CURSO DE DIREITO
OS VÍCIOS DO CONSENTIMENTO NO NEGÓCIO JURÍDICO
VANESSA SARTORATO RIBEIRO
RA: 502124-3
TURMA: 3209-C
FONE: 9539.1523
E-MAIL: [email protected]
SÃO PAULO
2009
OS VÍCIOS DO CONSENTIMENTO NO NEGÓCIO JURÍDICO
Monografia apresentada à Banca Examinadora do
Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas
Unidas, como exigência parcial para obtenção do
título de Bacharel em Direito sob a orientação da
Professora Renata Giovanoni Di Mauro.
SÃO PAULO
2009
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador: ____________________________
Renata Giovanoni Di Mauro
Professor Argüidor: _____________________________
Professor Argüidor: _____________________________
Dedico este trabalho aos meus pais que estão sempre presentes em minha vida, me
apoiando e me auxiliando em todos os momentos.
Agradeço primeiramente à Deus por me dar saúde e
forças para alcançar meus objetivos.
Agradeço aos meus pais pela oportunidade que me
deram em fazer uma faculdade e por estarem
sempre presentes em minha vida.
Agradeço à minha família pelo apoio, confiança e
dedicação que depositaram em mim no decorrer
desta etapa.
Agradeço ao meu namorado, Rafael, pela força,
paciência e companheirismo em todos os momentos
importantes da minha vida.
Agradeço aos meus amigos por toda força que me
deram, inclusive para a realização deste trabalho.
À Professora Renata por toda atenção e orientação
concedida para que este trabalho fosse concluído.
SINOPSE
Um tema de grande importância para estudo no Direito Civil são os Vícios do
Consentimento no Negócio Jurídico.
Na esfera doutrinária sua abordagem é essencial para que possamos entender os
requisitos de validade e quais as conseqüências no caso de vícios no momento da
manifestação da vontade na prática do negócio jurídico.
Com um exame superficial, observamos que o Negócio Jurídico é ato lícito da
vontade humana e que possui intenção de gerar efeitos na ordem jurídica. Assim, quando
não há vontade, não há, conseqüentemente, negócio jurídico.
No entanto, quando a vontade apresenta vício ou defeito, a lei visa proteger o
autor da declaração, através da anulação do negócio praticado, já que, para que possa ter
validade, é necessário que a vontade se externe livre e consciente para que alcance o
íntimo desejo do agente.
Assim, as hipóteses de vícios na manifestação da vontade são: o erro, o dolo, a
coação, o estado de perigo e a lesão, os quais estudaremos no decorrer deste trabalho, bem
como os requisitos de validade e as conseqüências destes vícios na prática do negócio
jurídico.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 01
1. DO NEGÓCIO JURÍDICO ........................................................................................... 03
1.1 Definição ............................................................................................................... 03
1.2 Elementos Constitutivos ........................................................................................ 04
1.2.1 Elementos Essenciais ................................................................................... 04
1.2.2 Elementos Naturais ...................................................................................... 05
1.2.3 Elementos Acidentais .................................................................................. 05
1.3 Requisitos de Validade ......................................................................................... 05
1.3.1 Nulidade Absoluta ....................................................................................... 06
1.3.2 Nulidade Relativa ........................................................................................ 07
1.3.3 Inexistência .................................................................................................. 08
2. DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO ............................................................ 09
2.1 Introdução ............................................................................................................. 09
2.2 Distinção entre os Vícios do Consentimento e os Vícios Sociais ........................ 10
3. VÍCIOS DO CONSENTIMENTO ............................................................................... 12
3.1 Definição .............................................................................................................. 12
3.2 Disparidade entre a Vontade Real e a Declaração ............................................... 13
3.2.1 A posição do novo Código Civil Brasileiro ................................................ 16
4. O ERRO OU IGNORÂNCIA ....................................................................................... 18
4.1 Erro Substancial ou Essencial ............................................................................... 20
4.2 Erro Escusável ...................................................................................................... 22
4.3 Erro Conhecido ou Reconhecível pelo outro Contratante .................................... 23
4.4 Erro Acidental ....................................................................................................... 24
4.5 Transmissão Errônea da Vontade por Instrumento ou Núncio ............................. 25
4.6 O Falso Motivo ..................................................................................................... 25
5. O DOLO .......................................................................................................................... 27
5.1 Distinção entre Erro e Dolo .................................................................................. 28
5.2 Requisitos do Dolo ............................................................................................... 29
5.3 Dolo Essencial ou Principal e Dolo Acidental ..................................................... 30
5.4 Dolus Bonus eDolus Malus .................................................................................. 32
5.5 Dolo Positivo ou Comissivo e Dolo Negativo ou Omissivo ................................ 33
5.6 Dolo de Terceiro ................................................................................................... 34
5.7 Dolo de Ambas as Partes ...................................................................................... 36
6. A COAÇÃO .................................................................................................................... 37
6.1 Coação Absoluta (vis absoluta) e Coação Relativa (vis compulsiva) ................... 38
6.2 Requisitos da Coação ............................................................................................ 39
6.2.1 A ameaça como causa do ato ....................................................................... 40
6.2.2 A ameaça deve ser grave .............................................................................. 41
6.2.3 A injusta ameaça e o temor reverencial ....................................................... 42
6.2.4 A ameaça deve ser atual ou iminente ........................................................... 44
6.2.5 Sobre quem deve recair a ameaça ................................................................ 45
6.2.6 A coação por parte de terceiros .................................................................... 46
7. O ESTADO DE PERIGO .............................................................................................. 47
7.1 Elementos do Estado de Perigo ............................................................................ 49
7.2 Distinção entre Estado de Perigo e Coação .......................................................... 51
7.3 Distinção entre Estado de Perigo e Estado de Necessidade ................................. 51
8. A LESÃO ....................................................................................................................... 53
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 57
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 60
INTRODUÇÃO
O tema abordado trata dos Vícios do Consentimento no Negócio Jurídico, que é
um tema de grande importância para o Direito Civil.
O presente trabalho tem por objetivo específico verificar e conhecer as
hipóteses de vícios na manifestação da vontade na prática do negócio jurídico e quais suas
principais conseqüências.
Também pretende, em linhas gerais, analisar, sistematizar e valorar algumas
das teorias mais significativas da doutrina dos Vícios do Consentimento, como as que
tratam da disparidade entre a vontade real e a declaração.
Antes de entendermos e conhecermos os vícios na manifestação da vontade,
estudaremos o negócio jurídico, que se trata de ato lícito da vontade humana e possui
intenção de gerar efeitos na ordem jurídica.
A vontade é pressuposto de existência do negócio jurídico e para que este seja
válido e eficaz é necessário que essa vontade se exteriorize de forma livre e consciente. A
partir do momento que essa vontade vem inquinada em um vício, estamos diante de um
defeito no negócio jurídico.
O defeito se passa no campo da validade do negócio jurídico, onde será
analisado se produzirá ou não efeitos.
Os vícios do consentimento são aqueles que incidem sobre a vontade do agente,
assim, visto que o negócio jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, quando esta
1
não corresponde com o íntimo desejo do agente e não se manifesta de forma livre e
consciente, de acordo com o seu verdadeiro desejo, trata-se de um vício, ou seja, o
negócio está maculado, pois existe divergência entre a vontade real e a declaração,
estando, desta forma, suscetível de ser anulado.
Os vícios na manifestação da vontade, que veremos cuidadosamente no
decorrer deste trabalho, são: o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo e a
lesão.
Veremos que em todos os casos, presentes os pressupostos requeridos pela lei,
o negócio jurídico poderá ser anulado.
Assim, este estudo analisará o negócio jurídico, seus defeitos, os requisitos de
validade, as divergências e as teorias que estudam a vontade real e a declaração, como se
caracteriza cada um dos vícios do consentimento e quais os requisitos estipulados pela lei
para que o negócio seja anulado.
2
1. DO NEGÓCIO JURÍDICO
1.1 Definição
Trata-se de negócio jurídico o ato lícito da vontade humana que visa gerar
determinados efeitos na ordem jurídica.
Negócio jurídico é toda ação humana combinada com o ordenamento jurídico,
voltada a criar, modificar ou extinguir relações ou situações jurídicas, cujos efeitos vêm
mais da vontade do que da Lei. 1
Portanto, o negócio jurídico é a manifestação de vontade que visa a um fim
prático, que é tutelado pela ordem jurídica. 2
Sendo assim, a lei confere a eficácia necessária à vontade humana que não
esteja em desacordo com a lei e que objetiva um fim.
Desta forma, o ordenamento jurídico confere ao indivíduo capaz a possibilidade
de, por meio de sua vontade, criar relações e efeitos jurídicos através do negócio jurídico.
Os negócios jurídicos são, portanto, declarações de vontade destinadas à
produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente. 3
1
FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 189.
NETTO, Domingos Franciulli; MENDES, Gilmar Ferreira; FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. O Novo Código
Civil – Estudos em Homenagem ao Prof. Miguel Reale. São Paulo: LTR, 2003, p. 117.
3
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 476.
2
3
A declaração é o meio pelo qual se manifesta o ato de vontade destinado a
produzir efeitos jurídicos imediatos. A esse princípio se chama autonomia da vontade, em
que o direito positivo reconhece a possibilidade que os indivíduos têm de praticarem atos
jurídicos, produzindo seus efeitos. 4
Pelo princípio da autonomia da vontade as pessoas têm liberdade de, em
conformidade com a lei, celebrar negócios jurídicos, criando direitos e contraindo
obrigações. 5
1.2 Elementos Constitutivos
Os elementos constitutivos do negócio jurídico são aqueles que compõem a sua
estrutura, o seu conteúdo.
Distinguem-se entre os elementos do negócio jurídico os essenciais, os naturais
e os acidentais.
1.2.1 Elementos Essenciais
Os elementos essenciais são aqueles indispensáveis para a existência do ato,
são eles: a vontade humana, a idoneidade do objeto e a forma. 6
A vontade humana é um elemento essencial do negócio jurídico, já que o
mesmo é fundamentalmente um ato de vontade e se revela através da declaração.
4
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 170.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 310.
6
RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 171.
