÇÃO De acordo com a teoria dos atos infracionais, são condenáveis os atos descritos como crime, porém com as penalidades descritas no ECA. Se o infrator for pessoa menor de 18 anos ao tempo em que praticar a conduta. Se tiver idade até 12 anos de idade aplicam-se as chamadas medidas de proteção com processamento perante os conselhos tutelares, se tiver entre 13 e 17 anos são aplicáveis as medidas socioeducativas, mediante apuração regular pela Delegacia da Criança e do Adolescente e processamento pelo poder judiciário, notadamente nas varas dos juizados especiais da criança e adolescentes. O conceito legal de ato infracional é “a conduta descrita como crime ou contravenção penal”, de acordo com o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente. E de acordo com Eduardo Roberto de Alcântra del Campo e Thales César de Oliveira (2005, p. 125) o Estatuto adotou a teoria tripartida do “ato infracional”, pelo qual deve-se verificar a tipicidade, antijuridicidade e a culpabilidade, de outro lado, Valter Kenji Ishida (2006, p. 137) defende a adoção da teoria finalista ou bipartida, representada pela tipicidade a antijuridicidade. Essa divergência surge justamente porque é excluída a imputabilidade, elemento da culpabilidade. Como sugerido pela primeira corrente, há no direito penal uma teoria do crime que o consagra com três elementos, a tipicidade, antijuridicidade e a culpabilidade, sendo que este é composto pela potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e a imputabilidade, sendo esta irrelevante para a teoria dos atos infracionais, por força tanto da Constituição Federal, como do Código Penal e do Estatuto da Criança e do adolescente, respectivamente nos arts. 288, 27 e 104, referido e colacionado infra. Cristiane Dupret (2010, p. 157) diz que “o menor de 18 anos não atende um dos elementos da Culpabilidade. Logo, (...) não comete crime; comete apenas um ato análogo a um injusto penal (fato típico e ilícito)”. Se bem que, em verdade, e não se pode negar, o ato infracional será análogo a um crime e não a um injusto penal, pois admite-se que todo ato infracional é um injusto penal. 39 4.1 IMPUTABILIDADE PENAL 4.1.1 Conceito de imputabilidade Imputabilidade é a capacidade de percepção, de compreender a característica ilícita de uma conduta. Nesse sentido é necessário que o agente detenha condições físicas e mentais para enxergar que está cometendo um ilícito penal. Além disso, a imputabilidade requer que o sujeito tenha condições de controlar a própria vontade. Outrossim, diz-se imputável aquele que detém capacidade de intelecção e controle do animus. Por isso a imputabilidade é o raio-x do intelecto criminoso, a capacidade de entendimento. Por outro lado, também representa a opcionalidade de comandar as suas necessidades. Esses dois elementos são cumulativos e faltando qualquer um deles faltará a imputabilidade, o sujeito será inimputável. Imputabilidade não se confunde com capacidade, pois é apenas uma espécie desse gênero. A imputabilidade pode ser lida inclusive como capacidade para efeitos penais, contudo a capacidade em sentido lato é muito mais ampla, e compreende também a capacidade postulatória, para prática de atos processuais, ambas adquiridas somente após os 18 (dezoito) anos. Imputabilidade diz respeito à vontade do agente, mas não se confunde com o dolo também, pois aquele é a capacidade de controlar a vontade, enquanto esse é o livre exercício da vontade, a vontade livre e consciente. Pode ocorrer um crime com dolo, mas sem imputabilidade (tecnicamente não há que se falar em ocorrência do crime uma vez que a imputabilidade é um de seus sub-requisitos). Da mesma forma, também não se confunde com responsabilidade, uma vez que essa está em um patamar mais elevado, trata-se da aptidão para receber uma punição, a qual requer seja o agente imputável, consciente potencial da ilicitude e exigível que se pratique conduta diversa. Logo, o imputável pode não ser responsável pelo crime se não lhe for exigida conduta diversa da praticada ou não houver condições de conhecer do caráter injusto da conduta. Imputável é o sujeito que não é inimputável, ou seja, é imputável aquele agente que não está encoberto por uma das causas excludentes da imputabilidade, quais sejam: a detenção de doença mental incapacitante, o não desenvolvimento 40 mental completo; o desenvolvimento mental retardado; e a embriaguez acidental ou por caso fortuito ou força maior. A doença mental incapacitante o importuna abalo mental ou psicológico