CURSO DE DIREITO OS VÍCIOS DO CONSENTIMENTO NO NEGÓCIO JURÍDICO VANESSA SARTORATO RIBEIRO RA: 502124-3 TURMA: 3209-C FONE: 9539.1523 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2009 OS VÍCIOS DO CONSENTIMENTO NO NEGÓCIO JURÍDICO Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação da Professora Renata Giovanoni Di Mauro. SÃO PAULO 2009 BANCA EXAMINADORA: Professor Orientador: ____________________________ Renata Giovanoni Di Mauro Professor Argüidor: _____________________________ Professor Argüidor: _____________________________ Dedico este trabalho aos meus pais que estão sempre presentes em minha vida, me apoiando e me auxiliando em todos os momentos. Agradeço primeiramente à Deus por me dar saúde e forças para alcançar meus objetivos. Agradeço aos meus pais pela oportunidade que me deram em fazer uma faculdade e por estarem sempre presentes em minha vida. Agradeço à minha família pelo apoio, confiança e dedicação que depositaram em mim no decorrer desta etapa. Agradeço ao meu namorado, Rafael, pela força, paciência e companheirismo em todos os momentos importantes da minha vida. Agradeço aos meus amigos por toda força que me deram, inclusive para a realização deste trabalho. À Professora Renata por toda atenção e orientação concedida para que este trabalho fosse concluído. SINOPSE Um tema de grande importância para estudo no Direito Civil são os Vícios do Consentimento no Negócio Jurídico. Na esfera doutrinária sua abordagem é essencial para que possamos entender os requisitos de validade e quais as conseqüências no caso de vícios no momento da manifestação da vontade na prática do negócio jurídico. Com um exame superficial, observamos que o Negócio Jurídico é ato lícito da vontade humana e que possui intenção de gerar efeitos na ordem jurídica. Assim, quando não há vontade, não há, conseqüentemente, negócio jurídico. No entanto, quando a vontade apresenta vício ou defeito, a lei visa proteger o autor da declaração, através da anulação do negócio praticado, já que, para que possa ter validade, é necessário que a vontade se externe livre e consciente para que alcance o íntimo desejo do agente. Assim, as hipóteses de vícios na manifestação da vontade são: o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão, os quais estudaremos no decorrer deste trabalho, bem como os requisitos de validade e as conseqüências destes vícios na prática do negócio jurídico. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 01 1. DO NEGÓCIO JURÍDICO ........................................................................................... 03 1.1 Definição ............................................................................................................... 03 1.2 Elementos Constitutivos ........................................................................................ 04 1.2.1 Elementos Essenciais ................................................................................... 04 1.2.2 Elementos Naturais ...................................................................................... 05 1.2.3 Elementos Acidentais .................................................................................. 05 1.3 Requisitos de Validade ......................................................................................... 05 1.3.1 Nulidade Absoluta ....................................................................................... 06 1.3.2 Nulidade Relativa ........................................................................................ 07 1.3.3 Inexistência .................................................................................................. 08 2. DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO ............................................................ 09 2.1 Introdução ............................................................................................................. 09 2.2 Distinção entre os Vícios do Consentimento e os Vícios Sociais ........................ 10 3. VÍCIOS DO CONSENTIMENTO ............................................................................... 12 3.1 Definição .............................................................................................................. 12 3.2 Disparidade entre a Vontade Real e a Declaração ............................................... 13 3.2.1 A posição do novo Código Civil Brasileiro ................................................ 16 4. O ERRO OU IGNORÂNCIA ....................................................................................... 18 4.1 Erro Substancial ou Essencial ............................................................................... 20 4.2 Erro Escusável ...................................................................................................... 22 4.3 Erro Conhecido ou Reconhecível pelo outro Contratante .................................... 23 4.4 Erro Acidental ....................................................................................................... 24 4.5 Transmissão Errônea da Vontade por Instrumento ou Núncio ............................. 25 4.6 O Falso Motivo ..................................................................................................... 25 5. O DOLO .......................................................................................................................... 27 5.1 Distinção entre Erro e Dolo .................................................................................. 28 5.2 Requisitos do Dolo ............................................................................................... 29 5.3 Dolo Essencial ou Principal e Dolo Acidental ..................................................... 30 5.4 Dolus Bonus eDolus Malus .................................................................................. 32 5.5 Dolo Positivo ou Comissivo e Dolo Negativo ou Omissivo ................................ 33 5.6 Dolo de Terceiro ................................................................................................... 34 5.7 Dolo de Ambas as Partes ...................................................................................... 36 6. A COAÇÃO .................................................................................................................... 37 6.1 Coação Absoluta (vis absoluta) e Coação Relativa (vis compulsiva) ................... 38 6.2 Requisitos da Coação ............................................................................................ 39 6.2.1 A ameaça como causa do ato ....................................................................... 40 6.2.2 A ameaça deve ser grave .............................................................................. 41 6.2.3 A injusta ameaça e o temor reverencial ....................................................... 42 6.2.4 A ameaça deve ser atual ou iminente ........................................................... 44 6.2.5 Sobre quem deve recair a ameaça ................................................................ 45 6.2.6 A coação por parte de terceiros .................................................................... 46 7. O ESTADO DE PERIGO .............................................................................................. 47 7.1 Elementos do Estado de Perigo ............................................................................ 49 7.2 Distinção entre Estado de Perigo e Coação .......................................................... 51 7.3 Distinção entre Estado de Perigo e Estado de Necessidade ................................. 51 8. A LESÃO ....................................................................................................................... 53 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 57 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 60 INTRODUÇÃO O tema abordado trata dos Vícios do Consentimento no Negócio Jurídico, que é um tema de grande importância para o Direito Civil. O presente trabalho tem por objetivo específico verificar e conhecer as hipóteses de vícios na manifestação da vontade na prática do negócio jurídico e quais suas principais conseqüências. Também pretende, em linhas gerais, analisar, sistematizar e valorar algumas das teorias mais significativas da doutrina dos Vícios do Consentimento, como as que tratam da disparidade entre a vontade real e a declaração. Antes de entendermos e conhecermos os vícios na manifestação da vontade, estudaremos o negócio jurídico, que se trata de ato lícito da vontade humana e possui intenção de gerar efeitos na ordem jurídica. A vontade é pressuposto de existência do negócio jurídico e para que este seja válido e eficaz é necessário que essa vontade se exteriorize de forma livre e consciente. A partir do momento que essa vontade vem inquinada em um vício, estamos diante de um defeito no negócio jurídico. O defeito se passa no campo da validade do negócio jurídico, onde será analisado se produzirá ou não efeitos. Os vícios do consentimento são aqueles que incidem sobre a vontade do agente, assim, visto que o negócio jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, quando esta 1 não corresponde com o íntimo desejo do agente e não se manifesta de forma livre e consciente, de acordo com o seu verdadeiro desejo, trata-se de um vício, ou seja, o negócio está maculado, pois existe divergência entre a vontade real e a declaração, estando, desta forma, suscetível de ser anulado. Os vícios na manifestação da vontade, que veremos cuidadosamente no decorrer deste trabalho, são: o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão. Veremos que em todos os casos, presentes os pressupostos requeridos pela lei, o negócio jurídico poderá ser anulado. Assim, este estudo analisará o negócio jurídico, seus defeitos, os requisitos de validade, as divergências e as teorias que estudam a vontade real e a declaração, como se caracteriza cada um dos vícios do consentimento e quais os requisitos estipulados pela lei para que o negócio seja anulado. 2 1. DO NEGÓCIO JURÍDICO 1.1 Definição Trata-se de negócio jurídico o ato lícito da vontade humana que visa gerar determinados efeitos na ordem jurídica. Negócio jurídico é toda ação humana combinada com o ordenamento jurídico, voltada a criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas, cujos efeitos vêm mais da vontade do que da Lei. 1 Portanto, o negócio jurídico é a manifestação de vontade que visa a um fim prático, que é tutelado pela ordem jurídica. 2 Sendo assim, a lei confere a eficácia necessária à vontade humana que não esteja em desacordo com a lei e que objetiva um fim. Desta forma, o ordenamento jurídico confere ao indivíduo capaz a possibilidade de, por meio de sua vontade, criar relações e efeitos jurídicos através do negócio jurídico. Os negócios jurídicos são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente. 3 1 FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 189. NETTO, Domingos Franciulli; MENDES, Gilmar Ferreira; FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. O Novo Código Civil – Estudos em Homenagem ao Prof. Miguel Reale. São Paulo: LTR, 2003, p. 117. 