5
4
Deve haver a idoneidade do objeto em relação ao negócio que se pretende
realizar.
Sem que exista a forma, sequer existe o ato. A forma é a substância do ato.
1.2.2 Elementos Naturais
Os elementos naturais são aqueles que decorrem naturalmente do negócio
jurídico, são efeitos ou conseqüências decorrentes de sua própria natureza, como por
exemplo, a responsabilidade do vendedor em responder pelos vícios redibitórios ou pela
evicção.
1.2.3 Elementos Acidentais
Os elementos acidentais são aqueles que podem figurar ou não no negócio, são
desnecessários à formação do ato. Consistem em estipulações acessórias que as partes
podem facultativamente adicionar ao negócio, como por exemplo, a condição, o modo ou
o termo. 7
1.3 Requisitos de Validade
Deve-se preencher determinados requisitos, apresentados como os de validade
do negócio jurídico, para que o mesmo possa produzir efeitos, possibilitando a aquisição,
modificação ou extinção de direitos. Se o negócio apresenta todos os requisitos, é válido e
7
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 307.
5
dele decorrem os mencionados efeitos almejados pelo agente. Se lhe falta um dos
requisitos, o negócio é inválido e poderá ser nulo ou anulável. 8
A validade do negócio jurídico exige que a declaração de vontade resulte de
agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei. 9
Invalidade é o defeito de um ou mais elementos do negócio jurídico e que pode
ser: nulo, anulável ou inexistente.
1.3.1 Nulidade Absoluta
A nulidade absoluta refere-se à nulabilidade dos atos praticados nos negócios
jurídicos, isto é, o negócio sequer tem força para produzir efeitos.
De acordo com o artigo 166 do Código Civil:
“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas partes, for
ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere
essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a
prática, sem cominar sanção.”
8
Francisco Clementino San Thiago Dantas. Programa de Direito Civil. 3. ed., p. 225; Washington de Barros
Monteiro. Curso, cit., v. 1, p. 187; Caio Mário da Silva Pereira. Instituições, cit., v. 1,p. 309; Maria Helena Diniz.
Curso, cit.,v. 1, p. 377 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Ibidem, p. 317.
9
O artigo 104 do Código Civil estabelece que: “A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei”.
6
Os negócios jurídicos são considerados nulos quando por vício grave, não
tenham eficácia e não permitem ratificação, ou seja, o negócio jurídico não gera efeitos
jurídicos e nem obrigações entre as partes.
Conforme ensinamentos de César Fiuza: 10
“É nulo o ato jurídico quando, em razão de defeito grave que
o atinge, não produz os efeitos que deveria produzir. Pode até
produzir efeitos, mas não aqueles efeitos desejados pelas
partes interessadas, aqueles efeitos que deveria produzir”.
A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério
Público e pelo juiz, ex officio.
1.3.2 Nulidade Relativa
A nulidade relativa refere-se à anulabilidade dos atos praticados nos negócios
jurídicos, isto é, os efeitos são produzidos, mas com risco de serem inviabilizados por
provocação de quem se viu prejudicado com a prática viciada.
Quando a vontade manifestada está viciada ou defeituosa, a torna mal dirigida
e, sendo assim, estamos diante de um negócio jurídico anulável, ou seja, o negócio
jurídico terá vida até que seja pedida sua anulação por iniciativa de qualquer prejudicado.
Segundo Humberto Theodoro Júnior: 11
10
11
FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 232.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 554.
7
“Ao negócio anulável não faltam os elementos essenciais.
Ocorrem apenas defeitos quanto aos requisitos exigidos pela
lei para que o negócio adquira validade. Esses defeitos,
todavia, não conduzem imediatamente à invalidade; facultam
à parte interessada provocá-la. Fica a critério da parte
manter ou invalidar o negócio defeituoso, porque se parte da
idéia de que o interesse em jogo é de ordem privada. Embora
irregular o negócio, o interessado pode julgar conveniente
mantê-lo”.
Trata-se de um vício leve, que pode ser convalidado, pois não atingem o ato de
forma definitiva. 12
Há três causas para a anulabilidade do negócio jurídico: 13
a- casos expressamente declarados na lei;
b- negócios praticados por agente relativamente incapaz;
c- negócios afetados por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão ou fraude contra credores.
Difere-se do negócio nulo, a legitimidade para demandar a anulação, já que é
restrita aos interessados e há a possibilidade da ratificação do negócio.
1.3.3 Inexistência
Os negócios jurídicos são considerados inexistentes quando não possuem os
elementos essenciais para a sua existência, quais sejam: a vontade humana, a idoneidade
do objeto e a forma. Desta forma, se a vontade não se manifesta, não se pode falar em
existência de negócio jurídico, pois lhe falta um requisito fundamental.
12
13
FIUZA, César. Op. Cit., p. 216.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 555.
8
2. DOS DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO
2.1 Introdução
O Código Civil de 2002 denomina “Defeitos do Negócio Jurídico” como sendo
as falhas de vontade.
Defeito é todo vício que macula o negócio jurídico, o que possibilita a sua
anulação. Portanto, o defeito se passa no campo da validade do negócio jurídico, ou seja,
se produzirá ou não, os efeitos jurídicos visados pelo agente.
O pressuposto do negócio jurídico é a declaração da vontade do agente em
conformidade com a normal legal, visando a produção de efeitos jurídicos. Então, o
elemento específico é a emissão de vontade. Se faltar, o negócio não se constitui. Se
existe, origina o negócio jurídico. Assim, essa vontade deve estar em consonância com o
íntimo e verdadeiro querer do agente e submissa ao ordenamento jurídico. 14
Para que ocorra o resultado do negócio jurídico, ou seja, a produção de seus
efeitos jurídicos, é necessário a verificação das circunstâncias que a envolveram, pois
pode ter ocorrido uma declaração de vontade em determinadas circunstâncias que não
traduza a verdadeira atitude volitiva do agente. Desta forma, não se nega a existência do
negócio jurídico, pois a vontade se manifestou, porém se recusa seus efeitos. Pode-se
dizer então que há negócio jurídico, porém defeituoso. 15
14
15
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 513.
Idem, Ibidem, p. 513.
9
Este capítulo, do Código de 1916, compreendia os vícios do consentimento
(erro, dolo e coação) e os chamados vícios sociais (simulação e fraude contra credores)
como sendo esses os defeitos do negócio jurídico, e talvez tenha sido o que mais sofreu
alterações com o advento do Código de 2002. A retirada da simulação do rol dos defeitos
e a sua inserção entre os atos nulos foi umas das mais notórias modificações. 16
Foram criados também, dois novos defeitos, um deles é o ato praticado em
estado de perigo, que antes era estudado junto com a coação, e o outro é a lesão.
2.2 Distinção entre os Vícios do Consentimento e os Vícios Sociais
Tanto os vícios do consentimento, quanto os vícios sociais, formam um
conjunto de defeitos dos atos jurídicos, que conduzem a conseqüências próximas ou
análogas que resultarão na invalidade do negócio realizado.17
Os vícios do consentimento são aqueles que incidem sobre a vontade do agente,
ou seja, a manifestação da vontade não corresponde com o íntimo desejo do agente,
impedindo que se externe o seu verdadeiro desejo. 18
Trata-se de vícios do consentimento a desconformidade entre a vontade do
agente e sua declaração. 19 São eles: o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado de
perigo e a lesão, os quais veremos detalhadamente no decorrer deste trabalho.
16
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 181; VENOSA, Sílvio de Salvo.
Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 424.
17
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 515.
18
RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 182.
19
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 523.
10
Os vícios sociais são defeitos que afetam o ato jurídico por torná-lo
desconforme ao Direito, ou seja, a vontade é perfeita, mas os efeitos são nefastos à
sociedade. 20
Portanto, tratam-se de vícios sociais a desconformidade da declaração da
vontade com o ordenamento jurídico, com a finalidade de causar prejuízos a terceiros. 21 É
o caso da fraude contra credores e a simulação.
20
21
FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 221.
LISBOA, Roberto Senise. Op.Cit., p. 523.
11
3. VÍCIOS DO CONSENTIMENTO
3.1 Definição
Como já vimos, o negócio jurídico é ato lícito da vontade humana capaz de
gerar efeitos na órbita do direito. Visto que, o ato jurídico é fundamentalmente um ato de
vontade, é necessário que essa vontade se exteriorize de acordo com o íntimo desejo do
agente de forma livre, consciente e submissa ao ordenamento jurídico para que o negócio
tenha validade.
Denominam-se vícios de consentimento, em razão de se caracterizarem por
influências exógenas sobre a vontade exteriorizada ou declarada, e aquilo que é ou devia
ser a vontade real, se não tivessem intervindo as circunstâncias que sobre ela atuaram,
provocando a distorção. 22
Portanto, os vícios do consentimento são aqueles defeitos que se verificam
quando o agente declara a sua vontade de maneira defeituosa. São vícios ou defeitos da
vontade do agente. 23
Sendo assim, a lei protege aquele que manifesta a sua vontade, promovendo a
declaração da ineficácia do ato gerado pela aprovação defeituosa, ou seja, quando o
consentimento, que é reflexo da manifestação da vontade, vem inquinado por um vício, a
lei pode tornar este ato anulável.
22
23
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 514.
FIUZA, César. Op. Cit., p. 216.
12
O primeiro vício do consentimento é o erro, em que a manifestação da vontade
ocorre em desacordo com a realidade (ignorância) ou inspirado em um engano. O que
caracteriza o erro é o fato de ser espontâneo, ninguém induz o declarante ao erro.
No entanto, se o engano for provocado maliciosamente por outra pessoa,
estamos diante do dolo. Aqui, a pessoa é induzida ao erro por outrem.
Quando o agente é forçado a praticar um ato mediante ameaça, se trata de
coação.
Nessas três hipóteses, a vontade aparece prejudicada, seja por não se manifestar
conscientemente ou por se externar coagida.
Ocorre o estado de perigo quando alguém, ameaçado por perigo iminente,
assume obrigação excessivamente onerosa.
E, finalmente, a lesão, que ocorre quando o agente, desproporcionalmente ao
valor real, paga um determinado preço.