provocado por qualquer meio suficiente para ceifar a competência de compreensão do caráter injusto da conduta ou para deter os impulsos/vontades. No caso da dependência química/psicotrópica ser diagnosticada como uma doença, poderá dar causa à inimputabilidade se preencher esses requisitos. A falta de desenvolvimento mental completo verifica-se pela questão cronológica (menoridade) ou pelo convívio social incompetente (imaturidade). Assim, os menores de 18 (dezoito) anos são legalmente considerados inimputáveis pelo art. 27 do Código Penal, falta de desenvolvimento mental completo cronológico, as comunidades isoladas que não estão integradas ao meio ambiente urbano, falta de desenvolvimento mental completo por convivência incompetente. Contudo, no primeiro caso a lei determina o marco fixo, mas no segundo caso é necessária a prova pericial da inimputabilidade22. No que toca ao desenvolvimento mental retardado, seu critério é o estado biológico, embora cronologicamente aparente ser imputável sua condição biológica, de estágio de desenvolvimento encontra-se sensivelmente abaixo da média considerada para aquele nível etário. Não se confunde com o não desenvolvimento completo onde o agente não tem maturidade psíquica por causa da sua precoce fase etária ou da ausência de suficiente conhecimento empírico. Pois o que ocorre é que a capacidade fica a quem das expectativas, como no caso dos débeis mentais e ou surdo-mudos (deficientes sensoriais). A embriaguez por seu turno exclui a capacidade de entendimento e a vontade do agente, por meio de intoxicação perene, que pode se dar tanto pela ingestão de álcool ou pelo consumo de substâncias psicotrópicas entorpecentes, estimulantes e/ou alucinógenos. 22 Nesse sentido RHC n. 84.308/MA, dje de 24.02.2006. “É dispensável o exame antropológico destinado a aferir o grau de integração do paciente na sociedade se o Juiz afirma sua imputabilidade plena com fundamento na avaliação do grau de escolaridade, de fluência na língua portuguesa e do nível de liderança exercida na quadrilha, entre outros elementos de convicção” (HC n. 85.198/MA, dje de 09.12.2005). 41 A embriaguez pode ser acidental voluntária, acidental culposa ou não acidental. Na primeira, o consumo da substância intoxicante ocorre com o fim de embriagar-se (denominada também embriaguez dolosa). Na culposa a ingestão ocorre sem intenção, por imprudência, por abuso. Já na embriaguez não acidental não há violação à imputabilidade. 4.1.2 Inimputabilidade, impunidade e ineficácia Talvez o primeiro enfrentamento da “inimputabilidade” penal do menor seja a tese da “impunidade” do menor, segundo a qual a não imputação dos efeitos ordinários da lei penal aos menores equipara-se à impossibilidade de puní-los pela prática de fato típico. O segundo enfrentamento é a questão da baixa eficiência das punições impostas aos menores delituosos. Primeiramente, deve-se conceituar a inimputabilidade para fins penais dos menores, que segundo Oscar Joseph de Plácido e Silva (2012, p. 224), o termo inimputabilidade, qualquer que seja os fins de direito, se penal, civil ou administrativa, indica que o sujeito a quem é atribuída essa característica não é responsabilizado pelos atos praticados. Ocorre que nossa legislação nem sequer chega a afastar a responsabilidade para efeitos penais (no caso dos adolescentes) ou transfere a responsabilidade penal para a administrativa (no caso das crianças). Senão vejamos o que dispões o art. 228 da Constituição Federal, 27 do Código Penal e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. O que se denota é que a legislação penal ordinária não é aplicável de plano aos menores, dependendo de regras específicas, em legislação especial, para tratar da responsabilidade penal e administrativa dos menores de dezoito anos. Há quem sustente que os menores não respondem penalmente por não terem discernimento sobre os atos que praticam e nesse sentido questionam a justiça da inimputabilidade, contudo este não é o entendimento da doutrina moderna. 