PROCESSO DE DOWNSIZING EM EMPRESAS PRIVATIZADAS: A Percepção dos Participantes Ursula Wetzel Brandão Dos Santos Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD Doutorado em Administração Orientadora: Angela da Rocha Professora Titular RIO DE JANEIRO Setembro de 2000 ii PROCESSO DE DOWNSIZING EM EMPRESAS PRIVATIZADAS: A Percepção dos Envolvidos Ursula Wetzel Brandão Dos Santos Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pós-Graduação em Administração – COPPEAD da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências (DSc). Aprovada por: Profa Angela da Rocha COPPEAD/UFRJ - Presidente da Banca ______________________________ Prof. Agrícola Bethlem COPPEAD/UFRJ _____________________________ Profa Anna Maria Campos _____________________________ Prof. Paulo Fernando Fleury _____________________________ Profa Sylvia Constant Vergara Rio de Janeiro Setembro de 2000 iii Santos, Ursula Wetzel Brandão dos Processo de Downsizing em Empresas Privatizadas: A Percepção dos Participantes. Ursula Wetzel Brandão dos Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000. Vii, 344 P.; il. Dissertação (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPEAD, 2000. 1. ... – Tese 2. – Tese 1. Título. II Tese (Doutor. UFRJ/COPPEAD) iv A meus filhos, Eduardo e Paula v AGRADECIMENTOS Gostaria de, aqui, registrar agradecimentos às pessoas cujas ações e apoio permitiram que eu pudesse realizar este trabalho. Em primeiro lugar agradeço à minha orientadora, Profa Angela da Rocha, o tempo dedicado, a orientação e a disponibilidade nas horas mais difíceis e prementes. Sem ela não teria chegado ao final. Agradeço, ainda, à minha amiga, Profa. Rebecca Arkader, por sua insistência em me lembrar a necessidade de dedicação ao trabalho. Suas palavras foram fonte de ânimo e, mesmo, de consolo. Agradeço, também, às empresas que abriram suas portas para a pesquisa e possibilitaram a realização de um grande número de entrevistas com seus funcionários. Agradeço, ainda, a todas as pessoas entrevistadas que abriram um espaço de tempo em sua agenda para me receber. E creio ser importante dizer que não se tratou apenas de dedicação de tempo mas também de energia e disponibilidade emocional. Tenho certeza de que o tema da pesquisa abordou eventos passados repletos de ansiedades e tristezas e de que, para alguns, a entrevista provocou momentos de difíceis recordações. A essas pessoas quero deixar meu carinhoso obrigado. Por fim, agradeço o apoio institucional oferecido pela Secretaria Acadêmica e pela Biblioteca. Ficou muito mais fácil realizar um trabalho desta monta dentro de uma organização que acredita e investe em infra-estrutura para a pesquisa e que, na ação de cada um, docente ou funcionário, busca diariamente e de forma consciente a excelência do serviço prestado. Ao COPPEAD o meu sincero obrigado. vi SANTOS, Ursula Wetzel Brandão dos. Processo de Downsizing em empresas privatizadas: A Percepção dos Participantes. Orientadora: Profa Angela da Rocha. .Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000. Dissertação. (Doutorado em Administração) RESUMO Este trabalho teve por objetivo pesquisar como os remanescentes perceberam o processo de downsizing - redução planejada de pessoal – de suas empresas. A partir do estudo de três organizações brasileiras privatizadas no período entre 1996 e 1998 e da realização de 58 entrevistas em profundidade, foi possível compreender que o downsizing ao encontrar-se inserido em um processo de mudança radical da organização – a privatização – caracterizou-se por sua severidade e abrangência. O downsizing no contexto da privatização tangibilizou uma mudança no contrato psicológico, passando os remanescentes a adotar, em seu discurso, a “lógica da empresa privada”, mudando também suas atitudes diante das novas imposições organizacionais. Ocorreram alterações substanciais em seu trabalho, como o aumento da carga de trabalho, maior responsabilidade e autonomia na execução de tarefas, multifuncionalidade e postura pró-ativa na resolução de problemas. Alem disso, a mudança no contrato psicológico, ao gerar insegurança e simbolizar a perda da proteção “maternal” da estatal, fez com que o funcionário se tornasse co-responsável pelo seu autodesenvolvimento. O processo de downsizing foi, também, percebido como abrindo oportunidades de ascensão profissional. Por outro lado, este processo não se fez sem ambigüidades na forma de ver a situação. Situações concretas de progresso e realizações profissionais no nível da organização e também no nível individual foram, simultaneamente, acompanhadas de sentimentos contraditórios que expressavam medo e orgulho, amor e angústia, satisfação e estresse. As contradições e ambigüidades presentes nos discursos contrapõem-se à clivagem encontrada na literatura específica de downsizing. De forma geral, os autores assumem posições polares em que procuram mostrar que o processo ou é danoso e tem conseqüências negativas para a empresa e o empregado ou é benéfico para a empresa. Esta pesquisa avança o conhecimento existente no sentido de mostrar que o downsizing em empresas recém-privatizadas não assume um caráter único. Não é “bom” nem é “ruim” , são as duas coisas ao mesmo tempo. Assumir a crítica ou o elogio seria privilegiar apenas um lado da questão. vii SANTOS, Ursula Wetzel Brandão dos. Processo de Downsizing em empresas privatizadas: A Percepção dos Participantes. Orientadora: Profa Angela da Rocha. .Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2000. Dissertação. (Doutorado em Administração) ABSTRACT The objective of this dissertation is the study of the perception of survivors on downsizing processes implemented in privatized companies. Based on the cases of three Brazilian companies privatized in the period between 1996 and 1998 and on 58 in-depth interviews with survivors, it was possible to show that downsizing could not be seen as a distinct process and the perception on it was, in fact, embedded in a radical organizational change brought about by privatization. One important consequence of the downsizing process was a change in the psychological contract which led survivors to adopt a different work logic – the logic of the private company - as well as a different attitude due to a more demanding organization. Major changes in the way people worked were identified: more workload; longer working hours; greater autonomy and responsibility; a need for multifunctionality; and a more proactive attitude toward problem solving. Downsizing was also perceived as an opportunity for career leverage. Ambiguity was also present in the process. While there existed concrete opportunities for professional achievement, these were at the same time accompanied by contradictory feelings such as, on one hand, proudness regarding the company and attachment in relation to the work done and, on the other, fear of losing the job and anxiety for not being able to satisfy the new requirements. These findings add to the existing theory, which usually assumes downsizing either as a positive or a negative process. This investigation concluded that, for the surviving employee, the process of downsizing in the context of privatization is, at the same time, a positive and a negative experience. Therefore, the usual assumption of a single-sided perspective implies a poor perception of the process. viii Lista de Figuras Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Tipologia de relações de trabalho A proposta de Shaw e Barrett-Power para a análise do downsizing O modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra para a análise de um processo de downsizing O modelo de Smeltzer para a comunicação de mudança organizacional de grande impacto Processo de violação do contrato psicológico Tipos de respostas de remanescentes Influência da confiança, da justiça, do empowerment e do redesenho do trabalho na resposta dos remanescentes Estágios emocionais e físicos pelos quais os executivos passaram depois de um programa de redução de pessoal Modelo conceitual para a análise do downsizing Diagrama das etapas de análise Diagrama de organização dos dados no Nud*ist ix Lista de Tabelas Tabela 1 Tabela 2 Tabela 3 Tabela 4 Tabela 5 Tabela 6 Tabela 7 Tabela 8 Tabela 9 Tabela 10 Tabela 11 Tabela 12 Tabela 13 Tabela 14 Tabela 15 Tabela 16 Tabela 17 Tabela 18 Tabela 19 Tabela 20 Tabela 21 Tabela 22 Tabela 23 Tabela 24 Tabela 25 Tabela 26 Tabela 27 Tabela 28 Tabela 29 Tabela 30 Estratégias de downsizing Comparação entre as estratégias propostas por Cameron et al e Fleury Abordagens ao downsizing Benefícios obtidos com o downsizing em empresas canadenses Problemas relacionados com o downsizing em empresas canadenses Aspectos a serem melhorados nos programas de downsizing em empresas canadenses Impactos do downsizing nos luvros, na produtividade e no moral dos empregados em empresas norte-americanas Efeitos após o downsizing, segundo pesquisa em empresas norteamericanas Tipologia de contratos psicológicos Número de entrevistas por cargo Adesões ao PDV na ServA por grau de escolaridade Adesões ao PDV na ServA por área funcional Resultados da pesquisa de opinião sobre o programa de desligamento voluntário Preparação para a privatização segundo percepção dos empregados Clima organizacional antes da privatização segundo percepção dos empregados Estratégias para a redução de pessoal Estratégias utilizadas pelas empresas segundo taxonomia de Cameron, Freeman e Mishra (1991) Estratégias utilizadas pelas empresas segundo taxonomia de Fleury (1997) Características da comunicação do plano Critérios para o desligamento Críticas, elogios, ansiedades e comentários aos critérios para os desligamentos Incentivos e apoio oferecidos nos planos de desligamento Razões para a adoção dos programas de redução de pessoal segundo percepção de seus funcionários Razões para a adesão ao programa de desligamento voluntário segundo percepção dos empregados Razões para a não adesão ao plano de desligamento voluntário Papel do gerente no PDI Destino dos empregados desligados segundo relato dos empregados Fatores para o aumento na carga de trabalho Estratégias para lidar com o aumento na carga de trabalho Fatores para o aumento das horas de trabalho, segundo percepção dos empregados x Tabela 31 Tabela 32 Tabela 33 Tabela 34 Tabela 35 Tabela 36 Tabela 37 Tabela 38 Tabela 39 Conseqüências das horas prolongadas de trabalho na vida pessoal e familiar Outras alterações na forma de trabalhar, conforme percepção dos empregados Conceito de cobrança segundo percepção dos funcionários Outras novas práticas organizacionais Sentimento de vulnerabilidade do emprego segundo percepção dos remanescentes Requisitos para permanecer no emprego, segundo percepção dos remanescentes Estratégias para se lidar com a insegurança Construção do futuro Imagens negativas da mudança futura em empresa em fase de préprivatização xi Anexos Anexo 1 Anexo 2 Roteiro de entrevista para remanescentes sem cargo gerencial Roteiro de entrevista para remanescentes com cargo gerencial xii Sumário Pág. 1 INTRODUÇÃO 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 OBJETIVO DA PESQUISA RELEVÂNCIA DA PESQUISA DELIMITAÇÃO DA PESQUISA DEFINICÃO DE TERMOS ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO 1 1 4 5 7 2 REFERENCIAL TEÓRICO 9 2.1 ANTECEDENTES DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E DOS EMPREGOS Fase pré-industrial Fase industrial ou fase burocrática Fase pós-industrial 9 13 2.2.1 2.2.1.1 2.2.1.2 2.2.1.3 MUDANÇA NOS EMPREGOS E AS NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO Mudanças estruturais que afetaram os empregos e as empresas Visão de Lester Thurow Visão de Useem et al Visão de Rifkin 2.2.2 Novas relações de trabalho 18 2.3 2.3.1 2.3.2 PROCESSO DE DOWSIZING Conceitos básicos Programas de desligamento voluntário - PDV 21 21 22 2.3.3 2.3.3.1 2.3.3.2 2.3.3.3 2.3.3.4 2.3.3.5 2.3.3.6 Estratégias de downsizing A proposta de Cameron, Freeman e Mishra A proposta de Fleury A proposta de Tomasko Estratégias de ação imediata Estratégias de mais longo prazo Simultaneidade na utilização das estratégias 23 23 24 27 27 29 29 2.3.4 2.3.4.1 2.3.4.2 2.3.4.3 Modelos existentes para a análise dos processos de downsizing Proposta de Shaw e Barret-Power Modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra Atores do processo 30 30 32 32 2.3.5 2.3.5.1 Questões de motivação para o downsizing Razões para a adoção do downsizing 33 33 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.2 9 10 12 13 14 15 17 xiii 2.3.5.2 2.3.5.3 2.3.5.4 Defesa do downsizing Oposição ao downsizing Downsizing como processo controverso 35 36 38 2.3.6 2.3.6.1 2.3.6.2 2.3.6.3 2.3.6.4 2.3.6.5 2.3.6.6 2.3.6.7 Questões de planejamento e implementação do downsizing Características dos programas bem sucedidos Melhorias previstas na repetição do programas de downsizing Critérios para o desligamento Benefícios oferecidos Comunicação do plano Percepção de justiça Comportamento dos executores 38 39 43 43 44 45 48 49 2.3.7 2.3.7.1 2.3.7.2 2.3.7.2.1 2.3.7.2.2 2.3.7.2.3 2.3.7.2.4 2.3.7.2.5 2.3.7.3 Questões de pós-implementação Ìmpacto na produtividade Impacto nos remanescentes Aumento das horas e da carga de trabalho Comprometimento Contrato psicológico Estresse Proposta de síntese de Mishra e Spreitzer Impacto nos executores 50 50 52 53 54 56 63 66 70 2.4 QUADRO CONCEITUAL 73 3 METODOLOGIA 75 3.1 OBJETIVO, PERGUNTA E DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 75 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.2.1 3.2.2.2. 3.2.2.3 3.2.3 PARADIGMAS PARA A PESQUISA CIENTÍFICA Dimensões características de um paradigma Principais caraterísticas dos paradigmas Paradigma pós-positivista Paradigma construtivista Paradigma da teoria crítica Posicionamento nos paradigmas 76 76 77 77 78 78 79 3.3 3.4 3.5 80 81 83 3.7 3.8 TIPO DE PESQUISA ESTUDO DE CASO COMO ESTRATÉGIA DE PESQUISA GROUNDED THEORY COMO ESTRATÉGIA PARA A ANÁLISE DE DADOS PAPEL DA TEORIA NO ESTUDO DE CASO E NA GROUNDED THEORY UNIDADES DE ANÁLISE SUJEITOS DA PESQUISA 3.9 COLETA DE DADOS 87 3.6 84 85 86 xiv 3.9.1 3.9.2 Entrevista como técnica de coleta de dados Variáveis coletadas 87 88 3.10 3.10.1 3.10.2 3.10.3 3.10.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS Especificidade das empresas pesquisadas Etapas do tratamento e da análise dos dados Uso de software para a análise de dados qualitativos Manutenção da confidencialidade dos depoimentos 89 89 90 90 92 3.11 3.11.1 3.11.2 LIMITAÇÕES DO MÉTODO Limitações do método do caso Limitações da técnica de entrevista 92 92 93 4 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVA 94 4.1 BREVE HISTÓRICO DA SERVA 94 4.2 4.2.1 4.2.1.1 4.2.1.2 4.2.1.3 4.2.2 ANTES DA PRIVATIZAÇÃO: A SERVA COMO ESTATAL Práticas organizacionais à época de estatal Gestão Demissões Desenvolvimento de pessoal Representações da ServA 99 99 100 100 101 102 4.3 4.3.1 104 104 4.3.1.1 4.3.1.2 4.3.1.3 TRANSIÇÃO DE ESTATAL PARA PRIVADA Programa de Desligamento Voluntário – PDV no contexto de uma empresa a ser privatizada Razões para o PDV Razões para a adesão ao PDV Razões para a não adesão ao PDV 4.3.2 4.3.2.1 4.3.2.2 4.3.2.3 Preparação para a privatização Descrença na privatização Preparação dos funcionários Representações da empresa privatizada 108 108 109 110 4.3.3 Programa de Desligamento Incentivado – PDI no contexto de uma empresa recém privatizada Razões para o PDI Razões para a adesão ao PDI Razões para a não adesão ao PDI Clima organizacional durante o PDI Papel do gerente no PDI Comunicação do PDI Críticas e elogios ao PDI 111 4.3.3.1 4.3.3.2 4.3.3.3 4.3.3.4 4.3.3.5 4.3.3.6 4.3.3.7 105 106 107 112 114 116 120 122 124 125 xv 4.3.3.8 4.4 4.4.1 4.4.1.1 4.4.1.2 4.4.1.3 Funcionários que saíram no PDI APÓS A PRIVATIZAÇÃO: CONSEQÜÊNCIAS DO PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL Nova forma de trabalhar Alteração na quantidade de trabalho Implicações do aumento da carga de trabalho no horário e na vida pessoal Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga de trabalho 126 128 128 129 131 132 4.4.2 4.4.2.1 4.4.2.2 Novas práticas organizacionais Cobrança de resultados Atenção para custos, lucro, cliente e concorrência 133 133 134 4.4.3 4.4.3.1 4.4.3.2 Alteração no contrato psicológico Sentimento de perda Estratégias para lidar com a insegurança 136 136 138 4.5 FUTURO 140 5 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVB 142 5.1 BREVE HISTÓRICO DA SERVB 142 5.2 5.2.1 5.2.2 5.2.3 5.2.4 5.2.5 5.2.6 ANTES DA PRIVATIZAÇÃO: A SERVB COMO ESTATAL Demissões Comprometimento Condições de trabalho Avaliação de pessoal Comunicação Hierarquia e processo decisório 144 144 145 146 147 147 148 5.3 5.3.1 5.3.1.1 5.3.1.2 TRANSIÇÃO DE ESTATAL PARA PRIVADA Preparação para a privatização Sinais externos e falta de informação interna Representações da empresa privatizada e significados da privatização 148 149 149 150 5.3.2 152 5.3.2.1 5.3.2.2 5.3.2.3 Programa de Desligamento Voluntário – PDV no contexto de uma empresa a ser privatizada Razões para a adesão ao PDV Papel do gerente no PDV Funcionários que saíram no PDV 5.3.3 Administração conjunta e primeiros meses da nova gestão 156 153 154 155 xvi 5.3.4 158 5.3.4.1 5.3.4.2 5.3.4.3 5.3.4.4 5.3.4.5 5.3.4.6 5.3.4.7 Programa de redução de pessoal no contexto de uma empresa recém privatizada Demissão esperada Preparação dos funcionários pelas chefias Razões para o plano Critérios para as demissões Ato da demissão Reação dos remanescentes Funcionários desligados 5.3.5 Imagem do funcionário de público 166 5.4 APÓS A PRIVATIZAÇÃO: CONSEQÜÊNCIAS DO PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL 168 5.4.1 5.4.1.1 5.4.1.2 168 168 170 5.4.1.4 5.4.1.5 5.4.1.6 5.4.1.7 5.4.1.8 Nova forma de trabalhar Alteração na quantidade de trabalho Implicações do aumento da carga de trabalho no horário e na vida pessoal Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga de trabalho Multifuncionalidade Atitude pró-ativa “Estar sempre ligado” Responsabilidade e autonomia Comprometimento 173 174 175 176 177 5.4.2 5.4.2.1 5.4.2.2 5.4.2.3 5.4.2.4 5.4.2.5 5.4.2.6 Novas práticas organizacionais Cobrança de resultados Valorização do funcionário Meritocracia Comunicação mais ágil Maior atenção para custos, lucros e clientes Contratação de novos funcionários 178 178 179 180 181 183 184 5.4.3 Crescimento profissional 186 5.4.4 Alteração no contrato psicológico 188 5.4.5 Recomendações para novos planos 191 5.5 FUTURO 192 6. DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVC 195 6.1 BREVE HISTÓRICO DA SERVC 195 5.4.1.3 158 159 159 160 162 164 165 172 xvii 6.2 ANTES DA PRIVATIZAÇÃO: A SERVC COMO ESTATAL 198 6.3 TRANSIÇÃO DE ESTATAL PARA PRIVADA 200 6.3.1 Representações da privatização 200 6.3.2 Programas de redução de pessoal no contexto de uma empresa recém privatizada Demissão sumária Plano de Desligamento Incentivado – PDI Razões para o plano Razões para a adesão ao PDI Razões para a não adesão ao PDI Clima organizacional durante o PDI Papel do gerente no PDI Comunicação do PDI Críticas e elogios ao PDI Funcionários que saíram no PDI Outros planos de desligamento 203 6.4 APÓS A PRIVATIZAÇÃO: CONSEQÜÊNCIAS DO PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL 217 6.4.1 6.4.1.1 6.4.1.2 6.4.1.3 6.4.1.4 6.4.1.5 6.4.1.6 6.4.1.7 Nova forma de trabalhar Alteração na quantidade de trabalho Multifuncionalidade Comprometimento Dificuldade de adaptação às novas exigências Mais facilidade para se trabalhar Procura pelo auto desenvolvimento Consciência da situação do mercado de trabalho 217 218 220 220 221 223 223 225 6.4.2 6.4.2.1 6.4.2.2 6.4.2.3 Novas práticas organizacionais Cobrança de resultados Investimento em novas tecnologias e equipamentos Desenvolvimento de pessoal 226 226 227 228 6.4.3 Alteração no contrato psicológico 229 6.4.4 Necessidade de renovação do quadro 234 6.5 FUTURO 235 6.3.2.1 6.3.2.2 6.3.2.2.1 6.3.2.2.2 6.3.2.2.3 6.3.2.2.4 6.3.2.2.5 6.3.2.2.6 6.3.2.2.7 6.3.2.2.8 6.3.2.3 203 204 204 205 207 210 211 212 213 216 216 xviii 7 ANÁLISE DE RESULTADOS 237 7.1 ANÁLISE DO PROCESSO DE DOWNSIZING NO CONTEXTO DA PRIVATIZAÇÃO 237 7.1.1 Preparação para a privatização 237 7.1.2 7.1.2.1 7.1.2.1.1 7.1.2.1.2 7.1.2.1.3 7.1.2.2 7.1.2.3 7.1.2.4 7.1.2.5 7.1.2.6 Transição de estatal para privada Plano de Desligamento Incentivado – PDI Estratégias para a redução de pessoal Comunicação dos planos Características dos planos Razões para o PDI Razões para a adesão ao PDI Razões para a não adesão ao PDI Papel do gerente no PDI Funcionários desligados 240 240 240 243 245 252 256 267 260 261 7.1.3 7.1.3.1 7.1.3.1.1 7.1.3.1.2 263 263 263 267 7.1.3.1.3 7.1.3.2 7.1.3.2.1 7.1.3.2.2 7.1.3.3 Após a privatização Nova forma de trabalhar Alteração na carga de trabalho Implicações do aumento na carga de trabalho no horário, na vida pessoal e na vida familiar Outras exigências Novas práticas organizacionais Cobrança de resultados Outras novas práticas organizacionais Alteração no contrato psicológico 7.1.4 Construção do futuro 288 7.2 METÁFORAS E EMOÇÕES ASSOCIADAS AO PROCESSO DE DOWNSIZING NO CONTEXTO DA PRIVATIZAÇÃO 289 7.2.1 7.2.2 História da privatização e do downsizing contada por metáforas Emoções associadas ao processo de downsizing no contexto da privatização 289 299 8 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES PARA FUTURAS PESQUISAS 306 8.1 8.2 8.3 SUMÁRIO CONCLUSÕES RECOMENDAÇÕES PARA PESQUISAS FUTURAS 306 308 318 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 320 270 274 274 276 280 xix 10 ANEXOS 337 1. INTRODUÇÃO 1.1 Objetivo da Pesquisa A pesquisa objetiva estudar programas de downsizing adotados por empresas brasileiras, com vistas a identificar como tais processos são percebidos pelos diversos atores envolvidos. Especificamente, o estudo pretende investigar, a partir das percepções de gerentes e funcionários remanescentes, as questões relativas às razões do downsizing, às características do plano, à sua comunicação e implementação, bem como aquelas questões relativas ao período após a implantação. 1.2 Relevância da Pesquisa A busca por competitividade, por meio de maior agilidade e menores custos, é um imperativo para a sobrevivência das empresas. A ameaça de um mundo em reorganização rompe com as práticas estabelecidas, questiona as verdades administrativas e exige dos executivos que encaminhem suas empresas - rapidamente para um novo rumo. As empresas passam, então, por mudanças as mais variadas: venda de unidades menos produtivas, venda de negócios sem sinergia com o negócio principal, compra de outras empresas, terceirização de funções, alianças com concorrentes, enxugamento da estrutura interna e downsizing, para citar apenas algumas. Useem et al (1997) se perguntam se o downsizing seria um processo que se manifesta uma única vez ou se seria um processo contínuo, em que as empresas reduzissem pessoal, e, posteriormente, de acordo com as necessidades de mercado, adotassem novamente programas semelhantes. No primeiro caso, as empresas voltariam a um sistema de emprego idêntico ao tradicional; no segundo caso, a mão-de-obra seria interpretada como um recurso a ser administrado dentro do conceito just-in-time. Tratarse-ia de uma grande rearrumação do mundo dos negócios que, uma vez terminada, resultaria em um sistema novamente estável, ou estar-se-ia lidando com uma mudança contínua, a forçar um rearranjo permanente das competências? A extensão em que a prática de downsizing tem sido utilizada revela que não se pode falar de um fenômeno passageiro. Em um estudo, verificou-se que 72% das empresas norte-americanas fizeram redução de pessoal entre 1990 e 1993, e 44% adotaram algum tipo de aposentadoria antecipada (Cascio, 1993). Mishra, Spreitzer e Mishra (1998) indicam que mais de 3 milhões de empregos foram cortados desde 1989 nos Estados Unidos, e, se considerado a partir de 1979, a perda montaria a 43 milhões de empregos. 2 A intensidade do movimento de downsizing poderia, também, ser comprovada pelo fato de que, mesmo em tempo de prosperidade econômica, os empregos se reduzem. Tradicionalmente, os empregos mais afetados referiam-se a empregados de fábrica (blue-collar), mas as reduções na última década afetaram, também, o pessoal de escritório, inclusive gerentes. Diante de tal quadro, deve-se perguntar quais são as vantagens e desvantagens dos programas de downsizing. Há uma corrente de pesquisadores e praticantes que aponta para uma série de pontos positivos na adoção do processo (Bruton, Keels e Shock, 1996). Dentre os ganhos mais citados, encontram-se: menor overhead, menos burocracia, processo decisório mais rápido, melhor comunicação, maior produtividade, maior freqüência de comportamento empreendedor interno à empresa e maiores lucros (Cascio,1993; Kets de Vries e Balazs, 1997). Há, também, aqueles que acham que o processo traz em si embutido mais danos do que benefícios. Tais autores preocupam-se, via de regra, com o moral, a confiança e o comprometimento daqueles que permanecem na empresa após o programa de redução de pessoal. Preocupam-se, ainda, com o futuro dos que perderam o emprego. Advogam que, se o downsizing é bom para a empresa, não o é para as pessoas, e alertam para o trade-off entre os possíveis benefícios de curto prazo e os danos que podem surgir no longo prazo (Mone, 1997). Vantagens e desvantagens não poderiam ser comprovados a priori e, provavelmente, apenas um distanciamento no tempo poderia indicar os erros e acertos dos diversos programas encerrados e em andamento. 1 Se alguns autores consideram o downsizing inevitável, há aqueles que consideram a forma como é conduzido o processo mais importante do que a decisão em si mesma (Burke,1997, Wallfesh, 1991). Uma implementação mal conduzida e falta de suporte por parte da companhia podem comprometer o processo (Wallfesh, 1991). Neste sentido, todas as etapas do processo - decisão, comunicação, seleção de benefícios a serem concedidos, ações para retenção de talentos, apoio para as vítimas - entre tantos outros aspectos, devem ser objeto de escrutínio e análise cuidadosa. Detalhes, aparentemente triviais, podem ter enorme valor simbólico (Kets de Vries e Balazs, 1997) e condições específicas da economia e das relações trabalhistas, por exemplo, podem afetar o processo. A literatura sobre downsizing tem-se centrado nos benefícios e problemas do downsizing (Bruton, Keel, Shook, 1996), nas alternativas (Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988; 1 A leitura dos jornais pode, entretanto, atestar que os alertas acerca de possíveis danos não têm impedido as empresas de recorrerem, com freqüência, aos processos de redução de pessoal. Para se ter uma idéia, em outubro de 1998, o Jornal do Brasil informou que a indústria de autopeças planejava demitir, no Brasil, seis mil trabalhadores até o mês de novembro. A Raytheon planejava demitir 16% de seus empregados, a Gillette anunciou a intenção de demitir quatro mil funcionários em todo o mundo e tanto a Merryl Lynch como a Salomon Smith Barney pretendiam demitir cerca de 5% de seu contingente (Jornal do Brasil, 11/10/98, p. 23). 3 Tomasko, 1990; Wallfesh, 1991); na forma como os processos devem ser conduzidos (Biteman e Leifer, 1991; Cameron, Freeman e Mishra, 1991; Martin, Parsons e Bennett, 1995; Mishra, Spreitzer e Mishra, 1998); nos impactos na produtividade (Bruton, Keels e Shock, 1996; Cascio, 1993), nas recomendações para administrar a empresa e os que nela permaneceram uma vez encerrado o programa (Brockner et al, 1987; Kaye, 1998; Marks e Mirvis, 1992) e nos moderadores do processo (Brockner et al, 1993; Caldas, 1998, 2000). Os programas de downsizing não se encontram restritos a um grupo específico de países - desenvolvidos ou em desenvolvimento -, mas têm sido adotados globalmente. No entanto, a quase totalidade da literatura disponível, publicada em revistas científicas internacionais, relata situações de empresas ocidentais de países desenvolvidos, particularmente norte-americanas. Muito poucos são os estudos realizados em países sul-americanos e no Brasil2. Além disso, a comparação de práticas de downsizing entre países encontra-se ausente da literatura3. Algumas razões podem estar associadas ao fato de o downsizing ser um fenômeno razoavelmente recente e de a literatura pertinente ser de natureza fragmentada. A similaridade da ação não implica, entretanto, que sejam idênticos em sua consecução ou tenham efeitos aproximadamente iguais. A transposição de práticas gerenciais de um país para outro deve ser conduzida com cautela, uma vez que o sucesso em determinado país, com suas caraterísticas culturais, econômicas, sociais e legais, não garante o sucesso em outro, cujas características sejam distintas. Além disso, é provável que a hegemonia e o sucesso das teorias gerenciais norteamericanas, aliados ao sucesso empresarial do país, tenham levado a esquecer que análises e recomendações não devem ser transpostas sem levar em conta as características próprias de cada sociedade. Muitas empresas de outros países, desejosas de obter fórmulas prontas e testadas, teriam importado conceitos e práticas gerenciais sem atentar para o ambiente em que as mesmas deveriam se inserir (Hofstede, 1990). Trata-se, portanto, de um tema ainda insuficientemente pesquisado, mas cujas implicações são bastante severas para todos os stakeholders: empregados, empresas e sociedade. O estudo de tais processos poderá permitir mais profundo entendimento dos mesmos, em um nível de detalhe que se estenda para além de simples dados gerais e número de empregados desligados. Além disso, via de regra, os estudos sobre o assunto seguem práticas metodológicas que privilegiam a pesquisa por meio de experimentos ( Brockner et al, 1993) ou surveys 2 Um dos principais estudos sobre o assunto no Brasil foi realizado por Caldas (1998) em estudo sobre moderadores passíveis de atenuarem os efeitos negativos dos programas de downsizing. 3 Um dos poucos estudos encontrados foi o de Mroczkowski e Hanaoka (1997) comparando estratégias de rightizising entre empresas norte americanas e empresas japonesas. 4 (Brockner, Grover e Blonder, 1988, Brockner, Tyler e Cooper-Schneider, 1992). Há ainda alguns relatos individuais de histórias de downsizing, como a realizada por Illes (1996) a respeito do fechamento de uma fábrica nos Estados Unidos. Como o presente estudo parte de uma perspectiva interpretativa, procurando captar as percepções dos atores envolvidos no processo, espera-se uma contribuição que descreva, esclareça e estabeleça relações entre significados, objetivando, assim, adensar o corpo teórico Além disso, a realização de um estudo no Brasil sobre downsizing deverá contribuir para entendimento mais profundo de como esses processos podem dar-se em empresas atuantes em nosso país. Pelas características peculiares, o estudo poderá constituir-se, ainda, em um primeiro passo para novas abordagens teóricas do tema no caso brasileiro, assim como proporcionar algumas indicações para a prática empresarial nesse ambiente. 1.3 Delimitação da Pesquisa Entre as várias questões importantes tratadas pela literatura especializada sobre o downsizing, as questões de estratégias de implementação, impactos sobre os remanescentes e impactos sobre os empregados desligados recebem grande atenção. A questão dos desligados, embora importante para a compreensão do fenômeno em sua totalidade, não foi considerada pela dificuldade de acessibilidade aos sujeitos. Assim, ficou a pesquisa limitada à captura das percepções de executores, gerentes e funcionários ainda ativos na empresa e remanescentes do processo de downsizing. Da mesma forma, embora funcionários admitidos após o programa possam ter uma voz importante na percepção do processo pelo qual a empresa passou, também não foi intenção da pesquisa conversar e obter as percepções daquelas pessoas que, embora ativas na empresa, não tivessem diretamente vivenciado o fenômeno. Uma abordagem possível ao tema poderia ser a normativa, propondo-se alternativas de condução de programas de downsizing. Thurow (1995) caracteriza nossa época como uma época de “equilíbrio interrompido” (p.19). O conceito, tomado da biologia evolutiva, refere-se a mudanças rápidas que teriam ocorrido no ambiente e alterado de forma substancial as regras do jogo evolutivo. As condições ideais de sobrevivência na época anterior poderiam não mais ser adequadas para a sobrevivência na nova fase. Além disso, durante o período de equilíbrio interrompido, desmoronar-se-iam as certezas passadas, enquanto as novas regras não fossem estabelecidas; a incerteza e o desequilíbrio seriam a norma. No caso das novas práticas empresariais, relativamente a seus empregados, não se pode dizer que um novo padrão esteja emergindo. Um receituário estabilizado e eficaz para a 5 necessidade de as empresas reduzirem seu pessoal não foi encontrado. Apesar de admitir-se a importância de desenvolvimentos que possam auxiliar as empresas neste processo, não pertenceu ao escopo deste trabalho propor fórmulas alternativas aos programas de demissão, dado o pouco conhecimento que ainda se tem de como os mesmos se desenvolvem e de seus impactos de curto e longo prazo. Outro enfoque à questão do downsizing seria aquele que considera as relações entre cultura organizacional e mudança. Na verdade, embora sejam inúmeros os estudos sobre cultura organizacional, poucos se dedicaram a estudar de que forma diferentes culturas organizacionais lidam com o tema da mudança. O presente estudo também não pretende investigar a relação entre cultura organizacional e diferenças em programas de downsizing. Não fornece, desta forma, nenhum guia para a realização de mudanças com utilização de downsizing. 1.4 Definição de Termos Downsizing De acordo com Cameron apud Wagar (1997), downsizing pode ser definido como: “um conjunto de atividades realizadas pelos gestores, objetivando melhorar a eficiência, produtividade ou competitividade da empresa. É uma estratégia implementada pelos gerentes que afeta o tamanho do quadro de pessoal, os custos e os processos de trabalho4” Outros autores, no entanto, definem o downsizing de forma mais estreita, indicando tratar-se de um “processo de redução planejada de pessoal” (Cascio, 1993; Katz, 1997). Esta conceituação será a adotada neste estudo. Inplacement Segundo Latack (1990) apud Wagar (1997), inplacement refere-se à estratégia de absorver empregados em excesso ou em funções inadequadas dentro da própria organização reestruturada. 4 Tradução livre. 6 Outplacement Segundo Latack (1990) apud Wagar (1997), outplacement refere-se ao oferecimento, aos empregados desligados, de aconselhamento e auxílio na procura de um novo emprego. Reengenharia Segundo Hammer e Champy (1993, p.32) reengenharia refere-se ao “repensar fundamental e ao redesenho radical dos processos de negócios de forma a conseguir melhorias dramáticas em medidas contemporâneas de desempenho tais como custo, qualidade, serviço e rapidez”5. Segundo os autores, quatro palavras são importantes no entendimento do conceito de reengenharia: (1) fundamental; (2) radical; (3) dramático e (4) processo. Fundamental referir-se-ia ao questionamento das atividades realizadas pela organização, ignorando como são feitas para concentrar-se em como deveriam ser feitas. Radical indicaria que as mudanças não deveriam ser superficiais, devendo-se ignorar as estruturas existentes e inventando-se novas formas de realizar o trabalho. Dramático, indicaria que as melhorias não seriam apenas incrementais, mas deveriam almejar aumentos significativos e, finalmente, processo, referir-se-ia a (p.35) “uma coleção de atividades que, a partir de um ou mais tipos de entradas (inputs) cria uma saída (output) que tem valor para o cliente”. Rightsizing Rightsizing é definido, segundo Morrall Jr (1998, p.8) como uma “abordagem proativa e contínua ao downsizing e à reestruturação das organizações”. Nesse sentido, segundo o autor, o rightsizing é atividade contínua que procura manter o número correto de empregados no presente e no futuro. Programa de desligamento voluntário São programas oferecidos pelas empresas com vistas a incentivar os empregados a desligarem-se voluntariamente. Podem ter diversas siglas, dentre as quais encontram-se PDV - Programa de Desligamento Voluntário e PDI - Programa de Desligamento Incentivado. 5 Tradução livre do autor. 