3.2 Disparidade entre a Vontade Real e a Declaração
A vontade real é dirigida a um fim protegido pelo direito e a declaração é a
manifestação externa realizada para aquele resultado juridicamente relevante.
Vimos que a lei protege aquele que manifesta a sua vontade, no entanto essa
proteção colide com um outro interesse que a ordem jurídica também precisa proteger: a
segurança das relações negociais.
13
Aquele que exterioriza a sua vontade efetiva cria uma expectativa no meio
social e vincula a essa declaração terceiras pessoas, que a imaginam válida. Desta forma,
o desfazimento do negócio jurídico sob a alegação de um vício de vontade, seria
interpretado como injusto. 24
Assim, surgem dois interesses diferentes: o interesse daquele que emite a
declaração; e o interesse daqueles a quem se dirige a declaração.
A teoria da vontade real, formulada cientificamente por Savigny, demonstra
claramente a primeira posição, mais individualista, prevalecendo o interesse do indivíduo
que emite a declaração. No entanto, essa teoria, faz com que a sociedade, meio em que a
declaração se projeta, crie um sentimento de insegurança, já que a configuração de
qualquer negócio jurídico pode ser desfeita a qualquer momento se uma das partes
demonstrar que o fez inspirada em erro. 25 Portanto, quando há conflito entre a vontade e a
declaração, prevalece a vontade.
Assim, essa teoria totalmente individualista, atende apenas o interesse do autor
da declaração, ignorando os interesses da sociedade, a qual a declaração foi dirigida; não
sendo totalmente aceita pelo ordenamento jurídico. 26
Lembrando que há dois interesses em conflito, de um lado o interesse do
declarante, que visa proteger a pureza de sua vontade e; de outro, o interesse do meio
social, que cria uma expectativa para a produção dos efeitos programados com a
declaração da vontade; não seria aceitável que, por motivos íntimos do declarante, o
negócio fosse desfeito.
24
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 184.
Idem, Ibidem, p. 185.
26
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 22.
25
14
Desta forma, a teoria da declaração reage à teoria da vontade real,
desconsiderando o interesse do autor da declaração e protegendo ao da pessoa a quem a
declaração se dirige, assegurando a estabilidade das relações negociais. 27
Em meio ao excesso desta teoria, assim como à teoria da vontade real, surge a
teoria da responsabilidade como uma posição intermediária, em que se prefere o
interesse da sociedade ao do indivíduo; a segurança das relações sociais ao interesse
individual. Por essa teoria, o erro poderia anular o ato jurídico tão-somente se o declarante
houvesse agido de plena boa-fé, sem culpa ou dolo. Trata-se de abrandamento da teoria da
declaração. 28 Assim, havendo divergência entre a vontade e a declaração, esta deve
prevalecer no caso do desacordo for provocado por culpa ou dolo do declarante.
Portanto, existindo conflito entre a vontade e a declaração, a vontade deve
prevalecer nos casos em que o declarante realizar o negócio jurídico sob o impacto de
erro ou qualquer outro vício que impeça a exteriorização de sua vontade de forma livre e
consciente, anulando o negócio; e a declaração prevalecerá nos casos em que o declarante
agir com culpa ou dolo, tendo de se sujeitar aos efeitos do negócio para não prejudicar o
terceiro que nele confiou. 29
Como forma de abrandamento da doutrina da declaração, surge a teoria da
confiança, em que se analisa o comportamento de quem recebe a declaração. 30 Se esta
diverge da vontade, o ato será válido se o defeito não for perceptível pelo declaratário, ou
seja, se a declaração difere da vontade, é a declaração que deve prevalecer, pois a pessoa
a quem é dirigida não tinha elementos para verificar tal disparidade. Contudo, se existisse
27
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p.185.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 426.
29
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 24.
30
Idem, Ibidem, p. 25.
28
15
condições do declaratário perceber a diferença entre o íntimo querer e a declaração, deve
valer a vontade real do agente. 31
Essa teoria abandona a posição individualista original e acolhe o interesse
geral, retratando os rumos da nova ordem jurídica.
3.2.1 A posição do novo Código Civil Brasileiro
Com toda a divergência criada entre a teoria da vontade e a teoria da
declaração, o novo Código, aparentemente, optou pela defesa da vontade real ao
disciplinar os vícios do consentimento, permitindo a anulação do negócio jurídico em que
o consentimento não for manifestado de forma livre e consciente.
O Código anterior era dominado pela teoria da responsabilidade no que diz
respeito ao erro substancial, porém o novo Código evoluiu, seguindo a teoria da
confiança, assim como as legislações italiana e portuguesa. O ato não é mais anulado pela
simples falta de culpa do declarante (erro escusável). Agora, para que o negócio seja
anulado é necessário que o destinatário da declaração tenha culpa no evento, ou seja,
poderia ter evitado que o negócio viciado fosse concluído, pois o erro poderia ser
percebido por qualquer pessoa de diligência normal nas circunstâncias do negócio. 32
Assim, havendo conflito entre a vontade e a declaração, esta prevalecerá se o contratante
agiu de boa-fé e não tinha condições de perceber o erro do declarante. 33
31
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 426; RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 186.
O artigo 138 do Código Civil estabelece que: “São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de
vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das
circunstâncias do negócio”.
33
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 27.
32
16
O mesmo ocorre no campo do dolo e da coação. O atual Código prestigia a
teoria da confiança, não dispensando a culpa do beneficiário para que se configure o vício
do consentimento. Se o ardil ou a ameaça tiverem sido praticados por estranho e não pela
parte do contrato que deles se beneficia, a anulação somente será possível quando esta
deles tiver tido conhecimento ou condições de conhecê-los. 34 Dessa maneira, a boa-fé do
destinatário da declaração de vontade prevalece sobre o defeito da formação da vontade
do declarante.
Assim, podemos observar que o novo Código Civil submeteu-se à teoria da
confiança, conferindo destaque à boa-fé, à lealdade e à segurança das relações jurídicas.
34
Os artigos 148 e 154 do Código Civil estabelecem que: “Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de
terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista
o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou” e “Vicia o negócio
jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta
responderá solidariamente com aquele por perdas e danos”.
17
4. O ERRO OU IGNORÂNCIA
O novo Código Civil assemelhou e equiparou os efeitos do erro à ignorância.
Tanto o erro como a ignorância implica ausência de correta representação da
realidade, devendo receber o mesmo tratamento jurídico.
Embora a lei trate como sinônimos o erro e a ignorância, a doutrina os difere. A
ignorância é diversa do erro porque o agente pratica o negócio jurídico não sob falso
conhecimento, mas sim no total não-conhecimento da realidade. 35
Segundo Carlos Roberto Gonçalves: 36
“Erro é a idéia falsa da realidade. Ignorância é o completo
desconhecimento da realidade. Num e noutro caso, o agente é
levado a praticar o ato ou a realizar o negócio que não
celebraria por certo, ou que praticaria em circunstâncias
diversas, se estivesse devidamente esclarecido”.
Erro é a falsa idéia da realidade, o agente tem uma falsa noção sobre
determinado objeto, o que é capaz de fazê-lo manifestar sua vontade de maneira diversa à
que desejaria se tivesse melhor conhecimento.
De acordo com ensinamentos de Maria Helena Diniz 37 o “erro é uma noção
inexata, não verdadeira sobre alguma coisa, objeto ou pessoa, que influencia a formação
de vontade”.
35
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 36.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 195 apud
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 360.
36
18
Portanto, erro é uma representação psíquica incorreta. É a falsa idéia da
verdade entre aquilo que o agente pretendia e aquilo que realizou.
Ignorância é a completa ausência de conhecimento sobre aquilo do que se
trata. 38 É a falta de noção a respeito de um assunto.
O que caracteriza o erro é o fato de ser espontâneo, ou seja, ninguém induz o
declarante ao erro, o sujeito acha que é uma coisa, que na verdade é outra. Isso ocorre,
pois o agente faz uma interpretação incorreta sobre o fato, o seu consentimento é
inspirado em um sentimento secreto e errado e em sua íntima convicção.
O ato jurídico é fundamentalmente um ato de vontade, que lhe é um elemento
essencial e pressuposto de existência, no entanto se essa vontade se apresenta viciada por
um engano, a lei permite que, estando presente os pressupostos, se invalide o negócio.
Não são todas as espécies de erro que a lei permite a anulação do negócio
jurídico, para que isso ocorra, é necessário que estejam presentes os pressupostos
requeridos pela lei: 39
a- ser substancial, isto é, ser o objeto principal da declaração;
b- ser escusável, isto é, ser justificável com base no homem médio;
c- ser conhecido ou suscetível de ser conhecido pelo outro contratante, isto é, o
negócio jurídico somente será anulado se a outra parte tiver conhecimento do
erro;
d- ser real, isto é, causar prejuízo ou dano à outra parte.
37
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 386.
38
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 187.
39
Idem, Ibidem, p. 188 – 190 – 191.
19
Se o erro for acidental, ou seja, de menor importância, não há possibilidade
para a ação anulatória.
4.1 Erro Substancial ou Essencial
O erro substancial ou essencial é aquele de tal importância, que se fosse
conhecida a verdade, não seria concluído o negócio, pois este erro é o que dá causa ao
negócio, não sendo necessário que tenha sido causa única. 40
Carlos Roberto Gonçalves 41 em sua obra diz que o “erro substancial ou
essencial é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Há de ser
causa determinante, ou seja, se conhecida a realidade o negócio não seria celebrado”.
A lei estabelece que o erro substancial ou essencial pode anular o negócio
jurídico. 42
O Código Civil em seu artigo 139 estabelece que o erro é substancial quando:
“ I- interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da
declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa
a quem se refira à declaração de vontade, desde que tenha
influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da
lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico”.
40
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 430.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 361.
42
Ver artigo 138 do Código Civil.
41
20
De acordo com este artigo, podemos dizer que o erro incide no negócio, no
objeto ou na pessoa.