3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 476. 2 3 A declaração é o meio pelo qual se manifesta o ato de vontade destinado a produzir efeitos jurídicos imediatos. A esse princípio se chama autonomia da vontade, em que o direito positivo reconhece a possibilidade que os indivíduos têm de praticarem atos jurídicos, produzindo seus efeitos. 4 Pelo princípio da autonomia da vontade as pessoas têm liberdade de, em conformidade com a lei, celebrar negócios jurídicos, criando direitos e contraindo obrigações. 5 1.2 Elementos Constitutivos Os elementos constitutivos do negócio jurídico são aqueles que compõem a sua estrutura, o seu conteúdo. Distinguem-se entre os elementos do negócio jurídico os essenciais, os naturais e os acidentais. 1.2.1 Elementos Essenciais Os elementos essenciais são aqueles indispensáveis para a existência do ato, são eles: a vontade humana, a idoneidade do objeto e a forma. 6 A vontade humana é um elemento essencial do negócio jurídico, já que o mesmo é fundamentalmente um ato de vontade e se revela através da declaração. 4 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 170. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 310. 6 RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 171. 5 4 Deve haver a idoneidade do objeto em relação ao negócio que se pretende realizar. Sem que exista a forma, sequer existe o ato. A forma é a substância do ato. 1.2.2 Elementos Naturais Os elementos naturais são aqueles que decorrem naturalmente do negócio jurídico, são efeitos ou conseqüências decorrentes de sua própria natureza, como por exemplo, a responsabilidade do vendedor em responder pelos vícios redibitórios ou pela evicção. 1.2.3 Elementos Acidentais Os elementos acidentais são aqueles que podem figurar ou não no negócio, são desnecessários à formação do ato. Consistem em estipulações acessórias que as partes podem facultativamente adicionar ao negócio, como por exemplo, a condição, o modo ou o termo. 7 1.3 Requisitos de Validade Deve-se preencher determinados requisitos, apresentados como os de validade do negócio jurídico, para que o mesmo possa produzir efeitos, possibilitando a aquisição, modificação ou extinção de direitos. Se o negócio apresenta todos os requisitos, é válido e 7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 307. 5 dele decorrem os mencionados efeitos almejados pelo agente. Se lhe falta um dos requisitos, o negócio é inválido e poderá ser nulo ou anulável. 8 A validade do negócio jurídico exige que a declaração de vontade resulte de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei. 9 Invalidade é o defeito de um ou mais elementos do negócio jurídico e que pode ser: nulo, anulável ou inexistente. 1.3.1 Nulidade Absoluta A nulidade absoluta refere-se à nulabilidade dos atos praticados nos negócios jurídicos, isto é, o negócio sequer tem força para produzir efeitos. De acordo com o artigo 166 do Código Civil: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.” 8 Francisco Clementino San Thiago Dantas. Programa de Direito Civil. 3. ed., p. 225; Washington de Barros Monteiro. Curso, cit., v. 1, p. 187; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições, cit., v. 1,p. 309; Maria Helena Diniz. Curso, cit.,v. 1, p. 377 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Ibidem, p. 317. 9 O artigo 104 do Código Civil estabelece que: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei”. 6 Os negócios jurídicos são considerados nulos quando por vício grave, não tenham eficácia e não permitem ratificação, ou seja, o negócio jurídico não gera efeitos jurídicos e nem obrigações entre as partes. Conforme ensinamentos de César Fiuza: 10 “É nulo o ato jurídico quando, em razão de defeito grave que o atinge, não produz os efeitos que deveria produzir. Pode até produzir efeitos, mas não aqueles efeitos desejados pelas partes interessadas, aqueles efeitos que deveria produzir”. A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público e pelo juiz, ex officio. 1.3.2 Nulidade Relativa A nulidade relativa refere-se à anulabilidade dos atos praticados nos negócios jurídicos, isto é, os efeitos são produzidos, mas com risco de serem inviabilizados por provocação de quem se viu prejudicado com a prática viciada. Quando a vontade manifestada está viciada ou defeituosa, a torna mal dirigida e, sendo assim, estamos diante de um negócio jurídico anulável, ou seja, o negócio jurídico terá vida até que seja pedida sua anulação por iniciativa de qualquer prejudicado. Segundo Humberto Theodoro Júnior: 11 10 11 FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 232. JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 554. 7 “Ao negócio anulável não faltam os elementos essenciais. Ocorrem apenas defeitos quanto aos requisitos exigidos pela lei para que o negócio adquira validade. Esses defeitos, todavia, não conduzem imediatamente à invalidade; facultam à parte interessada provocá-la. Fica a critério da parte manter ou invalidar o negócio defeituoso, porque se parte da idéia de que o interesse em jogo é de ordem privada. Embora irregular o negócio, o interessado pode julgar conveniente mantê-lo”. Trata-se de um vício leve, que pode ser convalidado, pois não atingem o ato de forma definitiva. 12 Há três causas para a anulabilidade do negócio jurídico: 13 a- casos expressamente declarados na lei; b- negócios praticados por agente relativamente incapaz; c- negócios afetados por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Difere-se do negócio nulo, a legitimidade para demandar a anulação, já que é restrita aos interessados e há a possibilidade da ratificação do negócio. 1.3.3 Inexistência Os negócios jurídicos são considerados inexistentes quando não possuem os elementos essenciais para a sua existência, quais sejam: a vontade humana, a idoneidade do objeto e a forma. Desta forma, se a vontade não se manifesta, não se pode falar em existência de negócio jurídico, pois lhe falta um requisito fundamental. 12 13 FIUZA, César. Op. Cit., p. 216. JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 555. 8 2. DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO 2.1 Introdução O Código Civil de 2002 denomina “Defeitos do Negócio Jurídico” como sendo as falhas de vontade. Defeito é todo vício que macula o negócio jurídico, o que possibilita a sua anulação. Portanto, o defeito se passa no campo da validade do negócio jurídico, ou seja, se produzirá ou não, os efeitos jurídicos visados pelo agente. O pressuposto do negócio jurídico é a declaração da vontade do agente em conformidade com a normal legal, visando a produção de efeitos jurídicos. Então, o elemento específico é a emissão de vontade. Se faltar, o negócio não se constitui. Se existe, origina o negócio jurídico. Assim, essa vontade deve estar em consonância com o íntimo e verdadeiro querer do agente e submissa ao ordenamento jurídico. 14 Para que ocorra o resultado do negócio jurídico, ou seja, a produção de seus efeitos jurídicos, é necessário a verificação das circunstâncias que a envolveram, pois pode ter ocorrido uma declaração de vontade em determinadas circunstâncias que não traduza a verdadeira atitude volitiva do agente. Desta forma, não se nega a existência do negócio jurídico, pois a vontade se manifestou, porém se recusa seus efeitos. Pode-se dizer então que há negócio jurídico, porém defeituoso. 15 14 15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 513. Idem, Ibidem, p. 513. 9 Este capítulo, do Código de 1916, compreendia os vícios do consentimento (erro, dolo e coação) e os chamados vícios sociais (simulação e fraude contra credores) como sendo esses os defeitos do negócio jurídico, e talvez tenha sido o que mais sofreu alterações com o advento do Código de 2002. A retirada da simulação do rol dos defeitos e a sua inserção entre os atos nulos foi umas das mais notórias modificações. 16 Foram criados também, dois novos defeitos, um deles é o ato praticado em estado de perigo, que antes era estudado junto com a coação, e o outro é a lesão. 2.2 Distinção entre os Vícios do Consentimento e os Vícios Sociais Tanto os vícios do consentimento, quanto os vícios sociais, formam um conjunto de defeitos dos atos jurídicos, que conduzem a conseqüências próximas ou análogas que resultarão na invalidade do negócio realizado.17 Os vícios do consentimento são aqueles que incidem sobre a vontade do agente, ou seja, a manifestação da vontade não corresponde com o íntimo desejo do agente, impedindo que se externe o seu verdadeiro desejo. 18 Trata-se de vícios do consentimento a desconformidade entre a vontade do agente e sua declaração. 19 São eles: o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão, os quais veremos detalhadamente no decorrer deste trabalho. 16 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 181; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 424. 17 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 515. 18 RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 182. 19 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 523. 10 Os vícios sociais são defeitos que afetam o ato jurídico por torná-lo desconforme ao Direito, ou seja, a vontade é perfeita, mas os efeitos são nefastos à sociedade. 20 Portanto, tratam-se de vícios sociais a desconformidade da declaração da vontade com o ordenamento jurídico, com a finalidade de causar prejuízos a terceiros. 21 É o caso da fraude contra credores e a simulação. 20 21 FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 221. LISBOA, Roberto Senise. Op.Cit., p. 523. 11 3. VÍCIOS DO CONSENTIMENTO 3.1 Definição Como já vimos, o negócio jurídico é ato lícito da vontade humana capaz de gerar efeitos na órbita do direito. Visto que, o ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, é necessário que essa vontade se exteriorize de acordo com o íntimo desejo do agente de forma livre, consciente e submissa ao ordenamento jurídico para que o negócio tenha validade. Denominam-se vícios de consentimento, em razão de se caracterizarem por influências exógenas sobre a vontade exteriorizada ou declarada, e aquilo que é ou devia ser a vontade real, se não tivessem intervindo as circunstâncias que sobre ela atuaram, provocando a distorção. 22 Portanto, os vícios do consentimento são aqueles defeitos que se verificam quando o agente declara a sua vontade de maneira defeituosa. São vícios ou defeitos da vontade do agente. 