7 Remanescente Termo utilizado para identificar o funcionário que permanece na empresa após um programa de downsizing. A literatura especializada utiliza, também, o termo “sobrevivente”, fazendo um paralelo com sobreviventes de guerras ou grandes desastres6. Síndrome do sobrevivente Refere-se ao conjunto de problemas apresentados pelos funcionários que permanecem na empresa após programas de redução de pessoal. Entre os problemas apresentados e tratados pela literatura encontram-se ansiedade, tristeza, culpa, medo, menor comprometimento com a empresa, insegurança e baixo moral (Boronson e Burgess, 1992; Brockner, 1992; Marks e Mirvis, 1992; O’Neill e Lenn, 1995; Robbins, 1999). Vítima Termo utilizado para identificar funcionários que foram desligados, voluntariamente ou involuntariamente, em programas de downsizing. Este termo contrapõe-se, via de regra, à categoria dos “sobreviventes” ou “remanescentes”. 1.5 Organização do Estudo Neste capítulo, apresentam-se o objetivo e a relevância da pesquisa, a delimitação do estudo e, também, definicões de termos utilizados no decorrer da pesquisa. O Capítulo 2 - Referencial Teórico – apresenta, inicialmente, um breve relato sobre a evolução dos empregos. Posteriormente sintetiza as principais pesquisas sobre processos de downsizing, abrangendo as etapas de planejamento e implementação destes programas, bem como as principais questões associadas aos impactos do downsizing sobre executores e remanescentes, gerentes e não gerentes. O Capítulo 3 – Metodologia - tem por objetivo apresentar, inicialmente, a escolha paradigmática que orientou as decisões metodológicas da pesquisa. Em seguida, são apresentados os principais aspectos relativos ao desenho da pesquisa. Os Capítulos 4, 5 e 6 descrevem, sucintamente, as histórias das três empresas pesquisadas – ServA, ServB e ServC -, e apresentam em profundidade as percepções 6 As metáforas utilizadas para ilustrar os sentimentos que envolvem ser um sobrevivente são várias: em um depoimento citado por Spaniel (1995), por exemplo, a comparação é feita com a queda de um avião; para Noer (1993) pode se comparar ao sentimentos que ocorrem quando da morte de pessoas queridas. 8 dos atores sobre os processos de downsizing em suas respectivas empresas. Por uma coincidência, todas as empresas pesquisadas haviam sido privatizadas pouco tempo antes do programa de redução de pessoal, o que orientou a lógica narrativa dos depoentes. Em vez de seguirem uma seqüência adequada aos relatos de processos de downsizing, seguiram uma lógica temporal ligada ao evento da privatização. O Capítulo 7 – Análise de Resultados - na primeira parte, consolida e discute os resultados relativos ao processo do downsizing nas empresas pesquisadas. Na segunda parte apresenta uma análise de resultados desvinculada da lógica temporal, tendo por referência aspectos simbólicos e emocionais associados ao fenômeno. O Capítulo 8 – Conclusões - apresenta as principais conclusões derivadas do estudo, bem como sugestões para pesquisas futuras. 9 2 - REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Antecedentes da Organização do Trabalho e dos Empregos Embora se pudesse identificar a origem do trabalho na pré-história, pode-se dizer que, na época moderna7, sua evolução e conceituação tem como ponto central o fenômeno da industrialização. A enciclopédia Britannica (1990), por exemplo, em seu verbete Work and Employment, classifica a história do trabalho em duas fases: a pré-industrial e a industrial. A fase pré-industrial inicia-se na pré-história e termina ao final do século XVII e a fase industrial inicia-se no século XIX e continua até hoje. Howard (1995), por sua vez, procurando um referencial para analisar a mudança do trabalho no ambiente norte-americano, elegeu a seguinte divisão: industrialização, que se iniciaria no século XIX e duraria até o início do século XX, burocracia, que passaria a florescer a partir da Segunda Guerra Mundial e era pós-industrial, que poderia ser identificada a partir das décadas de 70 e de 80. 2.1.1 Fase pré-industrial A história da indústria têxtil proporciona um bom exemplo da evolução que caracterizou a entrada do trabalho na fase pré-industrial. Inicialmente, a fabricação do tecido ficava limitada ao camponês, que, com instrumentos rudimentares, poderia percorrer todas as etapas do processo de produção, desde a limpeza das fibras do carneiro, até a fiação, tecelagem e tingimento (Britannica, 1990; Howard, 1995). Com a demanda crescente por um produto mais sofisticado, a indústria saiu da esfera familiar, passando a ser controlada pela figura do mercador que comprava a lã crua e a entregava aos camponeses para fiação e tecelagem. Esse tecido era, posteriormente, entregue a artesãos especializados que produziam um produto mais adequado. Embora o camponês e sua família ainda permanecessem em sua terra, ele trabalhava, nessa nova situação, com matéria-prima que não mais lhe pertencia e se responsabilizava por apenas uma parte do processo. Ficava a cargo do mercador garantir que o produto passasse pelos vários estágios de produção (Britannica, 1990). A organização familiar do trabalho não permitia, entretanto, que o comerciante controlasse o ritmo de produção. Este estava sob domínio da família, que dividia tarefas e horários conforme suas necessidades (Rousseau, 1995; Howard, 1995). 7 Moderna não tem aqui o sentido histórico. Para esta disciplina, embora sem acordo com relação às datas-limite, o termo é entendido como uma das divisões da história ocidental. Inicia-se no século XV e termina no século XVIII, quando começa a Idade Contemporânea. 10 A demanda crescente fez com que surgissem as primeiras proto-fábricas. Estas se caracterizavam menos pela introdução de máquinas modernas e mais pela utilização do poder gerado pela água e pelo vento e pela introdução de uma nova organização do trabalho. As pessoas, saídas das suas fazendas, reuniam-se em um mesmo local físico - a fábrica - o que tornava possível o controle sobre a produção e a qualidade e permitia um suprimento mais regular ao mercado (Britannica,1990, Howard, 1995, Rousseau, 1995). O início da produção em larga escala foi possibilitado, portanto, pela mecanização e também por uma racionalização do processo, que incluía a divisão do trabalho e introduzia a função de comando, separando o trabalhador do supervisor. O trabalho, em verdade chegou a tal nível de especialização que investigadores e estudiosos alertavam para o problema da alienação e desmotivação do trabalhador. Perdia-se o aspecto lúdico e criador do trabalho (Albornoz, 1988, Morgan, 1996; Britannica, 1995). A gerência média não se encontrava desenvolvida e a autoridade sobre os trabalhadores encontrava-se, integralmente, nos supervisores de primeira linha (Howard, 1995). Estes tinham poder de contratar, demitir e definir o pagamento dos empregados (Useem e Cappelli, 1997). Aos trabalhadores impunham-se condições miseráveis de trabalho, jornada de muitas horas, tarefas fisicamente extenuantes e condições insalubres (Britannica, 1990, Howard, 1995). Rousseau (1995) indica como principais características dos empregos nesta fase: local de trabalho centralizado; distinção entre trabalhador e supervisor; controle sobre o tempo e ritmo de produção; propriedade dos meios de produção; controles hierárquicos forçando horas de trabalho regulares e relações supervisor-subordinado e desenvolvimento de contratos transacionais8. 2.1.2 Fase industrial ou fase burocrática A fase seguinte, denominada industrial ou burocrática, refere-se a um período em que as empresas cresceram e se tornaram mais complexas. Era o início da produção em massa. A organização do trabalho se modificou em três importantes pontos. Em primeiro lugar, o trabalho foi dividido de forma a poder ser realizado mesmo por trabalhadores não qualificados, uma vez que boa parte da inteligência do trabalho encontrava-se embutida dentro da máquina. Em segundo lugar, o crescimento e a complexidade das operações criaram a necessidade do emprego de especialistas tais como vendedores, contadores, químicos e engenheiros. Finalmente, para coordenar eficientemente essa força de trabalho e as operações da organização instalou-se uma hierarquia de gerentes e supervisores, criando-se, assim, a camada intermediária de gerentes, ou gerência média (Morgan, 1996, Rosseau, 1995, Useem e Cappelli, 1997). 8 A autora define contratos transacionais como aqueles que têm foco no curto prazo e nas trocas monetárias. 11 Com a finalidade de garantir o funcionamento da empresa, criou-se um mercado interno de trabalho, isolado das flutuações externas, em que as pessoas desenvolviam habilidades em trabalhar com a tecnologia e o sistema social específico daquela empresa. Julgava-se que tal mercado garantiria mão-de-obra qualificada tanto para as operações correntes quanto para as atividades futuras, e que os novos gerentes e executivos viriam dessa reserva interna. Em verdade, o pensamento, à época, era de que tal reserva de recursos humanos proporcionaria à empresa vantagem competitiva, além de impedir o acesso da concorrência a esses mesmos recursos (Rousseau, 1995, Useem e Cappelli, 1997). Havia, portanto, uma “carreira a ser galgada” e uma expectativa de longo tempo de relacionamento entre empresa e empregado. Ao mesmo tempo, a organização exercia um controle sobre as “oportunidades de carreira” do empregado, o que, de certa forma, fazia com que a empresa tivesse razoável influência sobre o seu comportamento. O contrato social implicava comprometimento de ambas as partes, pois, se de um lado os empregados esperavam oportunidades de desenvolvimento, de outro prometiam lealdade à organização. A história empresarial poderia ser contada por ambos: gerentes e empregados (Rousseau, 1995). A fase burocrática baseava-se, portanto, em um mercado de trabalho interno e tinha por principais caraterísticas, segundo Useem e Cappelli (1997) e Rousseau (1995): • a distinção entre os interesses do acionista e do gerente: os primeiros corriam os riscos de prejuízo e lucros, e os últimos tinham por objetivo reduzir a incerteza do negócio; • uma divisão nas responsabilidade do gerente e do trabalhador: o primeiro fazia o trabalho de planejamento, organização, controle e o segundo apenas executava as ordens; • os principais critérios para decisões de emprego se baseavam em senioridade: julgamentos subjetivos, como os de mérito, por exemplo, eram menos utilizados; • contratavam-se pessoas sem experiência para serem treinadas no trabalho; mesmo em cargos gerenciais, recrutava-se nas universidades e requeria-se para os primeiros níveis de gerências apenas a educação formal; • o treinamento e desenvolvimento de pessoal eram realizados internamente, com o aprendizado no próprio trabalho, com cursos formais realizados pela própria empresa ou ainda a rotação de funções; • o sistema de promoções estava relacionado a treinamento e desenvolvimento; em alguns níveis, a promoção estava diretamente ligada à senioridade; em funções gerenciais, relacionava-se a mérito ou desempenho; 12 • a estrutura organizava-se normalmente por funções, com as decisões limitadas ao topo; era comum encontrarem-se muitos níveis hierárquicos entre a alta administração e os operários; • a organização do trabalho era centrada em princípios da administração científica; com tarefas desmembradas em vários cargos, cargos esses detalhadamente descritos; também, em nível gerencial havia essa fragmentação, devendo cada gerente cuidar de sua área, e assegurar que os procedimentos e normas da empresa fossem seguidas; • no que se refere à segurança do emprego, havia uma distinção entre as práticas adotadas para os gerentes e para os trabalhadores: os gerentes tinham empregos mais garantidos, os trabalhadores estavam mais sujeitos aos ciclos do negócio; • de forma geral, garantiam-se os salários e os riscos cabiam apenas ao acionista; os trabalhadores tinham um salário fixo que podia ser alterado em função do número de horas extras; a gerência, por outro lado, poderia receber bônus variáveis em função do desempenho geral da empresa; havia pouca associação entre desempenho da empresa e salários; os salários eram função da cargo e da senioridade. Assim sendo, o mercado de trabalho, até o início da década de 80, trabalhava de forma isolada das pressões externas. Um dos objetivos de se internalizar esse mercado deveuse à necessidade de reduzir a variabilidade e aumentar a predizibilidade, de desenvolver habilidades específicas do trabalhador necessárias ao tipo de negócio e de reforçar o comprometimento do trabalhador. 2.1.3 Fase pós-industrial A fase pós-industrial refere-se ao presente e ao futuro e teve origem nas rápidas mudanças ambientais causadas pela tecnologia de informação, competição global e interdependência entre organizações e pessoas. Nessa situação, a flexibilidade tornou-se mais importante do que a previsibilidade. As empresas foram forçadas a abandonar a rotinização das burocracias e buscar flexibilidade por meio de estruturas mais soltas e maior autonomia individual. Considera-se que essa etapa ainda não está sedimentada, ainda ocorrendo transições nas hierarquias, nos relacionamentos e nos locais de trabalho9 (Howard, 1995; Rousseau, 1995). Algumas características podem, entretanto, ser apontadas como descritivas da nova ordem (Drucker, 1993, Howard, 1995, Rousseau, 1995): 9 Miles e Snow (1996), por exemplo, referem-se a uma ” terceira onda” e uma “quarta onda” nos relacionamentos de trabalho e nas carreiras. A “terceira onda” abrangeria o período 1975-1995, tendo por principais características a mobilidade lateral dentro da empresa, a ênfase nas competências técnicas e de colaboração, definição de carreira em conjunto com empregador e mobilidade entre empregadores. A “quarta onda”, a iniciar-se no ano 2000, caracterizar-se-ia pelo conceito de empregado de si mesmo, de expansão da expertise profissional e de total responsabilidade na definição de sua própria carreira. 13 • dois tipos básicos de relacionamento dentro da empresa: os empregados principais (core employees) e os periféricos, cuja demanda flutua; • carreiras com formatos diferentes: com menos mobilidade vertical, maior mobilidade lateral, múltiplas carreiras ao longo da vida; • importância de um desenvolvimento continuado das habilidades do empregado, não apenas em seus aspectos técnicos, mas também nas habilidades comportamentais10 e gerenciais; • local de trabalho menos limitado às fronteiras das organizações, podendo realizar-se em outras empresas - clientes ou fornecedores, em escritório virtual ou mesmo em casa. Van der Spiegel (1995), por exemplo, refere-se a um escritório global, que permitiria o trabalho em qualquer local geográfico; • formas de contrato variadas e variados graus de comprometimento do empregado para com a organização e dela para com o empregado. Delineou-se, assim, nos últimos anos da década de 80 e nos anos 90, um formato de trabalho significativamente diferente do que havia sido entendido como modelo ideal até então. Cabe então perguntar como e por que essas mudanças se engendraram e ocasionaram uma realidade tão distinta. 2.2 Mudança nos Empregos e as Novas Relações de Trabalho 2.2.1 Mudanças estruturais que afetaram os empregos e as empresas Não há um consenso acerca das razões para a reestruturação dos empregos. Thurow (1997) analisa as mudanças mundiais nas variáveis política, econômica, tecnológica e demográfica, relatando a partir das mesmas o impacto nos empregos. Useem et al (1995) indicam como principais fontes de pressão o ambiente de negócios e as políticas públicas. Rifkin (1995) atribui a radical mudança no número e qualidade dos empregos disponíveis aos efeitos da tecnologia. 2.2.1.1 A visão de Lester Thurow (1997) 10 Vários autores vêm alertando para a necessidade das habilidades emocionais, não apenas no trabalho, como em nosso dia a dia. Gardner (1993) e Damásio (1996) tornaram suas pesquisas científicas acessíveis ao grande público. Goleman (1995) fez do assunto um best-seller. Cooper e Sawaf (1997) transpuseram o conceito para o âmbito organizacional. 14 Thurow, em seu livro O futuro do capitalismo, enxerga cinco grandes ameaças ao capitalismo em sua forma atual: (1) fim do comunismo; (2) tecnologia baseada no conhecimento; (3) demografia; (4) economia que se globaliza e (5) inexistência de domínio por qualquer nação. Segundo o autor, essas ameaças seriam como as placas continentais: movimentar-se-iam lentamente, de forma “quase imperceptível”, mas causariam mudanças estruturais de grande ordem. Um dos impactos mais visíveis do movimento dessas “placas tectônicas” referir-se-ia ao emprego. As noções básicas de acesso, habilitação necessária, duração e remuneração do trabalho estariam sendo questionadas. Uma nova ordem econômica, política e social estaria afetando os empregos e novas regras estariam surgindo. Veja-se a análise dessas forças proposta pelo autor: • A antiga União Soviética tinha um excelente sistema de ensino e pesquisa, tendo um número de engenheiros e cientistas elevado. Com o fim do comunismo, essa mão-deobra tornou-se disponível aos demais países. • A tecnologia baseada no conhecimento estaria alterando o perfil do empregado desejado, deixando de fora uma massa de trabalhadores não-qualificados. • A facilidade de imigração estaria alterando o panorama demográfico e milhares de trabalhadores não-qualificados estariam procurando novas oportunidades nos países desenvolvidos, justamente onde este tipo de trabalho estaria sumindo. • A economia global fez com que as empresas pudessem localizar suas operações em quase qualquer lugar do mundo, deixando para trás países com altos salários e legislações trabalhistas rígidas. Além disso, se produtos intensivos em mão-de-obra não-qualificada se transferiram para países em desenvolvimento, então haveria uma tendência a que os empregos com mão-de-obra não qualificada dos países desenvolvidos sofressem uma redução real nos salários.11 Thurow se pergunta a razão para o que denomina de “onda de downsizing”, não a encontrando na tecnologia de informação, pois essa, já há muito, estaria presente na empresa. Tampouco credita o movimento aos conceitos de empowerment e trabalho em 11 A proposição de que o comércio internacional tem sido culpado pelo aumento de desemprego é refutada por Krugman (1997). A noção de que o desenvolvimento de novos países se dá às custas dos demais é questionada, uma vez que capital e tecnologia não são fixos. Para Krugman, uma das explicações para o desemprego na Europa e as diferenças salariais nos Estados Unidos refere-se à tecnologia. Embora Krugman não faça referência explícita, seus exemplos indicam que se refere à tecnologia de informática, de comunicação e a toda tecnologia que exija do trabalhador maior qualificação. Alerta, porém, que não se pode extrapolar essa tendência. Exemplo disso seriam os “futuristas vitorianos”, que previam a redução dos trabalhadores a condições subumanas. Assim, de forma similar, não se poderia prever que os empregos estivessem destinados apenas àqueles com maior qualificação. A história do computador tem mostrado, por exemplo, que tem sido possível realizar complexas operações - como ganhar um jogo de xadrez - com mais facilidade do que reconhecer rostos, habilidade essa presente em crianças de dois anos. 15 equipe, uma vez que “essas mudanças poderiam e deveriam ter sido feitas há muito tempo” (p.46). Uma das razões, segundo o autor, estaria no incorreto dimensionamento do downsizing, ou seja, o número de pessoas que deixaram de trabalhar não seria tão grande: se muitos, com altos salários, foram demitidos de grandes corporações, outros foram admitidos em empresas que absorveram o trabalho terceirizado, porém com remunerações inferiores. Outro argumento teria por base os altos impostos cobrados pelo governo para o trabalho regulamentado. De um lado, as empresas procurariam fugir de altos encargos, localizando suas operações em outra parte do mundo. De outro, os próprios empregados muitas vezes optariam pelo emprego informal no qual não precisassem pagar impostos. Paralelamente, teria ocorrido uma mudança no contrato social entre patrões e empregados. Após a Segunda Guerra Mundial, vigorou um contrato implícito, em que, para reter os melhores empregados, era necessário remunerar bem. Além disso, as dispensas limitavam-se ao operariado, e os gerentes e empregados burocráticos confiavam em um emprego vitalício. A perda de empregos, em determinada região poderia ser explicada pela incapacidade de regulamentação das empresas por parte do governo. Assim, em uma economia globalizada, as empresas poderiam mudar seu local de operação em busca de mão-deobra mais barata e também em busca de legislações menos rígidas.12 2.2.1.2 A visão de Useem et al (1997) Os autores analisam as mudanças do meio ambiente que forçaram as empresas americanas a buscarem melhor desempenho: • leis trabalhistas e políticas públicas - as mesmas leis que procuraram proteger o trabalhador, também, teriam sido responsáveis pela procura de novas práticas, que permitissem às empresas evitar os custos associados à manutenção de empregados nos moldes originais (Useem e Cappelli, 1997)13. • aumento da competição: entre as razões para o aumento da competitividade estariam a desregulamentação de vários setores, a concorrência de empresas internacionais 12 Exemplo citado é o da Europa, onde a legislação praticamente impede a demissão de funcionários. Assim, as empresas não despedem, mas também não criam novos empregos e preferem transferir e abrir novas operações em outros locais. 13 Thurow (1995) apresenta argumento semelhante ao apresentar o conceito de “cunha fiscal” (p.149), em que as empresas oneradas por salários, benefícios e impostos procuram transferir suas operações para locais onde não existam tantas exigências. No caso brasileiro, Mailson da Nóbrega (1998) refere-se às leis trabalhistas como “arcaico arcabouço jurídico do trabalhismo brasileiro” que, junto com a reforma paternalista da Constituição de 1988, pensando estar protegendo os trabalhadores, em verdade, “os empurrou para a economia informal”. Pimentel (1998), ex-presidente do TST e ex-Ministro do Trabalho indicou que a CLT, com seu paternalismo exarcebado e por “dificultar a vida empresarial”, mais prejudicou do que beneficiou os empregados. 16 com custos menores de mão-de-obra; a exposição a outros modelos de organização do trabalho. O aumento da competição teria sido responsável por muitos fracassos empresariais e, consequentemente, por muito desemprego. • mudança nos mercados: uma forma de enfrentar a competição consistiria em atender os mercados de forma mais flexível; monitorando o cliente mais de perto e adaptando os produtos conforme o necessário. Nessa procura por flexibilidade, o comprometimento de longo prazo com empregados seria encarado como custo fixo a ser evitado. Argumentam os autores que a mudança de mercados e produtos requeriria novas competências por parte da força de trabalho e que a contratação dessas novas habilidades, fora da empresa, seria menos onerosa do que seu desenvolvimento dentro da organização. • reestruturação financeira: em décadas anteriores as empresas passaram por movimentos de horizontalização - compra de empresas similares, verticalização para frente e para trás, e pela criação de grandes conglomerados, com a compra de empresas não necessariamente relacionadas com a atividade principal. Na década de 80 e 90, entretanto, houve um movimento em direção contrária, ou seja, venda de empresas que não estavam relacionadas ao negócio principal. Foi também característico dessas duas décadas o takeover hostil de empresas. Um dos fatores para o preço prêmio das ações de empresas assim adquiridas viria do corte de custos com pessoal. Uma forma encontrada pelas organizações, para se protegerem, consistiria em manter uma estrutura tão enxuta, que potenciais compradores não vislumbrassem forma de aumentar a rentabilidade da companhia. • pressão dos investidores: a posse das ações das empresas passou a concentrar-se, cada vez mais, em investidores institucionais. Esses grandes investidores teriam pressionado as empresas mais problemáticas para mudanças na forma de administração, muitas vezes com reestruturações organizacionais e cortes de pessoal. • novas técnicas de gerência: A vinculação da remuneração dos executivos ao desempenho da companhia teria causado algumas distorções. Assim, na busca por minimização de riscos, boa parte da força de trabalho passou a ser contratada fora da empresa e a ser considerada como custo variável. A implantação de sistemas de informação também teria sido responsável pela eliminação de parte dos postos gerenciais de nível médio. O movimento pela qualidade total fez com que se criassem equipes auto-gerenciadas, o que teria reduzido a necessidade de supervisão e gerência de nível médio. 2.2.1.3 A visão de Rifkin (1995) 17 A grande razão para o desemprego, segundo o autor, decorreria da tecnologia14. Os aumentos de produtividade oriundos de inovações tecnológicas teriam permitido às empresas produzirem mais bens e serviços com menos mão-de-obra. As máquinas estariam substituindo os homens em todos os setores. Mesmo o setor de serviços não se encontraria a salvo da ação do desemprego tecnológico e o único setor que poderia acomodar nova força de trabalho - o setor de conhecimento -, não poderia fazê-lo em montante suficiente para absorver os outros milhões que estariam sendo eliminados. A lógica subjacente a tal movimento estaria em que, se a tecnologia permitisse à empresa produzir mais produtos com menos empregados, gerar-se-ia mais lucro. O lucro, entretanto, seria distribuído apenas aos acionistas. Aqueles que ficassem desempregados perderiam seu poder de compra, reduzindo o tamanho do mercado, o que, por sua vez, diminuiria as vendas. As empresas, nessa nova situação, ver-se-iam obrigadas a novas demissões, o que agravaria ainda mais o quadro. Nem mesmo a criação de novas indústrias seria capaz de resolver o problema, pois estas, além de trabalharem com mão-de-obra especializada, não poderiam absorver os trabalhadores desempregados. A procura de novos mercados teria, por sua vez, pouco sucesso, pois o desemprego tecnológico ocorreria em todos os países, afetando suas populações e seu poder de consumo. Programas de retreinamento estariam, também, fadados ao fracasso, pois não haveria como treinar trabalhadores sem qualificação para assumirem postos de trabalho avançados, como os de engenheiros, biólogos, consultores ou outras ocupações caracterizadas pela manipulação simbólica15,16. Os exemplos apresentados pelo autor contemplam os três setores. Em 1850, o setor primário norte-americano empregava cerca de 60% da mão-de-obra; em meados da década de 90 esse percentual reduziu-se a 2,7%. No setor de manufatura, todas as grandes indústrias - automobilística, do aço, borracha, utilidades domésticas, vestuário realizaram cortes profundos. O setor de serviços não foi exceção. No setor varejista dos EUA, por exemplo, houve um corte de 400.000 empregos entre 1990 e 1993. Em defesa da jornada de trabalho reduzida, o autor argumenta que os que trabalhassem teriam mais tempo para se dedicar às atividades pessoais e familiares e os que se 14 Rifkin utiliza a palavra tecnologia na acepção de inovação tecnológica. Uma das propostas governamentais para a redução do desemprego e melhoria da qualidade de mão-deobra brasileira está em requalificar o empregado durante o tempo denominado “demissão temporária”. A idéia é que, enquanto aguarda sua volta ao trabalho, o empregado invista parte de seu tempo em treinamento. Este período limita-se, porém, ao tempo máximo de 5 meses, o que, de longe, mostra-se insuficiente para qualquer mudança drástica na qualificação de qualquer pessoa. 16 Krugman (1994) se pergunta se, realmente, a tecnologia premiará a crescente qualificação. A tecnologia poderia, em verdade, aumentar a necessidade de mão-de-obra menos qualificada, como foi o caso das pessoas que manipulavam teares manuais - que exigiam alta habilidade - e foram substituídas por teares mecânicos que podiam ser operados por quase qualquer um. Krugman especula que o futuro tenderá a favorecer as habilidades “comuns a todos os seres humanos” (p. 193), pois ainda está longe o tempo em que faxina, jardinagem e outras atividades possam ser efetuadas por máquinas. A desvalorização do trabalho comum revelar-se-á, diz o autor, apenas “uma fase temporária” (p. 194). 15 18 encontrassem sem trabalho teriam uma oportunidade de ocupação. A alternativa seria sombria, pois a sociedade iria constituir-se de duas classes: a dos empregados e a dos desempregados. Estes últimos, desesperados, formariam uma legião potencial de revoltados e criminosos, podendo levar a grandes problemas sociais. 2.2.2 Novas relações de trabalho Muitas foram as modificações nas relações de trabalho nas últimas décadas. De um sistema estável e previsível, no qual os empregados tinham carteira assinada, trabalhavam de 8h às 17h e recebiam um salário fixo ao final do mês, passou-se a uma multiplicidade de opções na vinculação empregador-empregado. Os novos arranjos incluem, por exemplo, a possibilidade de contrato por prazo determinado, a demissão temporária, os contratos em tempo parcial e os contratos para a realização de um serviço, típico, por exemplo, dos consultores. Uma forma de entender estas várias possibilidades de relação empregador-empregado é proposta por Rousseau (1995). A autora sugere que se classifiquem as relações contratuais segundo duas dimensões: curto-prazo / longo-prazo e internalização / externalização. No que se refere à dimensão curto prazo/longo prazo, a autora afirma que o tempo de emprego tenderia a ser longo se o empregador pudesse, de certa forma, antecipar o comportamento do mercado e, também, se houvesse necessidade estratégica, por parte do empregado, de um conhecimento específico relacionado à tecnologia e cultura da empresa. Por outro lado, se o ambiente não fosse previsível, então rápidas adaptações seriam necessárias e haveria uma tendência para empregos de menor duração. A dimensão internalização/externalização referir-se-ia ao “grau em que o indivíduo encontra-se imerso na organização (status de empregado, socialização, treinamento e desenvolvimento)” (p.304). Os empregados internos comportar-se-iam de forma mais previsível e operariam melhor nas tarefas nas quais houvesse interdependência com outros. Por outro lado, seu treinamento e desenvolvimento onerariam a organização e o comprometimento de longo prazo necessário constrangeria a flexibilidade. A externalização da mão-de-obra teria sido provocada, entre outros, pelo movimento de outsourcing. Nesse caso, a tarefa da organização seria realizada por pessoas externas, sem vínculo com a empresa. Ao mapear as duas dimensões, obtém-se a Figura 1 a seguir: FIGURA 1 TIPOLOGIA DE RELAÇÕES DE TRABALHO 19 Longo prazo Pooled Fixos Externo Interno Independentes / temporários Carreiristas / malabaristas Curto prazo Fonte: ROUSSEAU, Denise M.;WADE-BENZONI, Kimberly A .(1995) Fixos. Seriam aqueles que estariam permanentemente na empresa. Sua existência garantiria a estabilidade organizacional bem como a continuidade e a assimilação de crenças de valores. Não avançariam, necessariamente, em termos hierárquicos, mas por meio de diferentes papéis e trabalhos desempenhados. Deles esperar-se-iam lealdade e alto envolvimento com o trabalho. Seriam pessoas com elevada identificação emocional com a empresa. Carreiristas e malabaristas. Os carreiristas seriam empregados que desejassem fazer carreira em uma indústria e não em uma empresa específica. Os malabaristas seriam os que não considerassem o trabalho como ponto central de suas vidas. Poderiam ser estudantes ou mesmo pais com filhos pequenos. Seriam internos à organização, mas não assimilados à cultura, embora pudessem apresentar algum grau de conformidade com as regras organizacionais. As demandas sobre o comportamento dessas pessoas seriam menores do que sobre os empregados principais. Pooled workers. Seria o caso de pessoas que trabalhassem apenas por um período na empresa, mesmo que por anos consecutivos. Muitas vezes seriam trabalhadores que se encontravam, anteriormente, em tempo integral e que, por alguma razão, tiveram que alterar seu compromisso com a empresa. Um exemplo seria o de enfermeiras, convocadas apenas em caso de necessidade. 20 Temporários e independentes. Seriam as pessoas que trabalham apenas por um tempo na empresa, normalmente com baixa qualificação e podendo ser contratadas diretamente ou por meio de agências. A autora questiona se a existência desse tipo de trabalhador na empresa não provocaria a criação de duas classes: uma de trabalhadores que desfrutariam de certa segurança e bons salários e outra de trabalhadores esporádicos com baixos salários. Os independentes seriam outra forma de relação externa e de curto prazo. Seriam, ainda, pessoas que trabalhassem para si mesmas, como, por exemplo, consultores e contadores, oferecendo um serviço à empresa. A existência desse tipo de trabalhador permitiria à empresa contratar os mais diversos produtos e serviços sem investimento em mão-de-obra. Na tipologia de Rousseau (1997), os trabalhadores em tempo parcial não foram incluídos, pois poderiam encontrar-se em qualquer um dos tipos anteriormente propostos, ou seja, em diferentes graus nas duas dimensões: internalização/externalização e duração do contrato de trabalho. Assim, pertenceriam à força de trabalho principal da empresa mas, por alguma razão, que poderia ser a transição para a aposentadoria, ou mesmo o nascimento de algum filho, estariam trabalhando em tempo parcial. Outros poderiam ser externos, trabalhando apenas parte do tempo, como, por exemplo, os professores horistas que, durante anos, lecionassem na Universidade apenas por algumas horas. Rousseau (1997) sugere que, para entender o caso dos trabalhadores temporários, seria necessário entender a natureza particular de cada relacionamento. Nem todos os autores classificam as relações de trabalho como Rousseau (1997). Podese dizer que grande parte deles se limita a uma classificação do tipo empregados principais e trabalhadores contingentes. Thurow (1995) refere-se à força de trabalho contingente, como aquela formada por pessoas que, involuntariamente, trabalham em tempo parcial, que trabalham com contratos temporários ou, ainda, fornecem serviços como consultores autônomos. Do ponto de vista dos trabalhadores, tal sistema significaria menos benefícios, mais incerteza e menores salários; do lado das empresas, permitiria maior flexibilidade e menor custo de mão-de-obra. Definição semelhante é adotada por Katz (1997), para quem o trabalhador contingente se constituiria em alternativa ao empregado em tempo integral, incluindo os temporários, os que trabalham em tempo parcial e os que trabalham por empreitada (contract labor). Empregados contingentes poderiam ter as mais variadas qualificações, desde escriturários até engenheiros, desenhistas e mesmo executivos. Por outro lado, comparativamente, os salários dos trabalhadores contingentes não seriam, necessariamente, menores que os dos trabalhadores em tempo integral. A diferença estaria nos benefícios, pois os trabalhadores contingentes raramente receberiam benefícios de saúde ou seriam incluídos em planos de aposentadoria. Além disso, haveria diferenças nas indenizações devidas em caso de rompimento do contrato acordado. Nos casos de empregados temporários ou subcontratados, o ônus pelo rompimento seria, via de regra, muito menor (Katz, 1997). 21 As empresas teriam passado a considerar o trabalhador contingente uma alternativa para reduzir os custos fixos, evitar muitas das pressões de legislação e permitir flexibilidade nas operações. Se houvesse empregos em tempo parcial que fornecessem os mesmos benefícios, proteções e oportunidades de crescimento que os empregos em tempo integral, essa não teria sido a regra. Segundo Rifkin (1995), o salário-hora de um trabalhador em tempo parcial era cerca de 20 a 40% menor do que o do trabalhador fixo. Em 1987, apenas 25% da força de trabalho em regime temporário tinham cobertura de seguro saúde, comparados com 88% dos empregados em tempo integral. Estavam disponíveis planos de aposentadoria para 48,5% dos trabalhadores em tempo integral e para 16,3% dos trabalhadores em tempo parcial. Isto poderia ser interpretado como um movimento estratégico das empresas para evitar custos com assistência médica, aposentadoria, férias e outros encargos sociais (Katz, 1997, Rifkin, 1995). 