Vejamos alguns exemplos:
a- Erro que interessa à natureza do ato: é aquele em que uma das partes
manifesta sua vontade pretendendo e supondo celebrar determinado negócio jurídico e, na
verdade realiza outro. 43 Exemplo: o alienante transfere a coisa a título de venda, e o
adquirente a recebe como doação ou; alguém que crê estar adquirindo coisa, quando na
verdade está locando-a. 44 Nestes casos, o declarante pretende praticar determinado ato e,
entretanto, é praticado outro.
b- Erro sobre o objeto principal da declaração: é aquele que incide sobre a
identidade do objeto. A manifestação da vontade recai sobre objeto diverso daquele que o
agente tinha em mente. 45 Exemplo: uma pessoa troca uma residência por um terreno
situado em determinada rua, o qual, sabe o interessado, vale R$ 200,00 o m²; ultimado o
negócio, verifica que tal terreno efetivamente se situa em rua daquele nome, mas em
pequeno vilarejo do interior e não na cidade que tinha em vista, e que valia R$ 20,00 o
m². Neste caso, há um erro substancial sobre o objeto principal da declaração. 46
c- Erro que recai sobre alguma das qualidades essenciais do objeto principal da
declaração: ocorre quando o motivo determinante do negócio é a suposição de que o
objeto possui determinada qualidade, que na verdade não possui. 47 Exemplo: pessoa que
adquire candelabros prateados, cuidando serem de prata, ou, ainda, à pessoa que adquire
um quadro por alto preço, na persuasão de se tratar de original quando não passa de cópia.
43
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 362.
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 187; VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 430.
45
GONÇALVES, Carlos Roberto. Ibidem, p. 362.
46
RODRIGUES, Silvio, Ibidem, p. 188.
47
GONÇALVES, Carlos Roberto. Ibidem, p. 363.
44
21
Outro exemplo é a pessoa que adquire cavalo, acreditando que é de tiro, quando na
realidade é de competição. Nestes casos, há um erro sobre a qualidade essencial do
objeto, sendo que determinada qualidade foi o elemento principal para a realização do
negócio. 48
d- Erro que diz respeito a qualidades essenciais da pessoa a quem a declaração
se refere: pode se referir tanto à identidade quanto às qualidades da pessoa. 49 Exemplo:
alguém que faz doação a outrem, supondo que este lhe salvou a vida, descobrindo
posteriormente que esta pessoa não participou do salvamento. Neste caso, há um erro
sobre a qualidade da pessoa. 50
Em todos os casos citados acima, configura o erro substancial ou essencial, ou
seja, o erro recaiu sobre qualidades essenciais da pessoa ou da coisa e que deu causa à
realização do negócio jurídico, o qual não seria realizado se o agente conhecesse a
verdade. O erro teve papel decisivo na manifestação da vontade do declarante. Desta
forma, a lei permite que o negócio jurídico seja anulável.
4.2 Erro Escusável
O erro escusável é aquele que é justificável, que pode ser cometido por pessoa
sensata, de atenção e inteligência mediana, tendo como princípio geral o homem médio.
O erro inescusável é aquele erro escandaloso, grosseiro, em que o declarante
comete falta grave, sendo que um homem médio não o cometeria.
48
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p.188; VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 430.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 363.
50
RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 188.
49
22
Somente o erro escusável pode ser anulado.
O STJ decidiu que o “erro pode ser escusado, mas não pode invocá-lo quem foi
culpado pelo mesmo, não empregando a diligência ordinária” (RT 119/229). 51 “Em cada
caso deve-se analisar a cultura, a inteligência e especialmente a atividade profissional
daquele que o alega” (RT 520/116).
A escusabilidade do erro como requisito para a anulação do negócio jurídico se
torna secundário, levando-se em consideração a diligência normal da pessoa para
reconhecer o erro.
4.3 Erro Conhecido ou Reconhecível pelo outro Contratante
O negócio jurídico somente será anulado se o erro for conhecido ou
reconhecível pela outra parte.
Como vimos, o erro é uma falsa idéia da realidade, é espontâneo e involuntário.
Trata-se de uma divergência entre a efetiva vontade e a declaração, em que só será
possível a anulação do negócio jurídico se o destinatário tiver conhecimento ou condições
de conhecer o erro do declarante.
O erro é uma representação psíquica equivocada, uma reserva mental incorreta
e, visto que o ordenamento jurídico não confere relevância à reserva mental, faz-se a
necessidade do conhecimento do erro pela outra parte. 52
51
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 191.
O artigo 110 do Código Civil prevê: “A manifestação da vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva
mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.
52
23
Aqui estão em confronto dois interesses: o interesse em desfazer o negócio
jurídico gerado no erro por parte daquele que errou e; o desejo de que o negócio jurídico
prevaleça por parte daquele que, de boa-fé, contratou com a vítima do erro.53
O erro é reconhecível quando, em relação ao conteúdo, às circunstâncias do
contrato, ou à qualidade dos contraentes, uma pessoa de diligência normal poderia
percebê-lo. 54
Assim, se os dois contratantes agem de boa-fé e um errou, o prejuízo da
anulação recairá sobre a vítima do erro e não sobre o terceiro que, de boa-fé, acreditou na
declaração. Porém, se este terceiro que contratou com a vítima do erro, estivesse agindo
com má-fé, conhecendo o erro ou tendo condições de descobri-lo se agisse com normal
diligência, não mais teria direito à proteção concedida pelo ordenamento jurídico e, desta
forma, a anulação do negócio jurídico seria em benefício da vítima do erro.
4.4 Erro Acidental
O erro acidental é concernente às qualidades secundárias ou acessórias da
pessoa ou do objeto 55 , não incide na declaração da vontade e, por ser de menor
importância, não anula o negócio jurídico, pois mesmo que a pessoa conhecesse a
verdade, o negócio seria realizado.
53
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 191 – 192.
Idem, Ibidem, p. 191.
55
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 178.
54
24
4.5 Transmissão Errônea da Vontade por Instrumento ou Núncio
Se a vontade é transmitida de forma defeituosa, por meio de anúncio, telégrafo,
telegrama, telex, ou por qualquer outro meio, considera-se erro da mesma forma que o
resultante da declaração direta, podendo o ato ser anulado. 56
No entanto, se a pessoa que recebe a mensagem errada possui condições de
averiguar a sua autenticidade e seu conteúdo e não o faz, por negligência ou dolo, não terá
a proteção da lei. 57
4.6 O Falso Motivo
O Código Civil em seu artigo 140 estabelece que:
“Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade
quando expresso como razão determinante”.
O falso motivo decorre de representações psíquicas internas ou razões de ordem
subjetiva que antecedem a realização do negócio, não tendo relevância jurídica para viciar
o ato. Para que essas representações tenham relevância jurídica, é necessário que tenham
sido compactuadas como motivo determinante do contrato. 58
Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: 59
56
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 435.
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 193.
58
VENOSA, Sílvio de Salvo. Ibidem, p. 433.
59
JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 217.
57
25
“Se o motivo que levou o agente a realizar o ato foi por ele
declarado expressamente e se, por isso, vier a ser conhecido
do outro contratante, a inocorrência dele justifica o
reconhecimento de hipótese de erro essencial que pode levar
à invalidade do negócio”.
Como exemplo, podemos citar o caso daquele que aluga um imóvel para
instalação de um restaurante, pressupondo que em frente será estabelecida uma indústria
ou escola, que lhe irá assegurar o movimento e a freguesia, no entanto o fato não ocorre.
Assim, o contrato somente poderá ser anulado se as partes tiverem convencionado tal
condição como razão determinante do mesmo, podendo ser alegado erro substancial. No
entanto, se nada tiver sido alegado no contrato, não passando de motivos de ordem interna
e psicológica, nada poderá ser feito, já que não possui relevância jurídica. 60
Portanto, o erro pode consistir em falso motivo quando incidir nos motivos de
fato que determinam as partes a contratar. Como regra, não constitui vício, a não ser que o
motivo de fato seja a razão determinante ou condição para que se realize o ato. 61
60
61
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 433.
FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 218.
26
5. O DOLO
Dolo é a atitude maliciosa de outrem que visa prejudicar aquele que está
declarando a vontade com o fim de obter um ganho indevido. É o artifício utilizado para
enganar alguém.
O nosso Código Civil não define o dolo, no entanto o Código português o
define em seu artigo 253, primeira parte: 62
“Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que
alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir
ou manter em erro o autor da declaração, bem como a
dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do
declarante”.
Portanto, o dolo induz a pessoa que está declarando a vontade a erro, para que
assim, efetue o negócio jurídico, o qual não seria realizado se não estivesse sendo
enganada.
O dolo tem a finalidade de causar dano ao enganado.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira 63 o “dolo consiste nas práticas ou
manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma
emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro”.
A conduta dolosa pode ocorrer por um único ato ou por uma série de atos até
que se consiga chegar na vantagem ilícita almejada pelo declaratário.
62
63
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 441.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 526.
27
Conforme ensinamentos de Roberto Senise Lisboa64 “no dolo, a declaração da
vítima é provocada por uma conduta do agente que pretende obter a vantagem indevida a
partir do seu prejuízo”.
O dolo é um dos vícios da manifestação da vontade e tem a possibilidade de
anular o negócio jurídico. 65
Visto que, o elemento básico do negócio jurídico é a vontade, estando essa,
maliciosamente, induzida ao erro, há a perda da espontaneidade e, assim, o negócio está
viciado e poderá ser anulado.
5.1 Distinção entre Erro e Dolo
O dolo em muito se assemelha com o erro. Ambos são causas viciadoras do
negócio jurídico e ocorrem por causa de um engano, uma representação errada da
realidade. No entanto, no erro a vontade vem viciada devido a uma íntima convicção do
agente, o consentimento se inspirou em um sentimento secreto e errado, ou seja, o engano
é espontâneo. Já no dolo, o declaratário induz, maliciosamente, aquele que está
manifestando a sua vontade, ao erro, ou seja, o engano é provocado.
De acordo com ensinamentos de Norberto de Almeida Carride: 66
“No erro a idéia falsa é do próprio agente; no dolo a idéia
falsa é resultante da malícia alheia. Contudo, em ambos a
64
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 544.
65
O artigo 145 do Código Civil estabelece que: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua
causa”.
66
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 194 apud CARRIDE,
Norberto de Almeida. Vícios do Negócio Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 93.