23 Sendo assim, a lei protege aquele que manifesta a sua vontade, promovendo a declaração da ineficácia do ato gerado pela aprovação defeituosa, ou seja, quando o consentimento, que é reflexo da manifestação da vontade, vem inquinado por um vício, a lei pode tornar este ato anulável. 22 23 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 514. FIUZA, César. Op. Cit., p. 216. 12 O primeiro vício do consentimento é o erro, em que a manifestação da vontade ocorre em desacordo com a realidade (ignorância) ou inspirado em um engano. O que caracteriza o erro é o fato de ser espontâneo, ninguém induz o declarante ao erro. No entanto, se o engano for provocado maliciosamente por outra pessoa, estamos diante do dolo. Aqui, a pessoa é induzida ao erro por outrem. Quando o agente é forçado a praticar um ato mediante ameaça, se trata de coação. Nessas três hipóteses, a vontade aparece prejudicada, seja por não se manifestar conscientemente ou por se externar coagida. Ocorre o estado de perigo quando alguém, ameaçado por perigo iminente, assume obrigação excessivamente onerosa. E, finalmente, a lesão, que ocorre quando o agente, desproporcionalmente ao valor real, paga um determinado preço. 3.2 Disparidade entre a Vontade Real e a Declaração A vontade real é dirigida a um fim protegido pelo direito e a declaração é a manifestação externa realizada para aquele resultado juridicamente relevante. Vimos que a lei protege aquele que manifesta a sua vontade, no entanto essa proteção colide com um outro interesse que a ordem jurídica também precisa proteger: a segurança das relações negociais. 13 Aquele que exterioriza a sua vontade efetiva cria uma expectativa no meio social e vincula a essa declaração terceiras pessoas, que a imaginam válida. Desta forma, o desfazimento do negócio jurídico sob a alegação de um vício de vontade, seria interpretado como injusto. 24 Assim, surgem dois interesses diferentes: o interesse daquele que emite a declaração; e o interesse daqueles a quem se dirige a declaração. A teoria da vontade real, formulada cientificamente por Savigny, demonstra claramente a primeira posição, mais individualista, prevalecendo o interesse do indivíduo que emite a declaração. No entanto, essa teoria, faz com que a sociedade, meio em que a declaração se projeta, crie um sentimento de insegurança, já que a configuração de qualquer negócio jurídico pode ser desfeita a qualquer momento se uma das partes demonstrar que o fez inspirada em erro. 25 Portanto, quando há conflito entre a vontade e a declaração, prevalece a vontade. Assim, essa teoria totalmente individualista, atende apenas o interesse do autor da declaração, ignorando os interesses da sociedade, a qual a declaração foi dirigida; não sendo totalmente aceita pelo ordenamento jurídico. 26 Lembrando que há dois interesses em conflito, de um lado o interesse do declarante, que visa proteger a pureza de sua vontade e; de outro, o interesse do meio social, que cria uma expectativa para a produção dos efeitos programados com a declaração da vontade; não seria aceitável que, por motivos íntimos do declarante, o negócio fosse desfeito. 24 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 184. Idem, Ibidem, p. 185. 26 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 22. 25 14 Desta forma, a teoria da declaração reage à teoria da vontade real, desconsiderando o interesse do autor da declaração e protegendo ao da pessoa a quem a declaração se dirige, assegurando a estabilidade das relações negociais. 27 Em meio ao excesso desta teoria, assim como à teoria da vontade real, surge a teoria da responsabilidade como uma posição intermediária, em que se prefere o interesse da sociedade ao do indivíduo; a segurança das relações sociais ao interesse individual. Por essa teoria, o erro poderia anular o ato jurídico tão-somente se o declarante houvesse agido de plena boa-fé, sem culpa ou dolo. Trata-se de abrandamento da teoria da declaração. 28 Assim, havendo divergência entre a vontade e a declaração, esta deve prevalecer no caso do desacordo for provocado por culpa ou dolo do declarante. Portanto, existindo conflito entre a vontade e a declaração, a vontade deve prevalecer nos casos em que o declarante realizar o negócio jurídico sob o impacto de erro ou qualquer outro vício que impeça a exteriorização de sua vontade de forma livre e consciente, anulando o negócio; e a declaração prevalecerá nos casos em que o declarante agir com culpa ou dolo, tendo de se sujeitar aos efeitos do negócio para não prejudicar o terceiro que nele confiou. 29 Como forma de abrandamento da doutrina da declaração, surge a teoria da confiança, em que se analisa o comportamento de quem recebe a declaração. 30 Se esta diverge da vontade, o ato será válido se o defeito não for perceptível pelo declaratário, ou seja, se a declaração difere da vontade, é a declaração que deve prevalecer, pois a pessoa a quem é dirigida não tinha elementos para verificar tal disparidade. Contudo, se existisse 27 RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p.185. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 426. 29 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 24. 30 Idem, Ibidem, p. 25. 28 15 condições do declaratário perceber a diferença entre o íntimo querer e a declaração, deve valer a vontade real do agente. 31 Essa teoria abandona a posição individualista original e acolhe o interesse geral, retratando os rumos da nova ordem jurídica. 3.2.1 A posição do novo Código Civil Brasileiro Com toda a divergência criada entre a teoria da vontade e a teoria da declaração, o novo Código, aparentemente, optou pela defesa da vontade real ao disciplinar os vícios do consentimento, permitindo a anulação do negócio jurídico em que o consentimento não for manifestado de forma livre e consciente. O Código anterior era dominado pela teoria da responsabilidade no que diz respeito ao erro substancial, porém o novo Código evoluiu, seguindo a teoria da confiança, assim como as legislações italiana e portuguesa. O ato não é mais anulado pela simples falta de culpa do declarante (erro escusável). Agora, para que o negócio seja anulado é necessário que o destinatário da declaração tenha culpa no evento, ou seja, poderia ter evitado que o negócio viciado fosse concluído, pois o erro poderia ser percebido por qualquer pessoa de diligência normal nas circunstâncias do negócio. 32 Assim, havendo conflito entre a vontade e a declaração, esta prevalecerá se o contratante agiu de boa-fé e não tinha condições de perceber o erro do declarante. 33 31 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 426; RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 186. O artigo 138 do Código Civil estabelece que: “São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio”. 33 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 27. 32 16 O mesmo ocorre no campo do dolo e da coação. O atual Código prestigia a teoria da confiança, não dispensando a culpa do beneficiário para que se configure o vício do consentimento. Se o ardil ou a ameaça tiverem sido praticados por estranho e não pela parte do contrato que deles se beneficia, a anulação somente será possível quando esta deles tiver tido conhecimento ou condições de conhecê-los. 34 Dessa maneira, a boa-fé do destinatário da declaração de vontade prevalece sobre o defeito da formação da vontade do declarante. Assim, podemos observar que o novo Código Civil submeteu-se à teoria da confiança, conferindo destaque à boa-fé, à lealdade e à segurança das relações jurídicas. 34 Os artigos 148 e 154 do Código Civil estabelecem que: “Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou” e “Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”. 17 4. O ERRO OU IGNORÂNCIA O novo Código Civil assemelhou e equiparou os efeitos do erro à ignorância. Tanto o erro como a ignorância implica ausência de correta representação da realidade, devendo receber o mesmo tratamento jurídico. Embora a lei trate como sinônimos o erro e a ignorância, a doutrina os difere. A ignorância é diversa do erro porque o agente pratica o negócio jurídico não sob falso conhecimento, mas sim no total não-conhecimento da realidade. 35 Segundo Carlos Roberto Gonçalves: 36 “Erro é a idéia falsa da realidade. Ignorância é o completo desconhecimento da realidade. Num e noutro caso, o agente é levado a praticar o ato ou a realizar o negócio que não celebraria por certo, ou que praticaria em circunstâncias diversas, se estivesse devidamente esclarecido”. Erro é a falsa idéia da realidade, o agente tem uma falsa noção sobre determinado objeto, o que é capaz de fazê-lo manifestar sua vontade de maneira diversa à que desejaria se tivesse melhor conhecimento. De acordo com ensinamentos de Maria Helena Diniz 37 o “erro é uma noção inexata, não verdadeira sobre alguma coisa, objeto ou pessoa, que influencia a formação de vontade”. 35 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 36. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 195 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 360. 36 18 Portanto, erro é uma representação psíquica incorreta. É a falsa idéia da verdade entre aquilo que o agente pretendia e aquilo que realizou. Ignorância é a completa ausência de conhecimento sobre aquilo do que se trata. 38 É a falta de noção a respeito de um assunto. O que caracteriza o erro é o fato de ser espontâneo, ou seja, ninguém induz o declarante ao erro, o sujeito acha que é uma coisa, que na verdade é outra. Isso ocorre, pois o agente faz uma interpretação incorreta sobre o fato, o seu consentimento é inspirado em um sentimento secreto e errado e em sua íntima convicção. O ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, que lhe é um elemento essencial e pressuposto de existência, no entanto se essa vontade se apresenta viciada por um engano, a lei permite que, estando presente os pressupostos, se invalide o negócio. Não são todas as espécies de erro que a lei permite a anulação do negócio jurídico, para que isso ocorra, é necessário que estejam presentes os pressupostos requeridos pela lei: 39 a- ser substancial, isto é, ser o objeto principal da declaração; b- ser escusável, isto é, ser justificável com base no homem médio; c- ser conhecido ou suscetível de ser conhecido pelo outro contratante, isto é, o negócio jurídico somente será anulado se a outra parte tiver conhecimento do erro; d- ser real, isto é, causar prejuízo ou dano à outra parte. 37 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 386. 38 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 187. 39 Idem, Ibidem, p. 188 – 190 – 191. 19 Se o erro for acidental, ou seja, de menor importância, não há possibilidade para a ação anulatória. 4.1 Erro Substancial ou Essencial O erro substancial ou essencial é aquele de tal importância, que se fosse conhecida a verdade, não seria concluído o negócio, pois este erro é o que dá causa ao negócio, não sendo necessário que tenha sido causa única. 