2.3 O PROCESSO DE DOWNSIZING 2.3.1 Conceitos básicos Downsizing17 tem sido definido como uma eliminação planejada de postos de trabalho e de cargos (Cascio, 1993; Katz, 1997; Kets de Vries e Balazs, 1997). Poderia significar demissão de pessoas e poderia significar, também, uma reorganização do trabalho em que funções, níveis hierárquicos e mesmo unidades fossem eliminadas18. Segundo Cameron (1994) apud Wagar (1998, p. 301) representaria “uma estratégia implementada por gestores que afetaria o tamanho da força de trabalho, os custos e os processos de trabalho”. Não se incluiriam neste processo as demissões ou aposentadorias que, normalmente, ocorrem em uma organização (Cascio, 1993). Cameron, Freeman e Mishra (1991) indicam que o declínio de organizações não significa downsizing. Nos declínios organizacionais, perdem-se, involuntariamente, recursos. O processo de downsizing seria intencional e poderia ocorrer, quer a empresa estivesse crescendo ou diminuindo. 17 Luthans e Sommer (1999) lembram que, por ter uma conotação negativa, podem-se encontrar outros termos para o mesmo fenônomeno, como, por exemplo, reengenharia, rightsizing, reorganização e realocação. 18 Não se inclui no conceito do downszing a alternativa de “suspensão temporária do trabalho”, recentemente discutida na mídia. Segundo essa proposta, o empregado ficaria com o contrato suspenso por até cinco meses. Durante esse tempo, o empregado receberia uma bolsa-qualificação, a ser financiada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT e faria um curso de qualificação profissional custeado pela empresa. Poderia haver a manutenção da cesta básica e outros benefícios, desde que houvesse acordo para tal (Cavalcanti, 1998). 22 2.3.2 Programas de desligamento voluntário - PDV São programas oferecidos pelas empresas com vistas a incentivar os empregados a desligarem-se voluntariamente. Podem ter diversas siglas19, dentre as quais encontramse PDV - Programa de Desligamento Voluntário e PDI - Programa de Desligamento Incentivado. O desligamento voluntário seria uma forma de a empresa desligar pessoas sem ter que arcar com os ônus de um processo de demissão unilateral, como, por exemplo, a deterioração da imagem da empresa e o efeito negativo sobre o moral dos remanescentes (Balkin, 1991; Kuzmits e Sussman, 1988). Programas de desligamento voluntário são normalmente oferecidos procurando atingir uma meta pré-determinada de número de pessoas (Guedes, Calado, Vieira, 1998; Pinheiro, 1998; Tomasko, 1990). Podem oferecer um pacote de benefícios que incluem, por exemplo, indenizações proporcionais aos anos de trabalho na empresa, prorrogação do plano de saúde e alocação de verba para treinamento (Costa, 1998; D’Ambrosio e Mello, 1998; Mattos, 1998). Uma das principais questões levantadas refere-se à falta de controle da empresa sobre a qualidade e a quantidade de pessoas que se apresentam como voluntárias. Em algumas ocasiões haveria excesso de desligamentos e funcionários imprescindíveis poderiam deixar a empresa. (Kuzmits e Sussman, 1988; Tomasko, 1991)20. Na opinião de DeWitt, Trevino, Mollica (1998) o desafio seria o de implementar programas que incentivassem a adesão dos empregados elegíveis e garantissem, paralelamente, o comprometimento e a baixa intenção de turnover dos remanescentes. O desenho correto dos benefícios poderia, todavia, auxiliar a empresa nesta questão (Balkin,1991). Se o interesse se concentrasse em desligar os empregados mais velhos, por exemplo, então os benefícios deveriam incentivar a antecipação daqueles perto de se aposentar. Similarmente, se houvesse necessidade de uma redução mais ampla, então o pacote poderia contemplar benefícios financeiros e auxílio para a recolocação profissional como, por exemplo, treinamento de pessoal e serviços de outplacement (Balkin, 1991). A questão da qualidade das pessoas a entrarem no plano poderia ser contornada por uma medida explícita que facultasse à empresa a retenção das melhores pessoas ou por meio 19 A Embratel batizou seu plano de PIRC- Plano de Incentivo à Rescisão Contratual (Gazeta Mercantil, 15/10/98, p. C-3). A Petrobrás adotou o nome PIDV - Plano de Incentivo ao Desligamento Voluntário (Ordoñez, 1998). 20 A título de exemplo, o autor cita o caso de uma empresa que implantou um programa de incentivo a antecipação da aposentadoria, tendo recebido um número muito superior ao estimado inicialmente. A empresa teria sido obrigada a postergar o desligamento de alguns e, ainda, contratar outros como consultores. 23 de outras alternativas como, por exemplo, a contratação temporária dessas pessoas como consultoras até que outras pudessem ser treinadas (Balkin, 1991). Se as adesões não fossem suficientes para atingir a meta estabelecida, a empresa poderia iniciar um processo de demissão sem qualquer oferecimento de benefícios adicionais (DeWitt, Trevino e Mollica, 1998; Tomasko, 1990). Tal prerrogativa seria entendida, muitas vezes, como uma coação sobre os funcionários, no sentido de forçá-los a aderir ao plano (Balkin, 1991; Pinheiro, 1998). Do ponto de vista do funcionário, as razões para a adesão seriam variadas. Para alguns, representaria a oportunidade de começar algo novo ou encerrar uma carreira que consideram sem futuro. Para aqueles inseguros em seu emprego, representaria o “menor de dois males” (Tomasko, 1990, p.195). Em pesquisa realizada com funcionários do Banco do Brasil no Estado de Pernambuco, Guedes, Calado e Vieira (1998) encontraram, de um lado, como os fatores de maior importância para a adesão, a falta de perspectiva na carreira, a insatisfação com a empresa e, ainda, a possibilidade de vir a ser transferido. De outro lado, segundo o estudo, questões como pressões familiares, existência de negócio próprio e endividamento do funcionário não se mostraram decisivos na escolha. Outras críticas encontradas na literatura a esta estratégia são: o tempo para a adesão ao plano (Guedes, Calado e Vieira, 1998) – via de regra considerado curto-, falta de apoio aos desligados (Guedes, Calado e Vieira, 1998; Tomasko, 1990), discriminação dos funcionários com mais tempo de empresa (Guedes, Calado e Vieira, 1998) e pressão por parte da gerência para a adesão ao programa (Guedes, Calado e Vieira, 1998). 2.3.3 Estratégias de downsizing 2.3.3.1 A proposta de Cameron, Freeman e Mishra Cameron, Freeman e Mishra (1991) classificam as estratégias de downsizing em: (a ) redução da força de trabalho; (b) redesenho organizacional21 e (c) sistêmica. A estratégia de redução da força de trabalho teria por objetivo atingir resultados rapidamente por meio de demissões, incentivadas ou não, aposentadorias e transferências. Poderia haver oferecimento de incentivos financeiros, além das indenizações previstas por lei, bem como o oferecimento de outros benefícios. Seriam, via de regra, adotados como solução para problemas de redução de custos. 21 Não confundir o termo redesenho organizacional, significando mudança no desenho das organizações, com o significado específico, dado pelos autores, a um tipo particular de downsizing. Embora relacionados, redesenho organizacional, considerado em sua acepção genérica, não significa, necessariamente, que pessoas sejam desligadas. 24 O redesenho organizacional teria, por sua vez, o objetivo de cortar trabalho ao invés de pessoas. Nesse caso, eliminar-se-iam funções, níveis hierárquicos, divisões e produtos. Por se tratar de estratégia de mais difícil implementação seria, tipicamente, de médio prazo. A estratégia sistêmica, de longo prazo, teria por objetivo mudar a organização. É entendida pelos autores como um esforço de transformação tanto dos valores como da cultura da organização. Nesse caso, o downsizing deixaria de ser um fato pontual na história da empresa e passaria a ser considerado como parte de um processo de melhoria contínua (Cameron, Freeman e Mishra, 1991; Kets De Vries e Balazs, 1997). As três estratégias são resumidas na Tabela 1 a seguir. 2.3.3.2 A proposta de Fleury Taxonomia semelhante à proposta por Cameron, Freeman e Mishra (1997) foi apontada por Fleury (1997) em pesquisa com empresas brasileiras. Estudando a trajetória de ajuste, na década de 90, em doze empresas industriais, Fleury (1997) identificou três categorias de ajustamento: enxugamento, racionalização e modernização. O enxugamento seria um movimento defensivo, tendo como único objetivo a redução de despesas. Não se pretenderia, neste caso, mudar a forma de gestão ou alterar a estrutura organizacional. Cortes típicos seriam a demissão de empregados, o corte de algumas despesas e o fechamento de fábricas. Segundo o autor, essas empresas não se preocupavam em elaborar um plano estratégico e realizavam apenas um “emagrecimento forçado” (Fleury, 1997) A racionalização, além de reduzir despesas, objetivaria, por meio de mudanças na estrutura, aumentar a eficiência organizacional. Algumas medidas típicas dessa forma de ajuste seriam a racionalização da estrutura logística, a reestruturação das linhas de produto e a centralização do sistema de distribuição. TABELA 1 ESTRATÉGIAS DE DOWNSIZING 25 Redução de pessoal Redesenho Sistêmica organizacional Foco: Trabalhadores Cargos e unidades Cultura Elimina: Pessoas Trabalho Processos estabelecidos Tempo de Rápido Moderado Longo Objetivo temporal Payoff de curto prazo Payoff de médio prazo Payoff de longo prazo Inibe Adaptabilidade no longo Payback rápido Redução de custo no curto Exemplos: prazo Attrition22 Elimina funções prazo Envolve todos Demissões Fusão de unidades Simplifica tudo Aposentadorias Redesenho de trabalho Mudança de antecipadas Elimina níveis responsabilidade Buyout packages hierárquicos Incentivo a melhoria e Layoff Elimina produtos inovação contínua implementação Downsizing: um estilo de vida Fonte: Cameron, Freeman e Mishra (1991) A modernização caracterizar-se-ia por implementar mudanças de natureza mais qualitativa, que envolvessem mudanças gerenciais ou tecnológicas. Almejar-se-ia melhorar a capacidade competitiva, ao invés de reduzir despesas. A Tabela 2, adiante, sintetiza essas afirmações. 22 O termo é utilizado para representar desligamentos que naturalmente ocorrem ao longo do tempo, como demissões e aposentadorias. TABELA 2 Comparação entre as Estratégias Propostas por Cameron et al e Fleury Estratégia/ Categoria de ajuste Objetivos Redução de pessoal (Cameron et al) Eliminar pessoas Redesenho Organizacional (Cameron et al) Enxugamento (Fleury) Reduzir despesas Eliminar trabalho Racionalização (Fleury) Sistêmico (Cameron et al) Modernização (Fleury) Reduzir despesas e Eliminar processos Aumentar a aumentar a eficiência estabelecidos capacitação por meio de melhorias de dimensões competitivas Ações • Demissões • Demissão de • Aposentadorias empregados antecipadas • Fechamento de • Buyout package fábricas • Fusão de unidades • Redesenho de cargos • eliminação de • Corte de despesas • • Mudanças de estrutura: verticalização, desverticalização, produtos reestruturação de redução de níveis linhas de hierárquicos produtos, racionalização da estrutura logística • Envolvimento de todos • Mudança de • Modernização tecnológica e gerencial responsabilidade • Incentivo à • Melhorias das melhoria e principais inovação contínua dimensões • Simplificação competitivas: custos, qualidade, flexibilidade, inovatividade e serviços Fontes: Cameron, Freeman e Mishra (1991); Fleury (1997) 26 Página propositalmente em branco 2.3.3.3 A proposta de Tomasko 27 Tomasko (1991) classifica as estratégias de downsizing em dois tipos: “empurra” (push) e “puxa” (pull). Na estratégia do tipo “empurra” a empresa demitiria empregados; na do tipo “puxa”,haveria incentivos para que os funcionários saíssem voluntariamente. Nesse caso poderiam ser oferecidas aposentadorias antecipadas para os que tivessem mais tempo de empresa e, para os demais, uma quantia a título de indenização. Muitas vezes, as estratégias do tipo “empurra” seriam combinadas com estratégias do tipo “puxa”. Segundo Tomasko (1991), existem várias opções – conforme Tabela 3 - algumas extensivamente utilizadas, enquanto a maioria permanece subutilizada:23 A opção mais sensata para cada situação dependeria da magnitude da redução e do tempo disponível para a implantação da estratégia. 2.3.3.4 Estratégias de ação imediata Empresas que necessitassem de estratégias de ação imediata teriam, como opção principal, a demissão de pessoal (Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988; Tomasko, 1991). Embora tal opção não se fizesse sem outros custos, esta estratégia garantiria à empresa a certeza da redução na folha de pagamento. Para Tomasko (1991) empresas que necessitassem de redução imediata, de mais de 15% nos custos da folha de pessoal teriam apenas uma opção: o corte generalizado de pessoal24. Se a redução pretendida se encontrasse na faixa de 6 a 14%, então outras opções estariam disponíveis, como, por exemplo, programas de incentivo à aposentaria e programas de demissão voluntária. Caso se pretendesse diminuir a força de trabalho em 1 a 5%, então, demissões ou programas especiais e seletivos poderiam ser adotados (Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988; Tomasko, 1991) TABELA 3 Abordagens ao Downsizing 23 Deve-se lembrar que as opções têm sua viabilidade limitada pelas legislações trabalhistas de cada país. No caso brasileiro, por exemplo, não se permite a diminuição do salário dentro de um mesmo contrato de trabalho. O governo tem, entretanto, aliviado a rigidez com medidas provisórias que permitem o contrato temporário e a redução da jornada de trabalho acompanhada de redução equivalente no salário. A eficácia de tais medidas não está, porém, comprovada. A experiência espanhola, relatada no Congresso Internacional Jurídico, realizado no Rio de Janeiro em 1998, indica que o contrato temporário não deu certo. Embora positivo no início, trouxe posteriormente instabilidade ao empregados, o que baixou a motivação e a produtividade. Outro fator negativo foi a reação do comércio, que parou de conceder crédito àqueles que trabalhavam neste regime, o que, por sua vez, causou queda no consumo e conseqüente desemprego. A Espanha alterou a legislação de forma a que esta modalidade de contrato existisse apenas em âmbito restrito e, mesmo assim, para casos especiais. (Jornal do Commercio, 2/9/98, p. B-8). As posições, quanto à eficácia do contrato temporário na Argentina, são contraditórias. De um lado, reclama-se de sua utilização abusiva, da alta rotatividade e da “precarização” do mercado de trabalho. De outro, argumenta-se que a medida foi responsável pela queda do desemprego (Folha de São Paulo, 21/6/98, p. 2-4). 24 Sparrow (1997) indica que, na França, a partir de 1993, o juiz tem o poder de anular programas de racionalização se considerar que lhes falta “substância” (p.38), o que obriga as empresas à utilização de outras alternativas. 28 Tempo para implementação % de Menos de 1 ano (resposta a redução uma ameaça econômica) 15% + demissões em toda a empresa 1 - 3 anos venda de unidades de negócio 3 anos fechamento de unidades de negócios e transferência dos empregados 6 - 14% programa de incentivo à mobilizar as tropas perda de recursos humanos por aposentadoria antecipada ou situações normais programa de indenizações (aposentadoria, pedidos de demissão etc.) trazer trabalho subcontratado demissões seletivas de volta para dentro da firma redução no pagamento, eliminação de departamentos de apoio retreinamento ou transferência mudança de empregados para cargos com menor remuneração retreinamento e encontrar empregos fora da empresa 1%- 5% demissões seletivas programas direcionados de perda de recursos humanos por perda de recursos humanos por situações normais situações normais (aposentadoria, pedidos de (aposentadoria, pedidos de demissão etc) demissão etc) converter staff em consultores aposentaria antecipada e demissão incentivada venda dos serviços de staff fora da empresa Fonte: TOMASKO, Robert M (1991). Embora não considerada por outros autores, a terceirização seria também uma estratégia a ser considerada. Segundo Fleury (1997), seis das doze empresas estudadas reduziram, em média, 50% do seu efetivo de pessoal, o que correspondeu a 27.000 empregados despedidos. Desses, uma parcela significativa passou a trabalhar para terceiros. Em uma das empresas estudadas este percentual atingiu 33% do efetivo despedido.25 2.3.3.5 Estratégias de mais longo prazo Segundo Tomasko (1991), opções por estratégias de mais longo prazo, embora nem sempre disponíveis, poderiam evitar processos dolorosos. Nesse caso, seria importante 25 Exemplos similares podem ser encontrados nos jornais recentes. Artigo na Gazeta Mercantil (30/9/98, p. C-1) relata que a Fiat do Brasil dispensou, desde o início do ano até setembro, cerca de 5,2 mil funcionários que foram, por sua vez, recontratados posteriormente por empresas fornecedoras de serviços à montadora. 29 que a empresa dispusesse de um plano estratégico claro, que orientasse suas ações e mantivesse um sistema de comunicação tal que os empregados não perdessem a confiança no futuro. As opções variariam entre vender unidades, ou mesmo divisões inteiras, implantar programas de incentivo à aposentadoria e à demissão, retreinar empregados para assumir vagas para as quais seriam necessárias contratações ou deixar que as aposentadorias e demissões normais reduzissem pessoal .(Tomasko, 1991). Outras alternativas de longo prazo aos programas de redução de pessoal poderiam, igualmente, ser consideradas: a contratação de trabalhadores temporários ou em tempo parcial como proteção às flutuações nos negócios, congelamento de novas contratações, empregados multidisciplinares que possam ser alocados em outras tarefas, transferências para outros locais ou funções, redução de horas-extra, diminuição da jornada de trabalho, diminuição da semana de trabalho e mesmo procura de novas atividades para trabalhadores subutilizados (Greenberg, 1991; Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988; Katz,1997). Para certos autores, algumas das medidas anteriores, como o treinamento para tornar empregados capazes para maior número de tarefas ou a procura de trabalhos inovativos para os que estão subutilizados, poderiam dar às empresas maior flexibilidade interna e fazer com que optassem menos pela flexibilidade externa. Além disso, a utilização maior ou menor dos recursos externos como forma de ajustar a empresa a variações econômicas, seria função, também, das restrições impostas pelas legislações e culturas dos vários países (Greenhalgh, Lawrence e Sutton; Katz, 1997, Osterman, 1997). Surpreende-se Katz (1997), entretanto, que, mesmo com esse leque de estratégias, as empresas continuem a fazer downsizing26. 2.3.3.6 Simultaneidade na utilização das estratégias Os estudos indicam não serem as estratégias excludentes. Cameron, Freeman e Mishra (1991) observam que as empresas mais bem sucedidas implementavam todas as modalidades, enfocando simultaneamente, portanto, o curto e o longo prazo, reduzindo pessoal tanto de forma seletiva como de forma ampla e focando tanto os resultados mensuráveis como os não mensuráveis. Fleury (1997), por sua vez, indica que cinco das doze empresas estudadas adotaram mais de uma estratégia de ajuste simultaneamente. Tomasko (1990) aponta, igualmente, para o uso concomitante de estratégias do tipo “empurra” e “puxa” . O autor relata o caso de uma empresa que, ao mesmo tempo que ofereceu um programa de incentivo à aposentadoria, também demitiu algumas pessoas. As pessoas teriam interpretado esse fato como uma ameaça e mais pessoas teriam se 26 No Brasil, empresas, sindicatos patronais e de trabalhadores e o governo, diante da crise, mobilizaramse para encontrar soluções alternativas que vão desde redução na remuneração e na jornada de trabalho, flexibilização da jornada de trabalho através do mecanismo do banco de horas, até a criação de novas formas contratuais como o contrato temporário. 30 candidatado ao programa do que havia sido inicialmente previsto. Em verdade, segundo Tomasko (1990), a empresa apenas intencionava demitir pessoas com mau desempenho que, em sua avaliação, não iriam aderir ao programa. O efeito, porém, teria sido outro e um clima de insegurança teria se instalado na empresa justificando o número de adesões superior ao estimado. Por outro lado, Useem e Cappelli (1997) indicam que a escolha do downsizing estaria intimamente relacionada com a cultura da empresa e com os valores dos executivos de topo. Assim, o redesenho organizacional e a mudança sistêmica só poderiam ser alcançados com forte comprometimento e “suporte tenaz” dos principais executivos (p.56). 2.3.4 Modelos existentes para downsizing a análise dos processos de 2.3.4.1 Proposta de Shaw e Barrett-Power Definindo downsizing como uma tentativa de aumentar a eficácia organizacional, Shaw e Barrett-Power (1997) indicam que as medidas normalmente utilizadas, como lucro, produtividade, retorno sobre o investimento, burocracia e satisfação do consumidor, não poderiam ser diretamente aplicadas aos três níveis propostos: o da organização, o dos grupos e o do indivíduo. Os autores propõem, então, uma abordagem de análise do downsizing com base no conceito estresse, com o propósito de desenvolver um referencial que identifique as principais variáveis dependentes a serem analisadas. O estresse no nível do indivíduo poderia ser definido como uma “uma relação particular entre a pessoa e o ambiente que é avaliada pela pessoa como excedendo seus recursos e ameaçando seu bem-estar” (Lazarus e Folkman, apud Shaw e Barrett- Power, 1997, p.111). Esse conceito poderia ser transportado para o nível dos grupos e das organizações, pois processos similares seriam adotados para avaliar, lidar e se adaptar ao ambiente. De acordo com os autores, existiriam quatro categorias de variáveis dependentes que deveriam ser monitoradas e previstas nos processos de downsizing: (1) a capacidade de a entidade27 coletar informação do ambiente com respeito a uma situação potencial de downsizing; (2) a forma de utilização da informação; (3) a natureza das opções selecionadas para lidar com os fatores potenciais de estresse; e (4) a eficácia dessas atividades para lidar com o estresse no curto e no longo prazo. 27 Entidade foi o termo escolhido pelos autores para referir-se a qualquer um dos três níveis: a organização, o grupo ou o indivíduo. 31 A eficácia, no longo e no curto prazos, dependeria das respostas às seguintes avaliações: (a) em que medida a entidade conseguiria sobreviver; (b) se as ações aliviariam a causa do estresse; (c) se a estratégia conseguiria motivar as pessoas envolvidas em direção a uma ação que lidasse com a situação; (d) se a estratégia manteria o equilíbrio psicológico; (e) se as ações melhorariam a eficácia da entidade; e (f) se as conseqüências negativas seriam minimizadas. FIGURA 2 A Proposta de Shaw e Barrett-Power para Análise do Downsizing Avaliação Eficácia para lidar com a situação: • aliviar a causa do estresse • motivar • manter o equilíbrio • melhorar a eficácia • minimizar conseqüências negativas Eficácia da avaliação: • restrição de processamento da informação • constrição (constriction) ao controle • erros cognitivos Ação: • individual vs coletiva • solução de problema / controle • emocional / retirada • severidade • complexidade • flexibilidade Fonte: Shaw e Barret-Power (1997) Afirmam os autores que a questão crucial, quanto ao modelo proposto seria a medição de cada uma das variáveis propostas. Definir e operacionalizar essas medidas seriam pontos cruciais de futuras pesquisas. 2.3.4.2 Modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra (1998) Mishra, Spreitzer e Mishra (1998), por outro lado, ao estudarem empresas que realizaram downszing, sugeriram um modelo temporal em quatro estágios. O primeiro 32 estágio refere-se à decisão de se adotar um programa de downsizing, os estágios seguintes, ao planejamento e comunicação do plano e, finalmente, a última etapa à implementação. Embutida no modelo, encontra-se a suposição de que se trata de um processo único, que se inicia e se encerra sem realimentação para iterações futuras. Isso não significaria que as empresas não repetissem o processo. Ao contrário, os autores apontam que cerca de 67% das empresas que cortaram empregos num ano, voltariam a fazê-lo no ano seguinte. FIGURA 3 O Modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra para a Análise de um Processo de Downsizing Decisão pelo downsizing Planejamento do downsizing Anúncio do downsizing Implementação do downsizing Fonte: MISHRA e SPREITZER (1988) 2.3.4.3 Atores do processo Embora toda a empresa - e mesmo a sociedade - seja afetada pelos processos planejados de demissão, a literatura trata preferencialmente de dois atores: os remanescentes28 e os desligados29. Remanescentes30 seriam aquelas pessoas que permaneceram na empresa após o plano e desligados seriam aquelas que se haviam retirado da empresa. Outros dois grupos de atores, todavia, poderiam ser considerados como fundamentais: os decisores e os executores, encarregados de colocar o plano em execução. Note-se que executores poderiam estar incluídos na categoria de remanescentes ou desligados. 2.3.5 Questões de motivação para o downsizing 2.3.5.1 Razões para adoção do downsizing 28 Cunhou-se, em inglês, o termo survivor = sobrevivente. Cunhou-se, em inglês, o termo victim = vítima 30 Brockner et al (1994), no entanto, subdividem a categoria em dois tipos: (1) remanescentes “normais” e (2) aqueles que ficaram na empresa após o downsizing, mas que já foram avisados que iriam sair em determinado prazo. 29 33 Há, de certa forma, uma perplexidade acerca dos motivos que realmente incentivam as empresas a adotarem programas de redução de pessoal. Pergunta, por exemplo, Katz (1997): por que as empresas reduzem seu pessoal de forma tão drástica? Se as organizações crescem, via de regra, por um processo cuidadoso e incremental, por que, então, agem de forma distinta? Segundo o autor, a razão mais provável para tal decisão deve-se a pressões financeiras intensas que obrigariam a ações de rápido resultado. Além disso, como o processo enfrentaria grande resistência, as empresas normalmente adiariam a decisão até quando a redução se tornasse inevitável. De forma geral, as razões mais indicadas pela literatura são: • A prática de benchmarking, que permitiu às empresas compararem seus custos de overhead. Estes representavam cerca de 26% do custo de manufatura nos Estados Unidos, enquanto na Alemanha essa proporção era de 21,6% e no Japão de 17,9%. (Cascio, 1993; Kets de Vries e Balazs, 1997); • A tecnologia de informática, novas tecnologias de automação e de comunicação que incentivaram as empresas a dispensar empregados (Cascio, 1993; Greenberg, 1991; Kets de Vries e Balazs, 1997; Rifkin, 1995; Useem e Cappelli, 1997, Wallfesh, 1991). • A produtividade decrescente dos empregados de escritório. Segundo Cameron, Freeman e Mishra (1991), entre 78 e 86, a indústria americana de manufatura aumentou o número de empregados de escritório em 21%, mas com decréscimo de 6% na produtividade desse grupo; • O alto índice de endividamento, que forçou as empresas a “passos dramáticos” para garantir o pagamento de juros (Cascio, 1993, p.96); • Mudanças nos mercados. Para Useem e Cappelli (1997), as mudanças no mercado teriam provocado a procura por flexibilidade não apenas no processo de manufatura, mas, também, nas relações de trabalho. Assim, empregos com comprometimento de longo prazo passariam a ser encarados como custos fixos a serem evitados. • O aumento da competição. Segundo Useem e Cappelli (1997), no caso americano, empresas que operavam em mercados protegidos pela regulamentação de preço e mercado tiveram que se reestruturar, pois a desregulamentação teria produzido um “aumento dramático” (p. 27) na competição. Noer (1993) e Wallfesh (1991) apontam, similarmente, para o crescimento da concorrência internacional como um fator pressionador das reduções de pessoal. • Fusões e aquisições (Burke e Nelson, 1998; Greenberg, 1991; Kuzmits e Ssussman, 1988; Noer, 1993; Wallfesh, 1991). Segundo Kuzmits e Sussman (1988), nestes casos haveria a imposição de uma estrutura organizacional sobre outra, que resultaria em excesso de funcionários, via de regra, mais no nível gerencial que no nível 34 operacional. Justificar-se-ia, assim, a dispensa de uma camada da empresa antes protegida dos movimentos de redução de pessoal. • Pressões dos investidores. Para Useem e Cappelli (1997), parte da pressão para a reestruturação adviria, no caso americano, de uma concentração de propriedade nas mãos de investidores institucionais, como, por exemplo, fundos de pensão e companhias de seguro. Estas estariam interessadas nos lucros a serem obtidos pressionando a gerência das empresas a cortarem custos, aumentarem a produtividade e qualidade do serviço ou produto. A fórmula encontrada pelos gestores teria sido, segundo os autores, por meio de reestruturações organizacionais e de corte de postos de trabalho. • Declínio dos negócios (Burke e Nelson, 1998; Greenberg, 1991) • Melhor utilização da mão de obra (Greenberg, 1991) Tomasko (1990) e Wagar (1997) indicam, ainda, que a existência de condições externas desfavoráveis não seria necessária para justificar a redução de pessoal, pois esta poderia ocorrer ainda que com ambiente competitivo favorável e demanda crescente pelo produto ou serviço. Uma variedade de razões poderia explicar, nesses casos, a redução de pessoal, entre elas a opção por trabalhar com quadro enxuto, dentro do espírito lean and mean31 ou, ainda, um movimento de imitação das práticas de outras empresas que adotaram programas de downsizing. Poder-se-ia esperar, dadas às inúmeras pressões, que o downsizing tivesse aceitação unânime entre pesquisadores e executivos. Não é o que ocorre: embora largamente adotada pelas organizações, longe está de se chegar a um consenso acerca dos custos incorridos e dos benefícios obtidos. Para muitos, seria uma prática saudável, apenas mal implementada; para outros, não haveria como fugir dos danos infligidos à organização. Vejamos como cada uma dessas correntes se articula. 2.3.5.2 Defesa do downsizing 31 Lean and mean foi cunhado pela literatura de downsizing para designar empresas que optam por trabalhar com estrutura de pessoal enxuta (lean) mas que ao fazê-lo, são maldosas (mean) com seus empregados. Harrison (1994) indica que as empresas dentro do espírito lean and mean terminaram por implantar programas de downsizing que ignoraram os efeitos sobre comunidades, carreiras e vidas humanas, tendo se tornado, assim, empresas “más”. 35 Os programas de downsizing seriam adotados, esperando-se tanto benefícios financeiros quanto organizacionais. Os benefícios financeiros relatados são menor custo de overhead e maiores lucros ( Cascio, 1993). Dentre os ganhos organizacionais mais esperados, encontrar-se-iam: menos burocracia, processo decisório mais rápido, melhor comunicação, maior produtividade e maior comportamento empreendedor dentro da organização. Com a eliminação de níveis hierárquicos seria possível diminuir a burocracia e ganhar velocidade nas decisões e na comunicação e obter maior produtividade (Cascio, 1993; Kets de Vries e Balazs, 1997). Para Cascio (1993), os dirigentes enxergariam o downsizing como uma forma de redução de custos bastante atraente, por ser mais previsível do que o aumento do lucro. Para Tomasko (1991), ações de curto prazo seriam mais fáceis de ser quantificadas em termos de custos e benefícios do que aquelas de longo prazo, que poderiam ser avaliadas, muitas vezes, apenas em termos qualitativos. Mesmo reconhecendo que o downsizing apresenta uma face dupla, em que a empresa pode ser a beneficiada, mas o empregado não, ainda assim, considera-se que alguns benefícios decorrem para o empregado. Entre os citados, encontram-se uma nova organização do trabalho que incentiva maior responsabilidade, maior conjunto de tarefas realizadas em equipes relativamente autônomas com relação a decisões que, anteriormente, eram da esfera da supervisão, além de maior liberdade na forma e fluxo do trabalho (Useem e Cappelli, 1997). Mesmo no nível gerencial poderiam ser observadas melhorias. Relata-se o maior poder discricionário nas decisões para atender às necessidades dos clientes, maior participação em equipes interfuncionais e maior controle sobre seu próprio trabalho. Segundo pesquisa realizada em 1995, com 1034 empresas canadenses de todos os setores, os benefícios obtidos com o downsizing foram (Burke e Nelson, 1998): TABELA 4 BENEFÍCIOS OBTIDOS COM O DOWNSIZING EM EMPRESAS CANADENSES Benefícios Redução nos custos Maiores lucros Maior produtividade Melhor serviço ao cliente Fonte: BURKE e NELSON (1998) 2.3.5.3 Oposição ao downsizing % 85 63 58 36 36 Todo esse movimento tem gerado pesadas críticas por parte de diversos autores. A primeira dela refere-se a todos os empregos perdidos, cuja perspectiva de recuperação seria, no mínimo, duvidosa. Mesmo aqueles que conseguissem se colocar novamente no mercado, raramente o fariam com as mesmas vantagens anteriores. Para aqueles que permanecessem, os efeitos perversos seriam múltiplos: carga de trabalho aumentada, implicando longas horas de trabalho; obrigação de realizar trabalhos para os quais não se teria sido treinado; elevado nível de estresse; e impacto negativo na produtividade. A confiança na relação empregado-empregador e a satisfação do empregado se reduziriam, havendo, ainda, um medo latente de ser o próximo a perder o emprego. Também poderiam ocorrer fuga emocional, manifestações de cinismo e burnout (Kets de Vries e Balazs,1997; Mishra, Spreitzer, Mishra, 1998, Wagar, 1998). Os efeitos não se fariam sentir apenas no nível operacional, mas também no nível da gerência. Alguns gerentes reportaram aumento da carga de trabalho, aumento da amplitude de controle, passando a supervisionar mais empregados, redução na segurança do emprego, menos oportunidades de promoção e menor mobilidade. Tornarse-iam mais críticos, alienados e mesmo apáticos, culpando-se pelos danos infligidos a outros. Os críticos concluem que os gerentes, após a restruturação, passariam a dar mais ênfase a sua carreira do que aos objetivos organizacionais. (Mishra, Spreitzer, Mishra, 1997; Noer, 1993; Useem e Cappelli, 1997, Tomasko, 1990; Wagar, 1998). Destruir-se-iam, assim, as qualidades mais necessárias - confiança e empowerment - ao ambiente de alto envolvimento e de qualidade total de que as empresas necessitariam para construir e manter vantagem competitiva (O’Reilly, 1994; Wagar, 1997). Do ponto de vista da empresa, as perdas também seriam significativas e alguns referemse ao downsizing como uma estratégia superficial e de curto prazo que deixaria de questionar a forma de a empresa conduzir os seus negócios. Haveria perda de talentos e habilidades importantes na hora em que fossem mais necessários; tornar-se-ia difícil recuperar-se a memória da empresa (Burke, 1997; Grossman, 1996). Em muitas situações, os primeiros a deixarem a empresa seriam justamente os melhores empregados. Como boa parte das empresas exageraria nas demissões, seriam obrigadas, posteriormente, a recontratar essas pessoas como consultores. Os empregados em função de staff, por exemplo, teriam que ser substituídos por consultores muito mais caros; as unidades teriam que duplicar muitas funções antes atendidas pela matriz; as empresas teriam que investir no treinamento de supervisores para exercer atividades, também, antes executadas pela matriz. Em alguns casos, a empresa seria obrigada a recontratar funcionários demitidos, em tempo parcial ou tempo integral 32. O número de 32 Cascio (1993) cita um caso interessante de uma empresa que demitiu um contador que ganhava US$ 9,00/hora. Como boa parte da memória da empresa, “onde, porquê e como” (p.99) estava na cabeça deste 37 empregados contratados em tempo integral poderia diminuir, mas isso não significaria que as despesas com pessoas diminuíssem (Burke, 1997; Cascio, 1993). Além disso, as empresas que passassem por processos de downsizing teriam, posteriormente, dificuldade em contratar novos profissionais, uma vez que ficariam com “má fama“ no mercado (Kets de Vries e Balazs, 1997; Mishra, Spreitzer, Mishra, 1998). Para os acionistas a posição não seria melhor. Cascio (1993) cita estudo realizado com 16 empresas, cujas ações encontravam-se tipicamente em baixa. No dia do anúncio do plano, as ações subiram, para depois iniciarem lenta descida. Dois anos após o anúncio, as ações de doze das dezesseis empresas estavam sendo negociadas abaixo da média da indústria em percentuais que variavam de 5 a 45%. Conforme pesquisa realizada em 1995, com 1034 empresas canadenses, os principais problemas relatadas e relacionados aos empregados seriam, conforme Tabela 5 a seguir (Burke e Nelson, 1998): TABELA 5 Problemas Relacionados com o Downsizing em Empresas Canadenses Problemas com os funcionários Decréscimo na moral Menor lealdade à empresa Menor satisfação no trabalho % 61 50 37 Fonte: BURKE e NELSON (1998) Alguns autores investigaram, ainda, a influência de moderadores nos processos de downsizing (Armstrong-Stassen, 1993, 1998; Brockner et al, 1987; Brockner, Grover e Blonder, 1988; Caldas, 1999; Cameron, 1994b apud Wagar, 1998). Assim, efeitos positivos ou negativos do downsizing poderiam ser alterados em função de ações como comunicação organizacional, justiça distributiva e processual ou em função de algumas características individuais como ética para o trabalho ou grau de identificação com os desligados. No entanto, como boa parte da literatura acadêmica relativa às implicações do downsizing relata experiências negativas, o estudo destes moderadores busca, em verdade, encontrar atenuantes a esses efeitos33. 