28
vítima é iludida, com a diferença substancial de que no erro
ela se engana sozinha, enquanto que no dolo ela se equivoca
também, mas ilaqueada pela outra parte”.
Na prática, a mera alegação do erro seria suficiente para anular o negócio
jurídico, porém a prova do erro é difícil e custosa, pois a vítima deve demonstrar o que se
passou na sua mente naquele momento. Por isso, as partes preferem alegar o dolo, por ser
mais fácil de provar, podendo demonstrar o artifício doloso utilizado para ludibriá-la. 67
Assim como o erro essencial e o erro acidental há o dolo principal ou essencial
e o dolo incidente, com as mesmas conseqüências. O dolo essencial, assim como o erro
essencial, é aquele que afeta o objeto principal, sem os quais o negócio jurídico não seria
realizado.
5.2 Requisitos do Dolo
Para que o dolo constitua vício do consentimento é necessário que apresente os
seguintes requisitos: 68
a- intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico;
b- utilização de recursos fraudulentos graves;
c- que esses artifícios sejam a causa determinante da declaração da vontade;
d- que procedam do outro contratante ou sejam por este conhecidos como
procedentes de terceiros.
O dolo deve ser essencial, caso contrário será dolo acidental e não viciará o ato.
67
68
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 443.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 202.
29
A intenção de prejudicar é implícita ao dolo. Basta que a vontade seja desviada
de sua verdadeira intenção para que o ato se torne anulável. Se a pessoa pratica ato
objetivamente vantajoso, mesmo que não desejasse, o ato é anulável.69
O dolo deve ser a causa da realização do negócio. Trata-se de dolo principal.
O silêncio intencional de uma das partes sobre efeito relevante ao negócio
também constitui dolo (RT 634/130).70
O Código Civil estabelece que o prazo para anular o negócio jurídico é de
decadência, fixando-o em quatro anos, contado do dia em que se realizou o negócio.71
5.3 Dolo Essencial ou Principal e Dolo Acidental
O artigo 146 do Código Civil, ao definir o dolo acidental estabelece distinção
entre o dolo principal. 72
O dolus causam dans chamado de dolo essencial ou principal é aquele que diz
respeito à essência do objeto, constitui vício do consentimento e torna o ato anulável, já
que o negócio não se realizaria se a vítima tivesse conhecimento do artifício malicioso
empregado; enquanto que o dolo acidental se trata apenas de um ato ilícito e não anula o
negócio jurídico, apenas gera uma obrigação em reparar o prejuízo causado à vítima. 73
69
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 444.
Idem, Ibidem, p. 445.
71
O artigo 178, inciso II do Código Civil estabelece que: “É de 4 (quatro) anos o prazo de decadência para pleitearse a anulação do negócio jurídico, contado: no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia
em que se realizou o negócio jurídico”.
72
“Artigo 146. O dolo acidental só obriga à satisfação de perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o
negócio seria realizado, embora por outro modo”.
73
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 195.
70
30
Para que se configure o dolo principal é necessária a intenção de induzir o
declarante a praticar o ato jurídico.74
Segundo Carlos Roberto Gonçalves: 75
“Somente o dolo principal, como causa determinante da
declaração de vontade, vicia o negócio jurídico. Configura-se
quando o negócio é realizado somente porque houve
induzimento malicioso de uma das partes. Não fosse o
convencimento astucioso e a manobra insidiosa, a avenca
não se teria concretizado”.
O dolus incidens chamado de dolo acidental é aquele que não influi diretamente
na realização do ato, porém leva a vítima a realizar o negócio em condições mais onerosas
ou menos vantajosas, não afetando a sua declaração de vontade, já que o ato teria se
realizado independentemente dos desvios astuciosos. Sendo assim, o dolo acidental não
constitui vício do consentimento, não sendo passível de anulação, gerando apenas
obrigação à satisfação de perdas e danos. 76
Desta forma, pelo fato do dolo acidental não configurar vício do consentimento
e nem em causa do contrato, não anula o negócio jurídico, cabendo apenas ação de perdas
e danos ou redução da prestação convencionada contra o autor ou cúmplice do dolo e a
favor do contratante prejudicado.
Portanto, tanto no dolo essencial quanto no dolo acidental o intuito é de
enganar.
74
MONTEIRO, Washington de Barros. Op. Cit., p. 202.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 376.
76
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 180.
75
31
5.4 Dolus Bonus e Dolus Malus
Os romanos denominavam dolus bonus para o dolo menos intenso, tolerado,
como por exemplo, a gabança; e dolus malus para o dolo mais grave. Essa distinção existe
para dar segurança às relações negociais. 77
A gravidade do dolo é a medida de sua intensidade, isto é, o negócio jurídico
somente será anulado se o dolo for grave.
O dolus bonus é aquele que não tem o objetivo de obter um ganho indevido, se
trata, por exemplo, do comerciante que enche de elogios e enumera as qualidades do
produto que põe à venda em detrimento dos concorrentes. Neste caso, o intuito é de
seduzir o adquirente, sendo que uma pessoa normal não se deixaria enganar por esse
artifício; somente um homem sem a diligência de um homem médio iria adquirir tal
mercadoria meramente porque o vendedor exageradamente a elogia. 78
Desta forma, o ordenamento jurídico não considera dolo esse exagero de
virtudes, pois é de menor intensidade e, para que se configure o vício é necessário o
requisito da intensidade da gravidade.
O dolus malus é o revestido de gravidade, exercido com o intuito de ludibriar e
de prejudicar. É essa modalidade que se divide em dolo principal e acidental. Pode
consistir em atos, palavras e até mesmo no silêncio maldoso.79 Tem como objetivo obter
um ganho indevido e anula o negócio jurídico. Podemos citar como exemplo, a
propaganda enganosa.
77
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 446.
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 196 – 197.
79
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 379.
78
32
5.5 Dolo Positivo ou Comissivo e Dolo Negativo ou Omissivo
O dolo positivo ou comissivo é aquele em que o agente age maliciosamente e
leva a pessoa que está declarando a vontade a fazer algo que não queria através de uma
ação.
O dolo negativo ou omissivo é aquele em que o agente maliciosamente leva a
pessoa que está declarando a vontade a fazer algo que não queria através de uma omissão.
Está previsto no artigo 147 do Código Civil, vejamos:
“Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade
que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa,
provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.
O dolo negativo é a omissão dolosa com o fim de induzir um dos contratantes a
realizar o negócio. Ocorre quando umas das partes oculta algo que a outra deveria saber,
já que só estaria realizando o negócio por não saber.
O silêncio, em regra, não gera efeito jurídico, no entanto se dele resultar
obrigação que não existiria sem a ocultação, se trata de dolo omissivo.
Existem divergências a respeito de saber se o silêncio será imputável a quem o
guarda somente quando a lei exige que se manifeste, ou se caberá ao julgador, decidir se
houve abstenção dolosa, ainda quando a lei não impunha o dever de falar. 80
No entanto, nosso sistema jurídico entende que se um dos contratantes omite
alguma circunstância da outra parte para que o negócio se realize, sabendo que se
80
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 197.
33
conhecida da outra parte o mesmo não seria feito, constitui procedimento doloso e pode
ser anulado.
São, portanto, requisitos do dolo negativo: 81
a- um contrato bilateral;
b- intenção de induzir o outro contratante a praticar o negócio jurídico;
c- silêncio sobre uma circunstância ignorada pela outra parte;
d- relação de causalidade entre omissão intencional e a declaração volitiva;
e- ato omissivo do outro contratante e não de terceiro;
f- prova da não realização do negócio se o fato omitido fosse conhecido da
outra parte contratante.
Desse modo, podemos concluir que, apesar do silêncio não gerar efeito
jurídico, quando há dever de informar, pode caracterizar dolo omissivo.
5.6 Dolo de Terceiro
O negócio jurídico será anulado quando o dolo provir de outro contratante.
O dolo de terceiro, para se constituir em motivo de anulabilidade, exige a
ciência de uma das partes contratantes (RT 485/55).82
81
82
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 181.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 449.
34
Se o dolo for provocado por terceira pessoa (não integrante do negócio) a
mando de um dos contratantes ou com o concurso deste, o terceiro e o contratante serão
tidos como autores do dolo. 83
O dolo pode ocorrer nos seguintes casos: 84
a- dolo direto, ou seja, de um dos contratantes;
b- dolo de terceiro, ou seja, artifício praticado por estranho ao negócio, com a
cumplicidade da parte;
c- dolo de terceiro, com mero conhecimento da parte a quem aproveita;
d- dolo exclusivo de terceiro, sem que dele tenha conhecimento o favorecido.
O negócio é anulável nas três primeiras hipóteses, porém para que isso ocorra,
não basta que um dos contratantes saiba do dolo de terceiro, é preciso que tenha tirado
proveito do dolo. No último caso, em que o beneficiado não toma conhecimento do dolo,
o negócio subsistirá, porém o autor do dolo responderá por perdas e danos por ter
praticado um ato ilícito.85
Assim, podemos citar como exemplo, a hipótese de agente que pretende
adquirir uma jóia, imaginando-a de ouro, quando na verdade não é. O fato de não ser de
ouro não é ventilado pelo vendedor e muito menos pelo comprador. Um terceiro, que
nada tem a ver com o negócio, dá sua opinião encarecendo que o objeto é de ouro. Nisso
o comprador é levado a efetuar a compra. Fica caracterizado aí, o dolo de terceiro. O fato
de o vendedor ter ouvido a manifestação do terceiro e não ter alertado o comprador é que
permitirá a anulação. 86
83
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 182.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 449.
85
Ver artigo 148 do Código Civil.
86
Idem, Ibidem, p. 449.
84
35
5.7 Dolo de Ambas as Partes
Trata-se da intenção recíproca de obter vantagem indevida mediante prejuízo
causado ao outro. 87
Se ambas as partes agirem com dolo, ambas serão punidas pela lei, não
permitindo anular o ato ou reclamar indenização. 88
O negócio jurídico somente poderá ser anulado por dolo se não for recíproco
entre as partes.