40 Carlos Roberto Gonçalves 41 em sua obra diz que o “erro substancial ou essencial é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Há de ser causa determinante, ou seja, se conhecida a realidade o negócio não seria celebrado”. A lei estabelece que o erro substancial ou essencial pode anular o negócio jurídico. 42 O Código Civil em seu artigo 139 estabelece que o erro é substancial quando: “ I- interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira à declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico”. 40 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 430. GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 361. 42 Ver artigo 138 do Código Civil. 41 20 De acordo com este artigo, podemos dizer que o erro incide no negócio, no objeto ou na pessoa. Vejamos alguns exemplos: a- Erro que interessa à natureza do ato: é aquele em que uma das partes manifesta sua vontade pretendendo e supondo celebrar determinado negócio jurídico e, na verdade realiza outro. 43 Exemplo: o alienante transfere a coisa a título de venda, e o adquirente a recebe como doação ou; alguém que crê estar adquirindo coisa, quando na verdade está locando-a. 44 Nestes casos, o declarante pretende praticar determinado ato e, entretanto, é praticado outro. b- Erro sobre o objeto principal da declaração: é aquele que incide sobre a identidade do objeto. A manifestação da vontade recai sobre objeto diverso daquele que o agente tinha em mente. 45 Exemplo: uma pessoa troca uma residência por um terreno situado em determinada rua, o qual, sabe o interessado, vale R$ 200,00 o m²; ultimado o negócio, verifica que tal terreno efetivamente se situa em rua daquele nome, mas em pequeno vilarejo do interior e não na cidade que tinha em vista, e que valia R$ 20,00 o m². Neste caso, há um erro substancial sobre o objeto principal da declaração. 46 c- Erro que recai sobre alguma das qualidades essenciais do objeto principal da declaração: ocorre quando o motivo determinante do negócio é a suposição de que o objeto possui determinada qualidade, que na verdade não possui. 47 Exemplo: pessoa que adquire candelabros prateados, cuidando serem de prata, ou, ainda, à pessoa que adquire um quadro por alto preço, na persuasão de se tratar de original quando não passa de cópia. 43 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 362. RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 187; VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 430. 45 GONÇALVES, Carlos Roberto. Ibidem, p. 362. 46 RODRIGUES, Silvio, Ibidem, p. 188. 47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Ibidem, p. 363. 44 21 Outro exemplo é a pessoa que adquire cavalo, acreditando que é de tiro, quando na realidade é de competição. Nestes casos, há um erro sobre a qualidade essencial do objeto, sendo que determinada qualidade foi o elemento principal para a realização do negócio. 48 d- Erro que diz respeito a qualidades essenciais da pessoa a quem a declaração se refere: pode se referir tanto à identidade quanto às qualidades da pessoa. 49 Exemplo: alguém que faz doação a outrem, supondo que este lhe salvou a vida, descobrindo posteriormente que esta pessoa não participou do salvamento. Neste caso, há um erro sobre a qualidade da pessoa. 50 Em todos os casos citados acima, configura o erro substancial ou essencial, ou seja, o erro recaiu sobre qualidades essenciais da pessoa ou da coisa e que deu causa à realização do negócio jurídico, o qual não seria realizado se o agente conhecesse a verdade. O erro teve papel decisivo na manifestação da vontade do declarante. Desta forma, a lei permite que o negócio jurídico seja anulável. 4.2 Erro Escusável O erro escusável é aquele que é justificável, que pode ser cometido por pessoa sensata, de atenção e inteligência mediana, tendo como princípio geral o homem médio. O erro inescusável é aquele erro escandaloso, grosseiro, em que o declarante comete falta grave, sendo que um homem médio não o cometeria. 48 RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p.188; VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 430. GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 363. 50 RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 188. 49 22 Somente o erro escusável pode ser anulado. O STJ decidiu que o “erro pode ser escusado, mas não pode invocá-lo quem foi culpado pelo mesmo, não empregando a diligência ordinária” (RT 119/229). 51 “Em cada caso deve-se analisar a cultura, a inteligência e especialmente a atividade profissional daquele que o alega” (RT 520/116). A escusabilidade do erro como requisito para a anulação do negócio jurídico se torna secundário, levando-se em consideração a diligência normal da pessoa para reconhecer o erro. 4.3 Erro Conhecido ou Reconhecível pelo outro Contratante O negócio jurídico somente será anulado se o erro for conhecido ou reconhecível pela outra parte. Como vimos, o erro é uma falsa idéia da realidade, é espontâneo e involuntário. Trata-se de uma divergência entre a efetiva vontade e a declaração, em que só será possível a anulação do negócio jurídico se o destinatário tiver conhecimento ou condições de conhecer o erro do declarante. O erro é uma representação psíquica equivocada, uma reserva mental incorreta e, visto que o ordenamento jurídico não confere relevância à reserva mental, faz-se a necessidade do conhecimento do erro pela outra parte. 52 51 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 191. O artigo 110 do Código Civil prevê: “A manifestação da vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”. 52 23 Aqui estão em confronto dois interesses: o interesse em desfazer o negócio jurídico gerado no erro por parte daquele que errou e; o desejo de que o negócio jurídico prevaleça por parte daquele que, de boa-fé, contratou com a vítima do erro.53 O erro é reconhecível quando, em relação ao conteúdo, às circunstâncias do contrato, ou à qualidade dos contraentes, uma pessoa de diligência normal poderia percebê-lo. 54 Assim, se os dois contratantes agem de boa-fé e um errou, o prejuízo da anulação recairá sobre a vítima do erro e não sobre o terceiro que, de boa-fé, acreditou na declaração. Porém, se este terceiro que contratou com a vítima do erro, estivesse agindo com má-fé, conhecendo o erro ou tendo condições de descobri-lo se agisse com normal diligência, não mais teria direito à proteção concedida pelo ordenamento jurídico e, desta forma, a anulação do negócio jurídico seria em benefício da vítima do erro. 4.4 Erro Acidental O erro acidental é concernente às qualidades secundárias ou acessórias da pessoa ou do objeto 55 , não incide na declaração da vontade e, por ser de menor importância, não anula o negócio jurídico, pois mesmo que a pessoa conhecesse a verdade, o negócio seria realizado. 53 RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 191 – 192. Idem, Ibidem, p. 191. 55 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 178. 54 24 4.5 Transmissão Errônea da Vontade por Instrumento ou Núncio Se a vontade é transmitida de forma defeituosa, por meio de anúncio, telégrafo, telegrama, telex, ou por qualquer outro meio, considera-se erro da mesma forma que o resultante da declaração direta, podendo o ato ser anulado. 56 No entanto, se a pessoa que recebe a mensagem errada possui condições de averiguar a sua autenticidade e seu conteúdo e não o faz, por negligência ou dolo, não terá a proteção da lei. 57 4.6 O Falso Motivo O Código Civil em seu artigo 140 estabelece que: “Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante”. O falso motivo decorre de representações psíquicas internas ou razões de ordem subjetiva que antecedem a realização do negócio, não tendo relevância jurídica para viciar o ato. Para que essas representações tenham relevância jurídica, é necessário que tenham sido compactuadas como motivo determinante do contrato. 58 Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: 59 56 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 435. RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 193. 58 VENOSA, Sílvio de Salvo. Ibidem, p. 433. 59 JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 217. 57 25 “Se o motivo que levou o agente a realizar o ato foi por ele declarado expressamente e se, por isso, vier a ser conhecido do outro contratante, a inocorrência dele justifica o reconhecimento de hipótese de erro essencial que pode levar à invalidade do negócio”. Como exemplo, podemos citar o caso daquele que aluga um imóvel para instalação de um restaurante, pressupondo que em frente será estabelecida uma indústria ou escola, que lhe irá assegurar o movimento e a freguesia, no entanto o fato não ocorre. Assim, o contrato somente poderá ser anulado se as partes tiverem convencionado tal condição como razão determinante do mesmo, podendo ser alegado erro substancial. No entanto, se nada tiver sido alegado no contrato, não passando de motivos de ordem interna e psicológica, nada poderá ser feito, já que não possui relevância jurídica. 60 Portanto, o erro pode consistir em falso motivo quando incidir nos motivos de fato que determinam as partes a contratar. Como regra, não constitui vício, a não ser que o motivo de fato seja a razão determinante ou condição para que se realize o ato. 61 60 61 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 433. FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 218. 26 5. O DOLO Dolo é a atitude maliciosa de outrem que visa prejudicar aquele que está declarando a vontade com o fim de obter um ganho indevido. É o artifício utilizado para enganar alguém. O nosso Código Civil não define o dolo, no entanto o Código português o define em seu artigo 253, primeira parte: 62 “Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante”. Portanto, o dolo induz a pessoa que está declarando a vontade a erro, para que assim, efetue o negócio jurídico, o qual não seria realizado se não estivesse sendo enganada. O dolo tem a finalidade de causar dano ao enganado. Segundo Caio Mário da Silva Pereira 63 o “dolo consiste nas práticas ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro”. A conduta dolosa pode ocorrer por um único ato ou por uma série de atos até que se consiga chegar na vantagem ilícita almejada pelo declaratário. 62 63 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 441. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 526. 27 Conforme ensinamentos de Roberto Senise Lisboa64 “no dolo, a declaração da vítima é provocada por uma conduta do agente que pretende obter a vantagem indevida a partir do seu prejuízo”. O dolo é um dos vícios da manifestação da vontade e tem a possibilidade de anular o negócio jurídico. 65 Visto que, o elemento básico do negócio jurídico é a vontade, estando essa, maliciosamente, induzida ao erro, há a perda da espontaneidade e, assim, o negócio está viciado e poderá ser anulado. 