42 Questão de política criminal – atualmente entende-se que a “inimputabilidade dos menores” não se trata de uma condição especial de falta de discernimento, mas de uma questão estrita de política criminal. Ao elaborar o sistema jurídico penal o destina a um grupo de pessoas consideradas como completamente formadas em seu aspecto psíquico e fisiológico. Sendo que as demais pessoas, tendo ou não discernimento, parcial ou completo, devem responder penalmente através de regras especiais que levem em consideração os seus aspectos psíquico e fisiológico próprios. Nesse sentido o Estatuto da Criança e do Adolescente atribui uma forma de responsabilização penal própria para indivíduos com até doze anos e para indivíduos de treze a dezessete anos. 4.2 PRESCRIÇÃO Em diversas oportunidades23 o Superior Tribunal de Justiça decidiu que aos atos infracionais é aplicável o disposto no Código Penal quanto à questão da prescrição, ou melhor, aplicável às medidas socioeducativas, até que sumulou tal entendimento24. De acordo com o Código Penal, art. 109 e 110, o tempo de prescrição no direito penal varia conforme a pena aplicável, sendo que antes de transitar em julgado a pena de referência é aquela, em abstrato, considerável a máxima possível, e após, a pena da condenação em concreto. Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) IV - em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro); V - em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois); VI - em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. 23 REsp. n. 171.080/MS, dje de 15.04.2002; REsp. n. 341.591/SC, dje de 24.02.2003; REsp. n. 489.188/SC, dje de 29.09.2003; HC n. 30.028/MS, dje de 09.02.2004; REsp. n. 602.178/MG, dje de 17.05.2004; REsp. n. 598.476/RS, dje de 07.06.2004; REsp. n. 605.605/MG, dje de 18.10.2004; RHC n. 15.905/SC, dje de 03.11.2004; HC n. 34.550/RJ, dje de 07.03.2005; REsp. n. 564.353/MG, dje de 23.05.2005; HC n. 45.667/SP, dje de 28.11.2005. 24 STJ 338 – A prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas. 43 4.3 DA APLICAÇÃO DA PENA Vencida a questão da penalização nos ilícitos penais cometidos por menores, é de bom grado ressaltar alguns pontos salientes quanto à própria aplicação das penas, ainda abstratamente falando. 4.3.1 Competência / atribuição O direito é tão dialético que em alguns casos em que se acirram mais as discussões acabam surgindo conclusões um tanto quanto óbvias, a questionar a seriedade do sistema. Nesse sentido são algumas súmulas da jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Felizmente em alguns casos a obviedade encobre uma questão realmente complexa, relacionada à necessidade de desafiar um procedimento mais formal de homogeneização da jurisprudência. O exemplo de referência aqui é a súmula n. 108 do STJ, a preceito dos art. 112 e 146 do ECA. STJ 108 – A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz. Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local. Os precedentes do pretório referem-se a casos em que serventuário da justiça, cartorário, é encarregado de executar medidas socioeducativas de advertência e admoestação verbal25, ou do Ministério Público que firma remissão cumulada com aplicação de medida socioeducativa sem homologação judicial26. 25 REsp. n. 104.485/DF, dje de 15.04.2002: “Reveste-se de ilegalidade a audiência de admoestação verbal - determinada por ocasião da homologação de remissão cometida a menor infrator, cumulada com medida sócio-educativa de advertência – conduzida por oficial do Cartório da Vara especializada. II. Nos termos do art. 112 c/c o art. 146 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é função indelegável do Juiz a aplicação de medida sócio-educativa. III. Recurso provido, para que se determine a realização de novas audiências de advertência, de acordo com os procedimentos previstos na Lei n.º 8.069/90. 26 REsp. n. 28.886/SP, dje de 05.04.1993: “O Ministério Público pode conceder a remissão com força de exclusão do processo. Urge, porém, homologação judicial, quando implicar aplicação de medida sócio-educativa. embora não se trate de pena (sentido criminal), e sanção, garantida o contencioso administrativo (...)”. No mesmo sentido: REsp. n. 26.049/SP, dje de 22.03.1993; RMS n. 1.969/SP, dje de 30.11.1992; REsp. n. 24.442/SP, dje de 16.11.1992; RMS 1.967/SP, dje de 23.09.1992. 44 É atribuído caráter de exclusividade, logo indelegabilidade, da competência para aplicação das medidas socioeducativas. 4.3.2 Regime de cumprimento de pena O Superior Tribunal de Justiça entende em suma que a aplicação de uma medida socioeducativa mais gravosa deve obedecer de maneira inabalável o princípio do contraditório, sob pena de afrontar a Constituição Federal no seu art. 5º, LIV e LV, bem como de esvaziar o sentido social do próprio instituto 27. O maior reflexo disso é a súmula 265: “é necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida socioeducativa”. Como aventado no habeas corpus n. 11.302/SP, dje de 20.03.2000, “a determinação de regressão de medidas reclama a oitiva do menor-infrator, para que se manifeste a respeito do descumprimento da medida de semiliberdade originariamente determinada e que deu causa a regressão à medida de internação mais rigorosa, em observância ao caráter educacional de exceção da legislação incidente e ao princípio constitucional da ampla defesa”. 