Nota-se, que há a neutralização dos delitos, não havendo a compensação dos
dolos e sim, o desprezo do Poder Público em relação à torpeza e a malícia das partes, que
lhes pune com a impossibilidade de anular o negócio e pleitear indenização.
87
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 549.
88
O artigo 150 do Código Civil estabelece que: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo
para anular o negócio, ou reclamar indenização”.
36
6. A COAÇÃO
Como já sabemos, o negócio jurídico é substrato da vontade humana e, para
que essa vontade alcance os efeitos almejados, é necessário que ela se exteriorize de
forma livre e consciente, já que o negócio poderá ser anulado se essa vontade vier
inspirada em um engano, seja ele espontâneo ou provocado, estando viciado em erro ou
dolo. O mesmo ocorre quando essa vontade não se manifesta livremente, estando o
negócio viciado na coação.
A coação é o constrangimento de determinada pessoa, por meio de violência
física ou psicológica, para que ela pratique o negócio jurídico, que em outra situação não
realizaria. A vontade deixa de ser espontânea.
Conforme ensinamentos de Roberto Senise Lisboa:
89
“coação é o mal injusto,
grave e iminente, causado à vítima, mediante violência física ou moral, que a leva a
realizar ato jurídico que, em outra situação, não faria”.
Carlos Roberto Gonçalves define coação como: 90
“Toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um
indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um
ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o emprego
da violência psicológica para viciar a vontade”.
Nesse vício da vontade, é fácil observar o egoísmo, a rudeza e a primitividade.
Fazer com que alguém realize um negócio jurídico por meio de ameaça, força, violência
89
90
LISBOA, Roberto Senise. Op. Cit., p. 553.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 383.
37
ou qualquer outro tipo de pressão física ou moral é reprovado e repudiado pela
consciência humana. 91
6.1 Coação Absoluta (vis absoluta) e Coação Relativa (vis compulsiva)
A coação absoluta (vis absoluta) representa a violência física e não há vontade.
O ato se consegue por meio de violência física, com o emprego de força material e, sendo
assim, não há de se falar em consentimento, já que a pessoa que está sendo coagida
(coacto) não tem escolha. Desta forma, não há vício de consentimento.
Portanto, existindo total ausência de vontade na coação absoluta, o negócio
jurídico será nulo.92
A coação relativa (vis compulsiva) representa a violência moral ou psíquica,
desde que venha incutir temor justificável de dano grave na vítima e configura o vício da
vontade. Neste caso, o consentimento da vítima não é aniquilado, lhe restando relativa
liberdade em escolher entre a realização do negócio jurídico que lhe é exigido e o dano da
ameaça. 93
Sendo assim, a coação relativa se trata de uma modalidade do vício de
consentimento, pois a vítima tem a possibilidade de emitir uma declaração de vontade,
mesmo que viciada, o que acarreta na anulabilidade do negócio jurídico.
A distinção entre as duas espécies de violência se dá em relação às
conseqüências. Na vis absoluta, o ato jurídico é nulo, por faltar o consentimento que é um
91
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op.Cit., p. 453.
Idem, Ibidem, p. 454.
93
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 185.
92
38
elemento essencial, isto é, um pressuposto de existência do negócio jurídico; na vis
compulsiva, o ato jurídico é anulável, pois mesmo sem liberdade, a vítima declara a sua
vontade, optando pelos efeitos do negócio ou os danos da ameaça.
6.2 Requisitos da Coação
De acordo com o artigo 151 do Código Civil:
“Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há
de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano
iminente e considerá-lo à sua pessoa, à sua família, ou aos
seus bens”.
Portanto, para que se configure a coação e o ato jurídico seja anulado, é
necessário que: 94
a- a ameaça seja causa do ato;
b- seja grave;
c- seja injusta;
d- seja atual ou iminente;
e- traga justo receio de um grave prejuízo;
f- o prejuízo recaia sobre a pessoa ou os bens do paciente, ou pessoa de sua
família.
Faltando um dos requisitos acima a coação não ocorrerá.
Estudaremos agora, cada um dos requisitos.
94
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 201.
39
6.2.1 A ameaça como causa do ato
Como vimos, somente a coação relativa, que se trata da violência psíquica ou
moral, configura o vício do consentimento e torna o negócio jurídico anulável.
De acordo com ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior: 95
“Ameaçar é anunciar a alguém o propósito de causar à sua
pessoa ou a seus bens, ou a outrem, um mal. Pela ameaça,
cria-se o constrangimento, que irá alterar o processo normal
de formação da vontade, porquanto o sujeito passivo da
coação não terá mais condições de exteriorizar livremente
seu querer. Sob a pressão da ameaça, o declarante acaba
querendo, de fato, o que enuncia, mas não de forma livre”.
A violência deve ser a causa determinante ou essencial do consentimento para
que o negócio jurídico possa ser anulado.
Se a pessoa foi vítima da violência, mas manifestou o seu consentimento,
independentemente da ameaça; ou se a vítima iria praticar o ato e veio a ser ameaçada
antes de fazê-lo, não se configura a coação. 96
Desta forma, se houver coincidência entre a declaração da vontade e a
violência, só poderemos falar em coação e anulação do negócio jurídico se existir nexo
causal entre o meio intimidativo e o ato realizado pela vítima.
Cabe à vítima apresentar provas que comprovem o nexo causal, caso esta não
fique evidenciada, o ato permanece imaculado.
95
96
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 174.
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 202 – 203.
40
6.2.2 A ameaça deve ser grave
Para que a coação se caracterize é necessário que a ameaça seja grave,
provocando o aparecimento de um fundado temor de dano capaz de viciar a vontade do
contratante.
A ameaça deve se revestir de certa gravidade a ponto da pessoa se sentir
temerosa e ter que optar entre os efeitos da ameaça e da realização do negócio. Caso
contrário, não haverá vício de vontade.
No direito romano, adotava-se o critério abstrato para medir a gravidade da
ameaça. Este critério tinha caráter objetivo e menos individualista, em que consistia em
examinar se tal ameaça era suficiente para assustar um homem médio e normal. Em caso
positivo, se configurava a coação e o negócio era anulável; caso contrário, não. 97
Outro critério adotado para medir a gravidade da ameaça era o concreto, que
tinha caráter subjetivo e mais individualista, em que consistia em examinar a vítima da
ameaça, tendo em vista seu sexo, sua idade, sua altura, seu estado de saúde, sua educação,
seu temperamento e, assim, analisar se a ameaça foi suficiente para alterar a sua
manifestação da vontade, induzindo-lhe a praticar um ato que não desejava. 98
O direito moderno evoluiu e reconheceu que além de examinar a reação do
homem médio mediante uma ameaça, era necessário analisar as condições pessoais da
vítima, libertando-se assim, da influência romana. 99
Desta forma, o Código Civil brasileiro em seu artigo 152 estabelece:
97
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 203.
Idem, Ibidem, p. 203; DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 186.
99
RODRIGUES, Silvio. Ibidem, p. 204.
98
41
“Art.152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a
idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e
todas as demais circunstâncias que possam influir na
gravidade dela”.
As pessoas reagem de forma diferente diante da violência, portanto, o juiz tem
grande liberdade de tomar a sua decisão, devendo estudar o caso concreto e as condições
individuais de cada um, para que assim possa analisar a influência da ameaça na
manifestação volitiva da vítima.
6.2.3 A injusta ameaça e o temor reverencial
O artigo 153 do Código Civil estabelece:
“Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício
normal de um direito, nem o simples temor reverencial”.
Assim, trata-se de excludente da coação a ameaça normal de um direito e o
simples temor reverencial, não configurando, portanto, vício de consentimento capaz de
anular o negócio jurídico.
Para que se configure a coação, a ameaça deve ser injusta, portanto a ameaça
do exercício normal ou regular de um direito exclui a coação. Assim, se uma pessoa
ameaça a outra de praticar um ato perfeitamente legal, visando o que tem de direito, não
se configura a coação por lhe faltar a iliceidade do constrangimento. Como exemplo disso
que foi dito, podemos citar o credor que ameaça o devedor a executar judicialmente o seu
crédito. Isso caracteriza o exercício regular de um direito, e não a prática de ilícito. 100
100
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 187.
42
No entanto, a coação fica caracterizada quando a ameaça seja a prática de um
ato lícito, porém o resultado a que se destina é injusto. Por exemplo, o contratante ameaça
apresentar queixa-crime contra o outro por um crime que ele, efetivamente, cometeu,
forçando-o assim, a pagar o que lhe deve. O ato ameaçado (apresentar queixa-crime) é um
ato lícito, qualquer pessoa pode denunciar um criminoso à Justiça, porém o fim almejado
é contra o direito. Sendo assim, a injustiça pode estar tanto na ameaça, quanto no fim
desejado. 101
Desta forma, se a ameaça proveio de ameaça injusta, houve vício da vontade e,
conseqüentemente, o negócio jurídico é anulável.
O temor reverencial também não constitui vício da vontade, pois se trata de
desobediência a alguém que se tem respeito, sejam pessoas ligadas por um vínculo afetivo
ou por relação de hierarquia, como por exemplo, pai e mãe; em que mesmo sendo causa
da declaração da vontade, não é considerado grave.
Portanto, para que se possa falar em coação como vício do consentimento é
necessário que exista uma ameaça como fator determinante da realização do negócio e
não apenas um estado de medo no espírito da parte. 102
Como vimos, a coação cria um temor de dano na vítima fazendo com que opte
pelos danos da ameaça ou pelos efeitos da realização do negócio jurídico; contudo na
hipótese do temor reverencial, a recusa do ato gera um mal menos considerável, ou seja, o
mero desagrado a pessoa a quem se deve respeito ou subordinação. Assim, não há a
gravidade da ameaça, o que não é suficiente para gerar um temor de dano na vítima,
fazendo com que a lei diferencie a coação do temor reverencial.
101
102
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 209.
TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni cit., nº 71, p. 157 apud JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 195.