5.1 Distinção entre Erro e Dolo O dolo em muito se assemelha com o erro. Ambos são causas viciadoras do negócio jurídico e ocorrem por causa de um engano, uma representação errada da realidade. No entanto, no erro a vontade vem viciada devido a uma íntima convicção do agente, o consentimento se inspirou em um sentimento secreto e errado, ou seja, o engano é espontâneo. Já no dolo, o declaratário induz, maliciosamente, aquele que está manifestando a sua vontade, ao erro, ou seja, o engano é provocado. De acordo com ensinamentos de Norberto de Almeida Carride: 66 “No erro a idéia falsa é do próprio agente; no dolo a idéia falsa é resultante da malícia alheia. Contudo, em ambos a 64 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 544. 65 O artigo 145 do Código Civil estabelece que: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”. 66 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 194 apud CARRIDE, Norberto de Almeida. Vícios do Negócio Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 93. 28 vítima é iludida, com a diferença substancial de que no erro ela se engana sozinha, enquanto que no dolo ela se equivoca também, mas ilaqueada pela outra parte”. Na prática, a mera alegação do erro seria suficiente para anular o negócio jurídico, porém a prova do erro é difícil e custosa, pois a vítima deve demonstrar o que se passou na sua mente naquele momento. Por isso, as partes preferem alegar o dolo, por ser mais fácil de provar, podendo demonstrar o artifício doloso utilizado para ludibriá-la. 67 Assim como o erro essencial e o erro acidental há o dolo principal ou essencial e o dolo incidente, com as mesmas conseqüências. O dolo essencial, assim como o erro essencial, é aquele que afeta o objeto principal, sem os quais o negócio jurídico não seria realizado. 5.2 Requisitos do Dolo Para que o dolo constitua vício do consentimento é necessário que apresente os seguintes requisitos: 68 a- intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico; b- utilização de recursos fraudulentos graves; c- que esses artifícios sejam a causa determinante da declaração da vontade; d- que procedam do outro contratante ou sejam por este conhecidos como procedentes de terceiros. O dolo deve ser essencial, caso contrário será dolo acidental e não viciará o ato. 67 68 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 443. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 202. 29 A intenção de prejudicar é implícita ao dolo. Basta que a vontade seja desviada de sua verdadeira intenção para que o ato se torne anulável. Se a pessoa pratica ato objetivamente vantajoso, mesmo que não desejasse, o ato é anulável.69 O dolo deve ser a causa da realização do negócio. Trata-se de dolo principal. O silêncio intencional de uma das partes sobre efeito relevante ao negócio também constitui dolo (RT 634/130).70 O Código Civil estabelece que o prazo para anular o negócio jurídico é de decadência, fixando-o em quatro anos, contado do dia em que se realizou o negócio.71 5.3 Dolo Essencial ou Principal e Dolo Acidental O artigo 146 do Código Civil, ao definir o dolo acidental estabelece distinção entre o dolo principal. 72 O dolus causam dans chamado de dolo essencial ou principal é aquele que diz respeito à essência do objeto, constitui vício do consentimento e torna o ato anulável, já que o negócio não se realizaria se a vítima tivesse conhecimento do artifício malicioso empregado; enquanto que o dolo acidental se trata apenas de um ato ilícito e não anula o negócio jurídico, apenas gera uma obrigação em reparar o prejuízo causado à vítima. 73 69 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 444. Idem, Ibidem, p. 445. 71 O artigo 178, inciso II do Código Civil estabelece que: “É de 4 (quatro) anos o prazo de decadência para pleitearse a anulação do negócio jurídico, contado: no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico”. 72 “Artigo 146. O dolo acidental só obriga à satisfação de perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo”. 73 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 195. 70 30 Para que se configure o dolo principal é necessária a intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico.74 Segundo Carlos Roberto Gonçalves: 75 “Somente o dolo principal, como causa determinante da declaração de vontade, vicia o negócio jurídico. Configura-se quando o negócio é realizado somente porque houve induzimento malicioso de uma das partes. Não fosse o convencimento astucioso e a manobra insidiosa, a avenca não se teria concretizado”. O dolus incidens chamado de dolo acidental é aquele que não influi diretamente na realização do ato, porém leva a vítima a realizar o negócio em condições mais onerosas ou menos vantajosas, não afetando a sua declaração de vontade, já que o ato teria se realizado independentemente dos desvios astuciosos. Sendo assim, o dolo acidental não constitui vício do consentimento, não sendo passível de anulação, gerando apenas obrigação à satisfação de perdas e danos. 76 Desta forma, pelo fato do dolo acidental não configurar vício do consentimento e nem em causa do contrato, não anula o negócio jurídico, cabendo apenas ação de perdas e danos ou redução da prestação convencionada contra o autor ou cúmplice do dolo e a favor do contratante prejudicado. Portanto, tanto no dolo essencial quanto no dolo acidental o intuito é de enganar. 74 MONTEIRO, Washington de Barros. Op. Cit., p. 202. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 376. 76 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 180. 75 31 5.4 Dolus Bonus e Dolus Malus Os romanos denominavam dolus bonus para o dolo menos intenso, tolerado, como por exemplo, a gabança; e dolus malus para o dolo mais grave. Essa distinção existe para dar segurança às relações negociais. 77 A gravidade do dolo é a medida de sua intensidade, isto é, o negócio jurídico somente será anulado se o dolo for grave. O dolus bonus é aquele que não tem o objetivo de obter um ganho indevido, se trata, por exemplo, do comerciante que enche de elogios e enumera as qualidades do produto que põe à venda em detrimento dos concorrentes. Neste caso, o intuito é de seduzir o adquirente, sendo que uma pessoa normal não se deixaria enganar por esse artifício; somente um homem sem a diligência de um homem médio iria adquirir tal mercadoria meramente porque o vendedor exageradamente a elogia. 78 Desta forma, o ordenamento jurídico não considera dolo esse exagero de virtudes, pois é de menor intensidade e, para que se configure o vício é necessário o requisito da intensidade da gravidade. O dolus malus é o revestido de gravidade, exercido com o intuito de ludibriar e de prejudicar. É essa modalidade que se divide em dolo principal e acidental. Pode consistir em atos, palavras e até mesmo no silêncio maldoso.79 Tem como objetivo obter um ganho indevido e anula o negócio jurídico. Podemos citar como exemplo, a propaganda enganosa. 77 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 446. RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 196 – 197. 79 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 379. 78 32 5.5 Dolo Positivo ou Comissivo e Dolo Negativo ou Omissivo O dolo positivo ou comissivo é aquele em que o agente age maliciosamente e leva a pessoa que está declarando a vontade a fazer algo que não queria através de uma ação. O dolo negativo ou omissivo é aquele em que o agente maliciosamente leva a pessoa que está declarando a vontade a fazer algo que não queria através de uma omissão. Está previsto no artigo 147 do Código Civil, vejamos: “Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”. O dolo negativo é a omissão dolosa com o fim de induzir um dos contratantes a realizar o negócio. Ocorre quando umas das partes oculta algo que a outra deveria saber, já que só estaria realizando o negócio por não saber. O silêncio, em regra, não gera efeito jurídico, no entanto se dele resultar obrigação que não existiria sem a ocultação, se trata de dolo omissivo. Existem divergências a respeito de saber se o silêncio será imputável a quem o guarda somente quando a lei exige que se manifeste, ou se caberá ao julgador, decidir se houve abstenção dolosa, ainda quando a lei não impunha o dever de falar. 80 No entanto, nosso sistema jurídico entende que se um dos contratantes omite alguma circunstância da outra parte para que o negócio se realize, sabendo que se 80 RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 197. 33 conhecida da outra parte o mesmo não seria feito, constitui procedimento doloso e pode ser anulado. São, portanto, requisitos do dolo negativo: 81 a- um contrato bilateral; b- intenção de induzir o outro contratante a praticar o negócio jurídico; c- silêncio sobre uma circunstância ignorada pela outra parte; d- relação de causalidade entre omissão intencional e a declaração volitiva; e- ato omissivo do outro contratante e não de terceiro; f- prova da não realização do negócio se o fato omitido fosse conhecido da outra parte contratante. Desse modo, podemos concluir que, apesar do silêncio não gerar efeito jurídico, quando há dever de informar, pode caracterizar dolo omissivo. 5.6 Dolo de Terceiro O negócio jurídico será anulado quando o dolo provir de outro contratante. O dolo de terceiro, para se constituir em motivo de anulabilidade, exige a ciência de uma das partes contratantes (RT 485/55).82 81 82 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 181. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 449. 34 Se o dolo for provocado por terceira pessoa (não integrante do negócio) a mando de um dos contratantes ou com o concurso deste, o terceiro e o contratante serão tidos como autores do dolo. 83 O dolo pode ocorrer nos seguintes casos: 84 a- dolo direto, ou seja, de um dos contratantes; b- dolo de terceiro, ou seja, artifício praticado por estranho ao negócio, com a cumplicidade da parte; c- dolo de terceiro, com mero conhecimento da parte a quem aproveita; d- dolo exclusivo de terceiro, sem que dele tenha conhecimento o favorecido. O negócio é anulável nas três primeiras hipóteses, porém para que isso ocorra, não basta que um dos contratantes saiba do dolo de terceiro, é preciso que tenha tirado proveito do dolo. No último caso, em que o beneficiado não toma conhecimento do dolo, o negócio subsistirá, porém o autor do dolo responderá por perdas e danos por ter praticado um ato ilícito.85 Assim, podemos citar como exemplo, a hipótese de agente que pretende adquirir uma jóia, imaginando-a de ouro, quando na verdade não é. O fato de não ser de ouro não é ventilado pelo vendedor e muito menos pelo comprador. Um terceiro, que nada tem a ver com o negócio, dá sua opinião encarecendo que o objeto é de ouro. Nisso o comprador é levado a efetuar a compra. Fica caracterizado aí, o dolo de terceiro. O fato de o vendedor ter ouvido a manifestação do terceiro e não ter alertado o comprador é que permitirá a anulação. 