2.3.5.4 Downsizing como processo controverso Com a presença de opositores e defensores, pode-se ver o quanto o processo de downsizing é controverso. As evidências de melhorias para a empresa, em termos de empregado, a empresa foi obrigada a recontratá-lo com o título de consultor ao preço de US$ 42,00 / hora. 33 Ver, por exemplo, no caso brasileiro, a tese de doutorado de Caldas (1999). 38 estrutura e organização do trabalho, são bastante eloqüentes. As de melhoria de desempenho são, contudo, variadas: algumas reportam aumento, outras diminuição. As controvérsias não se resumem apenas à eficiência e produtividade da empresa, mas também a questões de ordem estrutural como a relação – objetiva ou subjetiva – entre empregado e empresa. Cappelli (1997) indica algumas dessas contradições ocorridas no mercado interno de trabalho. Se, por um lado, empregados precisariam de mais treinamento e mais habilidades para executar as novas funções exigidas, por outro lado, haveria menos disposição das empresas em investir no treinamento e formação de sua força de trabalho. A questão da autonomia e responsabilidade colocariam sobre o empregado demandas sobre a sua “consciência” 34 que seriam mais típicas de um relacionamento mais estável com a empresa. Teria ocorrido, todavia, o movimento contrário, em que as relações com a empresa seriam, em verdade, frágeis e até transitórias. Do ponto de vista do empregado, é vasta a literatura que relata os malefícios tanto para os desligados quanto para os remanescentes, havendo, entretanto, uma parcela de autores que indica melhorias para os empregados remanescentes. Ou seja, além de controverso, parece haver um paradoxo: é maléfico e, ao mesmo, tempo é benéfico. Relata Kilborn apud Useem e Cappelli (1993, p.60) que os empregados trabalhariam de “forma mais inteligente, mais arduamente, de forma mais flexível, mais cooperativamente... mas também com mais medo” . Mishra e Spreitzer (1998) concordam que as pesquisas indicam direções diferentes e apresentam uma leque de contradições a serem resolvidas. Nesse sentido, sugerem um modelo teórico para explicar as diferentes – e aparentemente contraditórias – reações dos remanescentes aos programas de downsizing. 2.3.6 Questões downsizing de planejamento e implementação do Segundo Cascio (1993), em uma pesquisa conduzida pela American Management Association, com 1.142 empresas, cerca de 50% indicaram não se haver preparado para as mudanças que ocorrem, inevitavelmente, nas relações de trabalho, após as reorganizações. Cita o autor o exemplo de empresas que cortaram pessoas ligadas ao planejamento corporativo. Uma vez demitidas essas pessoas, a empresa esperava que os gerentes operacionais assumissem essas funções. Ocorreu, porém, que esses não haviam desenvolvido as habilidades necessárias e não eram capazes, em sua maioria, de ter uma visão além daquela restrita a sua atividade. Por outro lado, se existissem ainda pessoas ligadas à função de planejamento, estas se recusariam a colaborar com uma atividade que poderia tirar seu próprio emprego. 34 Conscientiousness 39 Um dos grandes problemas enfrentados pelos membros da alta administração residiria no fato de que, durante o processo, seriam obrigados a ir contra valores em que acreditavam. Muitos reagiriam ao estresse distanciando-se do processo, o que apenas os afastaria daqueles que ficaram, tornando-se assim, ainda mais isolados. A maior parte dos executivos seniores falharia em reconhecer que a produtividade daqueles que ficaram dependeria de detalhes aparentemente triviais, mas de enorme valor simbólico. Não estariam preparados para lidar com a ampla gama de reações psicológicas dos remanescentes (Kets de Vries e Balazs, 1997). 2.3.6.1 Características dos programas bem sucedidos Se a sobrevivência da empresa estiver ameaçada e reduções de pessoal tornarem-se necessárias, então, ao menos, que a implantação de programas não só melhorem a situação dos negócios, mas respeitem a dignidade daqueles que perdem seus empregos (Tomasko, 1991). A proposta de Cameron, Freeman e Mishra Cameron, Freeman e Mishra (1991), a partir de um estudo que durou quatro anos e abrangeu 30 empresas norte-americanas do setor automobilístico, indicam as seis melhores práticas para o downsizing: • O processo deveria ser iniciado pela alta gerência, mas recomendado e elaborado com auxílio da base da pirâmide. Uma vez que a alta administração tivesse dado início ao programa, as equipes analisariam cargos redundantes, processos que poderiam ser melhorados e dariam sugestões para a implementação do plano. Em uma das organizações, os empregados cujos cargos foram eliminados tiveram um ano de salário garantido, sendo esse tempo dedicado a encontrar uma nova posição dentro da empresa que, efetivamente, adicionasse valor ou novo trabalho fora da empresa. • Os processos poderiam ser de curto prazo ou de longo prazo; poderiam afetar toda a empresa, ou poderiam ser seletivos. Os cortes de curto prazo e generalizados fariam com que a empresa “acordasse” (p.61). Em uma das empresas, ofereceu-se aposentadoria antecipada a um grupo e, ao mesmo tempo, foram dados incentivos para que outro grupo permanecesse. Mas estratégias de redesenho e de mudança sistêmica eram, simultaneamente, adotadas. • Dar-se-ia atenção a quem perdesse o emprego – utilizando programas de outplacement, aconselhamento familiar, retreinamento, indenizações vantajosas - e também a quem não perdesse. Garantir-se-ia a transição para aqueles que permanecessem com amplo trabalho de esclarecimento das razões e circunstâncias do 40 downsizing. Os remanescentes, por sua vez, seriam incentivados a informar e dar feedback sobre o processo. • Seriam feitos cortes focados dentro da empresa, mas incluir-se-ia, também, a rede de relacionamentos externos. Locais onde existissem ineficiência e excesso de custos seriam áreas-alvo para demissões. Muitas empresas reduziriam, o número de fornecedores e distribuidores. Em vez de, por exemplo, trabalhar com 28 fornecedores separados para a montagem de um componente elétrico, contratar-se-ia um único fornecedor para a entrega do sistema já montado. • Os processos mais bem sucedidos resultariam em unidades semi-autônomas, com poder de decisão sobre seus recursos. Poderiam decidir quais funções manter dentro de seu domínio, quais eliminar e quais contratar diretamente da matriz. • As empresas mais bem sucedidas enfocariam o downsizing como objetivo de curto prazo e, também, como parte de objetivo de melhoria contínua de longo prazo. Uma das conclusões mais interessantes deste estudo reporta-se ao fato de que os processos mais bem sucedidos seriam contraditórios, duais e paradoxais, com movimentos realizados em um sentido e, ao mesmo tempo, em sentido contrário35. Curiosamente, os que procurassem harmonia no processo, não seriam tão bem sucedidos quanto aqueles que aceitassem a contradição. A proposta de Mishra, Spreitzer e Mishra Mishra, Spreitzer e Mishra (1997) indicam que as estratégias que visassem apenas à redução de pessoal no curto prazo tenderiam a ser menos efetivas que aquelas mais abrangentes, que identificassem redundâncias e ineficiências, e repensassem a cultura, a estrutura e os sistemas organizacionais. Para os autores, a implementação bem sucedida seria aquela que preservasse a confiança e o empowerment, e fosse precedida de planejamento detalhado. O downsizing deveria ser o último dos recursos, a ser considerado apenas depois que outras opções como a eliminação de bônus, o corte nos pagamentos, as restrições de horas-extra, o congelamento de salários e as contratações fossem consideradas. Não deveria ser considerado como um objetivo de curto prazo, e deveria integrar-se dentro de uma visão que indicasse, claramente, como sua adoção poderia criar vantagens competitivas. Essa visão, por sua vez, proveria um direcionamento e sentido de futuro aos empregados. 35 Ë ilustrativo o exemplo da Embratel. A empresa esperava que cerca de 1,5 a 2 mil funcionários aceitassem entrar no plano de demissão voluntária. Objetivava-se atingir pessoas que trabalhassem em cargos extintos, em extinção ou terceirizados. Ao mesmo tempo, deveriam ser contratados cerca de 2 mil novos funcionários para atuarem nas centrais de atendimento (Costa, 1998). 41 Durante o planejamento, todas as partes afetadas deveriam ser consideradas: remanescentes, desligados e comunidade. Formar-se-ia uma equipe que representasse os diversos interesses, composta, por exemplo, por pessoas da área de recursos humanos, de operações e de finanças. Os gerentes deveriam ser treinados para comunicar o downzising de forma empática e convincente, para lidar com as pessoas que iriam perder o emprego e também para lidar com aqueles que iriam permanecer. Durante o anúncio do plano, seria fundamental: (a) honestidade ao apresentar as razões para o downsizing; (b) comunicar a visão de futuro da organização e (c) o oferecimento de benefícios aos desligados. A implementação do plano incluiria: (a) manutenção do nível de comunicação constante; (b) ajuda para conseguir outro emprego; (c) justiça no tratamento dos empregados; (d) permissão para o desligamento ou aposentadoria voluntária; (e) envolvimento dos empregados no redesenho de cargos e tarefas; (f) promoção de aconselhamento de carreira e (g) treinamento de supervisores para a nova situação. A proposta de Feldman e Leana Feldman e Leana (1989), por sua vez, indicam que, embora sempre doloroso, o processo de downsizing poderia ser conduzido com o objetivo de reduzir as conseqüências negativas para a empresa e facilitar os esforços - por parte dos desligados - na procura de um novo emprego. Sugerem oito cursos de ação: • Comunicação do plano: Os gerentes prefeririam evitar o anúncio antecipado de programas de redução de pessoal com medo de sabotagem e queda de produtividade. Entretanto, se a economia atravessasse um período recessivo, os empregados não teriam outra alternativa a não ser continuar trabalhando. Além disso, se os empregados soubessem antecipadamente o que iria acontecer, teriam tempo hábil para se habituar à mudança e poderiam se preparar para procurar um novo emprego. • Pagamento de indenização por rescisão do contrato de trabalho e extensão de benefícios: A importância da indenização e da extensão de benefícios seria claramente a de oferecer ao empregado uma tranqüilidade para procurar um novo emprego, optar por retreinamento ou mesmo investir a quantia em um negócio próprio. • Serviço de outplacement: Outplacement seria um termo guarda-chuva para serviços variados que poderiam incluir, entre outros: auxílio para escrever um curriculum vitae, sessões de aconselhamento de carreira, treinamento para entrevistas, montagem de uma base de operações com salas, mesas e telefones que auxiliassem na procura de uma nova atividade ou na obtenção de outro emprego. 42 • Treinamento adicional: As empresas poderiam oferecer treinamento, o que seria particularmente importante para aqueles empregados que saíssem de indústrias em declínio. O redirecionamento da profissão seria necessário neste caso, pois provavelmente um emprego similar ao perdido já não existiria mais. Além disso, o treinamento ocuparia parte do tempo do empregado, faria com que tivesse uma atividade rotineira, estruturasse o dia e proporcionaria mais oportunidades de contato social, • Tratamento justo e cortês para os dispensados: Empregados dispensados deveriam receber um tratamento justo e cortês. Dois aspectos mereceriam ser destacados: que o empregado recebesse uma explicação clara de quais critérios teriam sido adotados para a seleção das pessoas a serem dispensadas e que fosse tratado com dignidade e consideração • Tratamento construtivo para os remanescentes: O baixo moral e a produtividade dos remanescentes seriam problemas que a gerência teria que enfrentar. Poderiam ocorrer sentimentos de raiva, culpando a supervisão pelas demissões ocorridas e sentimentos de medo de ser o próximo a ser dispensado. Como, muitas vezes, os empregados demitidos teriam formado laços de amizade dentro da empresa, a gerência deveria evitar fazer comentários desmerecedores sobre os mesmos. • Trabalho cooperativo com os sindicatos: Os sindicatos deveriam compreender que, em horas difíceis, seria mais importante trabalhar junto com a empresa, de forma a manter empregos, do que permanecer na histórica posição de reivindicação de melhores condições e salários. • Demonstração de responsabilidade social para com a comunidade: Mesmo que a empresa decidisse fechar determinada fábrica, ainda assim, deveria procurar ações que minimizassem o impacto na comunidade local36. 2.3.6.2 Melhorias previstas na repetição de programas de downsizing As pesquisas indicam que empresas que já realizaram programas de downsizing têm uma grande probabilidade de realizar um novo programa nos anos seguintes. Assim, 36 Carroll (1984) sugere algumas alternativas como vender a fábrica aos empregados, doar terreno e equipamentos para a comunidade e até mesmo investir em empresas que se dispusessem a oferecer empregos para os desligados. 43 seria natural que melhorias estivessem previstas para os novos processos. Segundo pesquisa realizada em 1034 empresas canadenses, intencionava-se alterar os seguintes aspectos (Burke e Nelson, 1998) TABELA 6 Aspectos a Serem Melhorados nos Programas de Downsizing em Empresas Canadenses Item a ser melhorado % de empresas que intencionam adotar a melhoria Melhorar a comunicação 43 Planejar, com mais cuidado, os 24 cargos a serem eliminados Selecionar, com mais cuidado, as 24 pessoas a serem desligadas Fazer o processo em menos tempo 11 Aumentar o envolvimento e a 10 visibilidade do nível gerencial Fonte: Burke e Nelson (1998) 2.3.6.3 Critérios para o desligamento Um das questões com que se deparam os responsáveis pela implementação dos programas, refere-se à seleção das pessoas a serem desligadas. As abordagens podem ser variadas: a demissão orientada por um sistema de avaliação de desempenho, o fechamento de um local físico – uma planta ou um escritório -, a dispensa de empregados de um departamento, dispensa de todos em determinados cargos, uma seleção segundo critérios compatíveis com os valores da organização, o oferecimento a todos os empregados de um plano de demissão incentivada, o oferecimento do plano de demissão incentivada a apenas algumas áreas, ou, então, uma combinação de opções (Grossman, 1996, Tomasko, 1991)37. 37 Algumas notícias recentes acerca de empresas brasileiras podem exemplificar. Segundo relato feito por D’Ambrosio e Melo (1998), a Santa Marina, tendo que demitir 6% de seu pessoal, considerou “aspectos sociais” ao dispensar primeiramente os aposentados, seguidos dos solteiros e considerar apenas, em último caso, os funcionários com famílias. No caso da Embratel, cujo plano foi anunciado em outubro de 1998, objetivou-se atingir os cargos extintos ou em extinção como motoristas, auxiliar de serviços gerais e mecânicos de automóveis. Outros cargos alvo do programa seriam aqueles inseridos em funções passíveis de serem terceirizadas (Costa, 1998). A Petrobrás, por sua vez, aplicou um plano de demissão voluntária, de maio a junho de 1998, apenas em áreas onde havia excedente de pessoal. As pessoas, que por ele optaram, pertenciam às áreas de apoio administrativo e apoio operacional (Ordoñez, 1998). 44 Cada abordagem, entretanto, apresentaria problemas específicos. Demissões que levassem em conta o desempenho do empregado, por exemplo, dependeriam de um sistema de avaliação eficiente e com dados confiáveis, o que nem sempre estaria disponível na organização (Grossman, 1996, Tomasko, 1991). Nos planos de demissão voluntária não haveria como se controlar a saída de pessoas-chave para a empresa (Tomasko, 1991). Mesmo que se fizesse um esforço para sinalizar a importância de ficarem, não se poderia garantir que permanecessem na empresa38. A compreensão de como as pessoas deveriam ser selecionadas seria, também, fator importante a ser considerado pela empresa. O’Neill e Lenn (1995) indicam, por exemplo, que os gerentes de nível médio poderiam sentir dificuldade em aderir à nova estratégia da empresa, se os cortes não fossem entendidos e não tivessem um “sentido estratégico” (p.26). Essa falta de informação abriria espaços para a falta de credibilidade nas ações da companhia e para a disseminação de segundas interpretações. 2.3.6.4 Benefícios oferecidos Empresas que realizam programas de downsizing oferecem, via de regra, um conjunto de vantagens que se adicionam aos direitos previstos pela legislação trabalhista. Preocupação humanitária, desejo de evitar censura da comunidade e preocupação com o moral dos remanescentes seriam razões para o oferecimento destes benefícios (Tomasko, 1990). Dentre os possíveis benefícios a serem oferecidos pelas empresas encontram-se (Greenberg, 1991; Rolfe, 1991; Tomasko, 1990): • indenizações financeiras – normalmente proporcionais ao número de anos trabalhados na empresa; • aconselhamento; • outplacement; • treinamento (in house e fora); • prorrogação de alguns benefícios;39 • possibilidade de continuar a contribuição no plano de seguridade social; • outros40. Pesquisa da American Management Association, realizada em 1990, indicou que cerca de metade das empresas que implantaram programas de downsizing ofereceram serviço 38 Ille (1997), a título de ilustração, relata que, com o fechamento da planta de Utah, os engenheiros foram convidados a trabalhar na fábrica da Califórnia. O alto custo de vida do local fez, todavia, com que recusassem a oferta e aceitassem como alternativa apenas o estado do Novo México, mesmo assim com incentivos adicionais para a mudança. 39 Por exemplo: plano de saúde. 40 Por exemplo: auxílio à formação de pequenas empresas. 45 de outplacement, 37,2% ofereceram indenizações, 27,1% estenderam o plano de saúde e 12,9% ofereceram treinamento (Wallfesh, 1991)41. Sugere-se que as empresas auxiliem na preparação de currículos, forneçam orientação de como se comportar em entrevistas e ofereçam a empregado cartas esclarecendo a futuros empregadores que a demissão vinculou-se à crise sem qualquer ligação com a competência do empregado (D’Ambrosio e Melo,1998). A empresa não poderia, entretanto, achar que o oferecimento de um amplo pacote de benefícios pudesse assegurar a resolução dos problemas associados ao downsizing. Armstrong-Sassen (1988) alerta, por exemplo, que a percepção de justiça, nestes processos, poderia variar de acordo com o nível hierárquico. Os remanescentes em nível gerencial, em função de acesso a informações sobre a situação geral da empresa, tenderiam a achar a empresa mais justa do que os remanescentes no nível da produção. Haveria que se considerar que um pacote único de benefícios - mesmo que bem intencionado - poderia deixar de atender às necessidades de cada grupo afetado. Dentro deste raciocínio, DeWitt, Trevino e Mollica (1998) indicam que, em programas de redução de caráter voluntário, o auxílio à recolocação estaria positivamente relacionado com o comprometimento afetivo dos empregados, enquanto que o oferecimento de pacotes de benefícios monetários ou de outra natureza não teria com ele nenhuma relação significativa. 2.3.6.5 Comunicação do plano Outro ponto a ser considerado, no processo de downsizing, refere-se à comunicação do plano. A importância do entendimento correto da mensagem por parte de todos os empregados, a necessidade de se evitar rumores nocivos e a consideração com os empregados que poderiam não gostar da notícia mas, ao menos, saberiam da real situação, justificariam o cuidado com essa etapa (Tomasko, 1990). No contexto de uma mudança organizacional de grande impacto como o downsizing, Smeltzer (1991) propõe um modelo em que a natureza da mudança e a dinâmica da organização deveriam orientar as decisões estratégicas de comunicação. Canal, 41 No caso brasileiro alguns exemplos podem ser ilustrativos. A BS Continental, multinacional alemã, fabricante de geladeiras e fogões ofereceu a extensão da assistência médica por um período de quatro meses e também mais quatro meses de cesta básica (Gazeta Mercantil, 28/07/98, p.C-1). A Santa Marina cortou, em agosto de 1998, cerca de 6% de seu pessoal. Ofereceu aos trabalhadores além dos direitos trabalhistas, 25% de salário por cada ano trabalhado, cesta básica por um período adicional de dois meses e prorrogação da assistência médica por dois meses. A Globo Cabo, antiga Net, por sua vez, ao demitir 300 pessoas, instalou um centro de orientação de carreira, com o objetivo de fornecer informações sobre o mercado de trabalho, atuar como apoio psicológico e ministrar seminários (D’Ambrosio e Melo,1998). A HP, com o objetivo de reduzir pessoal aplicará um programa de demissão incentivada, que, nos Estados Unidos, oferecerá uma indenização de seis meses de trabalho e um pagamento adicional de 0,5 salários por ano trabalhado, limitado ao máximo de 12 meses de pagamento (Gazeta Mercantil, 5/10/98, p. C-2). 46 mensagem e o tempo certo seriam igualmente fatores a serem considerados na estratégia. Encontra-se, na Figura 4, o modelo proposto pelo autor: FIGURA 4 MODELO DE SMELTZER PARA COMUNICAÇÃO DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL DE GRANDE IMPACTO Dinâmica organizacional Natureza da mudança C a n a l Estratégia M e n s a g e m Tempo Fonte: Smeltzer (1991) A comunicação de uma mudança que afetasse grande contingente de empregados deveria ser tratada de forma diferente de outra cujos efeitos se fizessem sentir sobre um pequeno número de funcionários. Quanto maior a magnitude do efeito42, mais negativamente seria encarada, exigindo, portanto, explicações mais elaboradas (Smeltzer, 1991). A esse respeito, por exemplo, Brockner et al (1987) indicam que nos casos de programas de redução de pessoal, haveria que ser ter especiais cuidados em comunicar a toda a empresa o pacote de benefícios – serviços de outplacement, indenizações ou outros – oferecido aos desligados. Remanescentes reagiriam de forma negativa se, identificadas com os desligados, percebessem ter havido uma compensação inadequada aos mesmos. 42 O modelo considera apenas mudanças consideradas negativas. 47 O autor sugere, também, que mudanças cuja natureza fosse controversa poderiam exigir explicações persuasivas e se deveria oferecer diversas oportunidades para a colocação de perguntas e respostas43. Brockner et al (1990) apud Taylor e Giannantonio (1993), concordam, neste ponto, ao afirmar que as explicações para a necessidade de um programa de desligamento seriam particularmente importantes, principalmente nos casos em que os remanescentes tivessem dúvida acerca de sua real necessidade de realização. Seriam importantes, também, nos casos em que os remanescentes achassem que novos desligamentos pudessem ocorrer ou, ainda, nas situações em que houvesse forte ligação entre remanescentes e desligados. Também deveriam ser observados, no ato da comunicação, aspectos relativos à dinâmica da organização, tais como cultura e clima. Infringir padrões de comportamento poderia provocar suspeitas e dar origens a boatos (Smeltzer, 1991)44. Outros pontos relevantes seriam a mensagem, o canal e o tempo. O estilo da mensagem, nos casos de downsizing, teria, provavelmente, caráter mais autoritário e menos persuasivo, uma vez que a decisão já teria sido tomada. A escolha do canal seria função da riqueza de comunicação necessária. Hauss (1993), por exemplo, sugere alguns tipos de comunicação em tempo de crise: edições especiais do jornal interno, video-tapes de palavras do principal executivo, reuniões de gerentes com suas equipes, visitas dos principais executivos às plantas para reuniões especiais. Illes (1996) sugere que um folheto com respostas às perguntas mais freqüentes poderia ser de grande utilidade. Reuniões regulares seriam, segundo a autora, outra forma de manter os empregados informados, obter feedback acerca do que estivesse ocorrendo, além de servir como forum para que frustrações e sentimentos negativos pudessem ser expressos. O tempo certo para a comunicação seria outro fator a ser considerado, pois, nos casos de decisões importantes, seriam freqüentes os rumores. O cuidado com a comunicação seria particularmente importante nos casos em que a crise atingisse a mídia. Os empregados precisariam saber que poderia haver repercussão negativa nos meios de comunicação. Caso contrário, a gerência poderia perder a credibilidade, correndo o risco de ver informações incorretas serem disseminadas e de os empregados serem levados a pensar que a gerência não confiava neles. Todo o processo poderia ser agravado se, ainda por cima, houvesse discrepância entre as notícias divulgadas internamente e aquelas disponibilizadas para o público em geral (Hauss, 1993; Illes 1996; McClelland 1987; Smeltzer, 1991). Todo cuidado seria necessário, pois a imprensa seria, via de regra, rápida em obter dados desta natureza. Illes (1996), por exemplo, relata que, minutos após a comunicação 43 Illes (1996), ao narrar sua experiência com o downsizing, indica que quando o presidente reuniu e comunicou o fato -inesperado- de que a fábrica seria fechada, os empregados ficaram tão atônitos que não conseguiram colocar perguntas. 44 Illes (1996) indica que o presidente tinha por hábito fazer visitas regulares à fabrica com reuniões regulares para comunicações gerais. Quando estas visitas foram canceladas por um tempo, rumores se iniciaram com especulações diversas ocupando as conversas e reuniões. 48 do fechamento de uma fábrica, a mídia já tinha notícias a respeito e buscava confirmações do fato. Como as equipes de filmagem foram impedidas de entrar na fábrica, postaram-se do lado de fora para filmar e entrevistar empregados que saíam. 2.3.6.6 Percepção de justiça A justiça associada às organizações poderia ser classificada em: justiça no procedimento ou justiça processual e justiça na distribuição ou justiça distributiva. A justiça processual seria relativa aos meios usados para atingir determinados fins, e a justiça distributiva relacionar-se-ia com os fins atingidos (DeWitt, Trevino e Mollica, 1998; Tang e Sarsfield-Baldwin, 1996). Assim, no que se refere ao downsizing, justiça distributiva relacionar-se-ia, por exemplo, a auxílio na recolocação de empregados, indenizações monetárias ou outros benefícios (DeWitt, Trevino e Mollica, 1998). Justiça processual45 referer-se-ia ao processo de implementação do downsizing (DeWitt, Trevino e Mollica, 1998) e poderiam ser exemplificados por meio de programas realizados com objetividade, sem interesses espúrios, baseados em informações acuradas, com oportunidades para a correção de erros, com representação de todas as partes interessadas e seguindo, por fim, padrões éticos e morais (Leventhal, Karuza e Fry apud Brockner et al, 1994; Leventhal, 1980 apud DeWitt, Trevino e Mollica, 1998). Variáveis relativas à interação foram também estudadas e consideradas importantes na percepção de justiça46. Assim, surgiriam questões como a clareza e adequação das explicações (Armstrong-Stassen, 1998; Bies, Shapiro e Cummings, 1988 apud Brockner et al, 1994) e ao grau de dignidade e respeito no tratamento dos empregados (Bies e Moag, 1986 apud Brockner et al, 1994; Shapiro, Buttner e Barry, 1994 apud DeWitt, Trevino e Mollica, 1998 ). Empresas que realizam programas de downsizing sabem que estão dando más notícias a seus empregados. As reações negativas, que naturalmente surgem, amplificar-se-iam ou amortecer-se-iam de acordo com a forma pelo qual o processo fosse conduzido. Remanescentes e desligados reagiriam de forma mais favorável às conseqüências negativas, nos casos em que houvesse percepção de justiça do que nos casos nos quais se percebesse uma condução inadequada (Brockner et al; 1994; McFarlin e Sweeney, 1992). Por exemplo, alguns estudos ( Brockner et al, 1987; DeWitt, Trevino e Mollica (1998) indica haver uma relação positiva entre atributos de justiça distributiva e justiça processual e o comprometimento afetivo dos funcionários. 45 Em comentário posterior, DeWitt, Trevino e Moliica (1998) argumentam que, muitas vezes, as duas noções se superpõem, indicando que parece ser de menor importância, nos casos de redução de pessoal, essa categorização. 46 Também denominada justiça na interação (interactional justice) (Brockner et al, 1994). Segundo DeWitt, Trevino e Mollica (1998), tratar-se-ia de aspectos da justiça no procedimento, que receberia, no entanto, por vezes, a denominação, à parte, de interactional justice. 49 Em outras palavras, se os executores do processo comunicassem e justificassem a decisão com clareza, agissem sem segundos interesses, permitissem correções no rumo do programa, considerassem todas as partes afetadas, se pautassem pela ética, consideração e sensibilidade, então remanescentes e desligados teriam menos razões para reagirem negativamente ao downsizing (Brockner et al, 1994). Uma questão particular refere-se à percepção de justiça nos casos de programas voluntários. DeWitt, Trevino e Mollica (1998), ao estudarem esta questão, depararam-se com algumas descobertas interessantes. Em primeiro lugar, levantaram a hipótese de a elegibilidade ser um fator moderador das reações dos empregados às questões de justiça processual e distributiva. Em verdade, segundo a pesquisa realizada, as questões de justiça explicariam melhor as reações dos empregados não elegíveis do que a dos elegíveis. Por exemplo, a implementação de programas objetivos, consistentes e éticos seriam particularmente importantes aos empregados não elegíveis. As pessoas estariam, segundo os autores, interessadas não apenas naquilo que lhes ocorre, mas também naquilo que ocorre com os demais. Se outras pessoas são tratadas de forma justa, então poder-se-ia esperar tratamento similar no futuro. Este raciocínio seria particularmente importante nos casos em que os empregados não elegíveis esperassem novas reduções na força de trabalho. 2.3.6.7 Comportamento dos executores Os programas de redução de pessoal exercem grande pressão sobre os gerentes. A demanda que a situação de dispensa coloca pode ser extremamente estressante. Além dos papéis normais, gerentes executores são obrigados a lidar com um aumento da carga de trabalho e com a responsabilidade de conduzir seus subordinados durante o processo (Wright e Barling, 1998) Estes poderiam, em função da situação estressante, agir de tal forma que a situação ficasse ainda pior, adotando, por exemplo, um distanciamento com relação aos empregados (Folger e Skarlicki, 1998). Esse distanciamento poderia tornar-se evidente em um dos momentos mais críticos de todo o processo: a comunicação da dispensa. Ou seja, o gerente se distanciaria com relação à situação e ao próprio empregado a ser dispensado. Os autores estudaram este comportamento, enfocando o tempo que os gerentes dedicam aos empregados para comunicar as demissões. Se existisse um sentimento de que a demissão estaria ocorrendo por problema de competência gerencial, os gerentes tenderiam a evitar a situação, o que se refletiria no pouco tempo dedicado à comunicação da demissão, como forma de “escapar de situações adversas” (p.85). 50 As reações dos empregados, quer fossem remanescentes ou desligados, estariam ligadas à forma como os gerentes conduzissem as etapas difíceis. Se houvesse uma percepção de que os gerentes ofereciam explicações adequadas, se preocupavam com o destino dos empregados e expressavam suas emoções, então as reações negativas à situação se reduziriam (Brockner et al, 1994). 2.3.7 Questões de pós-implementação As principais questões abordadas pela literatura, relativas à fase posterior à implementação de um programa de downsizing, dizem respeito ao impacto na produtividade da empresa, ao impacto nos sobreviventes e ao impacto nos executores. 2.3.7.1 Impacto na produtividade Vários estudos foram realizados para medir o impacto do downsizing sobre a produtividade e o moral dos empregados. Entre eles, encontra-se o estudo realizado pela American Management Association realizado nos anos de 1993 e 1995, cujos resultados encontram-se na Tabela 7 adiante. Cerca de 50% das empresas pesquisadas reportaram que ou houve perda ou não houve ganho de produtividade. Além disso, cerca de 85% revelaram que o moral de seus empregados declinou após o downsizing. Mabert e Schmenner (1997) indicaram, com base no estudo de oito empresas, algumas categorias de benefícios e custos potenciais: • Economizar salários seria um dos principais motivos para o downsizing. Se houvesse, porém, contratação de outro tipo de mão-de-obra para compensar a ausência dos empregados, então essa economia se perderia. • Os principais custos diretos relativos ao downsizing seriam as indenizações pagas aos empregados. Porém, se a redução de empregados tivesse como conseqüência a necessidade de investimentos em automação ou em sistemas de informação, então esses deveriam ser considerados. • O custo de se contratar consultores ou mesmo recontratar parte da mão-de-obra dispensada é ponto normalmente desconsiderado. TABELA 7 IMPACTOS DO DOWNSIZING NOS LUCROS, NA PRODUTIVIDADE E NO MORAL DOS EMPREGADOS DE EMPRESAS NORTE-AMERICANAS 51 Pesquisa de 1993 Lucro operacional Produtividade do empregado Moral do empregado Pesquisa de 1995 Lucro operacional Produtividade do empregado Moral do empregado Aumentou Permaneceu constante Diminuiu 49,9% 35,8% 27,4% 40,8% 22,8% 23,5% 2,4% 13,4% 84,1% 50,6% 34,4% 29,1% 35,5% 20,4% 30,1% 1,9% 12,1 86,% Fonte: MABERT e SCHMENNER (1997). • A produtividade por empregado tanto poderia crescer como poderia diminuir. Empresas, que fizeram uma análise de seus processos antes de demitir, foram as mais bem sucedidas em obter aumento de produtividade do empregado. Por outro lado, aquelas que optaram por demissões sem uma análise prévia de suas ineficiências, foram as que registraram maior queda da produtividade, tanto em função das habilidades perdidas como pelo fato de que pessoas despreparadas executaram o trabalho. • Haveria, também, uma gama de custos ocultos que deveria ser considerada como, por exemplo, o pagamento de horas-extra, o custo de oportunidades perdidas e mesmo o custo de manutenção da qualidade, que exigiria um aumento no número de horas de retrabalho. Outras pesquisas relatam resultados semelhantes no que se refere à produtividade e ao impacto sobre as pessoas. Pesquisa realizada pela Society for Human Resource Management (Cascio, 1993) indicou que mais da metade das 1468 empresas consultadas reportaram que a produtividade por empregado ou permaneceu igual ou diminuiu após o programa de downsizing. Muitas das empresas investigadas indicaram, ainda, deterioração, relativamente ao período antes da demissão, da qualidade, da produtividade, da eficácia e dos indicadores de relações humanas. Outro estudo, realizado pela American Management Association, com cerca de 700 empresas que passaram por um ou mais processos de downsizing, no período de 1989 a 1994, indicou que, se os lucros operacionais cresceram, o moral dos empregados diminuiu substancialmente, como pode ser verificado na Tabela 8 52 TABELA 8 EFEITOS APÓS O DOWNSZING, SEGUNDO PESQUISA EM EMPRESAS NORTE-AMERICANAS Lucros operacionais Produtividade do trabalhador Moral do empregado Fonte: Katz (1997). Diminuiu (%) 20% 30 86 Permaneceu constante (%) 29% 36 12 Aumentou (%) 51% 34 2 2.3.7.2 Impacto nos remanescentes O conjunto de problemas relativos aos remanescentes é de tal ordem que se cunhou o termo “síndrome do sobrevivente” para referir-se aos inúmeros impactos sobre os que ficaram (Noer, 1993). Estes efeitos não estão relegados ao nível dos operários e podem ser observados em funções mais qualificadas e mesmo ao nível gerencial. Uma das críticas mais contundentes refere-se ao fato de que as pesquisas sobre downsizing pouco se têm importado com a experiência emocional das pessoas. Elas teriam sido tratadas de forma muito abstrata nos estudos, “consideradas mais como passivo do que como ativo” (Kets de Vries e Balazs, 1997), “custos a serem cortados, em vez de ativos a serem desenvolvidos” (Cascio, 1993, p. 101). Os remanescentes sofreriam de um conjunto de problemas que incluiriam, depressão, ansiedade, perda de motivação para qualquer trabalho adicional, baixo moral, ensimesmamento, e aversão ao risco. Desenvolveriam um profundo sentimento de insegurança quanto à estabilidade do emprego, ressentir-se-iam de serem obrigados a trabalhar maior número de horas, de assumir novos trabalhos - realizados anteriormente pelos que saíram - para os quais não haviam sido preparados. Gerentes seniores consultados teriam relatado que seus subordinados estavam desanimados, temiam cortes futuros e desconfiavam da gerência. Tais demandas provocariam estresse e frustração. alterando o sentimento de comprometimento com a organização (Cascio, 1993; Feldman e Leana, 1989; Katz, 1997, Noer, 1993). Os remanescentes vivenciariam reações como ansiedade e medo de perder o emprego, baixo moral, culpa em relação aos que saíram, notadamente ao fazerem horas-extra e na hora de receberem seu pagamento (Brockner, Grover e Blonder, 1988; Cameron, Freeman e Mishra, 1991). Cameron, Freeman e Mishra (1991) relatam, também, a inveja dos remanescentes com relação aos desligados, pois os primeiros recebiam da empresa maior carga de trabalho, menores aumentos, rebaixamento de status. Impor-se- 53 lhes-ia uma demanda para aprender novas tarefas e para assumir mais responsabilidades, enquanto colegas, ao saírem da empresa, receberiam atrativos pacotes de indenização. Kets de Vries e Balazs (1997) apontam, de forma similar, para a “síndrome do sobrevivente”. Inicialmente, haveria um acréscimo de produtividade, mas, após algum tempo, as pessoas entrariam em um estado de medo do futuro. Sentiriam que deles se pedia um esforço adicional sem que nada lhes fosse dado em troca, e considerariam a gerência culpada da situação em que se encontravam. Segundo os autores, o processo de atribuir culpas seria, em verdade, uma forma de escapar à culpa de se ser um remanescente. Dentre as possíveis reações dos remanescentes, encontrar-se-iam: afastamento dos desligados; afastamento da empresa; aumento da quantidade de trabalho como forma de reduzir a culpa, auto convencimento de que as demissões seriam merecidas. Há, portanto, ampla gama de fatores que podem auxiliar o entendimento das reações dos remanescentes. Alguns afetam as condições expressas de trabalho, de remuneração e de segurança do emprego; outros, mais sutis, referem-se a sentimentos que não podem e não devem ser expressos ou verbalizados. A literatura tem, todavia, tratado, com maior freqüência, de aspectos como horas prolongadas de trabalho, comprometimento, contrato psicológico, estresse e percepção de justiça. 