43
As determinações dos pais em relação aos filhos, do empregador em face de
seu empregado, do professor para com seus alunos, não devem ser consideradas coação,
pois se limitam a impor temor reverencial diante da situação jurídica existente entre essas
pessoas. 103
O mero temor reverencial não é suficiente para ser considerado coação e anular
o negócio jurídico, porém se vier acompanhado de violências e ameaças, transforma-se
em vício da vontade. 104
6.2.4 A ameaça deve ser atual ou iminente
Para que a coação possa viciar o consentimento, é necessário que incuta temor
de dano iminente no paciente, ou seja, a ameaça não precisa se realizar imediatamente,
mas deve fazer com que a vítima se sinta suficientemente temerosa a ponto de realizar o
negócio sem que desejasse.
Uma ameaça cujos efeitos poderão ocorrer em um futuro remoto, não é capaz
de incutir temor na vítima fazendo com que se sinta pressionada a realizar um negócio
que não gostaria, pois desta forma, teria tempo razoável para se preparar contra o risco de
dano e tomar eventuais providências para impedí-lo.
Sendo assim, a ameaça futura não se trata de coação. Portanto, não basta que a
vítima tenha uma simples suspeita de que o agente pretende concretizar a ameaça.
103
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RT, 2003, p.
557.
104
RODRIGUES, Silvio. Op. Cit., p. 208.
44
Para que o temor seja iminente, é necessário que a vítima se sinta correndo
perigo se não aceitar a realização do negócio e isso pode ocorrer embora a violência física
ainda não exista.
6.2.5 Sobre quem deve recair a ameaça
A coação vicia o ato jurídico se provocar no espírito do paciente temor de dano
iminente à sua pessoa, à pessoa de sua família ou aos seus bens. 105
Contudo, surge a questão da coação ameaçar pessoa que não se insere na
família, mas que é ligada por intenso vínculo afetivo, como é o caso do amigo íntimo, da
concubina, do menor de quem se tem a guarda, por exemplo. 106 Assim, o artigo 151,
parágrafo único do Código Civil estipulou:
“Se disser respeito à pessoa não pertencente à família do
paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se
houve coação”.
Dependendo da afetividade, a coação que recaia sobre pessoa não pertencente à
família, é capaz de viciar a vontade.
A violência dirigida ao contratante ou aos bens de pessoa de sua família vicia o
negócio. Essa violência pode ser representada por sofrimentos físicos, prisão, dano
patrimonial, entre outros.
105
O artigo 151 do Código Civil estabelece que: “A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que
incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”.
106
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 460.
45
Quanto aos bens, a ameaça deve ser dirigida aos próprios do ameaçado. A lei
não autoriza a anulação do ato, se a ameaça recair em bens que não sejam do coagido.107
6.2.6 A coação por parte de terceiros
A coação provinda de terceiros vicia o negócio jurídico e é causa de
anulabilidade. Trata-se de coação indireta.
De acordo com o artigo 154 do Código Civil:
“Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por
terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte
a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele
por perdas e danos”.
Sendo assim, havendo coação exercida por terceiro, deve-se analisar se a parte
a quem aproveite dela teve ou devesse ter conhecimento, pois além da anulação do
negócio jurídico, responderá solidariamente com o coator por perdas e danos causados ao
coacto em caso positivo.108
No entanto, o negócio jurídico permanecerá válido e eficaz se a coação
decorrente de terceiro for desconhecida pelo contratante com ela beneficiado que tivesse
ou devesse ter conhecimento. Mesmo assim, o coator responderá por perdas e danos
sofridos pelo coacto que foi levado a efetivar negócio prejudicial ou desvantajoso. O
negócio permanecerá válido em atenção à boa-fé do beneficiado, que desconhecia a
coação de terceiro.
107
108
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 461.
Idem, Ibidem, p. 463.
46
7. O ESTADO DE PERIGO
Como vimos, este vício do consentimento foi criado pelo Código Civil de 2002,
que anteriormente no Código de 1916, era tratado como coação provinda de terceiro.
No estado de perigo, alguém celebra negócio jurídico manifestamente
desvantajoso porque a sua vida ou saúde, ou a de alguém de sua família, se encontra em
iminente risco.
Conforme o artigo 156 do Código Civil:
“Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém,
premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua
família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume
obrigação excessivamente onerosa”.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves 109 “constitui o estado de perigo a situação
de extrema necessidade que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que
assume obrigação desproporcional e excessiva”.
De acordo com ensinamentos de César Fiuza 110 “o estado de perigo se
caracteriza pelo temor que leva a vítima a praticar um ato que, em outras condições, não
praticaria”.
109
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 392.
AMARAL. Direito Civil – introdução, cit., p. 510 apud FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004, p. 231.
110
47
Silvio Rodrigues 111 ensina que “o estado de perigo se configura quando
alguém, ameaçado por perigo iminente, anui em pagar preço desproporcionado para obter
socorro”.
Maria Helena Diniz 112 afirma que “o lesado é levado a efetivar negócio,
bilateral ou unilateral, excessivamente oneroso em razão de um risco pessoal (perigo de
vida, lesão à saúde, integridade física ou psíquica de uma pessoa: o próprio contratante ou
alguém a ele ligado) que diminui a capacidade de dispor livre e conscientemente”.
Podemos citar como exemplo, o caso do doente, no agudo da moléstia, que
concorda em pagar altos honorários exigidos pelo cirurgião; a mãe que promete toda a sua
fortuna a quem venha salvar o seu filho que corre perigo; ou uma pessoa que está se
afogando e, naquele momento de desespero, oferece toda a sua fortuna para quem lhe
salvar. 113
Portanto, a principal questão a ser analisada é aquela na qual o indivíduo se
encontra, em que o risco do dano à vida ou à saúde, própria ou de terceiro, seja o fator
determinante da realização do negócio extremamente desfavorável, já que a vítima não
tem outra alternativa.
No entanto, é importante saber que o beneficiado não colaborou para o estado
de perigo em que se encontra a vítima.
A doutrina sugeriu que o negócio praticado em estado de perigo poderia
subsistir, porém o valor do pagamento seria reduzido ao seu preço justo, já que a anulação
do negócio jurídica seria injusta, pois houve um serviço prestado. Portanto, a solução
111
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 218.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 189.
113
Idem, Ibidem, p. 218.
112
48
mais acertada para a doutrina, seria a de o juiz manter o negócio, porém reduzir o valor da
prestação de maneira razoável ao serviço prestado. 114
Contudo, a solução adotada pelo Código Civil, é que, em tese, uma vez anulado
o negócio jurídico, o agente só poderia recorrer à ação de enriquecimento sem causa para
haver o pagamento, já que o autor da promessa enriqueceu indevidamente, pois deixou de
pagar um serviço que lhe foi prestado; e o outro contratante sofreu empobrecimento por
não receber pelo serviço que prestou.115
Desta forma, entende o legislador que o fato do beneficiado conhecer o estado
de perigo que se encontra a vítima, aproveita-se do terror incutido na outra parte para
realizar o negócio e, sendo assim, o negócio não poderia existir.
De acordo com o artigo 178, inciso III do Código Civil, o prazo decadencial
para anular o negócio jurídico viciado em estado de perigo é de quatro anos.
7.1 Elementos do Estado de Perigo
Para que o estado de perigo se configure como vício do consentimento é
necessário que apresente os seguintes elementos: 116
a- uma situação de necessidade, isto é, o agente deve estar premido da
“necessidade” de salvar-se, ou a pessoa de sua família.
114
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 464.
Idem, Ibidem, p. 465.
116
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 396 – 397 – 398.
115
49
b- iminência de dano atual e grave, isto é, o perigo de dano deve ser iminente,
capaz de incutir receio de que, se não for afastado, as conseqüências certamente
ocorrerão. Essa característica é fundamental para que exista o estado de perigo, pois caso
contrário, o agente terá tempo de evitar a sua consumação.
c- nexo de causalidade entre a declaração e o perigo de grave dano, ou seja, a
vontade deve se apresentar distorcida em conseqüência do perigo de dano.
d- incidência da ameaça do dano sobre a pessoa do próprio declarante ou de sua
família, ou seja, o perigo e a ameaça devem recair sobre essa pessoas. O dano possível
pode ser físico e moral.
Da mesma forma que ocorre na coação, se o estado de perigo ocorrer com
pessoa não pertencente à família, o ato poderá ser viciado e o juiz poderá decidir,
conforme o caso concreto, permitindo a anulação do negócio jurídico.117
e- conhecimento do perigo pela outra parte, isto é, no estado de perigo, há, em
regra, um aproveitamento da situação para obtenção de vantagem. Como forma de sanção
é feita a anulação do negócio jurídico, no entanto se a parte que prestou o serviço não
sabia do perigo e agiu de boa-fé, não se anula o negócio.
f- assunção de obrigação excessivamente onerosa, ou seja, é necessário que as
condições sejam significativamente desproporcionais, capazes de provocar desequilíbrio
contratual.
117
O artigo 156, parágrafo único do Código Civil estabelece que: “Tratando-se de pessoa não pertencente à família
do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”.
50
7.2 Distinção entre Estado de Perigo e Coação
A diferença entre a coação e o estado de perigo está na ausência de um
processo de intimidação. No estado de perigo não há qualquer processo de intimidação,
mas o dolo de aproveitamento de quem obtém benefícios indevidos a partir da situação. O
agente se beneficia de uma situação, não a cria nem proporciona os meios para que ela
venha a suceder. O estado de perigo decorre de fatores alheios à sua vontade, que são, no
entanto, por ele aproveitados. 118
No estado de perigo, o beneficiário não é responsável pelo estado em que se
encontra ou se colocou a vítima, diferentemente do que ocorre na coação. No estado de
perigo, embora o beneficiário tome conhecimento da situação, o perigo não foi provocado
por ele. Essa ciência, esse conhecimento por parte do beneficiário do estado de perigo em
que se encontra a vítima é essencial para que o vício se caracterize, pois como se nota,
trata-se de um abuso de situação. 119
7.3 Distinção entre Estado de Perigo e Estado de Necessidade
Embora o estado de perigo e o estado de necessidade tenham por fundamento
jurídico a situação de necessidade, trata-se de institutos diferentes.
Segundo Roberto Senise Lisboa: 120
“Os atos cometidos em estado de necessidade acarretam a
destruição ou a deterioração de uma coisa que pertence a
118
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RT, 2003, p.
571.