4.3.3 Provas e requisitos Determinado adolescente, supostamente incurso no ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas, surpreendido com quantidade mínima de entorpecentes, passível de consumo por apenas uma pessoa, em um dia, é abordado pelas forças policiais e encaminhado à Vara da Criança e do Adolescente para responder (responsabilidade penal) segundo a Lei de Drogas conjugado com o Estatuto da Criança e do Adolescente. 27 Nesse sentido conjugue-se: RHC n. 9.270/SP, dje de 15.05.2000 (“Para que se alcancem os objetivos pretendidos pelas medidas sócio-educativas, é necessário que, na imposição das sanções, seja observado, com extremo rigor, o princípio da ampla defesa. Portanto, a prévia audiência do menor infrator, quando possível, faz-se indispensável para a aplicação de medida sócio-educativa mais gravosa”); e RHC n. 9.315/SP, dje de 27.03.2000 (“Para efeito de internamento devem ser observadas as garantias estabelecidas no art. 5º, inciso LIV e LV da Carta Magna e no Estatuto da Criança do Adolescente. II - O internamento, ex vi legis, é opção excepcional que deve, sempre que possível, ser evitada”). 45 Nesse caso hipotético, ilustrativamente, duas questões podem ser levantadas, a primeira atine às provas (quanto a uma confissão) e a segunda aos requisitos para aplicação da medida de intervenção. É nula a condenação ao cumprimento de uma medida socioeducativa com base em uma confissão quando é dispensada a produção de outras provas. Assim é a súmula da jurisprudência predominante do STJ (n. 342): “no procedimento para aplicação de medidas socioeducativas, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente”. O segundo ponto, que difere do primeiro, trata-se de questão material e não processual, temos que a imposição de medida socioeducativa de internação, a medida mais gravosa, tem lugar apenas mediante a ocorrência de pelo menos uma de quatro circunstâncias, quais sejam: grave ameaça; violência a pessoa; infração grave reiterada; ou descumprimento reiterado e injustificável de uma medida sócioeducativa. O tráfico de drogas, e principalmente o praticado por menores, pela sua natureza não é praticado com ameaça (considerado aqui o simples comércio e substâncias entorpecentes), supostamente a violência à pessoa é ainda mais despercebida, quanto ao descumprimento reiterado e injustificado de uma medida sócio-educativa já entra na questão processual, e por fim, o cometimento reiterado de infração grave também fica relegado ao aspecto subjetivo, varia de caso para caso. Nesse aspecto, o STJ editou a súmula n. 492 da sua jurisprudência predominante: “o ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação28 do adolescente”. 4.3.4 Bagatela O princípio da bagatela, da necessária proteção penal de ilícito substancialmente relevante, prescrição da intervenção mínima ou ainda a 28 De acordo com o art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “a medida de internação só poderá ser aplicada quando: tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; ou por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”. 46 idealização da tipicidade material na teoria do crime, impede a aplicação de uma pena por subtração da própria tipicidade do crime, e analogamente do ato infracional. Nessa esteira interessante citar o HC n. 262.494/RS, dje de 03.09.2014, “também aos atos infracionais é necessária a aferição da relevância jurídica da conduta, aferindo-se a insignificância em parâmetros similares no mínimo similares à socialmente mais gravosa conduta criminal (...)”. Deve-se observar se o ato não tem uma ofensividade reduzida, se não tem a reprovabilidade reduzida, se realmente há uma periculosidade social, ou se a lesão jurídica não é inexpressiva29. Naquele caso, foi reconhecida a bagatela em um crime onde houve verificada a reincidência. O muito pequeno valor dos bens subtraídos (R$ 23,00) permite excepcionalmente reconhecer insignificância mesmo à conduta de adolescentes reincidentes, pela ausência de dano social ou criminalmente relevante. 