2.3.7.2.1 Aumento das horas e da carga de trabalho Nos casos em que a empresa não enfrenta uma declínio de suas atividades, a redução de pessoal significa, via de regra, que os remanescentes deverão lidar com uma carga de trabalho maior o que implica horas prolongadas de trabalho. Segundo Fisher (1992), em muitas empresas norte-americanas, as horas extras de gerentes teriam se acumulado em função da redução de pessoal. Para um dos entrevistados de jornalista, o horário prolongado seria apenas uma coisa temporária que, no entanto, havia se estendido por mais tempo que o esperado, tornando-se uma “nova norma” (p.64). Um estudo, conduzido pela American Management Association e citado por Fisher (1992), aponta que 41% dos gerentes relataram que teriam mais trabalho a ser feito do que tempo para realizá-los. Uma outra razão para as horas prolongadas de trabalho estaria relacionada à insegurança no emprego e ao medo de ser mandado embora (Fisher, 1992). Nas palavras de Fisher (1992), o medo havia se tornado “endêmico” (p. 64) e, por isso, as pessoas ficariam mais no trabalho. 54 Em linha similar, Brockner (1988) e Brockner, Grover, Reed e DeWitt (1992), realizaram dois estudos acerca do esforço no trabalho por parte dos remanescentes. No primeiro (1988), o autor pesquisou a relação entre a ética de trabalho do funcionário e seu esforço, após um processo de desligamento, utilizando como variável moderadora a severidade do corte de pessoal. A relação entre ética do trabalho e esforço empreendido seria muito mais forte nos casos de cortes moderados do que nos casos de cortes severos de pessoal. Segundo o autor, o estresse poderia “tirar a atenção do trabalho” (p.441). Na segunda pesquisa, Brockner, Grover, Reed e DeWitt (1992) estudaram o efeito da insegurança do emprego no esforço para o trabalho no caso de remanescentes de empresas que adotaram programas de redução de pessoal. Segundo os autores, os esforços no trabalho aumentariam apenas para os empregados remanescentes que sentissem uma moderada insegurança no trabalho. Aqueles que percebessem baixa insegurança ou alta insegurança, não empreenderiam maior esforço. Essa reação seria, entretanto, moderada pela necessidade econômica do funcionário47. Assim, aqueles que dependessem do salário para a sobrevivência teriam demonstrado, independente da percepção de segurança do emprego, altos níveis de esforço no trabalho. As horas prolongadas de trabalho seriam, por fim, para uns, uma questão a ser resolvida no futuro, pois estariam à procura de uma vida em que família e trabalho estivessem mais equilibrados. Para outros, no entanto, haveria uma satisfação intrínseca com o trabalho realizado de tal forma que as horas adicionais não se constituiriam em um problema. (Fisher, 1992). 2.3.7.2.2 Comprometimento Genericamente, comprometimento pode ser definido como um sentimento que liga o empregado à empresa, de tal forma que ele não falta ao trabalho, trabalha as horas devidas e, mais, protege seu patrimônio e apóia seus objetivos. Diversas definições, várias vertentes teóricas e, conseqüentemente, várias estratégias para operacionalização do construto podem ser identificadas na literatura sobre o assunto (Bastos, 1993). Os estudos realizados indicam a existência de duas dimensões importantes na clarificação do conceito: a natureza do comprometimento e as entidades com as quais as pessoas se comprometeriam (Meyer e Allen, 1997). Meyer e Allen (1997) propõem três componentes para descrever a natureza do comprometimento: afetiva, de continuação e normativa. O componente afetivo referirse-ia à ligação emocional, ao envolvimento e, mesmo, à identificação com a organização. O comprometimento de continuação estaria ligado ao custo de saída do emprego e o comprometimento normativo estaria relacionado ao senso de obrigação dos empregados para com a organização. Os empregados com forte ligação afetiva 47 Medida pelo status de ser, ou não, o principal provedor da família. 55 continuariam na empresa por assim desejarem, os com ligação normativa permaneceriam por dever e os com ligação de continuação permaneceriam por necessidade. As pesquisas têm procurado relacionar de que forma cada um dos componentes se relaciona com aspectos como absenteísmo, desempenho no trabalho, intenção de sair da empresa e bem estar. De forma geral, as pesquisas mais conclusivas referem-se à componente afetiva, indicando que comprometimento afetivo estaria positivamente relacionado com a falta de vontade de sair do emprego, negativamente relacionado com absenteísmo e positivamente relacionado com desempenho das atribuições (Loeb, 1996; Meyer e Allen, 1997). Reichers apud Meyer e Allen (1997), por outro lado, sugerem que a entidade com a qual o empregado cria vínculos deveria ser entendida como um todo constituído de vários segmentos. O foco do comprometimento poderia, portanto, ser a equipe, o supervisor imediato, o departamento, a alta administração e, até mesmo, a organização. Comprometimentos com domínios fora da organização seriam também possíveis, como, por exemplo, o sindicato ou a própria profissão. Deveria, assim, “ser visto como uma coleção de vários comprometimentos que podem ser, inclusive, conflitantes entre si” (Bastos, 1998) O esforço empreendido, no estudo do comprometimento, tem sido intenso. Há, entretanto, uma questão primordial que se afigura dentro da nova ordem. Se do ponto de vista das organizações48, podem ser adquiridas competências fora da empresa e a lealdade dos empregados tem gerado, como contrapartida, um ônus - o da garantia de emprego - que não estão dispostas a pagar, pergunta-se: para que comprometimento? Do ponto de vista da empresa, o empregado comprometido “cegamente” poderia perder sua habilidade de questionamento, de inovação e mesmo de adaptação a mudanças (Randall, 1987). Do ponto de vista do empregado, o comprometimento poderia facilitar uma certa inércia do empregado em desenvolver novas habilidades que o tornariam empregável em outras instituições (Meyer e Allen, 1997). De outro lado, a lealdade dos empregados para com a organização teria se deteriorado a partir de uma série de eventos, dentre os quais o próprio downsizing, a quebra do contrato psicológico e a utilização, como mão-de-obra, de trabalhadores contingentes. As relações entre empresas e empregados teriam se tornado “menos aconchegantes, menos leais e menos familiares” (O’Reilly, 1994, p. 29). Como exigir comprometimento e lealdade se a empresa pode demitir a qualquer momento? Se, há algum tempo atrás, as empresas conseguiam manter seus empregados por meio de garantia de emprego e políticas salariais vantajosas, hoje, o medo de perder o emprego seria a forma pela qual se manteria a cooperação e o comprometimento dos empregados 48 Meyer e Allen lembram, entretanto, o caso das organizações sem fins lucrativos. De fato, nestas a lealdade de seus voluntários não tem como contrapartida a segurança de um emprego. 56 (Thurow,1995). Instalar-se-ia, assim, uma relação assimétrica com empregados “confusos e temerosos” dependendo da empresa, sem que a recíproca fosse verdadeira (Noer, 1993, p. XV). A esse respeito, no entanto, Brockner et al (1987) têm uma visão diferente. Segundo os autores, quanto mais as empresas mostrarem preocupação oferecendo serviços de outplacement e pacotes de benefícios - com os empregados desligados, maior seria o comprometimento dos remanescentes. Tal resultado – paradoxal, reconhecem os autores – justificar-se-ia pelo processo de identificação dos remanescentes com os desligados. Assim, fazer um bem àqueles que foram desligados funcionaria como se esse bem tivesse sido feito aos próprios remanescentes. Segundo Cascio (1993), a longo prazo, os efeitos negativos que os programas de demissão poderiam ter sobre os remanescentes seriam muito maiores do que os ganhos de curto prazo. Um exemplo, citado pelo autor, refere-se a programas de melhoria de serviços e qualidade. Como a implementação destes programas dependia do comprometimento genuíno do empregado, cortar postos de trabalho seria incompatível com comprometimento por parte do empregado. Meyer e Allen (1997) indicam que o assunto continua sendo relevante, pois mesmo que boa parte do trabalho seja terceirizado, ainda assim as empresas permaneceriam com um núcleo de empregados fixos49 que se tornaria, nesta situação, ainda mais importante manter. Do ponto de vista teórico, as críticas também se fazem presentes. Para Rousseau (1997), por exemplo, os estudos sobre comprometimento enfocariam apenas a perspectiva do empregado e deixariam de compreender a relação bilateral que, em realidade, ocorreria. O comprometimento teria passado a ser entendido como algo desejável, tanto do ponto de vista do empregado quanto do da organização, o que nem sempre seria verdade, haja vista a quantidade de relacionamentos transitórios que ocorreriam hoje. Comprometimento seria, portanto, apenas uma manifestação da ligação entre empregados e empresas e a natureza mais complexa dessas ligações deveria ser compreendida a partir dos estudos de contratos psicológicos. 2.3.7.2.3 Contrato psicológico Podem-se classificar os contratos de trabalho em dois tipos: os formais e os psicológicos. O contrato formal seria aquele escrito e assinado por empregador e empregado. O contrato psicológico seria a “crença acerca dos termos e condições de um acordo do qual o indivíduo faz parte” (Robinson, 1995, p.92), e teria por base as percepções e as crenças individuais acerca do que fossem as obrigações mútuas (Robinson et al, 1994). Incluiria não apenas promessas futuras, mas também confiança na outra parte além de regras de consideração e respeito. Por se tratar de fenômeno em 49 O conceito de empregado fixo pode ser relacionado com o que Rousseau (1995) denomina de core employees. 57 nível individual, as partes poderiam não ter as mesmas crenças e percepções acerca dos termos (Robinson,1995; Sparrow, 1998)50. Há, entretanto, na literatura um questão pouco clara que se refere à questão de quem são as partes constituintes de um contrato psicológico. Para alguns autores (Herriot e Pemberton, 1996; Robinson, 1995) o contrato existe de ambas as partes - empregado e empregador - sendo que ambos monitoram a execução do mesmo. Robinson (1997), mais recentemente, entretanto, alerta para o fato de que um contrato psicológico só pode existir do ponto de vista do empregado. Organizações não poderiam perceber um contrato, embora fosse plausível que estas percepções ocorressem por parte de representantes da organização (Rousseau (1989) apud Robinson (1997)). Para a autora, contratos psicológicos seriam, sempre, percepções do empregado acerca dos direitos e obrigações de ambas as partes. Os contratos psicológicos poderiam ser classificados em dois tipos: transacionais e relacionais. Os transacionais envolveriam trocas específicas e quantificáveis entre as partes e seriam, muitas vezes, de curta duração. Os contratos relacionais seriam abertos, menos específicos e incluiriam trocas que poderiam ser monetárias ou não. Nos contratos relacionais haveria, por parte do empregado, uma expectativa de receber treinamento, oportunidade de desenvolvimento e um longo tempo de associação com a empresa (Robinson et al, 1994). • A categorização de Rousseau e Wade-Benzoni A classificação acima foi expandida por Rousseau (1995) que passou a categorizar os contratos psicológicos segundo duas dimensões: tempo e requisito de desempenho. O tempo referir-se-ia à duração - de curto ou de longo prazo - do contrato entre empregador e empregado. Os requisitos de desempenho teriam duas características importantes, segundo a autora: a primeira referente às condições sob as quais o contrato poderia ser interrompido e a segunda relativa às obrigações dos empregados. Os quatro tipos de contrato psicológico poderiam, então, ser mapeados em uma matriz 2 x 2, conforme Tabela 9. TABELA 9 TIPOLOGIA DE CONTRATOS PSICOLÓGICOS Termos de desempenho 50 Sparrow (1998) vai além do nível individual, indicando que contratos psicológicos estão sujeitos a interpretações mais amplas oriundas tanto da cultura organizacional como da cultura nacional. O autor propõe um modelo no qual as normas culturais atuam como variáveis mediadoras no julgamento adequado de comportamento. 58 Termos de desempenho Específicos Não específicos Transacional Transicional (por exemplo, empregados no varejo (por exemplo, experiências de contratados para a época de Natal) empregados durante uma retração da empresa, ou após um fusão ou aquisição) Curto prazo • baixa ambigüidade • ambigüidade e incerteza • saída fácil • instabilidade • baixo comprometimento • liberdade para • alto turnover assumir outros contratos • baixa remuneração • integração/identificação fraca Balanceado (por exemplo, equipes Relacional de alto- (por exemplo, membros de uma envolvimento) empresa familiar) • elevado comprometimento afetivo • comprometimento elevado e contínuo Longo-prazo • alta integração/identificação • aprendizado elevado • alto comprometimento afetivo (high • forte integração/comunicação learning) • desenvolvimento contínuo (ongoing) • suporte mútuo Fonte: ROUSSEAU e WADE-BENZONI (1995) Contratos transacionais teriam como pontos principais o curto prazo e trocas monetárias. Seria o caso das pessoas que trabalham temporariamente como, por exemplo, enfermeiras e secretárias. Normalmente, o envolvimento seria baixo e se uma das partes violasse o contrato seria razão suficiente para término do mesmo. Assim, empregados incompetentes seriam facilmente demitidos e as empresas não confiáveis seriam abandonadas. Contratos transicionais, por sua vez, seriam também de curto prazo e baixo envolvimento. Nesse tipo de contrato, a empresa não se comprometeria com o empregado em função das incertezas ambientais. O empregado, por sua vez, 59 consideraria este tipo de contrato como uma transição para outra forma de emprego mais estável. Os contratos relacionais referir-se-iam àquelas relações de longo prazo que envolveriam investimentos emocionais e econômicos de ambas as partes: empregador e empregado. Normalmente, a empresa ofereceria amplo treinamento e apoio, e o empregado, de sua parte, desenvolveria habilidades ligadas à empresa e esperaria um desenvolvimento em sua carreira. Se uma das partes violasse o contrato, a outra reagiria com aborrecimento, mas permaneceria na relação. Seriam contratos mais difíceis de serem rompidos, pois haveria alto envolvimento e alta a barreira de saída. Contratos balanceados seriam aqueles em que a relação entre empregador e empregado se caracterizaria por muitas trocas. O empregado ofereceria tempo, esforço, contribuição e desenvolvimento e a empresa se comprometeria a utilizar essas habilidades e incentivar seu desenvolvimento continuado. • Alteração no contrato psicológico Um contrato psicológico se manteria se as partes cumprissem ou excedessem os termos do acordo (Robinson,1995). Segundo Morrinson e Robinson (1997), o desenvolvimento do sentimento de violação de um contrato psicológico desenvolver-se-ia por meio de uma dinâmica que envolveria três estágios: percepção de promessas não cumpridas, quebra do contrato e sentimento de violação do contrato. Cada um desses estágio poderia, ou não, ocorrer, dependendo da ação de variáveis intervenientes, conforme se pode verificar na Figura 5. Muitos fatores poderiam contribuir, para que o empregado, mesmo na presença de promessas não concretizadas, não percebesse nenhuma alteração do contrato psicológico. Se tal fato ocorresse, então os estágios seguintes não se desenvolveriam. A passagem para o estágio de percepção de quebra de contrato dependeria, também, de um processo de comparação. Dessa forma, a passagem da situação de “percepção de que promessas não foram cumpridas” para situação de “percepção de quebra do contrato” não seria imediata. Viéses e efeitos de fronteira poderiam influir nessa passagem gerando ou, mesmo, impedindo, a percepção de quebra naquilo que, segundo o empregado, teria sido acordado. 60 Atribuições confiança accounts Má vontade (unwillingness) -assimetria de poder - comportamento do empregado - tipo de troca Efeitos de fronteira sensibilidade à eqüidade tipo de troca assimetria de poder Julgamento de justiça procedimentos formais justiça da interação -Tamanho Importância Nitidez (vividness) Contrato social base rate tipo de troca Processo de comparação Recusa Saliência Processo de interpretação Percepção de promessas não cumpridas Incongruência Esquemas divergentes distância cultural socialização Complexidade e ambigüidade promessas implícitas promessas incompletas elapsed time Comunicação entrevistas de trabalho realistas troca líder-empregado similaridade percebida Percepção de quebra de contrato Vigilância Incerteza novidade mudança Natureza do relacionamento troca transacional confiança Custos percebidos alternativas de emprego opções de redirecionamento auto-estima Fonte: Morrinson e Robinson (1997) Violação 61 Os autores distinguem, ainda, os conceitos de quebra e violação de um contrato psicológico. O primeiro referir-se-ia à compreensão de forma cognitiva, apenas, de que a empresa não cumpriu parte do acordo. Violação, por sua vez, incluiria experiências emocionais negativas, entre as quais sentimento de traição, raiva e ressentimento. A percepção de violação dependeria do processo de interpretação, de parte do empregado, acerca da razões e condições de quebra do contrato. Assim, algumas variáveis intervenientes seriam importantes neste último estágio, entre elas julgamento de justiça no procedimento, a confiança preexistente na relação empregador-empregado, o tipo de contrato – transacional ou relacional – e as implicações de uma quebra contratual (Morrinson, Robinson, 1997). Para Noer (1993), no entanto, a percepção de violação relacionar-se-ia diretamente com o grau de confiança pré-existente na relação entre o empregado e a empresa. Violações em contratos transacionais gerariam no empregado uma sensação de que seus benefícios teriam sido reduzidos, podendo-lhe produzir, sentimentos de injustiça e traição. Por ter um caráter de troca econômica, o empregado tentaria reequilibrar a situação, entendendo que suas obrigações, em relação ao empregador, seriam, agora, menores. Violações em contratos relacionais, por sua vez, poderiam implicar a mudança da própria natureza da relação. Por envolver fatores emocionais como confiança e crença em boa vontade e tratamento justo, a violação poderia desgastar as obrigações mais centrais nesse tipo de relacionamento. O empregado sentir-se-ia desabrigado à lealdade e aos esforços extras, uma vez que as dimensões relacionais do contrato não mais seriam válidas (Robinson et al, 1994). Acordos violados afetariam, portanto, a confiança, e esta se relacionaria com o declínio na qualidade da comunicação, da cooperação, do processo decisório e do desempenho. Se alguns dos pontos esperados da relação se referissem a aspectos de trabalho, então uma violação implicaria em que o empregado teria menos motivos para dele obter satisfação. Ao entender que a empresa não valoriza sua contribuição, poderia incorrer em comportamentos de absenteísmo, declínio de atitudes positivas em relação à organização e mesmo troca de emprego (Robinson, 1995). A grande pressão competitiva, ao obrigar as empresas a rapidamente mudarem suas estratégias, tanto externas quanto internas, teria levado as mesmas a romperem parte do acordo psicológico que governava suas relações com os empregados. Diante de mudanças nas condições, Robinson (1995) recomenda às empresas ações de renegociação, pois, ignorar ou mesmo violar os termos do acordo, teria conseqüências negativas não desejadas. O’Neill e Lenn (1995), por exemplo, ao entrevistarem gerentes de nível médio, após experiências de downsizing, constataram um sentimento de raiva contra a “condenação 62 do passado” (p.25). Os depoimentos revelaram ressentimentos contra um discurso “moderno” que se havia instalado na empresa, com palavras de ordem do tipo: “não trabalhe mais, trabalhe de forma mais inteligente” e “a mudança é sua amiga”. Embutidas nas palavras, haveria mensagens de demérito contra ações do passado - ações essas derivadas de orientações da própria administração - que passaram a ser julgadas como insuficientes ou ultrapassadas. Para evitar interpretações erradas teria sido prática de muitas empresas a reunião periódica com empregados com vistas ao esclarecimento de como o novo relacionamento deveria se desenvolver, e como isso afetaria o desenvolvimento da carreira e a segurança do emprego. Mas mudar esse contrato não teria sido uma tarefa fácil e, segundo alguns executivos, algumas pessoas - notadamente os empregados mais antigos - ficaram “emocionalmente e intelectualmente bloqueadas” (O’ Reilly, 1994, p.30). A mudança e renegociação de um contrato psicológico poderiam ser realizadas por meio de duas estratégias: acomodação e transformação. Na acomodação, os termos do contrato seriam “modificados, clarificados, substituídos ou expandidos” permanecendose porém, ainda, dentro do espírito do antigo contrato. (Rousseau, 1996, p. 50) Na transformação, as mudanças seriam radicais e esperar-se-ia que todo um novo conjunto de expectativas passasse a vigorar (Rousseau, 1996). Incluir-se-iam, por exemplo, questões mais localizadas como uma nova forma de trabalhar (multifuncionalidade, responsabilidade sobre a tarefa, trabalho em equipe), bem como questões mais amplas como o direito e a garantia ao emprego. A transformação do contrato psicológico, se bem conduzida, poderia levar a uma nova base de relacionamento e comprometimento. Rousseau (1996) sugere que a modificação do contrato psicológico se ampare na teoria sobre o processo psicológico de busca de informações, indicando que informações antigas devem ser “descongeladas” antes que um novo quadro mental possa ser criado. A autora propõe, assim, um processo em quatro estágios: (1) Ameaça ao contrato antigo – Neste estágio, as bases do contrato vigentes são questionadas e sofrem uma ameaça. É preciso que as razões que afetam a mudança do contrato sejam percebidas, por parte dos empregados, como sendo legítimas . O entendimento da situação facilita a aceitação das modificações necessárias; (2) Preparação para a mudança – Nesta fase, os sinais da mudança se fazem presentes, as pessoas sentem que o antigo contrato deixa de vigorar e formam-se as bases para um novo relacionamento. Três aspectos são importantes neste estágio: sinais e ações simbólicas de que o velho contrato acabou, compreensão de que, neste estágio, as perdas percebidas são maiores do que os ganhos futuros e implantação, se necessário, de estruturas e esquemas transitórios para facilitar a mudança; 63 (3) Criação de um novo contrato – Esta é a hora em que o futuro deve orientar as expectativas, ações e compromissos. Premissas do passado deixam de vigorar; empregados antigos devem se comportar, no que se refere às regras da empresa, como se fossem empregados novos; (4) Vivência no novo contrato – Nesta etapa, o novo contrato sofre alguns testes. A empresa deve mostrar, com ações e comunicações consistentes, não ser possível voltar ao modo antigo de ser e pensar. • Contrato psicológico e “síndrome do sobrevivente” Noer (1993) indica que o entendimento da transformação do contrato psicológico está na base da solução para o problema da “síndrome do sobrevivente”. Um dos aprendizados mais importantes a serem realizados por aqueles que trabalham em empresas que implantaram programas de redução de pessoal, seria, segundo a autor, a compreensão de que as regras da relação mudaram. O empregado deveria, diante da nova realidade, desenvolver “conexões mais empreendedoras51 e menos dependentes” com a organização (p. XVIII) A compreensão da mudança do contrato ajudaria empregados a romper com as amarras de uma relação desatualizada de dependência mútua “recapturando” sua auto-estima. Do ponto de vista da empresa, esta precisaria atingir seu pleno potencial para entrar no nova era competitiva. Rousseau (1995), de forma similar, indica que as mudanças recentes no mundo dos negócios têm forçado as empresas a modificarem a relação com o empregado. Ressalta ela que apenas uma transformação bem conduzida poderia evitar o sentimento de violação, tão danoso para ambas as partes. 2.3.7.2.4 Estresse 52 Embora a origem do conceito remonte ao século XIV, quando estresse era entendido como adversidade e aflição, sua acepção atual deriva do conceito de esforço físico que determinadas construções, tais como pontes, arcos, prédios, deveriam suportar. Passou a ser entendido, portanto, como uma demanda que o ambiente colocaria sobre sistemas biológicos, psicológicos e sociais (Lazarus e Lazarus, 1994). 51 Entepreneurial Arroba e James (1988) consideram que o estresse pode ser observado em todos os níveis da organização: o indivíduo, o grupo e a firma como um todo. Ao nível do grupo, alguns sintomas indicadores seriam a perda de tempo com represálias ou omissão nas discussões. Usar-se-ia o erro para punir as pessoa, e instalar-se-ia uma competição não saudável. Ao nível da organização como um todo, sintomas reveladores seriam: as greves, a sabotagem, a ausência, o baixo nível de esforço e o baixo nível de contato interpessoal. 52 64 Grande parte do interesse sobre estresse remonta às duas guerras mundiais. Na Primeira Guerra Mundial, as desordens emocionais teriam sido atribuídas à “fadiga da batalha”, tendo, portanto, uma explicação física. Na Segunda Guerra Mundial, o assunto teria se tornado ainda mais importante devido ao grande número de soldados, que por conta de problemas emocionais, ficaram impossibilitados de combater (Lazarus e Lazarus, 1994). O assunto teria passado, após as guerras, a fazer parte do elenco de preocupações de médicos e psicólogos. A questão seria entender o que causava, como as pessoas reagiam ao mesmo e também, explicar diferenças entre as pessoas para lidar com o estresse. Seu estudo é, hoje, fundamental no âmbito da organizações uma vez que pessoas estressadas teriam queda acentuada de produtividade, adoeceriam mais, mostrar-se-iam menos motivadas e mais propensas a deixarem o emprego (Cummins, 1990; Gomes, 1997). Para Arroba e James (1988), o estresse seria uma resposta a um nível de pressão inadequado; se a pressão se encontrasse fora de um nível desejável - para mais ou para menos - resultaria no estresse. Poderia ser definido como um desequilíbrio que existiria, na percepção das pessoas, entre as demandas a ela colocadas e sua capacidade, habilidade ou recursos para atendê-las (Cox,1978 apud Nakayama e Bitencourt 1998, Lazarus e Lazarus, 1994). Esse desequilíbrio poderria ocorrer de forma positiva ou negativa, e diferiria de pessoa para pessoa (Arroba e James, 1988). Quando a pessoa tivesse excessos de recursos relativamente às demandas, instalar-se-ia um sentimento de enfado e carência de desafio, vivenciado como estressante. Da mesma forma, se os recursos que a pessoa percebesse dispor fossem escassos para atender à demanda, ela se sentiria pressionada e estressada. As fontes de estresse, por sua vez, poderiam ser físicas ou psíquicas. O estresse físico decorreria de demandas sobre o corpo, similares as que ocorreriam em competições esportivas. O estresse psíquico teria sua origem em pensamentos e emoções. Embora ambas possam se superpor, em grande parte das situações, seria importante manter a distinção entre as duas (Lazarus e Lazarus, 1994). As manifestações do estresse poderiam, por sua vez, ser classificadas em físicas e psíquicas. As físicas incluiriam extremidades frias, taquicardia, insônia e mesmo infartos. Os sintomas psicológicos incluiriam, entre outros, irritação, apatia, ansiedade ou depressão53. Poder-se-ia, também, classificar o fenômeno tendo por referência o ambiente deflagrador dos sintomas. Como as pessoas passam boa parte de suas vidas entre trabalho e família, convencionou-se denominar o estresse associado às atividades de trabalho de estresse ocupacional54. As demandas estressantes que se colocaram para o 53 Bernardi (1997) indica, por exemplo, que o excesso de demandas, a dificuldade cultural em demonstrar fraquezas, a solidão e a ausência de válvulas de escape têm feito com que a incidência de suicídios entre executivos se elevasse de forma acentuada. 54 Arroba e James (1988) apontam para uma relação interessante entre estresse e cultura organizacional. Em algumas empresas, estar estressado é um símbolo de status, pois parte-se da suposição de quanto maior o nível na hierarquia, maior a pressão a que está submetido. Em outras empresas, manifestar 65 empregado poderiam ser classificadas em várias categorias, algumas das quais são listadas a seguir (Arroba e James, 1988; Couto,1980 apud Nakayama e Bitencourt, 1998; Cummins, 1999; Gomes,1997; Lazarus e Lazarus, 1994): • excesso de trabalho: muitas tarefas a serem realizadas em curto espaço de tempo, muitas interrupções, datas-limite a serem cumpridas; • ambigüidade de papel: sem definição clara de responsabilidades, prioridades e com pouco feedback; • incerteza sobre o futuro: insegurança sobre o emprego, sobre o futuro da empresa e sentimento de impotência diante dos fatos; • falta de autoridade para o trabalho a ser realizado; • dificuldades técnicas para realizar o trabalho ou mesmo a tensão de se manter atualizado com as mudanças tecnológicas; • relações inadequadas com colegas e superiores; • reestruturação ou reorganização. Para Selye (1956) apud Nakayama e Bitencourt (1998) poder-se-iam identificar três fases distintas associadas ao estresse: uma fase inicial ou de alerta, em que alguns sintomas físicos como boca seca ou diarréia passageira e sintomas psíquicos como aumento da motivação, entusiasmo repentino poderiam surgir55; uma fase intermediária ou de resistência, que poderia ter como sintomas físicos adicionais: perdas de memória, mudança de apetite, cansaço constante, problemas dermatológicos, hipertensão arterial e úlcera, entre outros, e como sintomas psíquicos, a sensibilidade excessiva, obsessão por um único assunto, ou irritabilidade acentuada. Na fase denominada final, ou de exaustão, poderiam ocorrer, do ponto de vista físico, manifestações como: náuseas, dificuldades sexuais, diarréia freqüente, e, do ponto de vista psicológico, apatia, depressão, angústia ou perda do senso de humor. Alguns pesquisadores têm procurado estabelecer a relação entre estresse e downsizing. Segundo os estudos de Brockner (1988), o processo de downsizing geraria um estresse sobre os remanescentes que teria como conseqüência uma modificação em seu comportamento e em suas atitudes. A ameaça constante de perda de emprego produziria um efeito de deterioração psicológica, que conduziria, entre outros, a doenças de coração e úlcera. Excesso de horas de trabalho seriam, também, razão para o estresse. Empregados remanescentes seriam obrigados a jornadas mais longas, muitas vezes em tarefas para os quais não haviam sido preparados. O aumento da produtividade e o downsizing teriam afetado a jornada de trabalho de duas formas: os que permaneceram empregados seriam forçados a trabalhar por mais horas, pois haveria menos empregados na empresa; os contingentes, muitas vezes, assumiriam dois ou mais empregos simultaneamente para compensar as perdas o que problemas física ou emocional derivada de excesso de pressão pode ser encarado como uma fragilidade do profissional e um sinal de fracasso pessoal. 55 Selye distingue entre estresse negativo e estresse positivo. A este último denominou de eustresse. 66 também ocasionaria uma jornada maior, e os desempregados, simplesmente, não teriam jornada, estando ociosos (Rifkin, 1995). 2.3.7.2.5 Proposta de síntese de Mishra e Spreitzer Conforme a revisão já realizada, pode-se observar o quanto as questões relativas aos remanescentes encontram-se ainda em estágio incipiente do ponto de vista teórico. Apenas alguns poucos estudos desenvolvidos tratam da relação entre fatores do programa de downsizing e o respectivo impacto sobre os remanescentes. Mishra e Spreitzer (1998) vêm de certa forma resolver esta questão com uma proposta de modelo de sintetiza boa parte das questões até aqui levantadas. Seu modelo desenvolve-se em dois estágios: no primeiro, sugerem uma tipologia de reações dos remanescentes e, no segundo, relacionam questões como confiança, justiça, empowerment e redesenho do trabalho à tipologia anteriormente definida. Os autores iniciam seu modelo teórico com uma proposta de quatro tipos de respostas dos remanescentes que se alinham ao longo duas dimensões da reação humana: a dimensão construtiva – destrutiva e a dimensão ativa – passiva. No que tange à dimensão construtiva - destrutiva, indicam os autores, que remanescentes poderiam reagir de forma construtiva se entendessem que o downsizing não lhes causaria nenhum dano. Se, entretanto, avaliassem o programa de forma negativa estariam menos propensos a colaborar na implementação do plano e poderiam, até, manifestar reações mais violentas. No que se refere à dimensão ativa – passiva, remanescentes ativos perceberiam em si mesmos uma capacidade para lidar com a situação e tomariam posições pró-ativas. Remanescentes, cuja auto-avaliação lhes indicasse nada poderem fazer quanto à situação, colocar-se-iam numa situação passiva e aguardariam as instruções de seus superiores. Mapeando-se as duas dimensões em eixos perpendiculares, conforme a Figura 6 a seguir, obtêm-se quatro tipos de respostas dos remanescentes: a medrosa, a obsequiosa (obliging), a cínica e a esperançosa. 