86 83 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 182. VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 449. 85 Ver artigo 148 do Código Civil. 86 Idem, Ibidem, p. 449. 84 35 5.7 Dolo de Ambas as Partes Trata-se da intenção recíproca de obter vantagem indevida mediante prejuízo causado ao outro. 87 Se ambas as partes agirem com dolo, ambas serão punidas pela lei, não permitindo anular o ato ou reclamar indenização. 88 O negócio jurídico somente poderá ser anulado por dolo se não for recíproco entre as partes. Nota-se, que há a neutralização dos delitos, não havendo a compensação dos dolos e sim, o desprezo do Poder Público em relação à torpeza e a malícia das partes, que lhes pune com a impossibilidade de anular o negócio e pleitear indenização. 87 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 549. 88 O artigo 150 do Código Civil estabelece que: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização”. 36 6. A COAÇÃO Como já sabemos, o negócio jurídico é substrato da vontade humana e, para que essa vontade alcance os efeitos almejados, é necessário que ela se exteriorize de forma livre e consciente, já que o negócio poderá ser anulado se essa vontade vier inspirada em um engano, seja ele espontâneo ou provocado, estando viciado em erro ou dolo. O mesmo ocorre quando essa vontade não se manifesta livremente, estando o negócio viciado na coação. A coação é o constrangimento de determinada pessoa, por meio de violência física ou psicológica, para que ela pratique o negócio jurídico, que em outra situação não realizaria. A vontade deixa de ser espontânea. Conforme ensinamentos de Roberto Senise Lisboa: 89 “coação é o mal injusto, grave e iminente, causado à vítima, mediante violência física ou moral, que a leva a realizar ato jurídico que, em outra situação, não faria”. Carlos Roberto Gonçalves define coação como: 90 “Toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o emprego da violência psicológica para viciar a vontade”. Nesse vício da vontade, é fácil observar o egoísmo, a rudeza e a primitividade. Fazer com que alguém realize um negócio jurídico por meio de ameaça, força, violência 89 90 LISBOA, Roberto Senise. Op. Cit., p. 553. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 383. 37 ou qualquer outro tipo de pressão física ou moral é reprovado e repudiado pela consciência humana. 91 6.1 Coação Absoluta (vis absoluta) e Coação Relativa (vis compulsiva) A coação absoluta (vis absoluta) representa a violência física e não há vontade. O ato se consegue por meio de violência física, com o emprego de força material e, sendo assim, não há de se falar em consentimento, já que a pessoa que está sendo coagida (coacto) não tem escolha. Desta forma, não há vício de consentimento. Portanto, existindo total ausência de vontade na coação absoluta, o negócio jurídico será nulo.92 A coação relativa (vis compulsiva) representa a violência moral ou psíquica, desde que venha incutir temor justificável de dano grave na vítima e configura o vício da vontade. Neste caso, o consentimento da vítima não é aniquilado, lhe restando relativa liberdade em escolher entre a realização do negócio jurídico que lhe é exigido e o dano da ameaça. 93 Sendo assim, a coação relativa se trata de uma modalidade do vício de consentimento, pois a vítima tem a possibilidade de emitir uma declaração de vontade, mesmo que viciada, o que acarreta na anulabilidade do negócio jurídico. A distinção entre as duas espécies de violência se dá em relação às conseqüências. Na vis absoluta, o ato jurídico é nulo, por faltar o consentimento que é um 91 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.Cit., p. 453. Idem, Ibidem, p. 454. 93 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 185. 92 38 elemento essencial, isto é, um pressuposto de existência do negócio jurídico; na vis compulsiva, o ato jurídico é anulável, pois mesmo sem liberdade, a vítima declara a sua vontade, optando pelos efeitos do negócio ou os danos da ameaça. 6.2 Requisitos da Coação De acordo com o artigo 151 do Código Civil: “Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerá-lo à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”. Portanto, para que se configure a coação e o ato jurídico seja anulado, é necessário que: 94 a- a ameaça seja causa do ato; b- seja grave; c- seja injusta; d- seja atual ou iminente; e- traga justo receio de um grave prejuízo; f- o prejuízo recaia sobre a pessoa ou os bens do paciente, ou pessoa de sua família. Faltando um dos requisitos acima a coação não ocorrerá. Estudaremos agora, cada um dos requisitos. 94 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 201. 39 6.2.1 A ameaça como causa do ato Como vimos, somente a coação relativa, que se trata da violência psíquica ou moral, configura o vício do consentimento e torna o negócio jurídico anulável. De acordo com ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior: 95 “Ameaçar é anunciar a alguém o propósito de causar à sua pessoa ou a seus bens, ou a outrem, um mal. Pela ameaça, cria-se o constrangimento, que irá alterar o processo normal de formação da vontade, porquanto o sujeito passivo da coação não terá mais condições de exteriorizar livremente seu querer. Sob a pressão da ameaça, o declarante acaba querendo, de fato, o que enuncia, mas não de forma livre”. A violência deve ser a causa determinante ou essencial do consentimento para que o negócio jurídico possa ser anulado. Se a pessoa foi vítima da violência, mas manifestou o seu consentimento, independentemente da ameaça; ou se a vítima iria praticar o ato e veio a ser ameaçada antes de fazê-lo, não se configura a coação. 96 Desta forma, se houver coincidência entre a declaração da vontade e a violência, só poderemos falar em coação e anulação do negócio jurídico se existir nexo causal entre o meio intimidativo e o ato realizado pela vítima. Cabe à vítima apresentar provas que comprovem o nexo causal, caso esta não fique evidenciada, o ato permanece imaculado. 95 96 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 174. RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 202 – 203. 40 6.2.2 A ameaça deve ser grave Para que a coação se caracterize é necessário que a ameaça seja grave, provocando o aparecimento de um fundado temor de dano capaz de viciar a vontade do contratante. A ameaça deve se revestir de certa gravidade a ponto da pessoa se sentir temerosa e ter que optar entre os efeitos da ameaça e da realização do negócio. Caso contrário, não haverá vício de vontade. No direito romano, adotava-se o critério abstrato para medir a gravidade da ameaça. Este critério tinha caráter objetivo e menos individualista, em que consistia em examinar se tal ameaça era suficiente para assustar um homem médio e normal. Em caso positivo, se configurava a coação e o negócio era anulável; caso contrário, não. 97 Outro critério adotado para medir a gravidade da ameaça era o concreto, que tinha caráter subjetivo e mais individualista, em que consistia em examinar a vítima da ameaça, tendo em vista seu sexo, sua idade, sua altura, seu estado de saúde, sua educação, seu temperamento e, assim, analisar se a ameaça foi suficiente para alterar a sua manifestação da vontade, induzindo-lhe a praticar um ato que não desejava. 98 O direito moderno evoluiu e reconheceu que além de examinar a reação do homem médio mediante uma ameaça, era necessário analisar as condições pessoais da vítima, libertando-se assim, da influência romana. 99 Desta forma, o Código Civil brasileiro em seu artigo 152 estabelece: 97 RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 203. Idem, Ibidem, p. 203; DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 186. 99 RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 204. 98 41 “Art.152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”. As pessoas reagem de forma diferente diante da violência, portanto, o juiz tem grande liberdade de tomar a sua decisão, devendo estudar o caso concreto e as condições individuais de cada um, para que assim possa analisar a influência da ameaça na manifestação volitiva da vítima. 6.2.3 A injusta ameaça e o temor reverencial O artigo 153 do Código Civil estabelece: “Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”. Assim, trata-se de excludente da coação a ameaça normal de um direito e o simples temor reverencial, não configurando, portanto, vício de consentimento capaz de anular o negócio jurídico. Para que se configure a coação, a ameaça deve ser injusta, portanto a ameaça do exercício normal ou regular de um direito exclui a coação. Assim, se uma pessoa ameaça a outra de praticar um ato perfeitamente legal, visando o que tem de direito, não se configura a coação por lhe faltar a iliceidade do constrangimento. Como exemplo disso que foi dito, podemos citar o credor que ameaça o devedor a executar judicialmente o seu crédito. Isso caracteriza o exercício regular de um direito, e não a prática de ilícito. 100 100 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 187. 42 No entanto, a coação fica caracterizada quando a ameaça seja a prática de um ato lícito, porém o resultado a que se destina é injusto. Por exemplo, o contratante ameaça apresentar queixa-crime contra o outro por um crime que ele, efetivamente, cometeu, forçando-o assim, a pagar o que lhe deve. O ato ameaçado (apresentar queixa-crime) é um ato lícito, qualquer pessoa pode denunciar um criminoso à Justiça, porém o fim almejado é contra o direito. Sendo assim, a injustiça pode estar tanto na ameaça, quanto no fim desejado. 101 Desta forma, se a ameaça proveio de ameaça injusta, houve vício da vontade e, conseqüentemente, o negócio jurídico é anulável. O temor reverencial também não constitui vício da vontade, pois se trata de desobediência a alguém que se tem respeito, sejam pessoas ligadas por um vínculo afetivo ou por relação de hierarquia, como por exemplo, pai e mãe; em que mesmo sendo causa da declaração da vontade, não é considerado grave. Portanto, para que se possa falar em coação como vício do consentimento é necessário que exista uma ameaça como fator determinante da realização do negócio e não apenas um estado de medo no espírito da parte. 102 Como vimos, a coação cria um temor de dano na vítima fazendo com que opte pelos danos da ameaça ou pelos efeitos da realização do negócio jurídico; contudo na hipótese do temor reverencial, a recusa do ato gera um mal menos considerável, ou seja, o mero desagrado a pessoa a quem se deve respeito ou subordinação. Assim, não há a gravidade da ameaça, o que não é suficiente para gerar um temor de dano na vítima, fazendo com que a lei diferencie a coação do temor reverencial. 101 102 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 209. TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni cit., nº 71, p. 157 apud JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 195. 