4.4 TRÂNSITO EM JULGADO E MEDIDA ANTECIPADA No procedimento comum dos crimes regido pela legislação ordinária – Código Penal e Código de Processo Penal – a execução de uma pena só tem lugar quando do trânsito em julgado da sentença condenatória. Contudo, admite-se exceção à regra da não penalização antecipada para os casos em que for favorável ao réu. Assim, válido trazer a baila alguns pontos sobre a antecipação das medidas de seguranças. Em julgado recente30, revela que é possível o cumprimento antecipado da medida, “em regra, não se admite a execução provisória de sentença que impõe medida socioeducativa impugnada por apelação”. O Conselho Nacional de Justiça editou a resolução n. 165 de 16 de novembro de 2012, que “dispõe sobre normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei no âmbito na internação provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas”. 29 Esses requisitos são conjugados no HC n. 84.412/SP, dje de 19.11.2004. 30 AgRg no HC n. 292.200/PA, dje de 10.10.2014. 47 Alguns requisitos básicos devem ser observados antes de qualquer coisa. Assim, a ordem escrita de autoridade judiciária competente31, o processamento em autos próprios, além da execução da medida provisória pelo prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias. O art. 14 determina ainda que a apreensão e a prisão cautelar, assim como ocorre com a pena privativa de liberdade, terão os tempos de execução computados para efeito de reavaliação (art. 42 da Lei n. 12.594/12). 4.5 ATRIBUIÇÃO FÁTICA, PROVAS E ANÁLISE OBJETIVA DOS REQUISITOS Uma vez perquirida a condenação de um menor por ato infracional devese citá-lo, informando-o de forma “plena” e “formal” sobre a imputação de um ato infracional, assim diz o art. 111, I, do Estatuto da criança e do adolescente e o art. 227, §3º, IV, da Constituição Federal. Além disso, aliado ao disposto no art. 184, §1º, daquela regência, o menor deve ser cientificado de que responde a uma acusação formal e de suas penas se condenado, pois deverão ser cientificados e a seus pais ou representantes legais, sobre o teor da representação, necessária ainda a notificação do comparecimento à audiência e da possibilidade de fazer-se acompanhar de advogado. O ECA utiliza o termo “comunicação do teor da representação” e “notificação para comparecer em audiência”, deixando de lado o termo “citação” do Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil, contudo, a doutrina sustenta que os efeitos são os mesmos. Wilson Donizeti Liberati (2010, p. 195) “o chamamento ao processo, por meio da citação, é o primeiro ato processual de comunicação da instância, que deve respeitar os requisitos dispostos no art. 352 e seguintes do CPP c/c o 184, §1º, do ECA, sob pena de nulidade insanável”. 4.6 A RESSOCIALIZAÇÃO MEDIANTE PUNIÇÃO O processo de ressocialização do adolescente em conflito com a lei se dá pelo misto de medidas que vão desde aquelas dispensadas às crianças em estado de perigo até aqueles dispensadas ao penalmente imputável, maiores de 18 31 Art. 4º da resolução em apreço. 48 (dezoito) anos. Por outro lado, as medidas acabam sendo ímpares e não se identificam em sua plenitude com nenhum outro meio coercitivo/modulador de condutas. O primeiro pilar da ressocialização do adolescente é a família, o menor núcleo social, a primeira divisa de interesses e intersubjetividades que um indivíduo experimenta. A importância do convívio familiar é tamanha e o ordenamento jurídico só a afasta em situações completamente excepcionais, e ainda assim prima pela substituição dos sujeitos integrantes desse núcleo. Esse arquétipo de interesses é herdado do sistema de proteção das crianças. O segundo pilar é a valorização dos direitos e interesses do menor, buscando informá-lo dos fatos apurados, dando-lhe amplas possibilidades de expressão e consideração de sua defesa de acordo com a sua fase etária. A opinião do jovem é recepcionada com interesse do Estado, afastando-se a concepção do menor assistido, onde os pais se punham à frente das interpelações estatais. O terceiro pilar é a repressão penal, advinda do sistema penal comum, contudo vem em uma releitura daquele sistema, com seu caráter de brevidade, proporcionalidade, estrita necessidade e graduação. A internação por prazo máximo de 3 (três) anos demonstra que esse sistema é completamente mutado, assim como a previsão das demais medidas socioeducativas que se caracterizam como penas alternativas. Assim sendo, no sistema de medidas socioeducativas contra adolescentes em conflito com a lei, a punição é apenas uma parte da ressocialização, pois o menor, pela sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, inimputável penal e com baixa capacidade de auferir a ilicitude da conduta praticada em desconformidade com a lei, do mesmo modo, não pode simplesmente receber uma punição comum, pois se não identificar o ilícito da conduta não identificará o caráter ressocializador da punição. Deve-se, pois homenagear a intervenção psicossocial do Estado, analisar as condições particulares do menor através de uma equipe multidisciplinar e acompanhar o desempenho do menor no cumprimento da medida com acompanhamento de profissionais de assistência social especializados. 