67 FIGURA 6 TIPOS DE RESPOSTAS DE REMANESCENTES Construtiva Resposta servil Resposta esperançosa Passiva Ativa Resposta medrosa Resposta cínica Destrutiva Fonte: Mishra e Spreitzer (1998). Resposta temerosa – seria típica daqueles remanescentes que percebem o downsizing como uma ameaça para a qual estão despreparados. Vivenciariam o plano com sentimentos de medo e ansiedade, apresentando redução na concentração e sensação de perda de controle. Reagiriam à situação com procrastinação do trabalho, impontualidade e absenteísmo. Resposta obsequiosa – tenderia a ser a resposta de remanescentes que, identicamente aos da resposta medrosa, se percebessem impotentes diante da situação. Por outro lado, não encarariam o plano de redução de pessoal como uma séria ameaça aos seus interesses e estariam, portanto, prontos para fazer o que deles se pedisse. Esta visão da situação permitir-lhes-ia reagirem de forma calma e serena. Seriam, se acordo com os autores, “construtivos, porém passivos nas suas respostas” (p.570). Resposta cínica – remanescentes que desenvolvem respostas cínicas sentir-se-iam ameaçados pelo programa de downsizing, mas deteriam mecanismos para lidar com a situação. Sentiriam uma indignação moral que se manifestaria, muitas vezes, na forma de raiva e ressentimento. Ações destrutivas, incluindo desde críticas ativas ao programa até ações mais radicais como o vandalismo e a sabotagem, seriam formas de lidar com a situação. Resposta esperançosa– remanescentes que acreditassem que o programa não representaria uma ameaça pessoal e considerassem poder contribuir para o futuro da empresa, reagiriam de forma auspiciosa, pois sentiriam confiança no futuro e acreditariam poder construí-lo. 68 Em um segundo estágio de sua proposta, os autores relacionam os fatores confiança, justiça, empowerment e redesenho do trabalho aos arquétipos apresentados, anteriormente, por meio de um conjunto de proposições: - remanescentes que confiam na administração antes do downsizing, provavelmente exibirão respostas construtivas (esperançosas ou obsequiosas); - remanescentes que avaliam o programa de redução planejada de pessoal como sendo justo em sua forma distributiva, provavelmente apresentarão respostas construtivas ( esperançosas ou obsequiosas); - remanescentes que avaliam o programa de redução de pessoal justo em seu procedimento, provavelmente apresentarão respostas construtivas (esperançosas ou obsequiosas); - remanescentes que avaliam o programa de redução de pessoal como sendo justo na interação, provavelmente apresentarão respostas construtivas (esperançosas ou obsequiosas); - remanescentes que se sentem com autonomia (empowered), antes do programa de downsizing, provavelmente apresentarão respostas ativas (esperançosas ou cínicas); - mudanças no desenho do trabalho, durante o programa de downsizing, que impliquem variedade de trabalho e autonomia aumentam a probabilidade de respostas esperançosas; - mudanças no desenho do trabalho durante o programa de downsizing, que aumentem a sobrecarga de papéis e reduzem a autonomia aumentam a probabilidade de respostas temerosas. 69 Apresenta-se, na Figura 7, o modelo proposto pelos autores: FIGURA 7 INFLUÊNCIA DA CONFIANÇA, DA JUSTIÇA, DO EMPOWERMENT E DO REDESENHO DO TRABALHO NA RESPOSTA DOS REMANESCENTES Construtiva Obsequiosa Esperançosa Confiança Justiça Avaliação do grau de ameaça Temerosa Destrutiva Cínica Ativa Passiva Recursos para lidar com a situação Empowerment Redesenho do trabalho Fonte: Mishra e Spreitzer (1998). Os autores sugerem, de um lado, que confiança e justiçam gerariam reações mais construtivas e, empowerment e redesenho do trabalho incentivariam respostas ativas. Por outro lado, percepção de desconfiança e ausência de justiça propiciariam respostas destrutivas, assim como um declínio na autonomia do trabalho e a sobrecarga de trabalho gerariam uma tendência para reações de passividade. Respostas esperançosas adviriam de confiança e justiça na implementação do programa de redução de pessoal, bem como de um desenho de trabalho que incluísse maior autonomia e oportunidades profissionais. Se, ao contrário, reduzida confiança e percepção de injustiça fossem acompanhadas de sobrecarga no trabalho e insuficiência na autonomia, então, as respostas cínicas seriam as mais prováveis de se manifestarem. 70 2.3.7.3 O impacto nos executores Raros são os estudos acerca do impacto que os programas de redução de pessoal têm sobre os executores. Wright e Barling (1998), por exemplo, ao entrevistarem dezgerentes encarregados de desligar funcionários obtiveram, como resultado de sua pesquisa, um quadro de pessoas que passaram por intensa demanda física e emocional. O estereótipo de “executores”, que carregam uma machadinha em sua mão pouco corresponderia à situação por eles encontrada. Os estágios emocionais e físicos, pelos quais os executores passaram depois do anúncio de um programa de redução de pessoal, estão esquematizados na Figura 8. FIGURA 8 ESTÁGIOS EMOCIONAIS E FÍSICOS PELOS QUAIS OS EXECUTIVOS PASSARAM DEPOIS DE UM PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL Vivências dos executores Primeira Fase Anúncio do downsizing Segunda fase Culpa Conflito trabalho-família Sobrecarga de papeis Exaustão emocional Terceira fase Solidão Diminuição no bem-estar Fonte: Wright e Barling (1998) Em um primeiro momento, de acordo com Wright e Barling (1998) haveria uma sensação de culpa que adviria, principalmente, do fato de serem obrigados a dispensar bons funcionários, não merecedores de uma demissão. Mesmo a dispensa de maus funcionários implicariam em mal-estar, por ser percebida como uma forma fácil de lidar com a questão da incompetência. Acrescer-se-ia, ainda, a consciência de que as famílias também seriam afetadas. Gerentes executores ficariam, ainda, com a sensação poderem ter evitado todo o processo Além disso, como conseqüência da demissão de funcionários, gerentes executores estariam submetidos a uma sobrecarga de trabalho (Wright e Barling, 1998). Em uma etapa posterior, sinais de mal estar físico e emocional intensificar-se-iam em função da demanda colocada pela situação. Alguns dos entrevistados relataram 71 alterações no sono e em seu bem estar físico, havendo a necessidade de apoio medicinal. Suas vidas familiares teriam sido, igualmente, afetadas em função da sobrecarga de trabalho e do estado de cansaço. As horas prolongadas de trabalho impediriam uma vida familiar mais participativa. Mesmo se presentes fisicamente em casa, os executores estariam, indicam os autores, “exaustos demais para fazer qualquer coisa” (p.350). Todos esses fatores, culpa, sobrecarga de trabalho, conflito familiar e mal estar físico levariam os executores à exaustão emocional. Por sentirem-se com dificuldade de lidar com a situação de forma adequada, começariam a isolar-se, fisica e emocionalmente, de seu ambiente de trabalho e da vida social – família e amigos - como um todo. Esse desenrolar das etapas poderia, entretanto, ser amenizado, indicam Wright e Barling (1998) pelo sentimento de justiça. Se os executores percebessem terem feito tudo ao seu alcance, se julgassem terem mantido a dignidade e o respeito no processo e terem sido honestos com as pessoas, então esse sentimento funcionaria como um alívio e uma possibilidade de recuperação de um processo exaustivo e doloroso. Kets de Vries e Balazs (1997) indicam, de foram similar, que o processo de downsizing deixaria “marcas indeléveis” – negativas - nos executivos condutores do processo. Segundo os autores, uma das razões referir-se-ia ao fator lex talionis, ou seja, à crença presente no inconsciente coletivo e individual de que aquilo feito a outros, reverteria, posteriormente, ao autor original da ação. Assim, os responsáveis pelos processos de demissão sofreriam de um medo subliminar de retaliação. De um ponto de vista mais pragmático e operacional, Cascio (1993) aponta que, muitos gerentes remanescentes, sofreriam, ainda, pelo fato de que as pessoas que saíram, levaram consigo muito da memória dos procedimentos da empresa e, com isso, o acesso a informações vitais. Além disso, ver-se-iam na situação de gerenciar maior número de subordinados, lidar com maior carga de trabalho o que os obrigaria ao aumento das horas de trabalho. Se Wright e Barling (1998) contribuíram, teoricamente, com a apresentação de um script do processo pelo qual passam os executores, Kets de Vries e Balazs (1997), por sua vez, ao estudarem o impacto nos condutores do processo, propuseram uma taxonomia com cinco categorias de personalidade de executivos, a saber: O executivo compulsivo - Personalidades compulsivas caracterizar-se-iam pelo excesso de preocupação com a ordem e a perfeição. Seriam pessoas que se preocupariam com detalhes, teriam alto grau de exigência consigo mesmo e demonstrariam preocupação com o controle do ambiente. Essas pessoas, se encarregadas de programas de downsizing, planejariam tudo antecipadamente e nos mínimos detalhes e demonstrariam pouca tolerância para flexibilização posterior. Por terem medo de críticas e castigos, esforçar-se-iam por fazer tudo da forma mais correta. Suas emoções raramente 72 apareceriam, uma vez que, na tentativa de implementar um programa “justo”, despersonalizariam o processo. O executivo abrasivo - Em busca da perfeição, tentariam eliminar a distância entre o que fossem e o que idealizariam ser. Como este objetivo seria, via de regra, frustrante, sentimentos agressivos surgiriam de forma compensatória. Apesar de inteligente, com alta capacidade de resolver problemas, apresentar-se-ia de forma impaciente e arrogante. Como gerentes, destruiriam a confiança de seus subordinados, inibindo suas iniciativas. Sentiriam ter direito a tratamento especial e as regras comuns não se lhes aplicariam. Quando responsáveis por programas de downsizing, criariam uma mentalidade nós-eles, em que eles – os desligados - teriam sido responsáveis pelo atual estado de coisas na empresa, já devendo ter saído há muito tempo. O executivo dissociado - A dissociação seria um mecanismo defensivo que previniria emoções dolorosas e conflitos psicológicos. As pessoas com essas características distanciar-se-iam da realidade, e ver-se-iam como espectadores de si mesmos, agindo como autômatos. O executivo adormecido56- As pessoas ditas adormecidas teriam dificuldades de reconhecer e descrever as próprias emoções, seriam pouco dadas a fantasias e sua orientação cognitiva basear-se-ia na realidade. Por serem incapazes de reconhecer as próprias emoções, facilmente somatizariam as dificuldades emocionais. Se responsáveis por programas de downsizing, poderiam assumir atitudes semelhantes a de um robô, aparentando não ter nenhuma emoção associada ao processo O executivo depressivo - O estado depressivo teria gradações diversas. Poderia manifestar-se como leve depressão, geralmente passageira até uma situação mais grave em que a pessoa desejasse se suicidar. Executivos deprimidos sentiriam perda de ânimo e de energia, dormiriam mal, sentir-se-iam exaustos pela manhã, veriam a vida de forma apática e teriam tendência a enxergar apenas o lado negro das coisas. Se envolvidos em programas de downsizing, poderiam culpar-se pelo dano infligido a outros. Há, certamente, uma carência de maior pesquisa no assunto uma vez que, comparandose o estudo de De Vries e Balazs (1997) com o de Wright e Barling (1998), observa-se uma predominância do tipo depressivo. Haveria que se entender em que circunstâncias os demais tipos emergem. Noer (1993), por sua vez, alerta não apenas para o impacto pessoal no executor, mas indica que gerentes têm que lidar, primordialmente, com duas questões delicadas nos processos de redução. A primeira delas referir-se-ia ao fato do gerente, executor ou não, 56 Termo traduzido de forma livre. No original, os autores usam os termos alexithymic e anhedonic. Alexithymic vem do grego e significa, indicam De Vries e Balazs, “sem palavras para as emoções”. Anhedonia é, segundo o dicionário Webster (1996) “falta de prazer ou da capacidade de vivenciá-lo” (p.58) 73 ter, muitas vezes, que lidar com a sua própria insegurança no emprego. A segunda referir-se-ia à questão da mudança no contrato psicológico existente. Caberia ao gerente não apenas sinalizar e fazer compreender que as regras se alteraram, mas também conduzir a empresa por esse processo de forma tranqüila e segura. 2.4 Quadro Conceitual Tendo por base a revisão de literatura realizada, pode-se chegar ao quadro conceitual orientador da coleta, da análise e da interpretação dos dados. Inicialmente, o downsizing foi examinado segundo uma perspectiva temporal. Para tanto, uma adaptação do modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra (1998) foi utilizada. Os estágios de comunicação e implementação do plano foram reunidos em uma etapa denominada Comunicação e Implementação do Plano. A revisão de literatura revelou, também, uma quantidade relevante de pesquisas que se voltaram para a fase pós-implementação do downsizing. Esses estudos realizaram-se tendo por foco não apenas a organização como um todo, mas também o indivíduo. Optou-se, portanto, por adicionar ao modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra uma etapa adicional denominada Pós-implementação. Outra consideração a ser feita refere-se ao fato de que processos organizacionais encontram-se imersos em dois níveis de ambiente: um interno à empresa que se configura como a cultura organizacional e outro externo à empresa, composto de fatores como tecnologia, economia, legislação, cultura, política e aspectos sócio-demográficos. Nenhum desses níveis foi objeto de revisão de literatura de forma direta, mas estiveram presentes de forma indireta. Por exemplo, os fatores do ambiente externo foram considerados como os principais motivadores para o processo de downsizing. A legislação trabalhista é, para citar outro exemplo, importante condicionador da estratégia de downsizing e fator a ser considerado no elenco de benefícios a ser oferecido aos desligados. Cultura e clima organizacional apareceram, de forma tangencial, em aspectos como comunicação, seleção de pessoas a serem incluídas no downsizing, contrato psicológico e estresse. FIGURA 9 74 MODELO CONCEITUAL PARA A ANÁLISE DO DOWNSIZING Ambiente externo à empresa: concorrência, tecnologia, economia, política, legislação etc. Ambiente interno à empresa: cultura e clima Motivações para o downsizing Planejamento do downsizing Comunicação e implementação do downsizing Período pósimplantação Adaptado de: Mishra, Spreitzer e Mishra (1998) Considera-se que as principais questões a serem investigadas são: • Motivações para o downsizing Entendimento, do ponto de vista dos atores, das motivações para a realização do downsizing, das alternativas que se ofereciam, da comparação com outras experiências, dos custos e dos benefícios esperados e do alinhamento do plano com a estratégia empresarial. • Planejamento do downsizing Obtenção das características do plano como, por exemplo, os benefícios oferecidos, a seleção de pessoas a serem incluídas no plano, e o apoio aos remanescentes. Captação, do ponto de vista dos atores, do processo de planejamento como, por exemplo, a formação da equipe e a manutenção da confidencialidade. • Implementação do downsizing Entendimento do processo, do ponto de vista dos atores, da comunicação do plano, da justiça no procedimento e do comportamento dos executores. Também serão colocadas algumas perguntas adicionais acerca de possíveis imprevistos ocorridos durante a implementação. • Pós-implementação Captação da percepção, do ponto de vista dos atores, da modificação na organização do trabalho e da modificação no comprometimento para com a empresa. Investigação sobre possíveis alterações físicas e psicológicas que caracterizem o estresse ocupacional. Perguntas com respeito ao relacionamento que, porventura, mantêm com os desligados e também, com respeito à percepção acerca de seu futuro pessoal e do futuro da empresa são, também, pertinentes. 75 3. METODOLOGIA Este capítulo apresenta as principais orientações metodológicas assumidas no trabalho. Primeiramente, reapresenta-se, de forma sucinta, o objetivo da pesquisa, seguido das perguntas e da definição dos contornos assumidos. Na segunda parte, questões gerais sobre paradigmas de pesquisa e posições paradigmáticas são discutidas. Na terceira parte, apresentam-se e discutem-se as principais decisões acerca de estratégia de pesquisa, unidades de análise, sujeitos da pesquisa, coleta, tratamento e análise dos dados e, por fim, limitações do método. 3.1 Objetivo, Pergunta e Delimitação da Pesquisa Como já explicitado, a pesquisa objetiva estudar programas de downsizing adotados por empresas brasileiras, com vistas a identificar de que modo tais empresas vêm conduzindo esses programas, na percepção dos atores envolvidos no processo. A seguinte pergunta de pesquisa orienta este estudo: De que forma os diversos atores envolvidos perceberam o processo de downsizing nas empresas pesquisadas? Esta pergunta pode, por sua vez, ser desdobrada em outras questões que orientam a consecução dos objetivos do estudo: • Quais as motivações que inspiraram a adoção de programas de downsizing, segundo as percepções dos atores envolvidos no processo? • De que forma foi realizado o planejamento dos programas de downsizing? • Como se realizou a implementação desses programas? • O que ocorreu na fase pós-implementação? Assim, o objetivo do trabalho encontra-se na obtenção das percepções de pessoas que, de alguma forma, vivenciaram o processo de downsizing. Suas histórias, suas análises e conclusões foram o foco pretendido. A literatura especializada, porém, aborda a questão do downsizing a partir de várias óticas e cabe delinear, portanto, condições de contorno mais nítidas de forma a evitar expectativas que não possam ser concretizadas. Em primeiro lugar, o modelo de Shaw e Barret-Power (1997) aponta para a necessidade de se considerar o downsizing em todos os níveis: indivíduo, grupo e organização. Não foi possível, entretanto, encontrar estudos que relacionassem o downsizing e o comportamento de grupos. Assim, considerou-se o processo apenas no nível do indivíduo e no nível da organização. 76 A categoria dos desligados não foi considerada por razões metodológicas. Não se poderia garantir o acesso à ex-funcionários, especialmente nos casos de empresas com sede fora do Estado de residência da pesquisadora. Outra questão, ainda, refere-se ao caráter do trabalho, que se desvinculou de qualquer objetivo normativo, no sentido de obter um conjunto de melhores práticas para o downsizing. Pretendeu-se que o estudo contribuísse para a compreensão das importantes questões do fenômeno dentro de uma perspectiva interpretativa, ou seja, partindo-se do discurso e do entendimento dos próprios atores do processo. A medição de variáveis dependentes, independentes, intervenientes ou ainda, o estudo do impacto de possíveis moderadores não pertenceram, por conseqüência, ao escopo deste trabalho. 3.2 Paradígmas para a Pesquisa Científica Paradigmas formariam, de acordo com Guba (1990), um “sistema básico de crenças” (p.18) que funcionaria como um guia para a ação na pesquisa. Representaria uma visão de mundo a ser aceita baseado em ato de fé, por não haver como estabelecer sua verdade última (Guba e Lincoln, 1994). O paradigma positivista teria sido o sistema básico de crenças dominante na pesquisa científica. Sua incapacidade, contudo, para lidar com as várias manifestações, tanto no campo das ciências exatas quanto no campo das ciências sociais, teria dado espaço à emergência de paradigmas alternativos, cada um com seus pressupostos e sua visão de mundo (Guba, 1990). Guba e Lincoln (1994) indicam a existência de três paradigmas alternativos – além do positivista - para a pesquisa qualitativa: o paradigma pós-positivista, sucessor imediato do positivista, o paradigma construtivista e o paradigma da teoria crítica. 3.2.1 Dimensões características de um paradígma57 Paradigmas para a pesquisa científica poderiam ser caracterizados, de acordo com Guba (1990), por meio das seguintes dimensões básicas: a ontologia, a epistemologia e a metodologia. A dimensão ontológica faria referência à natureza da realidade, à essência do real. Segundo Firestone (1990), teria o pesquisador duas posições a assumir. A primeira acreditaria na existência de uma realidade “lá fora”, mensurável e para a qual se poderiam estabelecer relações entre os fenômenos existentes. A segunda acreditaria ser a realidade socialmente construída, sendo papel do pesquisador apreendê-la e relatála. 57 Adotou-se a proposta de Guba (1990) e Guba e Lincoln (1994) para a definição dos eixos fundamentais de um paradigma para pesquisa científica. 77 A dimensão epistemológica referir-se-ia à natureza da relação entre pesquisador e pesquisado. Duas posições seriam encontradas: (a) a do pesquisador que sabe não ser possível atingir a neutralidade absoluta, mas que procura meios para atingi-la e (b) a do pesquisador que considera ser o conhecimento relativo a um determinado espaço-tempo – impregnado de valores – sendo impossível, desta forma, qualquer tipo de neutralidade (Guba, 1990). A dimensão metodológica, por fim, faria referência ao processo de busca do conhecimento. Para Guba (1990), a metodologia seria uma conseqüência das posturas adotadas em relação às dimensões ontológica e epistemológica. Assim, pesquisadores, para quem a realidade social fosse concreta e a neutralidade possível, poderiam optar pelo método experimental. Pesquisadores, por sua vez, comprometidos com outros posicionamentos optariam por tradições de pesquisa mais voltadas para a captação do discurso e das vivências do outro, como por exemplo, a etnografia, a fenomenologia e a história de vida. 3.2.2 Principais características dos paradígmas Apresentam-se nesta seção as principais características dos paradigmas pós-positivista, construtivista e da teoria crítica. 3.2.2.1 Paradigma pós-positivista O pós-positivismo seria, segundo Guba (1990), uma versão modificada do paradigma positivista, não perdendo, porém, sua principal característica de intencionalidade da predição e do controle. Se o positivismo se caracterizou por acreditar na existência de uma realidade a qual bastava observar para dela retirar a verdade científica, o pós-positivismo teria se afastado desta postura adotando um posicionamento denominado realismo crítico, reconhecedor de que os mecanismos humanos para a apreensão da realidade são imperfeitos, passíveis, portanto, de gerar distorções (Guba, 1990). Na visão positivista, a ciência teria base empírica, apoiando-se em fatos e preocupandose com fenômenos observáveis e mensuráveis para, a partir deles, aceitar ou rejeitar teorias científicas. Estas experiências teriam terminado, todavia, por demonstrar que os dados coletados eram, em verdade, afetados pela vivência e pelos pressupostos implícitos dos pesquisadores. O pós-positivismo teria respondido a esta questão propondo que descobertas e teorias fossem abertas à discussão na comunidade científica (Guba, 1990). Segundo Popper (1968), a objetividade da ciência seria resultado de críticas dos pares e não estaria limitada ao cientista individualmente. 78 Como conseqüência natural dos pressupostos ontológico e epistemológico, o paradigma pós-positivista recomendaria a adoção de múltiplos métodos58 como forma de evitar distorções na interpretação da realidade. 3.2.2.2 Paradigma construtivista Comparando o paradigma pós-positivista e o construtivista, pode-se dizer que o primeiro almejaria encontrar leis imutáveis na natureza – generalizáveis, portanto, – e na forma de relações de causa e efeito. Para o segundo, o conhecimento apresentar-se-ia sob a forma de teorias e hipóteses condicionadas ao espaço-tempo de sua formulação (Lincoln, 1990). Para o paradigma construtivista, a realidade não existiria como uma verdade única “lá fora” a ser observada e medida. Ao contrário, seria socialmente construída, com múltiplas formas e dependente das pessoas que as enxergassem. Decorreria daí, a conclusão de que a realidade seria apenas apreendida, não podendo ser repetida, controlada ou, ainda, generalizada (Lincoln, 1990). Epistemologicamente, o pesquisador que se situasse nesse paradigma não adotaria uma posição neutra e independente, o que exigiria, se possível fosse, que estivesse fora de seu tempo e de seu contexto e até “fora de si mesmo como pessoa” (p.70). Considerarse-ia estar o pesquisador imerso em um todo, sendo a investigação o resultado de um processo de interação entre o pesquisador e o pesquisado (Lincoln, 1990). Metodologicamente, o paradigma posicionar-se-ia a favor de pesquisas conduzidas em ambiente natural e não em gabinetes ou laboratórios. Haveria, também, a preferência pelos métodos qualitativos (Lincoln, 1990). 3.2.2.3 Paradigma da teoria crítica Segundo Guba (1990, p.23), uma denominação mais adequada ao paradigma da teoria crítica seria “pesquisa ideologicamente orientada”, já que incluiria não só a teoria crítica da Escola de Frankfurt, mas também, o néo-Marxismo, o materialismo, o feminismo, entre outros. Ontologicamente, o paradigma posicionar-se-ia a favor de um realismo crítico, rejeitando a falsa consciência, aquela que não se sabe condicionada. 58 Brockner et al (1987), por exemplo, realizaram um experimento laboratorial e um estudo de campo (survey) objetivando estudar a reação dos sobreviventes aos programas de redução de pessoal. Segundo os autores, a adoção de métodos múltiplos seria importante para a pesquisa organizacional, pois problemas metodológicos encontrados em algumas estratégias de pesquisa poderiam ser resolvidas por meio da utilização de outras estratégias. 79 Epistemologicamente, os pesquisadores deste paradigma descartariam a objetividade e adotariam a postura de uma pesquisa não só conscientizadora, como também proporcionadora de oportunidades para a transformação da realidade opressiva. Metodologicamente, o paradigma adotaria a perspectiva de metodologias intervencionistas que possibilitassem a mudança proposta (Guba, 1990). 3.2.3 Posicionamento nos paradigmas Para alguns autores, a existência de vários paradigmas não isentaria o pesquisador de realizar uma escolha e de se posicionar dentro de um deles, nem mesmo sob a argumentação da inexistência de um que fosse universalmente aceito. Conforme atesta Greeen (1990, p.229), “a integridade epistemológica permite que pesquisas significativas sejam realizadas de forma correta”. Para Huberman e Miles (1994, p. 429) seria “saudável” que pesquisadores tornassem suas opções claras indicando sua visão de construção do mundo social e sua forma de expressá-la. Essa não seria uma escolha fácil e evidente; não seria, necessariamente, uma escolha definitiva e, algumas vezes, nem mesmo seria única. Greene (1990, p.229), por exemplo, confessa que suas “lealdades paradigmáticas” encontram-se “problematicamente divididas”. A autora relata ter rejeitado “substancialmente” o paradigma convencional, sem ainda “ter prestado juramento de lealdade” a outro paradigma. Outros autores, entretanto, a exemplo de Gioia e Pitre (1990), defendem a adoção de múltiplos paradigmas como forma de avançar o conhecimento, ganhar insight aos problemas e gerar novas teorias. Os autores afirmam que múltiplos paradigmas podem gerar um conhecimento mais completo que a perspectiva obtida com uma única posição paradigmática. Hassard (1991), embora indicando algumas dificuldades metodológicas, adota posicionamento idêntico e afirma que esse pluralismo aponta para uma “posição mais democrática na análise organizacional”. De outro lado, autores como Jackson e Carter (1991) e Lincoln (1990) defendem a escolha de um único paradigma sob a alegação de serem esses incomensuráveis. Para Lincoln (1990, p.81) os compromissos emocionais e políticos para com um paradigma seriam tão fortes, que a adoção de uma estratégia que considerasse os diversos paradigmas teria grandes possibilidades de produzir uma “dissonância interna” no processo de pesquisa e uma “incoerência discursiva” que poderia tornar a pesquisa inútil. A autora deste trabalho não pode, portanto, por tudo que foi apresentado, fugir à responsabilidade de esclarecer os pressupostos orientadores desta pesquisa. Egressa de uma formação positivista, ligada às ciências da natureza, encontrou, em seu percurso pessoal e profissional, sérios problemas com os preceitos daquele paradigma. A vida 80 não se mostrou passível de ser entendida por falsos e verdadeiros, nem por leis que encontram tantas variáveis que a tentativa de administrá-las, todas, seria uma tentativa, no mínimo, ingênua. E não se pode dizer que vida pessoal, opção profissional e paradigmas de pesquisa estejam dissociados. Um mínimo de coerência há que se ter e, conscientemente, praticar. Assim, quando um caminho ou uma visão de mundo não conseguem abranger, dar conta, resolver, explicar, fazer entender ou qualquer outro termo análogo, então, por pura necessidade, faz-se a hora de mudar. Caminhos alternativos, nesta hora, não podem ser avaliados por relações de custo-beneficio, por recomendações alheias e, muito menos, por modismo científico. A opção, em instâncias dessa ordem, deve ser norteada por “vozes internas” que expressam a trajetória já passada e falam de sonhos, aquilo que, em vida, ainda se espera realizar. Essas vozes indicaram ser a previsibilidade uma ilusão e, talvez mesmo, um brutal empobrecimento da vida. A distância do outro, a neutralidade, refletiu-se, por sua vez, apenas em distância de si mesmo. A partir daí, surgiu o desejo da compreensão, da interação e da construção com o outro. Encontra-se, assim, a autora deste trabalho, em um paradigma cujos pressupostos incluem uma visão de realidade construída a partir de conceitos que emergem da interação, de forma indutiva, dependente do contexto em que se insere. Podendo, portanto, ser construída e reconstruída, lida por diversos ângulos, a partir de várias camadas de interpretação. 3.3 Tipo de Pesquisa Segundo taxonomia proposta por Vergara (1997), a pesquisa pode ser definida quanto aos fins e quanto aos meios. No que se refere aos fins, a pesquisa poderia ser do tipo exploratória, descritiva, explicativa, metodológica, aplicada ou intervencionista. Estudo exploratório seria o que se realizaria nos casos em que houvesse pouco conhecimento do assunto. A pesquisa descritiva pretenderia apenas descrever certo fenômeno ou população, podendo até estabelecer certas correlações acerca dos fenômenos sem implicar, entretanto, causalidade. As relações de causa e efeito seriam objeto das pesquisas explicativas (Vergara, 1997). Embora haja uma tendência de se classificar as pesquisas em ordem de importância, considerando as menos importantes as do tipo exploratória e as mais importantes as explicativas e de geração de teoria (Gummersson, 1991; Yin, 1984), para Gummersson (1991), essa hierarquização seria difícil de ser compreendida, pois estudos exploratórios e descritivos, por exemplo, poderiam gerar teoria ou, ainda, descrições poderiam gerar pesquisas explanatórias. 81 Assim, tendo por base a tipologia proposta por Vergara (1997), pode-se caracterizar o presente estudo como tendo tripla finalidade: exploratória, descritiva e de geração de teoria. No primeiro momento, caracteriza-se como exploratória por ser o fenômeno ainda desconhecido no âmbito brasileiro e estar parcialmente pesquisado e documentado em outros países. Em um segundo momento, a pesquisa caracteriza-se como descritiva, por pretender relatar o processo de downsizing em empresas recém privatizadas. No terceiro momento, caracteriza-se como de geração de teoria, por objetivar a emergência de conceitos que possam, em passo posterior, permitir a geração de um modelo preliminar para a compreensão do fenômeno em estudo. Esta preocupação é consistente com a proposta de Glaser e Strauss (1967) que criticam os pesquisadores preocupados, apenas, em testar teorias existentes, colocando a geração de teoria em segundo plano. No que se refere aos meios, ainda segundo Vergara (1997), as pesquisas podem ser classificadas como de campo, de laboratório, telematizada, documental, bibliográfica, experimental, ex-post facto, participante, pesquisa-ação e estudo de caso. Para este estudo, duas classificações se aplicam: estudo de caso e de campo. De campo, por ter realizado entrevistas com os principais atores do processo - decisores, planejadores, executores e sobreviventes; e bibliográfica, por ter partido de conhecimento obtido na em fontes como livros e periódicos especializados. O estudo de caso, no entanto, é considerado, segundo Yin (1994), como uma metodologia abrangente que inclui a pergunta da pesquisa, prossegue com a coleta e a análise de dados e termina com as conclusões e a redação final da pesquisa. 3.4 Estudo de Caso Como Estratégia de Pesquisa Parte da importância do estudo de caso deve-se à sua utilização, no início do século, pela Escola de Sociologia de Chicago. Chicago era, à época, uma cidade em crescimento desordenado e alvo de movimentos migratórios. Problemas decorrentes, como subemprego, pobreza e violência ensejaram uma série de pesquisas desenvolvidas em contato direto com as populações. A Escola de Chicago passou, por conta dessas pesquisas, a ser referência nos estudos de caso nos Estados Unidos (Hamel, Dufour e Fortin, 1993). No meio da década de 30, surgiu, na Universidade de Columbia, um movimento defensor dos métodos estatísticos e contrário ao estudo de caso como método válido de pesquisa. No entender dos investigadores de Columbia, o método do caso carecia de qualquer forma possível de controle, estando sujeito aos viéses decorrentes do processo de coleta de dados, introduzidos tanto pelo investigador quanto por seus informantes. Uma nova corrente formou-se, defensora do método dedutivo com base em trabalho estatístico, adequado para validar as grandes teorias sociológicas, e contrário ao processo indutivo inerente ao método do caso. Este perdeu terreno como método de pesquisa ficando relegado ao papel de instrumento útil para investigações exploratórias 82 (Hamel, Dufour e Fortin, 1993). Gummesson (1991), entretanto, indica que esta estratégia de pesquisa tem sido, cada vez mais, utilizada na Europa, a exemplo dos estudos de marketing realizados por pesquisadores escandinavos e, mesmo nos Estados Unidos, parece haver uma tendência de maior utilização do método. O estudo de caso passou, de uma forma geral, no entanto, a ser visto como um método adequado à pesquisa exploratória por permitir a identificação de variáveis e relacionamentos ainda não realizados. Por propor-se a estudar de forma “exaustiva” (Gil, 1987, p.78) alguns poucos fenômenos, deveria ser utilizado quando se quisesse obter dados em profundidade e com muitos detalhes acerca de um assunto sobre o qual houvesse pouco conhecimento. Neste sentido, o principal produto deste tipo de pesquisa seria o de gerar idéias acerca de um assunto complexo e hipóteses a serem testadas em estudos subseqüentes (Gil, 1987; Simon, 1969; Tull e Hawkins, 1976). A visão do estudo de caso, como estratégia limitada aos estudos exploratórios, tem sido questionada por outros autores (Eisenhardt,1989; Gummesson,1991; Yin,1984). Segundo o preceito da hierarquização de pesquisas, indica Yin (1984), estudos de caso seriam adequados às pesquisas exploratórias, surveys seriam apropriados para as pesquisas descritivas e os experimentos indicados para os estudos explicativos. Para o autor, todavia, o estudo de caso adequar-se-ia aos três casos: exploratório, descritivo e explicativo. Outros autores se alinham com a crítica de Yin (1984). Para Gummesson (1991), por exemplo, o estudo de caso adequa-se, igualmente, aos objetivos de geração de teoria e iniciação de mudança e para Eisenhardt (1989) estudos de caso são indicados para a descrição de fenômenos, para o teste de teorias ou, mesmo, para a geração de teoria. No que se refere às vantagens e desvantagens das estratégias de pesquisa, segundo Yin (1989), estas dependem de três condições59: o tipo de pergunta da pesquisa, o controle que o investigador tem sobre os eventos e se o foco se direciona para fenômenos contemporâneos ou históricos. Quanto à pergunta da pesquisa, aquelas do tipo como e porquê sinalizariam a conveniência do estudo de caso; as do tipo qual, poderiam indicar survey, experimento ou estudo de caso60 A questão do controle seria fundamental para diferenciar o experimento dos demais tipos de pesquisa, pois apenas aquele permitiria ao pesquisador algum tipo de controle sobre os eventos. A contemporaneidade do fenômeno, por sua vez, seria importante para distinguir a história do estudo de caso, pois, neste, as pessoas 59 É preciso registrar que as estratégias consideradas pelo autor são: experimento, survey, análise documental (archival analysis), história e estudo de caso. Não há indicação se essas mesmas perguntas seriam adequadas a um elenco maior de estratégias que incluiria, por exemplo, a etnografia, a pesquisaação e a grounded-theory. 