43 As determinações dos pais em relação aos filhos, do empregador em face de seu empregado, do professor para com seus alunos, não devem ser consideradas coação, pois se limitam a impor temor reverencial diante da situação jurídica existente entre essas pessoas. 103 O mero temor reverencial não é suficiente para ser considerado coação e anular o negócio jurídico, porém se vier acompanhado de violências e ameaças, transforma-se em vício da vontade. 104 6.2.4 A ameaça deve ser atual ou iminente Para que a coação possa viciar o consentimento, é necessário que incuta temor de dano iminente no paciente, ou seja, a ameaça não precisa se realizar imediatamente, mas deve fazer com que a vítima se sinta suficientemente temerosa a ponto de realizar o negócio sem que desejasse. Uma ameaça cujos efeitos poderão ocorrer em um futuro remoto, não é capaz de incutir temor na vítima fazendo com que se sinta pressionada a realizar um negócio que não gostaria, pois desta forma, teria tempo razoável para se preparar contra o risco de dano e tomar eventuais providências para impedí-lo. Sendo assim, a ameaça futura não se trata de coação. Portanto, não basta que a vítima tenha uma simples suspeita de que o agente pretende concretizar a ameaça. 103 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RT, 2003, p. 557. 104 RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 208. 44 Para que o temor seja iminente, é necessário que a vítima se sinta correndo perigo se não aceitar a realização do negócio e isso pode ocorrer embora a violência física ainda não exista. 6.2.5 Sobre quem deve recair a ameaça A coação vicia o ato jurídico se provocar no espírito do paciente temor de dano iminente à sua pessoa, à pessoa de sua família ou aos seus bens. 105 Contudo, surge a questão da coação ameaçar pessoa que não se insere na família, mas que é ligada por intenso vínculo afetivo, como é o caso do amigo íntimo, da concubina, do menor de quem se tem a guarda, por exemplo. 106 Assim, o artigo 151, parágrafo único do Código Civil estipulou: “Se disser respeito à pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação”. Dependendo da afetividade, a coação que recaia sobre pessoa não pertencente à família, é capaz de viciar a vontade. A violência dirigida ao contratante ou aos bens de pessoa de sua família vicia o negócio. Essa violência pode ser representada por sofrimentos físicos, prisão, dano patrimonial, entre outros. 105 O artigo 151 do Código Civil estabelece que: “A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”. 106 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 460. 45 Quanto aos bens, a ameaça deve ser dirigida aos próprios do ameaçado. A lei não autoriza a anulação do ato, se a ameaça recair em bens que não sejam do coagido.107 6.2.6 A coação por parte de terceiros A coação provinda de terceiros vicia o negócio jurídico e é causa de anulabilidade. Trata-se de coação indireta. De acordo com o artigo 154 do Código Civil: “Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”. Sendo assim, havendo coação exercida por terceiro, deve-se analisar se a parte a quem aproveite dela teve ou devesse ter conhecimento, pois além da anulação do negócio jurídico, responderá solidariamente com o coator por perdas e danos causados ao coacto em caso positivo.108 No entanto, o negócio jurídico permanecerá válido e eficaz se a coação decorrente de terceiro for desconhecida pelo contratante com ela beneficiado que tivesse ou devesse ter conhecimento. Mesmo assim, o coator responderá por perdas e danos sofridos pelo coacto que foi levado a efetivar negócio prejudicial ou desvantajoso. O negócio permanecerá válido em atenção à boa-fé do beneficiado, que desconhecia a coação de terceiro. 107 108 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 461. Idem, Ibidem, p. 463. 46 7. O ESTADO DE PERIGO Como vimos, este vício do consentimento foi criado pelo Código Civil de 2002, que anteriormente no Código de 1916, era tratado como coação provinda de terceiro. No estado de perigo, alguém celebra negócio jurídico manifestamente desvantajoso porque a sua vida ou saúde, ou a de alguém de sua família, se encontra em iminente risco. Conforme o artigo 156 do Código Civil: “Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”. Segundo Carlos Roberto Gonçalves 109 “constitui o estado de perigo a situação de extrema necessidade que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume obrigação desproporcional e excessiva”. De acordo com ensinamentos de César Fiuza 110 “o estado de perigo se caracteriza pelo temor que leva a vítima a praticar um ato que, em outras condições, não praticaria”. 109 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 392. AMARAL. Direito Civil – introdução, cit., p. 510 apud FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 231. 110 47 Silvio Rodrigues 111 ensina que “o estado de perigo se configura quando alguém, ameaçado por perigo iminente, anui em pagar preço desproporcionado para obter socorro”. Maria Helena Diniz 112 afirma que “o lesado é levado a efetivar negócio, bilateral ou unilateral, excessivamente oneroso em razão de um risco pessoal (perigo de vida, lesão à saúde, integridade física ou psíquica de uma pessoa: o próprio contratante ou alguém a ele ligado) que diminui a capacidade de dispor livre e conscientemente”. Podemos citar como exemplo, o caso do doente, no agudo da moléstia, que concorda em pagar altos honorários exigidos pelo cirurgião; a mãe que promete toda a sua fortuna a quem venha salvar o seu filho que corre perigo; ou uma pessoa que está se afogando e, naquele momento de desespero, oferece toda a sua fortuna para quem lhe salvar. 113 Portanto, a principal questão a ser analisada é aquela na qual o indivíduo se encontra, em que o risco do dano à vida ou à saúde, própria ou de terceiro, seja o fator determinante da realização do negócio extremamente desfavorável, já que a vítima não tem outra alternativa. No entanto, é importante saber que o beneficiado não colaborou para o estado de perigo em que se encontra a vítima. A doutrina sugeriu que o negócio praticado em estado de perigo poderia subsistir, porém o valor do pagamento seria reduzido ao seu preço justo, já que a anulação do negócio jurídica seria injusta, pois houve um serviço prestado. Portanto, a solução 111 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 218. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 189. 113 Idem, Ibidem, p. 218. 112 48 mais acertada para a doutrina, seria a de o juiz manter o negócio, porém reduzir o valor da prestação de maneira razoável ao serviço prestado. 114 Contudo, a solução adotada pelo Código Civil, é que, em tese, uma vez anulado o negócio jurídico, o agente só poderia recorrer à ação de enriquecimento sem causa para haver o pagamento, já que o autor da promessa enriqueceu indevidamente, pois deixou de pagar um serviço que lhe foi prestado; e o outro contratante sofreu empobrecimento por não receber pelo serviço que prestou.115 Desta forma, entende o legislador que o fato do beneficiado conhecer o estado de perigo que se encontra a vítima, aproveita-se do terror incutido na outra parte para realizar o negócio e, sendo assim, o negócio não poderia existir. De acordo com o artigo 178, inciso III do Código Civil, o prazo decadencial para anular o negócio jurídico viciado em estado de perigo é de quatro anos. 7.1 Elementos do Estado de Perigo Para que o estado de perigo se configure como vício do consentimento é necessário que apresente os seguintes elementos: 116 a- uma situação de necessidade, isto é, o agente deve estar premido da “necessidade” de salvar-se, ou a pessoa de sua família. 114 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 464. Idem, Ibidem, p. 465. 116 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 396 – 397 – 398. 115 49 b- iminência de dano atual e grave, isto é, o perigo de dano deve ser iminente, capaz de incutir receio de que, se não for afastado, as conseqüências certamente ocorrerão. Essa característica é fundamental para que exista o estado de perigo, pois caso contrário, o agente terá tempo de evitar a sua consumação. c- nexo de causalidade entre a declaração e o perigo de grave dano, ou seja, a vontade deve se apresentar distorcida em conseqüência do perigo de dano. d- incidência da ameaça do dano sobre a pessoa do próprio declarante ou de sua família, ou seja, o perigo e a ameaça devem recair sobre essa pessoas. O dano possível pode ser físico e moral. Da mesma forma que ocorre na coação, se o estado de perigo ocorrer com pessoa não pertencente à família, o ato poderá ser viciado e o juiz poderá decidir, conforme o caso concreto, permitindo a anulação do negócio jurídico.117 e- conhecimento do perigo pela outra parte, isto é, no estado de perigo, há, em regra, um aproveitamento da situação para obtenção de vantagem. Como forma de sanção é feita a anulação do negócio jurídico, no entanto se a parte que prestou o serviço não sabia do perigo e agiu de boa-fé, não se anula o negócio. f- assunção de obrigação excessivamente onerosa, ou seja, é necessário que as condições sejam significativamente desproporcionais, capazes de provocar desequilíbrio contratual. 117 O artigo 156, parágrafo único do Código Civil estabelece que: “Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”. 50 7.2 Distinção entre Estado de Perigo e Coação A diferença entre a coação e o estado de perigo está na ausência de um processo de intimidação. No estado de perigo não há qualquer processo de intimidação, mas o dolo de aproveitamento de quem obtém benefícios indevidos a partir da situação. O agente se beneficia de uma situação, não a cria nem proporciona os meios para que ela venha a suceder. O estado de perigo decorre de fatores alheios à sua vontade, que são, no entanto, por ele aproveitados. 118 No estado de perigo, o beneficiário não é responsável pelo estado em que se encontra ou se colocou a vítima, diferentemente do que ocorre na coação. No estado de perigo, embora o beneficiário tome conhecimento da situação, o perigo não foi provocado por ele. Essa ciência, esse conhecimento por parte do beneficiário do estado de perigo em que se encontra a vítima é essencial para que o vício se caracterize, pois como se nota, trata-se de um abuso de situação. 119 7.3 Distinção entre Estado de Perigo e Estado de Necessidade Embora o estado de perigo e o estado de necessidade tenham por fundamento jurídico a situação de necessidade, trata-se de institutos diferentes. Segundo Roberto Senise Lisboa: 120 “Os atos cometidos em estado de necessidade acarretam a destruição ou a deterioração de uma coisa que pertence a 118 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RT, 2003, p. 571. 119 VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 465. 