119
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p. 465.
120
LISBOA, Roberto Senise. Ibidem, p. 573.
51
outrem, a fim de se remover perigo iminente. São atos cuja
ilicitude é expressamente excluída pela lei, desde que as
circunstâncias tornem a realização do ato imprescindível; e
não sejam excedidos os limites do indispensável para a
remoção do perigo”.
Portanto, o estado de necessidade se refere à destruição de coisa alheia ou lesão
à pessoa com a finalidade de afastar perigo iminente.
De acordo com ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves: 121
“O estado de perigo, que é um tipo de estado de necessidade,
é defeito do negócio jurídico que afeta a declaração de
vontade do contratante, diminuindo a sua liberdade por
temor de dano à sua pessoa ou à pessoa de sua família. A
necessidade de um sujeito é desfrutada pelo outro, sem
qualquer destruição. E, mesmo que o perigo tenha sido
voluntariamente causado pela pessoa a que ele esteja
exposta, e fosse evitável, caberá a anulação, pois a liberdade
de determinação estará sempre diminuída”.
Portanto o estado de perigo configura a necessidade da vítima de se salvar, ou
salvar os membros de sua família, de riscos iminentes à vida ou à saúde e, que por esse
motivo, afeta a sua declaração de vontade, fazendo com que realize negócio
excessivamente oneroso.
121
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 395.
52
8. A LESÃO
A lesão também foi criada pelo Novo Código Civil como sendo um defeito do
negócio jurídico e que provoca a sua anulabilidade.
Na lesão, alguém celebra negócio jurídico manifestamente desvantajoso por
inexperiência ou por extrema necessidade. A outra parte que celebrou o negócio não
precisa ter conhecimento da inexperiência ou da extrema necessidade para que o ato seja
anulado.
Assim, o Código Civil em seu artigo 157 determina:
“Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente
necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação
oposta”.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira 122 “pode-se genericamente definir lesão
como o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da
desproporção existente entre as prestações das duas partes”.
César Fiuza ensina que: 123
“Ocorre a lesão, quando uma parte, aproveitando-se da
inexperiência, da necessidade ou mesmo da leviandade da
outra, realiza com ela negócio, em que a prestação da parte
contrária é desproporcional em relação à sua. Em outras
122
De Page, Traité Élémentaire, I, nº 67 apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2007, p. 544.
123
FIUZA, César. Direito Civil, Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 223.
53
palavras, uma das partes se aproveita da outra, a fim de
levar vantagem ilegítima”.
São características da lesão: 124
a- a desproporção manifesta entre as prestações recíprocas, capaz de
proporcionar lucro exagerado e incompatível com a normal comutatividade do
contrato. Trata-se de um elemento objetivo.
b- a deficiência das condições psicológicas do contratante presentes no
momento da declaração negocial, consistente em inexperiência, ou premente
necessidade. Trata-se de um elemento subjetivo.
c- o nexo causal entre a deficiência da formação da vontade e a conclusão do
contrato lesivo.
Trata-se de premência a urgência resultante do estado de necessidade (para
aquisição necessária de bem, com fim colimado pela vítima, ou salvaguarda dos bens
próprios ou de terceiro) e; inexperiência é a falta de prática ou vivência com os usos e
costumes da negociação celebrada. 125
Segundo Maria Helena Diniz:
126
“A lesão é um vício de consentimento decorrente do abuso
praticado em situação de desigualdade de um dos
contratantes, por estar sob premente necessidade, ou por
inexperiência, visando protegê-lo, ante o prejuízo sofrido na
124
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 226 –
227.
125
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: RT, 2003, p.
566.
126
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 190.
54
conclusão do contrato comutativo, devido à desproporção
existente entre as prestações das duas partes, dispensando-se
a verificação do dolo, ou má-fé, da parte que se aproveitou.
Deverá, portanto, ocorrer aproveitamento, mas não o dolo de
aproveitamento”.
Diferentemente do dolo, em que a vítima é induzida por outrem,
propositalmente, mediante artifício ou ardil, ao erro para que possa obter vantagem
indevida; na lesão a situação da vítima não advém de conduta de outrem.
A lesão também não se confunde com o erro, pois não há a falsa idéia da
realidade. Na lesão, a vítima tem conhecimento de que está realizando um negócio
jurídico desproporcional e que sofrerá prejuízo patrimonial.
Na lesão, há um perigo de dano que o contratante deseja afastar, porém esse
perigo não é pessoal como o que ocorre no estado de perigo; trata-se de um perigo de
ordem patrimonial, desde que sério e grave. Assim, para que o contratante consiga os
meios necessários para o afastamento do perigo, se submete a realizar um negócio
manifestamente desproporcional.
Podemos citar como exemplo, o caso de um devedor insolvente que, para obter
meios de quitar seus débitos, vende seus bens a preços irrisórios ou abaixo do preço de
mercado.
Para que o estado de premente necessidade fique caracterizado não é necessário
que a parte se sinta reduzida à total incapacidade patrimonial, basta que esteja com
dificuldades financeiras, não possuindo disponibilidades líquidas para honrar com seus
compromissos.
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Contudo, para que se configure a lesão é preciso analisar se a necessidade e a
inexperiência do contratante foram causas essenciais à realização do negócio lesivo, ou
seja, se a parte realizou o negócio manifestamente desproporcional tentando sanar suas
necessidades.
Sendo assim, se a lesão já se consumou e o negócio se exauriu, pouco importa
que o bem tenha se valorizado ou desvalorizado posteriormente ao contrato, a anulação
será possível em função do prejuízo que o lesado efetivamente sofreu no momento do
ajuste. 127
127
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Op. Cit., p. 226.
56
CONCLUSÃO
Conforme os estudos e pesquisas realizados neste trabalho, pudemos perceber a
importância dos Vícios do Consentimento no Negócio Jurídico para o Direito Civil.
Para entendermos como ocorrem os vícios na manifestação da vontade e quais
as suas conseqüências, estudamos primeiramente o negócio jurídico, que se trata de ato
lícito da vontade humana com o intuito de gerar efeitos na órbita do direito.
O negócio jurídico é composto pela vontade humana, a idoneidade do objeto e
a forma, que são elementos essenciais, isto é, são indispensáveis para a existência do ato
e, para que o negócio seja válido é necessário que a declaração da vontade resulte de
agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei.
Assim, o negócio jurídico é fundamentalmente um ato de vontade e para que o
negócio possa gerar os efeitos almejados é preciso que essa vontade se exteriorize de
forma livre e consciente, de acordo com o íntimo desejo do agente. Desta forma, para que
os efeitos sejam alcançados e o negócio seja válido e eficaz, a vontade real do agente deve
ser igual à sua declaração.
Quando a manifestação da vontade se exterioriza inquinada em um vício ou em
um engano, estamos diante dos vícios do consentimento, onde a vontade real do agente se
difere de sua declaração.
Os vícios do consentimento incidem sobre a vontade do agente, ou seja, o
agente somente realiza o negócio por estar agindo mediante erro ou ignorância, dolo,
57
coação, estado de perigo ou lesão. E, sendo assim, presentes os pressupostos requeridos
pela lei, o negócio poderá ser anulado.
Portanto, o defeito do negócio jurídico ocorre no campo da validade, onde será
analisado se produzirá ou não os efeitos pretendidos.
Vimos que, ocorre erro quando o agente tem uma falsa idéia da realidade,
acredita na sua íntima convicção, o que faz com que realize um negócio jurídico baseado
em um engano espontâneo, ou seja, ninguém o induz ao erro. Sendo assim, o negócio está
viciado e poderá ser anulado, desde que o erro seja substancial, escusável, real e
conhecido ou possível de ser reconhecido pela outra parte.
No dolo, o agente manifesta sua vontade inspirado em um engano provocado,
ou seja, alguém com o intuito de prejudicar aquele que está manifestando a vontade e
obter um ganho indevido, induz este a erro.
Portanto, a principal diferença entre o erro e o dolo é que no erro o engano é
espontâneo e no dolo é provocado.
A coação, diferentemente do que ocorre no erro e no dolo, o agente é forçado,
mediante violência física (vis absoluta) ou psicológica (vis compulsiva), a realizar
determinado negócio jurídico. No entanto, a realização do negócio mediante violência
física não é considerado vício do consentimento, pois visto que a vontade é requisito
essencial para a existência do ato, conclui-se que neste caso o agente se quer tem a
possibilidade de manifestar a sua vontade. Sendo assim, se não existe vontade, não existe
negócio jurídico. Porém, quando a violência é psíquica ou moral, considera-se vício do
consentimento e o negócio é passível de anulação, pois o agente possui, mesmo que
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restrita, a liberdade de escolher entre os efeitos da realização do negócio e os danos da
ameaça.
No estado de perigo, o agente realiza o negócio jurídico manifestadamente
desvantajoso com o intuito de salvar-se ou salvar alguém de sua família em que a vida ou
a saúde se encontre em perigo iminente. Neste caso, o negócio poderá ser anulado, desde
que o beneficiado não tenha contribuído para a situação de perigo em que a vítima se
encontre e desde que essa situação de risco seja fator determinante para a realização do
negócio extremamente desvantajoso.
A lesão ocorre quando o agente realiza o negócio desvantajoso por
inexperiência ou por extrema necessidade. Neste caso, o agente tem consciência de que o
negócio que está realizando é desproporcional e que o faz tentando sanar suas
dificuldades financeiras ou patrimoniais.
Assim, para que a lesão fique caracterizada e o negócio jurídico seja anulado é
preciso que o fator determinante da realização do negócio desvantajoso seja a tentativa do
agente em responder por suas responsabilidades financeiras, não sendo necessário que a
outra parte tenha conhecimento da situação de extrema necessidade ou da inexperiência
do agente.
Diferentemente do que acontece no estado de perigo, na lesão o risco é
patrimonial e não pessoal (vida ou saúde).
Por fim, podemos concluir que os vícios do consentimento no negócio jurídico
são de extrema importância para a validade e eficácia do negócio, já que o mesmo
realizado de forma viciada poderá ser anulado e os efeitos produzidos poderão ser
inviabilizados mediante a provocação daquele que se viu prejudicado.
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