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS Há oito décadas, o país iniciou a corrida em busca do combate às situações precárias que atingiam parcela dos menores. Em 1927, com o Decreto n. 17.948-A – Código de Menores, os chamados “menores em situação irregular” criam uma distinção entre menores abandonados e o menor delinquente. A grande crítica foi justamente o do reforço aos aspectos negativos, ou seja, doutrina dos abandonados e delinquentes. Esse estigma era a doutrina da situação irregular. Basicamente quinze anos mais tarde, o Estado reforça a preocupação com os menores e institui a assistência social especial para esses sujeitos. Os serviços de assistência duraram duas décadas, sendo extintos com a entrada em vigor do regime militar ditatorial, instituídas as FEBEN’s, constatando-se um aumento na violência genérica e sexual, analfabetismo, e ainda a teve a questão da desinformação e antidemocracia. Outro interstício de duas décadas e em 1979 é promulgado o novo Código de Menores, agora instituído sobre a doutrina da proteção integral, contudo com o paradigma da doutrina do menor em situação irregular. Em 1988 entrou na ordem jurídica a Constituição Federal, não recepcionando o Código de Menores e em 1990 instituído o atual Estatuto da Criança e do Adolescente. Esses institutos então formam o atual microssistema de direito dos menores. Esse sistema é definido por uma série de princípios, como o que impõe ao Estado o dever de tratar com prioridade os direitos menoristas, o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários como reflexo da imposição das medidas protetivas e socioeducativas, condição dos menores como sujeitos de direitos, poder público como responsável direto e solidário, medidas que melhor atendem ao interesse do menor, respeito à intimidade, imagem e vida privada, intervenção estatal imediata, indispensável para promoção dos direitos, adequada à situação atual, com responsabilização parental e prevalência da família, informação dos fatos e com oitiva obrigatória e participativa. As medidas socioeducativas permitidas pelo Estatuto da Criança e do adolescente são a advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade e internação. 50 Os atos descritos como crime, praticado por menores de dezoito anos são considerados atos infracionais, aplicado-se ao invés da respectiva pena prevista no tipo penal as medidas socioeducativas se o agente causador do injusto for adolescente (de treze a dezessete anos) e as medidas de proteção se for criança (até doze anos). Os primeiros são processados pelos juizados da infância e os segundos pelos próprios conselhos tutelares. A prescrição aplicável às medidas socioeducativas é a mesma prevista para as penas de cada crime, conforme parte geral do Código Penal. Em qualquer caso, somente a autoridade judiciária (juiz) é competente para decretar e aplicar as medidas. A aplicação da medida deve atender a requisitos objetivos, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, não podendo o juiz aplicar medida gravosa por presunção de proporcionalidade sem observar a ocorrência dos requisitos legais. É aplicável às medidas socioeducativas a teoria da bagatela. Vedada ainda a aplicação da medida sem o trânsito em julgado da sentença como regra. 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERGARIA, Jason. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Editora Aide, 1991. AMIN, Andréia Rodrigues; MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo. Curso de direito da criança e do adolescente: Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Os regimes de atendimento no Estatuto da Criança e do adolescente. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006. CUSTÓDIO, André Viana; e VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho infantil. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2007. 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