120 LISBOA, Roberto Senise. Ibidem, p. 573. 51 outrem, a fim de se remover perigo iminente. São atos cuja ilicitude é expressamente excluída pela lei, desde que as circunstâncias tornem a realização do ato imprescindível; e não sejam excedidos os limites do indispensável para a remoção do perigo”. Portanto, o estado de necessidade se refere à destruição de coisa alheia ou lesão à pessoa com a finalidade de afastar perigo iminente. De acordo com ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves: 121 “O estado de perigo, que é um tipo de estado de necessidade, é defeito do negócio jurídico que afeta a declaração de vontade do contratante, diminuindo a sua liberdade por temor de dano à sua pessoa ou à pessoa de sua família. A necessidade de um sujeito é desfrutada pelo outro, sem qualquer destruição. E, mesmo que o perigo tenha sido voluntariamente causado pela pessoa a que ele esteja exposta, e fosse evitável, caberá a anulação, pois a liberdade de determinação estará sempre diminuída”. Portanto o estado de perigo configura a necessidade da vítima de se salvar, ou salvar os membros de sua família, de riscos iminentes à vida ou à saúde e, que por esse motivo, afeta a sua declaração de vontade, fazendo com que realize negócio excessivamente oneroso. 121 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 395. 52 8. A LESÃO A lesão também foi criada pelo Novo Código Civil como sendo um defeito do negócio jurídico e que provoca a sua anulabilidade. Na lesão, alguém celebra negócio jurídico manifestamente desvantajoso por inexperiência ou por extrema necessidade. A outra parte que celebrou o negócio não precisa ter conhecimento da inexperiência ou da extrema necessidade para que o ato seja anulado. Assim, o Código Civil em seu artigo 157 determina: “Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Segundo Caio Mário da Silva Pereira 122 “pode-se genericamente definir lesão como o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes”. César Fiuza ensina que: 123 “Ocorre a lesão, quando uma parte, aproveitando-se da inexperiência, da necessidade ou mesmo da leviandade da outra, realiza com ela negócio, em que a prestação da parte contrária é desproporcional em relação à sua. Em outras 122 De Page, Traité Élémentaire, I, nº 67 apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 544. 123 FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 223. 53 palavras, uma das partes se aproveita da outra, a fim de levar vantagem ilegítima”. São características da lesão: 124 a- a desproporção manifesta entre as prestações recíprocas, capaz de proporcionar lucro exagerado e incompatível com a normal comutatividade do contrato. Trata-se de um elemento objetivo. b- a deficiência das condições psicológicas do contratante presentes no momento da declaração negocial, consistente em inexperiência, ou premente necessidade. Trata-se de um elemento subjetivo. c- o nexo causal entre a deficiência da formação da vontade e a conclusão do contrato lesivo. Trata-se de premência a urgência resultante do estado de necessidade (para aquisição necessária de bem, com fim colimado pela vítima, ou salvaguarda dos bens próprios ou de terceiro) e; inexperiência é a falta de prática ou vivência com os usos e costumes da negociação celebrada. 125 Segundo Maria Helena Diniz: 126 “A lesão é um vício de consentimento decorrente do abuso praticado em situação de desigualdade de um dos contratantes, por estar sob premente necessidade, ou por inexperiência, visando protegê-lo, ante o prejuízo sofrido na 124 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 226 – 227. 125 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RT, 2003, p. 566. 126 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 190. 54 conclusão do contrato comutativo, devido à desproporção existente entre as prestações das duas partes, dispensando-se a verificação do dolo, ou má-fé, da parte que se aproveitou. Deverá, portanto, ocorrer aproveitamento, mas não o dolo de aproveitamento”. Diferentemente do dolo, em que a vítima é induzida por outrem, propositalmente, mediante artifício ou ardil, ao erro para que possa obter vantagem indevida; na lesão a situação da vítima não advém de conduta de outrem. A lesão também não se confunde com o erro, pois não há a falsa idéia da realidade. Na lesão, a vítima tem conhecimento de que está realizando um negócio jurídico desproporcional e que sofrerá prejuízo patrimonial. Na lesão, há um perigo de dano que o contratante deseja afastar, porém esse perigo não é pessoal como o que ocorre no estado de perigo; trata-se de um perigo de ordem patrimonial, desde que sério e grave. Assim, para que o contratante consiga os meios necessários para o afastamento do perigo, se submete a realizar um negócio manifestamente desproporcional. Podemos citar como exemplo, o caso de um devedor insolvente que, para obter meios de quitar seus débitos, vende seus bens a preços irrisórios ou abaixo do preço de mercado. Para que o estado de premente necessidade fique caracterizado não é necessário que a parte se sinta reduzida à total incapacidade patrimonial, basta que esteja com dificuldades financeiras, não possuindo disponibilidades líquidas para honrar com seus compromissos. 55 Contudo, para que se configure a lesão é preciso analisar se a necessidade e a inexperiência do contratante foram causas essenciais à realização do negócio lesivo, ou seja, se a parte realizou o negócio manifestamente desproporcional tentando sanar suas necessidades. Sendo assim, se a lesão já se consumou e o negócio se exauriu, pouco importa que o bem tenha se valorizado ou desvalorizado posteriormente ao contrato, a anulação será possível em função do prejuízo que o lesado efetivamente sofreu no momento do ajuste. 127 127 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 226. 56 CONCLUSÃO Conforme os estudos e pesquisas realizados neste trabalho, pudemos perceber a importância dos Vícios do Consentimento no Negócio Jurídico para o Direito Civil. Para entendermos como ocorrem os vícios na manifestação da vontade e quais as suas conseqüências, estudamos primeiramente o negócio jurídico, que se trata de ato lícito da vontade humana com o intuito de gerar efeitos na órbita do direito. O negócio jurídico é composto pela vontade humana, a idoneidade do objeto e a forma, que são elementos essenciais, isto é, são indispensáveis para a existência do ato e, para que o negócio seja válido é necessário que a declaração da vontade resulte de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei. Assim, o negócio jurídico é fundamentalmente um ato de vontade e para que o negócio possa gerar os efeitos almejados é preciso que essa vontade se exteriorize de forma livre e consciente, de acordo com o íntimo desejo do agente. Desta forma, para que os efeitos sejam alcançados e o negócio seja válido e eficaz, a vontade real do agente deve ser igual à sua declaração. Quando a manifestação da vontade se exterioriza inquinada em um vício ou em um engano, estamos diante dos vícios do consentimento, onde a vontade real do agente se difere de sua declaração. Os vícios do consentimento incidem sobre a vontade do agente, ou seja, o agente somente realiza o negócio por estar agindo mediante erro ou ignorância, dolo, 57 coação, estado de perigo ou lesão. E, sendo assim, presentes os pressupostos requeridos pela lei, o negócio poderá ser anulado. Portanto, o defeito do negócio jurídico ocorre no campo da validade, onde será analisado se produzirá ou não os efeitos pretendidos. Vimos que, ocorre erro quando o agente tem uma falsa idéia da realidade, acredita na sua íntima convicção, o que faz com que realize um negócio jurídico baseado em um engano espontâneo, ou seja, ninguém o induz ao erro. Sendo assim, o negócio está viciado e poderá ser anulado, desde que o erro seja substancial, escusável, real e conhecido ou possível de ser reconhecido pela outra parte. No dolo, o agente manifesta sua vontade inspirado em um engano provocado, ou seja, alguém com o intuito de prejudicar aquele que está manifestando a vontade e obter um ganho indevido, induz este a erro. Portanto, a principal diferença entre o erro e o dolo é que no erro o engano é espontâneo e no dolo é provocado. A coação, diferentemente do que ocorre no erro e no dolo, o agente é forçado, mediante violência física (vis absoluta) ou psicológica (vis compulsiva), a realizar determinado negócio jurídico. No entanto, a realização do negócio mediante violência física não é considerado vício do consentimento, pois visto que a vontade é requisito essencial para a existência do ato, conclui-se que neste caso o agente se quer tem a possibilidade de manifestar a sua vontade. Sendo assim, se não existe vontade, não existe negócio jurídico. Porém, quando a violência é psíquica ou moral, considera-se vício do consentimento e o negócio é passível de anulação, pois o agente possui, mesmo que 58 restrita, a liberdade de escolher entre os efeitos da realização do negócio e os danos da ameaça. No estado de perigo, o agente realiza o negócio jurídico manifestadamente desvantajoso com o intuito de salvar-se ou salvar alguém de sua família em que a vida ou a saúde se encontre em perigo iminente. Neste caso, o negócio poderá ser anulado, desde que o beneficiado não tenha contribuído para a situação de perigo em que a vítima se encontre e desde que essa situação de risco seja fator determinante para a realização do negócio extremamente desvantajoso. A lesão ocorre quando o agente realiza o negócio desvantajoso por inexperiência ou por extrema necessidade. Neste caso, o agente tem consciência de que o negócio que está realizando é desproporcional e que o faz tentando sanar suas dificuldades financeiras ou patrimoniais. Assim, para que a lesão fique caracterizada e o negócio jurídico seja anulado é preciso que o fator determinante da realização do negócio desvantajoso seja a tentativa do agente em responder por suas responsabilidades financeiras, não sendo necessário que a outra parte tenha conhecimento da situação de extrema necessidade ou da inexperiência do agente. Diferentemente do que acontece no estado de perigo, na lesão o risco é patrimonial e não pessoal (vida ou saúde). Por fim, podemos concluir que os vícios do consentimento no negócio jurídico são de extrema importância para a validade e eficácia do negócio, já que o mesmo realizado de forma viciada poderá ser anulado e os efeitos produzidos poderão ser inviabilizados mediante a provocação daquele que se viu prejudicado. 59 BIBLIOGRAFIA CARRIDE, Norberto de Almeida. Vícios do Negócio Jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 1997. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 11. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. ______. 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