60 Se a pergunta do tipo qual pede resposta que indicam quantidades ou padrões, então as estratégias de survey e experimentos são melhores. 83 que participam ou participaram do fenômeno estariam vivas e, naquele, apenas documentos e objetos estariam disponíveis (Yin, 1994). A utilização de estudos de caso em organizações recebe, o apoio de outros autores. Segundo Berg (1998) estudos de caso seriam adequados à pesquisa em organizações por permitirem tanto o seu estudo genérico em que os vários aspectos tivessem peso similar quanto o estudo com ênfase em determinada área ou situação. Assim, considerando que o objetivo desta tese foi o de se obter uma contribuição teórica ao estudos de downsizing fundamentada (grounded) em pesquisa de campo e dado que as perguntas eram do tipo como, adotou-se, por ser o mais adequado, o método de estudo de caso como estratégia de pesquisa. 3.5 GROUNDED THEORY como Estratégia para a Análise de Dados Qualitativos A grounded theory foi, originalmente, desenvolvida por dois sociólogos americanos: Anselm Strauss, da Universidade de Chicago e Barney Glaser, da Universidade de Columbia. De acordo com Strauss (1987), o nome justifica-se por ser uma abordagem aos dados qualitativos cuja ênfase encontra-se tanto na geração de teoria quanto nos dados, nos quais a teoria se baseia (is grounded). Para Strauss (1987), não se trata de um método específico ou de uma técnica mas, sim, de um “estilo” (p.5) para realizar a análise qualitativa de dados. O princípio básico da grounded theory seria o de que a teoria deveria emergir a partir de dados observados pelo pesquisador. A grounded theory funcionaria como um guia e não como uma regra metodológica invariável, uma vez que o pesquisador estaria limitado às contingências dos vários ambientes sociais que afetariam a coleta dos dados e, também, a sua análise. Assim, em virtude da diversidade de situações sociais, das circunstâncias variadas de pesquisa e dos diferentes objetivos e estilo dos pesquisadores, não haveria como estabelecer regras e procedimentos fixos, tal como ocorreria com a análise de dados quantitativos (Strauss, 1987). Outra questão refere-se ao achado de novos dados e novas situações. Em uma estratégia cujo objetivo fosse testar hipóteses, uma exceção à regra seria, em princípio, suficiente para que a teoria tivesse que ser revista61. Na grounded theory e no método de caso, o raciocínio seria de outra ordem: uma exceção ou uma situação não prevista teriam o papel de enriquecer a teoria existente (Glaser e Strauss, 1967, Gummerson, 1991). Nas 61 Este argumento tem por objetivo, apenas, mostrar a lógica inerente ao teste de hipótese. Não se pretende contrapor qualquer argumento à pesquisa de Kuhn (1990) acerca de ciência normal e aos experimentos e testes a ela relacionados. 84 palavras de Gummerson (1991, p.79) “novos dados nunca são desconfortáveis, nunca ‘destroem’ uma teoria existente, eles a expandem e melhoram”. 3.6 Papel da Teoria no Estudo de Caso e na Grounded Theory O papel da teoria é considerado de forma diferente, conforme a estratégia de pesquisa (Yin,1984). Na grounded theory, diferentemente da prática comum a outros métodos, o fenômeno não deveria ser abordado tendo-se um quadro teórico por referência e orientação; partir-se-ia do princípio que, com procedimentos sistematizados e utilizando os dados coletados, a teoria surgiria de forma indutiva (Glaser e Strauss, 1967; Strauss, 1987). Para Yin (1994), entretanto, seria um erro iniciar uma pesquisa – de teste ou geração de teoria – sem um quadro teórico inicial. Se tal não fosse, como poder-se-ia, apenas a título de exemplo, selecionar os sujeitos da pesquisa? A esse respeito, Eisenhardt (1989) assume uma posição intermediária sugerindo que os pesquisadores partam de um problema de pesquisa e algumas variáveis, possivelmente, importantes sem, no entanto, especificar antecipadamente os relacionamentos entre as mesmas. No caso deste estudo, algumas questões devem ser esclarecidas. Primeiro, não foi encontrada, na literatura, uma teoria desenvolvida sobre downsizing, embora existam aspectos do fenômeno que são estudados pelos diversos autores, como, por exemplo, características de estratégias bem sucedidas de redução de pessoal (Cameron, Freeman e Mishra, 1991; Feldman e Leana, 1989; Mishra, Spreitzer e Mishra, 1997), efeitos do downsizing nos sobreviventes (Cascio, 1993; Feldman e Leana, 1989; Katz, 1997; Kets de Vries e Balazs, 1997; Noer, 1993) ou ainda, efeitos do downsizing nos executores (Kets de Vries e Balazs, 1997; Wright e Barling, 1998). Assim, a elaboração do referencial teórico procurou obter um quadro conceitual que pudesse abranger de forma coerente estes vários fragmentos. A perspectiva de Mishra, Spreitzer e Mishra (1998) serviu, por conseqüência, ao propósito de reunir sob uma única lógica – a temporal -, boa parte dos trabalhos apresentados na literatura específica de downsizing. Outra questão refere-se ao papel da literatura na análise dos dados. Seria com um movimento de vai-e-vem entre os diversos casos, entre os casos e o referencial teórico que conceitos emergeriam e poderiam ser continuamente elaborados. Assim, a papel do referencial teórico seria o de fornecer pontos de coincidência e pontos de discrepância que possibilitariam o refinamento da teoria em elaboração (Eisenhardt, 1989). 85 3.7 Unidades de Análise De acordo com Yin (1994) os estudos de casos podem limitar-se a uma ou a várias unidades de análise. Estudos de um único caso adequar-se-iam, quando representassem uma oportunidade de se estudar uma situação extrema, única ou, ainda, crítica. Havendo possibilidades materiais, humanas e de tempo, a lógica da replicação62 indicaria a utilização de estudo de múltiplos casos, como é o caso desta pesquisa. Outras questões de ordem mais práticas também se apresentaram. Uma deles referiu-se ao tipo de organização a ser selecionada como objeto de estudo. De acordo com Eisenhardt (1989), a pergunta da pesquisa deve ser orientadora dos critérios de seleção. Assim, considerando que o objetivo principal do estudo foi o de se obter as percepções dos empregados acerca do planos de downsizing, dois desafios se apresentaram: primeiro, a empresa deveria ter passado por um processo recente63 - no máximo, há cinco anos - de redução planejada de pessoas e, segundo, haveria que se obter permissão de acesso a um número razoável de empregados ativos na empresa. Por se tratar, na percepção da pesquisadora, de pesquisa cujo tema poderia ser considerado delicado - portanto, passível de receber um alto índice de recusa-, elaborou-se, inicialmente, a partir de informações colhidas com professores, alunos, exalunos e material publicado na imprensa, uma lista de empresas potencialmente pesquisáveis. Esta lista deveria ser exaustivamente utilizada, até que duas64 empresas acordassem com a realização da pesquisa. Para as duas primeiras empresas contactadas, marcou-se uma entrevista com o principal executivo de Recursos Humanos ou com pessoa de alto nível gerencial que detivesse informações acerca do processo de redução de pessoal. Os objetivos desta entrevista inicial foram: (a) obter dados a respeito do programa implantado e (b) entregar uma carta proposta para a realização da pesquisa na empresa. Em ambos os casos, obteve-se autorização para a realização da pesquisa. Posteriormente, uma terceira empresa foi contactada, não colocando empecilhos para o estudo. 62 Segundo o autor não se deve considerar a utilização de mais de uma caso dentro da lógica de amostragem. Esta está preocupada com a generalização de uma hipótese, ou seja, procura ir do particular para o universo. A lógica da replicação seria similar à lógica dos experimentos, na qual espera-se que determinado resultado ocorra em todos os casos. Caso isso ocorra poder-se-ia dizer ter havido replicação dos resultados. 63 A razão para a limitação do horizonte de tempo deveu-se à possibilidade de o distanciamento no tempo afetar a acuidade dos relatos dos entrevistados, ou mesmo, provocar distorções na memória (Hoopes, 1979). 64 O projeto inicial de pesquisa previa o estudo de dois casos. O terceiro caso foi adicionado, posteriormente, por uma questão de oportunidade. Segundo Eisenhardt (1989) tal procedimento tem sentido nas situações em que novos dados podem fundamentar (ground) melhor a teoria existente ou em construção. 86 Há que se registrar que a concessão de autorização, quase que imediata, causou surpresa, uma vez que havia a expectativa, conforme já comentado, de se encontrar dificuldades no processo. Um fator que parece ter sido importante, nestes casos, refere-se ao fato de os executivos de mais alto nível entrevistados considerarem o programa implantado em suas respectivas empresas uma experiência bem sucedida. Um segundo aspecto pode, igualmente, ter sido relevante no processo: os executivos contatados conheciam, direta ou indiretamente, a instituição a que a pesquisadora estava vinculada. Poder-se-ia, assim, considerar que a permissão para a pesquisa foi influenciada por, pelo menos, dois fatores: o sucesso, segundo percepção dos executivos inicialmente entrevistados, do programa implementado e a influência de pessoas que conheciam o Instituto patrocinador da pesquisa. Este último aspecto não deve ser considerado estranho em um sociedade considerada relacional, como a brasileira, na qual as ligações entre as pessoas podem assumir um importante papel na realização de negociações empresariais e, porque não, também no desenvolvimento de pesquisas. 3.8 Sujeitos da Pesquisa Tendo em vista a compreensão do processo de downsizing como um fenômeno cujos principais atores são os decisores, executores e remanescentes, definiram-se os sujeitos da pesquisa em função dessas categorias. No caso de sobreviventes, foram criadas duas subcategorias: os que tinham função gerencial e os que não tinham. A razão foi clara, pois os gerentes sobreviventes podem ter sido, também, executores do processo. Por se tratar de pesquisa realizada após o fenômeno e limitada à fronteira da organização, não foi considerada a categoria dos empregados desligados. Segue-se a Tabela 10, com detalhamento por cargo, das entrevistas realizadas em cada uma das empresas: TABELA 10 NÚMERO DE ENTREVISTAS POR CARGO Cargo ServA ServB ServC Diretor de Recursos Humanos ou 2(*) 1 1 gerente de alto nível Gerentes intermediários ou 11 10 8 supervisores Funcionários sem cargo gerencial 9 10 6 Total por empresa 22 21 15 Entrevistas descartadas 2 1 (*) Foram entrevistados o diretor de Recursos Humanos da holding e o diretor de Recursos Humanos da ServA 87 Os contatos iniciais com as empresas iniciaram-se em janeiro de 1999, sendo que as entrevistas foram realizadas entre maio de 1999 e outubro de 1999. Três das 61 entrevistas realizadas não puderam ser consideradas. Em um dos casos, o funcionário pesquisado permitiu a gravação da entrevista mas, a certa altura, solicitou que o gravador fosse desligado e as informações e opiniões relatadas a seguir não fossem utilizadas na pesquisa. Nos outros dois casos, houve problemas com a fita a ponto de não ser possível a transcrição. Outra questão refere-se ao número de entrevistas em pesquisas que objetivam contribuição teórica fundamentada nos dados coletados – grounded -, segundo terminologia de Glaser e Strauss (1967). O número ideal não poderia ser determinado antecipadamente, sendo obtido, ao longo da pesquisa, na medida em que houvesse se chegado à saturação teórica (Glaser e Strauss, 1967) ou se estivesse “saturado da situação” (Simon, 1969, p. 277). Como as duas empresas, inicialmente contactadas, localizavam-se fora do Estado de residência da pesquisadora, foi necessário e, porque não, prudente – antecipar, na proposta de pesquisa, o número de pessoas a serem entrevistadas. No caso deste estudo, não havia, portanto, um número ideal a ser escolhido a priori. Assim, o bom senso para o que seria um tempo razoável de permanência na empresa uma semana com a estimativa de realização de quatro entrevistas por dia - guiou a proposta de pesquisa. 3.9 Coleta de Dados 3.9.1 Entrevista como técnica de coleta de dados O principal meio de coleta de dados foi a entrevista, pois esta permitiria, segundo Patton (1980) identificar o que a outra pessoa pensa, dando acesso a “sentimentos, pensamentos e intenções” ( p.6). Por meio do relato, poder-se-ia saber como o ator organiza e atribui significado ao processo no qual está ou esteve envolvido65. Dar-se-ia oportunidade ao entrevistado de explicar as razões pelas quais as ações, sentimentos e pensamentos relatados ocorreram, relacionando sua experiência vivencial a um contexto organizacional e social mais amplo (Lee, 1993; Patton, 1980). Patton (1980) indica existirem três enfoques para se coletar dados com a utilização de entrevistas: (a) a conversa informal; (b) a entrevista guiada e (c) a entrevista aberta, 65 Poder-se-ia considerar que parte do presente estudo utiliza a estratégia da história oral. História oral podeira ser classificada como um método de pesquisa que procura entender – por meio do relato de pessoas que participaram ou foram testemunhas dos eventos de interesse - acontecimentos ocorridos na sociedade, em grupos sociais, grupos profissionais e instituições. Seria uma forma de recuperação do passado da instituição com toda a multiplicidade de pontos de vista (Thompson, 1978) e conforme “concebido por quem viveu” as situações (Alberti, 1989, p.5). 88 porém padronizada. O que distinguiria um enfoque do outro seria o grau de preparo prévio das questões. Na conversa informal, não existiria nenhuma pergunta elaborada previamente e as que ocorressem seriam resultado do fluxo normal da conversa. Na entrevista guiada, um elenco de itens seria previamente preparado pelo investigador. Embora as perguntas não tivessem que ter formulação padrão e a ordem de enunciação das mesmas não tivesse importância, a lista serviria, ainda assim, como um guia. Na entrevista padronizada, as questões seriam previamente formuladas e ter-se-ia por intenção percorrê-las de forma ordenada e padronizada com todos os entrevistados. Sem a rigidez de um questionário fechado nem a aleatoriedade existente em uma conversa informal, a entrevista guiada permitiria obter pontos de vista diferentes acerca das mesmas questões, sem impedir que novos aspectos do problema fossem investigados se a oportunidade para tal surgisse. Haveria a oportunidade para se encorajar o relato de incidentes críticos, solicitar detalhes e clarificações que, em questionários fechados, não seriam possíveis (Patton, 1980; Rubin e Rubin, 1995; Santos, 1994). No que se refere, especificamente, ao estudo de caso, Yin (1994) indica que três tipos de entrevista podem ser utilizados: (a) entrevista aberta (open-ended); (b) entrevista focada (focused) e (c) entrevista com questões estruturadas. Na entrevista aberta, as perguntas poderiam incluir dados e opiniões acerca de determinados eventos e poder-se-ia obter dos respondentes insights acerca de determinadas ocorrências. O segundo tipo de entrevista – focada – seria uma importante fonte de coleta de informações, quando houvesse pouco tempo, por exemplo apenas uma hora, para o encontro entre pesquisador e pesquisado. Nestas situações, seria natural a utilização de um conjunto de questões derivadas do planejamento do estudo de caso. Por fim, o terceiro tipo – entrevista com questões estruturadas - seria adequado se houvesse necessidade de se realizar um estudo semelhante ao das pesquisas quantitativas, orientadas por procedimentos de amostragem. Assim, seguindo as orientações, elaborou-se um roteiro – ver Anexo 1 - dentro do espírito da entrevista focada, tendo por base a revisão de literatura e o objetivo da pesquisa. 3.9.2 Variáveis coletadas Há que se preocupar o pesquisador com a amplitude do estudo a ser desenvolvido. Como entrar em uma organização sem, ao menos, saber o que deverá ser observado e perguntado? Neste ponto, a revisão de literatura é orientadora, pois aponta para as principais questões associadas ao fenômeno. Dela decorreu a orientação básica para a formulação de perguntas. 89 No caso de downsizing, pode-se, portanto, entender que os principais aspectos do fenômeno estudados seguiram uma lógica temporal e uma lógica no nível organizacional. Assim, estudou-se o fenômeno supondo uma dinâmica no tempo, com conseqüências nos níveis individual e organizacional. Para o modelo temporal, adotou-se, como já explicado no capítulo 2, variação do modelo proposto por Mishra, Spreitzer e Mishra (1998), composto pelas seguintes etapas: (1) razões para o downsizing, (2) características e implementação e (3) fase pósimplementação. 3.10 Tratamento e Análise dos Dados 3.10.1 Especificidade das empresas pesquisadas As empresas pesquisadas foram aquelas que deram acesso para a coleta de dados. Houve, entretanto, uma coincidência: todas haviam sido privatizadas em passado recente. Tal fato teve implicações não esperadas. Embora, teoricamente, as questões de privatização e downsizing possam ser tratadas de per se, na prática, este dois eventos estavam, na percepção dos entrevistados, intrinsecamente ligados. Um ponto bastante indicativo deste fato revelou-se na forma como a pesquisadora era apresentada aos funcionários: “A professora veio fazer uma pesquisa sobre a privatização”. A despeito de todo um processo de formalização da pesquisa, junto à diretoria, e a despeito da insistência da pesquisadora em esclarecer o objetivo do estudo, a comunicação informal dentro das empresas já havia divulgado ser o objeto da pesquisa o processo de privatização. Pelo menos duas razões parecem justificar tal fato: (a) o edital de concessão, nos casos da ServA e da ServB, indicavam que possíveis programas de desligamento em massa estariam sujeitos a regras determinadas; (b) as histórias de privatizações, ocorridas no Brasil, indicavam que programas de desligamento eram comuns no instante posterior à privatização. Este reflexo pôde ser sentido nas respostas às perguntas feitas. A tal ponto, os dois fatos se entrelaçaram, que a análise dos dados revelou ser artificial dividir a reta do tempo em planejamento do programa, implementação do programa e período pós-implantação, conforme havia sido planejado. A coleta de dados indicou, inicialmente, e a análise apenas ratificou ser a divisão temporal período-de-estatal, período-de-transição e período-de-empresa-privada mais adequada à expressão das experiências individuais. Assim sendo, a discussão de resultados levará em consideração esta peculiaridade das empresas pesquisadas. 90 3.10.2 Etapas do tratamento e da análise dos dados Esta etapa foi dividida em três fases. Na primeira, analisou-se cada empresa separadamente, permitindo a emergência de temas e conceitos específicos de cada situação. Na segunda etapa, procedeu-se à descrição de cada um dos casos tendo por base a lógica temporal e codificação realizada na primeira fase. Na terceira etapa, realizou-se a análise simultânea das três empresas pesquisadas a partir de duas perspectivas: uma processual, em que os temas e conceitos comuns às dinâmicas percorridas pelas empresas foram identificados e analisados e uma segunda, em que se procurou representações desvinculadas no eixo temporal e das questões tratadas na revisão de literatura. FIGURA 10 DIAGRAMA DAS ETAPAS DE ANÁLISE Codificação individual dos casos Descrição individual dos casos Análise dos resultados Lógica do processo de downsizing “Corte transversal” dos dados 3.10.3 Uso de software para análise de dados qualitativos Dados qualitativos referem-se, na maioria das vezes, a narrativas, materializadas inicialmente na forma de entrevistas, gravadas que são, posteriormente, transcritas para o papel. Vê-se o pesquisador, após esta fase de transcrição, com grande volume de papel a ser analisado. Como as entrevistas duraram, em média, uma hora, gerando cerca de 20 páginas de transcrição cada uma, a pesquisadora viu-se, ao início da etapa de análise, com cerca de 1200 páginas de texto. Segundo Pettigrew (1988) apud Eisenhardt (1989), corria-se o risco de “morte por asfixia de dados”. 91 Diante de tão volumoso material, optou-se pela utilização de software específico para a análise de dados qualitativos. Estes apresentam as seguintes vantagens (Creswell, 1998)66: - organizam e arquivam o material; - permitem rápida recuperação de partes específicas, idéias, frases ou palavras; - eliminam as operações de “corte e cola”; - forçam uma análise do texto que, de outra forma, poderia ser realizada superficialmente. A utilização do software auxilia, ainda, nas seguintes tarefas (Creswell, 1998): - pesquisa de conceitos e temas; - cruzamento de temas ou conceitos; - visualização da codificação através de diagramas. Este estudo utilizou-se do software Nud*ist, criado por Thomas e Lyn Richards e comercializado pela empresa Sage. Os dados forma organizados de forma compatível com o estudo de casos e similar à proposição de Creswell (1998): FIGURA 11 DIAGRAMA DE ORGANIZAÇÃO DOS DADOS NO NUD*IST ServX Préprivatização Tema 1 Tema N Pósprivatização Transição Tema 1 Tema N Tema 1 Tema N Ao final, pode-se dizer que a tarefa teria sido imensamente dificultada, caso as entrevistas tivessem que ser manipuladas apenas com papel ou com editor de textos. O software liberou a pesquisadora de grande parte do trabalho manual, permitindo a 66 Os comentários do autor referem-se ao software Nud*ist. 92 organização e a associação de dados que facilitaram e incentivaram a reflexão sobre o fenômeno67. 3.10.4 Manutenção da confidencialidade dos depoimentos Todas as entrevistas foram conduzidas garantindo a confidencialidade da empresa pesquisada, do nome e do cargo do entrevistado. Assim, todas as citações diretas apresentadas nos resultados da pesquisa utilizaram nomes - pessoais e de cargos – fictícios. As empresas, por sua vez, foram denominadas ServA, ServB e ServC Com o objetivo de resguardar os pesquisados, sem perder informações relevantes para a pesquisa, optou-se pela utilização de duas categorias de identificação: nível hierárquico (diretor, gerente, supervisor e funcionário) e área funcional (administrativa, comercial e operacional). 3.11 Limitações do Método 3.11.1 Limitações do método de caso Uma das primeiras questões a que se expõe aquele que adota método do caso trata da impossibilidade de se generalizar os resultados da pesquisa. Este assunto tem sido palco de debates e controvérsias e, para aqueles que partem de uma lógica estatística, o estudo de um único caso traria em si a grave limitação de não certificar se o caso estudado é, realmente, representativo do universo do qual ele seria uma amostra (Blalock e Blalock, 1975; Gil, 1987). Outros autores enfocam a questão de ponto de vista diferente, assinalando que o estudo de caso não teria a intenção de ser um exemplo típico de uma população (Glaser e Strauss, 1967, Gummersson, 1991; Yin, 1994). O método do caso permitiria que se generalizassem os achados para uma proposição teórica e não para uma população de entidades ou sujeitos estudados (Gummersson, 1991; Yin, 1994). Glaser e Strauss (1967) indicam que mesmo um único caso pode revelar uma categoria ou propriedade conceitual, sendo que casos adicionais podem confirmar a indicação. É bastante elucidativo o comentário de Normann (apud Gummersson, 1991, p. 78): “Se você tem uma boa linguagem descritiva ou analítica por meio da qual você pode, realmente, apreender a interação entre as várias partes do sistema e a suas características importantes, as possibilidades de generalizar a partir de poucos 67 Outros softwares para análise de dados qualitativos são comercializados. A pesquisadora não teve a oportunidade de trabalhar com nenhum deles. Esta tese de doutorado foi, também, sua primeira experiência com o Nud*ist. 93 casos, ou mesmo a partir de um único caso, podem ser razoavelmente boas. Tal generalização pode ter um caráter particular: pode ser possível generalizar uma afirmativa do tipo: ‘um sistema do tipo A e um sistema do tipo B juntos formam um mecanismo que tende a funcionar de uma determinada forma’. Por outro lado, não se pode fazer quaisquer generalizações acerca de quão comum são esses tipos de sistema e padrões de interação. Mas as possibilidades de generalizar, a partir de um único caso fundamentam-se na abrangência das medidas que tornam possível atingir uma compreensão fundamental da estrutura, processo e força de ação em vez do estabelecimento superficial de uma correlação ou relação de causa e efeito”.68 3.11.2 Limitações da técnica de entrevista A opção por entrevistas em profundidade traz, também, problemas. Um deles refere-se ao fato de que, se a entrevista destina-se a recuperar parte do passado da empresa, então o pesquisador não tem como visitar este passado e pode, apenas, ajudar o entrevistado a lembrar de fatos ocorridos e encorajar o relato dos eventos e dos sentimentos associados (Hoopes, 1979). Trata-se de situação em que o pesquisador está limitado àquilo que o entrevistado consegue lembrar ou deseja revelar. Mesmo que a entrevista inquira sobre dados pessoais do empregado, ainda assim, é falha como instrumento de coleta de dados. Ao se investigar, por exemplo, o estresse em downsizing, chega o pesquisador, quando tudo já se passou. Fica impossibilitado de qualquer tipo de observação, sujeito, por conseqüência, às possíveis falhas de memória e “distorções defensivas” do entrevistado (Lazarus e Lazarus, 1994, p.232). As múltiplas entrevistas podem, entretanto, fornecer material para que o pesquisador, com habilidade e respeitando limites éticos, confronte relatos e abra oportunidades para esclarecimentos que, de outra forma, ficariam intocados. Este procedimento foi particularmente importante nas perguntas que abordaram questões de cunho mais subjetivo como, por exemplo, o impacto após a implantação. 68 Tradução livre. 94 4 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVA 4.1 Breve Histórico da ServA A ServA, estatal do setor de serviços com sede na Região Sudeste, era tida, dentro de seu âmbito de atuação, como uma empresa modelo. As demais empresas estaduais do mesmo setor estavam longe de atingir o seu nível de desempenho, ao ponto de, quando houve a privatização, ser considerada um benchmark nacional tanto em termos gerenciais como em termos técnicos e operacionais. Em 1996, já se preparando para a iminente privatização do setor, a empresa ofereceu um primeiro Plano de Desligamento voluntário – PDV69, que obedecia a determinadas regras impostas pela diretoria. Genericamente, essas regras diziam respeito à elegibilidade para a adesão ao plano e aos benefícios a serem oferecidos. O plano estaria aberto, apenas, para pessoas que tivessem mais de 20 anos de trabalho e, ainda, não tivessem atingido plenas condições de aposentadoria. Além de um incentivo monetário que variava, conforme o número de anos de trabalho, a empresa oferecia uma extensão de 18 meses do plano de assistência médica e, também, do seguro de vida em grupo, este sem qualquer ônus para o empregado. No que se refere ao fundo de pensão, era prática da empresa participar com dois terços da contribuição, ficando sob a responsabilidade do empregado um terço do valor. Para aqueles empregados sem os requisitos mínimos para o direito à complementação da aposentadoria pelo fundo de pensão da empresa e que aderissem ao plano, a empresa continuaria a contribuir com a sua parte, durante um período máximo de 60 meses, desde que o empregado entrasse com um terço do valor. Como os recursos para o pagamento de indenizações eram limitados, estabeleceu-se uma meta de desligamentos e a empresa preparou-se para um eventual excesso de pedidos. Caso isso acontecesse, alguns critérios previamente estabelecidos seriam adotados, como, por exemplo, dar-se prioridade àqueles funcionários que estivessem lotados em áreas com maior probabilidade de terceirização. No entanto, não houve necessidade de se entrar nesse tipo de consideração, uma vez que o número de adesões ficou muito aquém daquele previsto originalmente. 69 Utilizaram-se o nome Programa de Desligamento Voluntário e a sigla PDV para o plano oferecido quando a empresa era, ainda, estatal. O nome Plano de Desligamento Incentivado e a sigla PDI foram utilizados para o plano oferecido após a privatização. Ambos os planos foram voluntários e a diferença de siglas e nomes dos planos foi adotada para facilitar o entendimento dos fatos. 95 Em verdade, a empresa tinha como objetivo original atingir cerca de 800 pessoas, sendo que, apenas, 430 funcionários aderiram. Apesar disso, nenhuma outra ação foi realizada para reduzir pessoal como, por exemplo, uma reedição do plano, ou mesmo uma atitude unilateral da empresa no sentido de demitir os empregados. O PDV encerrou-se em meados de 1997. Em 1998, a empresa foi, finalmente, vendida e passou a fazer parte, junto com outras empresas estaduais igualmente privatizadas, de um grupo maior, cuja holding se localizava na Região Sudeste. Em uma primeira etapa, contratou-se uma grande consultoria para auxiliar no estabelecimento dos cursos de ação da holding. Assim, empresas internacionais foram utilizadas como benchmark não só para a avaliação operacional, mas também para estimar o volume de mão-de-obra necessário para o atingimento das metas estabelecidas. Delineou-se, entre outras medidas, a terceirização de algumas atividades menos ligadas ao negócio principal e, também, uma redução de pessoal. As diretrizes passaram, portanto, a ser dadas, deste momento em diante, pela matriz. Inclusas estavam as questões referentes aos recursos humanos e, mais especificamente, à questão de implantação de um plano de demissão. De acordo com o edital de concessão, qualquer demissão em massa dentro dos primeiros 180 dias da privatização, deveria ser feita na forma de um plano de desligamento incentivado, sendo que a empresa teria total liberdade para estabelecer os seus critérios. A holding optou, após várias análises e simulações de custo, por realizar um plano de desligamento ainda dentro dos seis meses iniciais, plano esse que tinha por principais características: (a) o pagamento de incentivo financeiro proporcional ao número de anos de serviço, estimulando aqueles que tivessem maior tempo de empresa; (b) a manutenção do plano de assistência médica por mais 90 dias, e (c) uma cesta básica, que poderia ser convertida em dinheiro. A tabela de incentivo financeiro obedecia à seguinte regra: até quinze anos de empresa, receber-se-ia 0,3 salários por ano; de quinze até vinte e cinco anos, 0,5 salários por ano e acima de vinte e cinco anos, 0,6 salários por ano trabalhado na empresa. Segundo orientações da matriz70, as diversas empresas do Grupo – das quais a ServA era uma – poderiam reservar-se o direito de não aceitar o pedido de desligamento de um funcionário, caso o considerassem imprescindível para a continuidade do trabalho. O programa foi lançado, simultaneamente, em todas as empresas da holding, cerca de três meses após a privatização. As pessoas tinham cinco dias para decidir, sendo a adesão de caráter voluntário. Se, porém, até determinada data, o número desejado não 70 Neste contexto, o termo matriz e holding são usadas como sinônimos. 96 fosse atingido, a empresa poderia, posteriormente, efetuar demissões, aplicando, nesses casos, um redutor de 30% sobre o incentivo financeiro. Uma das questões levantadas pelos novos gestores referiu-se à possibilidade de adiar o plano de redução de pessoal pois, segundo o edital de privatização, passado o período de 180 dias da data de privatização, a empresa adquirente poderia proceder às demissões pagando apenas o previsto pela legislação trabalhista, sem a obrigatoriedade de concessão de qualquer benefício adicional. A decisão por um plano de desligamento incentivado, logo ao início da nova gestão, deveu-se, principalmente, à necessidade de sinalizar, tanto para a sociedade em geral, quanto para o público interno, o início de uma fase diferente. Nas palavras do diretor de Recursos Humanos da nova holding: “A principal questão foi a de tornar a empresa mais ágil, dar uma mensagem para o mercado da mudança. A gente sabia que qualquer mudança, que não estivesse associada logo a este período, seria muito mais difícil de acontecer. Porque as pessoas naquele momento sabiam que a mudança era inevitável”. Mas as mudanças não foram fáceis de serem aceitas. Muitas pessoas achavam que iria se reverter a privatização e que o programa de demissão não poderia ser realizado. Ainda nas palavras do diretor de Recursos Humanos da holding: “Muitas pessoas não acreditavam que isso ia ocorrer. Não aceitaram num primeiro momento. ...’Isso não vai acontecer. Eles não vão poder fazer isso’. O sindicato veio e falou que não iam poder demitir, que a privatização ia ser cancelada, que nós enquanto controladores, não íamos poder contar com recursos jurídicos”. A implantação do programa contou com o suporte de uma empresa especializada e com o envio de consultores a todos os Estados para orientar a negociação com os sindicatos e auxiliar no planejamento da comunicação do plano. A comunicação do plano teve como alvo não apenas o público interno, formado por gerentes e funcionários, mas também os públicos externos, como a imprensa, governos estaduais e federal, órgãos reguladores, clientes, acionistas e, mesmo, a sociedade em geral. Para atender ao público interno, elaborou-se uma cartilha contendo: (a) uma explicação dos objetivos do plano; (b) indicação de quais empregados não seriam abrangidos pelo plano, (como, por exemplo, aqueles que estivessem com o contrato de trabalho suspenso em decorrência de acidente de trabalho ou auxílio doença); (c) informações sobre as datas para a adesão; (d) incentivos oferecidos pelo plano e (e) uma sessão com perguntas e respostas, procurando esclarecer as dúvidas mais freqüentes. 97 A ServA por estar, dentre as demais empresas formadoras da nova holding, em estágio tecnológico mais avançado, utilizou-se, ainda, de meios eletrônicos para a comunicação do plano. Assim, o processo foi comunicado por terminais de computadores onde os empregados podiam obter os dados relativos ao seu caso e, também, fazer algumas simulações. A adesão poderia ser realizada pelo terminal. Nas palavras dos entrevistados, “bastava um enter” para se entrar no plano. Curiosamente, essa facilidade de comunicação fez com que as pessoas deixassem sua decisão para – literalmente - a última hora. Segundo depoimento de gerente de área administrativa: “Cinco dias. A adesão maior ela ocorreu no último dia. As pessoas estudaram, pensaram e aí na última hora, na última hora de fato, às cinco horas era a última hora, de quatro às cinco horas foi uma adesão maciça, quer dizer, isso foi colocado no terminal. ...Se você entrasse no terminal a cada cinco minutos para ver como estava a adesão, veria que o número [subia a] uma velocidade bem grande”. Segundo o diretor de Recursos Humanos da ServA, seria obrigação da empresa disponibilizar todas as informações ao empregado, deixando claro quantias, prazos, situação no INSS, decisões, enfim, relevantes para a decisão a ser tomada. Assim, uma série de ações foram tomadas de forma a facilitar a decisão do funcionário. A empresa disponibilizou um espécie de plantão com pessoas da área de Recursos Humanos destinada a tirar dúvidas dos empregados ou realizar cálculos de interesse do interesse do funcionário, como, por exemplo, tempo para a aposentadoria. Além disso, a empresa tinha um convênio com o INSS, que garantia a existência de um posto avançado do Instituto dentro da empresa. Se desenho e estrutura do plano foram idealizados pela matriz, algumas decisões ficaram, entretanto, a cargo das unidades71. No caso da ServA, a principal questão referiu-se à possibilidade de se recusar uma adesão. No plano original, as empresas poderiam recusar um pedido se julgassem necessário. A ServA optou por aceitar todos os pedidos de desligamento, não havendo nenhuma ação para se reter pessoas consideradas estratégicas ou tidas como talentos. Considerava-se que, ao recusar um pedido de saída, a empresa passaria a ter que dar uma reciprocidade não prevista pelos planos de recursos humanos. Nas palavras do diretor de Recursos Humanos da unidade: “O plano tinha uma remuneração até bem atrativa para quem fosse sair. Então, na medida em que você não deixasse a pessoa sair, e ela continuava a trabalhar, continuava com o seu salário, ela iria falar: ‘E agora? Eu fico e você não quer deixar eu sair. Mas o que eu vou ganhar?’ Vai continuar trabalhando no mesmo 71 Usar-se-á, neste texto, os termos empresa do grupo e unidade como sinônimos. 98 lugar e ganhando a mesma coisa enquanto para sair ia ganhar tantos mil reais. Isso eu chamo de compromisso”. Outra questão referia-se à competição do setor. Na ocasião, a concorrência estava apenas se iniciando e a demanda por profissionais especializados, ainda, estava baixa. Um cenário de concorrência diferente, entretanto, poderia ter alterado a decisão da unidade, conforme relato do mesmo diretor de Recursos Humanos: “O mercado não estava, naquele momento, tão demandador como está hoje. Se isso acontecesse...a gente acredita, eu pelo menos acredito, que hoje a decisão fosse outra”. Com essa decisão, algumas áreas ficaram carentes de mão de obra especializada. A alternativa encontrada pela ServA foi a de reter alguns funcionários de setores mais estratégicos através de contrato temporário, com um salário menor e por um período pré determinado. Nesse ínterim, a empresa tentaria substituir os profissionais através de processo interno ou, mesmo, com contratação de mão-de-obra terceirizada. Haveria, é claro, a possibilidade de que estes empregados – cerca de 30 - a quem se ofereceu um contrato temporário se recusassem a continuar por esse período. Em verdade, apenas uma pessoa recusou-se a continuar dentro desse acordo. A aceitação do vínculo temporário deveu-se, na opinião do mesmo diretor, à cultura de estabilidade do emprego: “Não era muito comum sair de uma empresa estatal. O vínculo de emprego era no padrão japonês. Ficava-se uma vida aqui dentro”. Além disso, havia na empresa um espírito de equipe e de responsabilidade muito grande. Nas palavras do diretor: “Não era problema trabalhar mais dois ou três meses. Foi muito em [função] de não deixar, não largar o serviço pelo meio, no espírito de responsabilidade, que sempre foi muito forte aqui na ServA, sempre foi muito forte”. Mesmo assim, algumas áreas se viram, repentinamente desfalcadas de mão de obra, o que gerou ansiedade nos respectivos gerentes. A situação agravou-se, ainda mais, pela transferência de alguns funcionários para outras empresas do grupo. Essa situação permitiu, por sua vez, que novas lideranças surgissem e assumissem o espaço vazio deixado pelos que saíram. Segundo depoimento do diretor de Recursos Humanos da ServA, “a empresa, simplesmente, deu a volta por cima; criou novas lideranças; talentos que saíram foram repostos... Tivemos a oportunidade de que muitas pessoas ascendessem, inclusive gerencialmente”. No caso da ServA, 1074 pessoas saíram no plano, tendo idade média de 47 anos e média de 22 anos trabalhados na empresa. Na avaliação do diretor de Recursos Humanos, esta adesão foi surpreendente, pois se esperava, em função de simulações realizadas, um volume bem menor, em torno de 700 a 800 adesões. 99 Para que se tenha uma idéia do perfil das pessoas que optaram pelo plano, apresentamse, a seguir, duas tabelas. Uma indica o nível de escolaridade dos funcionários que aderiram e a outra discrimina as adesões por departamento. A divisão por escolaridade pode ser verificada na Tabela 11 a seguir: TABELA 11 ADESÕES AO PDV NA SERVA POR GRAU DE ESCOLARIDADE Grau de escolaridade Primeiro Grau Completo Segundo grau completo Superior completo Total No de adesões 387 447 240 1074 Fonte: Documento interno da ServA No que se refere à divisão por área, as maiores adesões ocorreram no departamento de manutenção, totalizando 571 empregados. Pode-se supor que o grande número de adesões nessa área tivesse origem na grande possibilidade que se via, à época, de a atividade ser terceirizada. TABELA 12 ADESÕES AO PDV NA SERVA POR ÁREA FUNCIONAL Áreas da empresa Áreas de manutenção Áreas administrativas Áreas de negócios Total No de adesões 571 295 208 1074 Fonte: Documento interno da ServA 4.2 Antes da Privatização: A ServA como Estatal 4.2.1 Práticas organizacionais à época de estatal Cada empresa do Grupo adquiriu, ao longo de sua existência, um conjunto de práticas que se tornaram características da organização. No caso da ServA, algumas relacionavam-se à imagem de uma típica empresa estatal; outras, por sua vez, estavam mais próximas de uma administração de empresa privada. 100 4.2.1.1 Gestão A gestão, pautada em decisões e indicação de cargos por interesses políticos, era uma característica da ServA que incomodava alguns funcionários da empresa. Viam pessoas externas serem indicadas para diretorias e funcionários alçados a cargos de gerência sem que tivessem condições técnicas ou mesmo uma história de comprometimento com a empresa. “Então ... era muito voltado para essas orientações governamentais... uma politicagem danada. Todo mundo aqui político mesmo, diretoria política, muitos gerentes eram designados politicamente... Presidente da empresa do partido tal, o diretor de Recursos Humanos era do partido tal. ... Nós tivemos aqui dentro do próprio departamento duas pessoas recomendadas pelo diretor...Apesar de ótimos colegas não tinham qualquer perfil gerencial ... tinham dificuldade até no operacional ... quanto mais gerenciar pessoas.” (gerente de área administrativa) Segundo um dos depoimentos, a questão ligava-se ao mérito da indicação, à falta de embasamento técnico e à ausência de comprometimento com o longo prazo, vistos como necessários para a tomada de decisões. Na percepção dos entrevistados, seriam representantes de partidos políticos, não estando a sua função conectada com o futuro da organização. “A questão não é só ligação política. A questão é que a indicação política prevê que a pessoa está ali para exercer um cargo político. ... Então o negócio fica um pouco complicado porque, na maioria das vezes, você precisa de uma decisão técnica também, tem que ter um suporte técnico do seu diretor. O diretor tem que conhecer também. ....E às vezes isso não era possível, não pela má vontade, não é isso, nós sempre tivemos um quadro de diretores muito bons, mas faltava o arcabouço técnico e a questão do envolvimento. A pessoa que está ali sabe que ela depende do presidente indo, do governador que está saindo... o objetivo dela é estar ali representando o governador, o grupo político de interesse. E depois dali ela sabe que vai sair...” (gerente de área administrativa) Planos internos, considerados estratégicos para o sucesso da empresa, teriam deixado de ser executados por não atenderem a interesses estranhos à empresa o que comprometeria, segundo um depoimento, a competência e a lógica da organização. 4.2.1.2 Demissões A representação das demissões, no caso da ServA, não surgiu de forma nítida. Para um dos entrevistados, a empresa sempre demitiu e manteve-se enxuta ao longo dos anos: “acho que foi em 77, 78.....foram umas 300 demissões” (funcionário de área 101 administrativa). Ou, ainda, nas palavras de outro depoente: “Desde a época da estatal, eu acho que sempre convivemos com isso, o fantasma do desemprego”. Outros, porém, indicaram que a empresa quase não demitia. Segundo um dos gerentes, a empresa tratava seus funcionários como “uma mãe” que, em caso de falha, poderia repreender, mas nunca demitir. “A estatal tinha todo um aparato... a minha percepção era de que, para a empresa enxugar um quadro de estatal era muito difícil, muito difícil, e a empresa privada não tem essa dificuldade, eu não vejo essa dificuldade.” (gerente de área .operacional) “Até então era a mãe... que era o seguinte: ela vai no máximo puxar as orelhas, mas não vai dar um pontapé, me botar na rua.” (gerente de área administrativa) No entanto, a ausência de demissões não significava, para alguns, necessariamente, que a empresa estivesse com quadro de pessoal excessivo. Um dos entrevistados, por exemplo, indicou que a empresa procurava sempre trabalhar com o quadro “ajustado”. “O quadro da ServA era um quadro até ajustado. A ServA sempre se preocupou em enxugar seu quadro. Por isso que eu.... quando assumi a folha de pagamento, nós tínhamos treze pessoas lá trabalhando...no meu tempo de gerência nós reduzimos pessoas. E em vários setores, a empresa sempre, de um modo geral, se preocupou em ajustar seu quadro. Então a ServA sempre teve o quadro bem ajustado.” (técnico de área administrativa) 4.2.1.3 Desenvolvimento de pessoal Uma das práticas que mais se destacou, no discurso dos entrevistados, refere-se ao treinamento e desenvolvimento de pessoal oferecido pela empresa, anteriormente à privatização. Abrangeria todos os níveis organizacionais e as várias áreas funcionais e contemplaria não apenas o desenvolvimento tecnológico, mas também o pessoal e comportamental. “Eu sempre achei que havia uma preocupação da ServA, empresa estatal, muito grande com relação ao desenvolvimento pessoal e profissional dos empregados. ... Desde o diretor até o empregado mais simples da empresa, no menor cargo, eles todos foram envolvidos em programas de desenvolvimento pessoal e profissional. Foi uma coisa bastante significativa, muito significativa”. (funcionário de área administrativa) 102 Na percepção dos entrevistados, existia, na ServA, uma cultura que não apenas permitia, como também incentivava os funcionários a realizarem cursos e a estudarem. Em alguns casos autorizava-se o uso do horário de trabalho para esse desenvolvimento. “Então a gente estudava, tinha tempo, o próprio gerente designava para a gente estudar e de uma maneira assim bastante interessante. Eu achava que os gerentes, nessa época, estimulavam todos a estudarem.” (funcionário de área administrativa) Essa ênfase percebida no treinamento poderia dever-se, em parte, ao fato de a empresa, além de atuar em ramo com tecnologia específica e altamente dinâmica, ser monopolista no setor. Não haveria, segundo um dos entrevistados, disponibilidade, na região, de cursos que preparassem o corpo técnico nas habilidades necessárias à operação diária da empresa. A empresa precisaria, por conseqüência, formar sua própria mão de obra, investindo, para esse fim, elevada e continuamente, no treinamento de seus funcionários. “Aqueles equipamentos mais antigos foram ficando para trás e sempre renovando os equipamentos, sempre substituindo por equipamentos mais modernos. E toda essa revolução tecnológica que teve, o treinamento acompanhou essa revolução tecnológica.” (supervisor de área operacional) “Quando eu entrei para a ServA não tinha curso técnico, fui formado no antigo curso científico. Foi todo um trabalho de formação, curso, curso, para se formar as pessoas dentro da empresa. E empresa procurou formar seus profissionais... No mercado lá fora não existia essa especialização.” (gerente de área operacional) Todo esse cuidado teria formado um quadro de pessoal altamente capacitado, motivo de orgulho de muitos e expresso no discurso de alguns: “Muitos cursos, bastante cursos. Eu não saberia falar quantos já fiz... perdi a conta. ... Todos os profissionais que estão aqui, durante esses anos, ele foram muito bem treinados.” (supervisor de área operacional) 4.2.2 Representações da ServA Observou-se, de forma geral, no discurso dos entrevistados, grande respeito e orgulho pela ServA. Consideravam a empresa dinâmica e avançada; técnica e operacionalmente muito melhor do que suas similares no país. Para um dos entrevistados, um dos grandes méritos, ainda como estatal, encontrava-se na postura participativa que a empresa adotava, em relação a seus funcionários e à 103 comunidade em geral. Para outros, a empresa distinguia-se por sempre ter investido muito no desenvolvimento de seus empregados construindo um centro de treinamento “modelo para o país” e formando um corpo técnico que “nada deixava a desejar a pessoas que chegavam de fora” “A ServA sempre foi uma empresa que nós consideramos de vanguarda, porque ela sempre foi uma empresa que saiu na frente. ... Ela sempre procurou estar envolvendo seus empregados. Envolvendo a comunidade também naquilo que é negócio dela.” (funcionário de área administrativa) “Nós tínhamos uma empresa modelo, em nível Brasil, uma empresa que funcionava maravilhosamente bem.” (funcionário de área administrativa) Para outros, ainda, a ServA era uma empresa conceituada no seu setor que, embora estatal, não “agia como estatal”, diferenciando-se, assim, das demais. “A ServA, mesmo como empresa estatal, ela tinha algumas boas postura não só em nível de ações, mas ao nível de seu corpo gerencial. Algumas ações que a diferenciavam.” (funcionário de área administrativa) “A ServA era uma empresa altamente conceituada nesse mercado... muito conceituada. ... A ServA, apesar de ser uma empresa estatal, ela não agia como estatal, ela não agia nunca como estatal.” (funcionário de área administrativa) Outro entrevistado considerava que, embora administrada por políticos, quem “tocava” a empresa era uma equipe técnica de alta qualidade. Tal equipe teria conseguido manter um padrão de competência e prestar serviço de qualidade, segundo outro relato. “A ServA foi uma grande empresa mesmo na época em que os políticos a administraram, porque eles também tiveram uma postura de fazer com que os técnicos ‘tocassem’...” (gerente de área administrativa) “Mesmo sendo estatal, ela conseguiu um nome, uma competência, prestar um serviço de qualidade. ” (gerente de área administrativa) Uma perspectiva diferente foi apresentada por um gerente de área administrativa. Para ele, a empresa encontrava-se em um dilema de papéis: tanto deveria proteger os interesses de seus acionistas – embora o governo fosse majoritário, havia acionistas minoritários – como teria, também, a função de arrecadador de tributos. Defender estes dois papéis “antagônicos” seria um dos problemas enfrentados. “Então como defender esses dois interesses que são absolutamente antagônicos? Então é complicado. ... São antagônicos os interesses do acionista minoritário e os interesses do governo. Mas cada um tem seu papel. ... Eu acho que vi passar 104 por aqui muitas dessas, vamos chamar assim, muitas dessas contradições nesse período todo que a gente está aqui.” (gerente de área administrativa) 4.3 Transição de Estatal para Privada Considerou-se, como transição, o período que foi de 1996, quando foi oferecido o primeiro plano de desligamento voluntário, até os primeiros meses de 1999, quando terminaram os primeiros seis meses da nova gestão. Esse período foi decisivo na orientação pessoal e profissional dos empregados da estatal. Muitos puderam se aposentar nos dois planos (1996 e 1998), outros encontraram oportunidades em outras empresas ou atividades, mas a maioria permaneceu na ServA. 4.3.1 Plano de desligamento voluntário – PDV no contexto de uma empresa a ser privatizada O Programa Nacional de Desestatização tinha como objetivos desonerar o governo de investimentos em áreas estratégicas para as quais não havia recursos monetários suficientes e permitir que, com aportes da iniciativa privada, as empresas pudessem obter maior eficiência e agilidade operacional. Dentro deste contexto, fez parte do programa de governo que as empresas a serem privatizadas passassem por processos de reformulação de seus quadros de pessoal, implementados, via de regra, na forma de planos de desligamento incentivados. Com a ServA não foi diferente. Em 1996 – dois anos antes, portanto, da efetiva privatização - foi oferecido, conforme já relatado, um Plano de Desligamento Incentivado – PDI, que tinha por objetivo estimular o desligamento de funcionários com muitos anos de serviço e próximos da aposentadoria. Uma das principais características do plano referia-se às condições de elegibilidade: os funcionários não poderiam ter, ainda, atingido as plenas condições para a aposentadoria pelo sistema de previdência oficial, e deveriam, também, ter pelo menos 20 anos de trabalho. Assim, a possibilidade de adesão ao plano estava limitada a funcionários que tivessem menos de 35 anos de trabalho, no caso dos homens, menos de 30 anos de trabalho, no caso das mulheres e, ainda, que tivessem pelo menos 20 anos de trabalho. Um aspecto peculiar ocorreu, entretanto, na implantação do programa: a flexibilidade para arrependimentos. Empregados que haviam aderido ao plano puderam, em algumas circunstâncias, voltar atrás. O mesmo ocorreu para pessoas que não tinham optado dentro do prazo estipulado: permitiu-se-lhes a adesão mesmo após o encerramento das inscrições. 105 Essa flexibilização causou, segundo depoimento de um gerente da área de recursos humanos, uma série de inconvenientes operacionais, uma vez que prazos legais de pagamento de indenizações e tributos deveriam ser obedecidos nos casos de desligamentos. “Mas a empresa, ela começou a flexibilizar. Às vezes a pessoa tinha aderido, depois se arrependia e voltava atrás. Depois ele cismava, entrava de novo. O que não quis aderir, quis depois e a diretoria aceitou essa flexibilização até pelo próprio momento. Isso tornou a coisa muito difícil de trabalhar.” (gerente de área administrativa) Esse entra-e-sai originava-se, segundo o mesmo gerente, da grande ansiedade que se instalou no grupo-alvo do programa: “A ansiedade desse grupo que entra, que está entrando num processo desses, mesmo que tenha as condições prévias, a ansiedade é muito grande e a insegurança é muito grande.” (gerente de área administrativa) 4.3.1.1 Razões para o PDV Necessidade de enxugamento, preparação para a privatização, uma forma de dar dinheiro para as pessoas que saíssem foram os motivos apontados pelos entrevistados para o plano de desligamento oferecido pela ServA. Dentro da perspectiva de conceder um auxílio financeiro àqueles que aderissem, duas interpretações ocorreram. Um entrevistado creditou a generosidade do plano a uma manipulação que beneficiava, principalmente, aqueles em posição de comando. Para outro, a concessão desses benefícios tinha por motivo ajudar as pessoas a iniciarem outra atividade fora da empresa. “Eu entendi, na época, que já tivesse sido uma... uma preparação para esse momento de privatização. ‘Vamos aproveitar e fazer isso aqui agora, porque na hora da empresa privada chegar, não sei se eles vão querer fazer’. .. Então, assim, um ‘ajeitamento de bola’ para aquelas pessoas que durante muitos anos se dedicaram. ... Aí saiu muita gente do topo da pirâmide. Queriam sair assim com um dinheiro maior... prêmio pelos bons serviços prestados.” (gerente de área administrativa) “Eu acho ... que é uma oportunidade também que se dá, àquele colaborador, àquele empregado para que ele possa estar montando, possa estar procurando alguma coisa fora ... daquela atividade que ele vem exercendo há mais tempo.” (funcionário de área administrativa) 106 Para outro entrevistado, a questão se resumia a diminuir o quadro de pessoal tendo em vista a privatização, incentivando pessoas mais velhas e com salários maiores a se desligarem. Dentro ainda da perspectiva da privatização, um outro ainda considera que se tratava de diminuir o quadro de uma empresa que estava “inchada”. “Bem, eu percebo o seguinte: ela [a empresa] precisa enxugar o quadro de pessoal e eu senti, bem no fundo, eu senti que ela precisava ficar livre daquele pessoal que já estava mais próximo de aposentar, pessoal com mais tempo de casa e com o salário mais alto.” (funcionário de área administrativa) “Eu acho que era com vistas à privatização. Eu achei que já se falava em privatização e acho que sempre houve uma cobrança da comunidade, de forma geral... de empresas estatais. Então, se aproveitou as duas coisas e se tentou conciliar isso aí. ‘Eu vou precisar reduzir esse quadro, eu tenho que vender essas empresas, não posso vender inchadas e também para dar uma satisfação para a sociedade ainda enquanto empresa estatal’.” (funcionário de área administrativa) A questão da idade reapareceu em outro depoimento. Nesse caso, havia uma necessidade de se ter um quadro mais jovem em função de algumas atividades que a empresa exercia. Além disso, com a terceirização de alguns trabalhos, ter-se-ia criado um excesso de contingente. “Eu acho que a empresa precisava diminuir um pouco o quadro de funcionários dela em função de algumas coisas que foram desativadas, em função da empresa terceirizar alguns trabalhos. Em função também do pessoal, de alguns tipos de serviço que necessitavam de pessoas mais jovens. E para as pessoas saírem melhor... muitos estavam querendo recomeçar com outra coisa. Então seria um recomeço para eles.” (funcionário de área operacional) 4.3.1.2 Razões para a adesão ao PDV As adesões se fizeram, segundo os depoimentos, majoritariamente, por pessoas próximas à aposentadoria. Além disso, nessa época, duas questões se apresentavam no cenário nacional: a mudança da legislação da previdência social e a própria privatização da empresa. Assim, proximidade da aposentadoria, insegurança com relação à legislação previdenciária, possibilidade de privatização e, também, a existência de alguma atividade paralela fora da empresa teriam sido os principais fatores a contribuir para a adesão ao plano. “Então, a maioria das pessoas que saíram, pelo menos no meu conhecimento, foram pessoas que estavam já para se aposentar ou pessoas que já tinham alguma atividade fora da empresa. ... eu acredito que 80% das pessoas que 107 saíram já tinham se preparado, mesmo porque, na época ainda de empresa estatal, nós .... nós já dávamos alguns seminários e cursos, já preparando as pessoas para a aposentadoria.” (funcionário de área administrativa) “Então houve aquilo, um momento de pré privatização. ‘Vai privatizar. O que vai ocorrer?’ Um momento de mudança na legislação ...o que poderia ocorrer com a mudança da lei de Previdência Social. Então isso empurrou o grupo a aderir. Mas no geral, a adesão maior foi de pessoas que tinham mais tempo para se aposentar. ... e também empurrou algumas pessoas que já tinham alguma coisa aí fora, em termos de estrutura profissional e pessoal fora da empresa.” (gerente de área administrativa) A realização deste plano serviria, segundo um depoente, como um alerta para a privatização o que estimularia as pessoas mais inseguras a aderirem. A empresa, todavia, não teria sinalizado desta forma e as pessoas também não teriam interpretado assim. “Eu tinha o seguinte raciocínio; esse PDI deve ter sido um grande sinalizador para pessoas de que as coisas estavam para, para mudar. Eu achei que ele seria interpretado por várias pessoas como uma grande sinalização: ‘Olha, nós vamos privatizar mesmo. A privatização está chegando, tanto é que estão oferecendo o PDI’. Mas não foi isso que eu percebi de forma geral. Isso não apareceu. ... Eu percebo o seguinte, não teve, não foi colocado assim, a coisa com essa intenção, ou seja, ninguém explicitou este objetivo ‘Olha vai privatizar e já é o começo’. Não teve isso... Eu tenho a impressão, de uma maneira geral, que elas só acreditaram mesmo, para valer, na questão da privatização no momento em que ela ocorreu.” (gerente de área administrativa) 4.3.1.3 - Razões para a não adesão ao PDV Quatro pontos parecem predominar nas justificativas daqueles que poderiam ter entrado no plano e optaram por não fazê-lo: (a) a falta de tempo para ter direito à aposentadoria plena; (b) o incentivo monetário insuficiente para justificar o pedido de desligamento; (c) a ausência de oportunidades de ocupação - um novo emprego ou um negócio próprio – fora da empresa e (d) o sentimento de que se estava seguro e satisfeito pessoalmente com o trabalho. “Era um plano modesto. Nada que desse uma segurança.” (funcionário de área administrativa) “Não tinha o tempo para aposentar nem nada. Financeiramente eu não estou estável, nem nada. ... Conversei com minha mulher e achamos melhor... não 108 tivemos muita opção lá fora para poder sair da empresa. O dinheiro não era compensador. .... Aqui no Brasil você tem que se aposentar e continuar trabalhando com outra coisa.” (funcionário de área administrativa) “A situação que nós vivemos, não é de agora, neste país, a questão do desemprego. Você está bem, está empregado, está prestigiado, está fazendo um trabalho que você gosta, não tinha sentido, não tinha porque você pensar num desligamento.” (funcionário de área administrativa) Percebe-se um sentimento de que a saída só seria vantajosa se se pudesse obter a complementação de aposentadoria fornecida pelo fundo de pensão, se não em seu valor pleno, pelo menos com um valor próximo ao máximo. Tal raciocínio devia-se, em parte, ao fato de que o fundo de pensão só complementava pelo teto aqueles que tivessem, pelo menos, 57 anos de idade. Um percentual proporcional à fórmula (57 anos menos a idade da pessoa) era descontado das pessoas que optassem por se aposentar antes dos 57 anos. “Naquela época, eu não achei interessante porque eu estava com 48 anos e não tinha tempo para me desligar. Interessante seria se eu me aposentasse. E nós temos o sistema de fundo de pensão, que complementa o nosso salário. E se eu me desligasse com 53 anos de idade eu perderia muitíssimo. No mínimo, 8% em cada ano que faltasse para completar os 57.” (funcionário de área operacional) “Eu, particularmente, não tive o menor interesse de entrar nesse programa porque não tinha tempo para estar me aposentando, não tinha perspectiva de estar montando nada para mim.” (funcionário de área administrativa) “Porque o ideal é você sair com incentivo mas se aposentando. Porque você sair sem se aposentar não é o ideal.” (supervisor de área operacional) 4.3.2 Preparação para a privatização 4.3.2.1 Descrença na privatização Embora o Programa Nacional de Desestatização já estivesse em andamento, há vários anos, e uma série de empresas já tivessem sido privatizadas, na ServA havia uma certa descrença de que isso pudesse acontecer com a própria empresa. Vários depoimentos apontam para esse comportamento de negação da possibilidade da privatização. Dentre os motivos elencados pelos sobreviventes para a descrença, surgiram como principais: (a) a esperança de que as eleições para Presidente da 109 República pudessem dar um curso diferente ao Programa de Privatização; (b) a expectativa de que, dado o porte da empresa, não haveria grupo algum com dinheiro para adquiri-la; (c) a esperança de que a população se levantasse contra a privatização e, mesmo, (d) a crença de que o “jeitinho brasileiro” entraria em ação para evitar a venda. “Por que também dependia muito de se o governo ia ganhar, se ia ganhar as eleições ou não... porque a oposição era contrária à privatização.” (funcionário de área operacional) “O pessoal não acreditava, porque era muito dinheiro... não tinha grupo que comprasse isso, não. Apareceu, tudo bem, difícil de acreditar...” (funcionário de área administrativa) “Acho que a gente tem que ter um pouco de esperança de que o povo vai ter, no momento, uma reação contrária... a gente achava sempre que era uma coisa nossa. Que podia até privatizar outras coisas, mas que isso aí, de alguma forma, o povo, em algum momento ia reagir, como tentou reagir um grupo pequeno...” (funcionário de área administrativa) “Eu acho que o pessoal achava que não ia acontecer, porque, no Brasil, sempre se dá um jeitinho. Na última hora, não ia privatizar, ia acontecer alguma coisa que ia impedir isso. ...Eu não acreditava que o pessoal achasse que realmente a coisa ia ser efetivada não. Achava sempre que ia ‘terminar em pizza’ e que, no final, ia dar um jeitinho brasileiro e não ia privatizar.” (funcionário de área administrativa) 4.3.2.2 Preparação dos funcionários A administração da ServA, consciente de que o processo de privatização seria inevitável, iniciou um trabalho de preparação dos funcionários, que se concretizou com uma série de palestras ministradas, não apenas na capital, mas em várias localidades do interior do estado. “Então, com relação a esse processo de privatização, uns três anos antes ... nós estávamos sempre presentes informando desse processo de privatização que todo o país e todo o mundo passava, nesse processo de globalização. Então nós sempre procurávamos estar no interior, nos parques, mesmo nos prédios mais centralizados, informando de que esse processo era inevitável.” (funcionário de área administrativa) “Essa preparação veio através de vários treinamentos que nós recebemos, através de várias palestras que nós tivemos, através de vários 110 seminários...seminários em que se envolveram várias empresas da iniciativa privada.” (gerente de área administrativa) Ações individuais das chefias, no sentido de conscientizar os funcionários da privatização iminente, também estiveram presentes: “Eu atuei na função gerencial e com o grupo conversava muito sobre essas coisas, exatamente para as pessoas entenderem de que essa coisa de estatal e privatização tem algo muito mais complexo por trás disso tudo, que é o sistema capitalista.” (funcionário de área administrativa) Se de uma forma geral, por parte dos funcionários, não se acreditava na privatização, ainda assim alguns, preocupados com seu futuro, empreenderam ações que os tornaram mais bem preparados para esse futuro. “Antes de privatizar muita gente começou a entrar em curso de italiano, curso de espanhol...Este tipo de colocação mostra que a pessoa quer buscar crescer.... A pessoa enxerga, se eu estiver em cima, for um funcionário competente, atender àqueles requisitos de tecnologia... eu vou alcançar e vou melhorar a minha vida.” (diretor de Recursos Humanos) Um fato curioso se deu quanto à questão dos cursos de idioma. Muitas vezes a escolha pelo aprendizado de uma nova língua, foi orientada pelo que se imaginava pudesse ser o idioma do acionista controlador. Assim, se houvesse uma expectativa de que espanhóis adquirissem a empresa, esta seria a língua escolhida para ser estudada. “Então o pessoal começou a fazer curso de inglês, curso de espanhol, ou fazer um curso a mais de extensão, procurar aprimorar seus conhecimentos.” (gerente de área comercial) 4.3.2.3 Representações da empresa privatizada Muito mais do que passar o controle acionário do governo para a iniciativa privada, a privatização veio carregada de significados simbólicos que a fizeram ser objeto de temor, de um lado, e de esperanças ,de outro. A questão mais importante, sem dúvida, que se configurava na cabeça dos entrevistados, era a estabilidade do emprego. Havia uma consciência de que as práticas de retenção de emprego das empresas privadas seriam diferentes daquelas das estatais. Assim, para alguns, a privatização era sinônimo de demissão. “Qual é o grande temor da privatização? Na visão de quem está dentro de uma estatal, é perder o emprego. ... A ... privatizou, ficou com a metade das pessoas; 111 a ... privatizou, também ficou com a metade das pessoas. ...Então o sinalizador mais forte das pessoas era que a privatização significaria, num primeiro momento, perda do emprego.” (gerente de área administrativa) “Não existia a palavra enxugamento, não existia a palavra demissão. Vamos compor equipes, que a empresa está crescendo, temos desafios pela frente. ... Aí, na década de 90 se começou a falar em privatização. Aí o pessoal já comenta: isso é sinônimo de enxugamento.” (supervisor de área operacional) “Viam a privatização como um monstro, que vai acabar com tudo, vai demitir todo mundo.” (gerente de área operacional) “Naquela época, privatizar significava enxugamento. Eles sabiam que aquele modelo não ia continuar. Eles sabiam que aquele modelo privatizado seria bem diferente do modelo estatal. ... E sendo diferente, haveria enxugamento, de uma maneira ou de outra.” (supervisor de área operacional) Para outros, a privatização representava oportunidades que não estavam disponíveis na empresa estatal, como, por exemplo, o desenvolvimento de novos projetos e, mesmo, a possibilidade de uma promoção. “Eu acho que ela dá muito mais oportunidade às pessoas delas mostrarem aquilo que aprenderam, o desenvolvimento que tiveram durante o seu período de vida.” (funcionário de área administrativa) “Eu achava que se privatizasse, ia melhorar. Eu acreditava que realmente eu ia poder deslanchar. Eu sempre me senti muito preso. E eu tenho um sem número de projetos, que eu passei para o meu gerente, que nunca saíram da gaveta.... De certa forma, eu me acostumei com isso.” (funcionário de área administrativa) “Porque eu gosto de mudanças, então eu estava querendo uma coisa assim. Porque quando era pública, todo mundo dava a desculpa: ‘A gente não pode dar promoção, porque nós não temos autonomia, o governo não deixa’. Aí eu falei: vai privatizar, vai ficar melhor. Eles vão ter autonomia para reconhecer a gente. Mas ainda não aconteceu.” (funcionário de área administrativa) 4.3.3 – Programa de desligamento incentivado – PDI no contexto de uma empresa recém privatizada Como já relatado, a ServA veio a ser privatizada em meados de 1998. De acordo com o edital de concessão, caso houvesse demissão em massa nos primeiros 180 dias, a empresa deveria fazê-la na forma de um plano incentivado. Ciente de que este seria o 112 momento adequado para sinalizar mudanças, a direção da ServA optou por lançar um Plano de Desligamento Incentivado – PDI logo nos primeiros meses de sua nova gestão. 4.3.3.1 – Razões para o PDI Como empresa privada, a ServA deparava-se com cenário de negócios substancialmente diferente daquele que enfrentara como estatal. Do ponto de vista do meio ambiente, vários foram os desafios a serem enfrentados. De um lado, a entrada de concorrentes diretos em seu ramo de atuação, de outro, a emergência de novas tecnologias, as quais não dominava e que substituiriam a forma mais tradicional de atender o cliente. Além disso, como monopolista em um mercado com elevada demanda, a empresa não via a necessidade de vender o seu produto. Na nova configuração ambiental, teria de concorrer com outras na conquista do cliente e na manutenção de sua rentabilidade. A implantação do plano de redução de pessoal foi encarada por seus funcionários a partir de várias óticas. O entendimento mais comum foi o da necessidade de redução de custos, tanto para se chegar ao nível de gastos de uma empresa concorrente do mesmo ramo, como para conseguir maiores lucros. “Após a demissão, quanto se vai economizar por mês? Eram as informações que nos eram solicitadas pelos novos acionistas. Qual vai ser a economia mensal? Então, foi muito focado em cima de custos.” (gerente de área administrativa) “Olha, na minha opinião, foi para diminuir custos, porque a empresa privada, ela visa muito esse lance de lucro. E quando você tem recurso humano, ele é alto.” (supervisor de área operacional) “Diminuir cada vez mais os custos, o custo com pessoal para que os lucros sejam cada vez maiores.” (supervisor de área operacional) Se a percepção de que os acionistas desejariam maiores lucros foi encarada como uma forte razão, há que se observar o quanto os empregados entendiam haver a necessidade de se estar apto para enfrentar a concorrência. Assim, no entender de alguns, o mercado se teria alterado de forma substancial, obrigando a empresa a tomar medidas para enfrentar essa situação. “Na minha opinião, é porque o custo de pessoal, comparativamente com empresas semelhantes, estava muito alto. Então, por que ela fez? Pela necessidade de já ir trabalhando na redução de custos, dentro do enfoque de se preparar para o mercado competitivo, para se tornar uma empresa competitiva. ...Se eu fosse o empresário, estava também trabalhando da mesma forma, dimensionando bem os meus custos para ser competitivo no mercado. Um 113 mercado que ainda não está agressivo mas que vai ser agressivo.” (funcionário de área administrativa) “A questão é que se precisava fazer um ajuste. Os números da empresa, comparados com números internacionais ... estava acima e existia a necessidade de fazer essa adequações. Nesse mercado competitivo que a gente está enfrentando já e vai enfrentar, as empresas que não tiverem demitido não vão realmente conseguir colocar o serviço no mercado a um preço competitivo. A parte de custos com pessoal é um fator importante.” (gerente de área operacional) Uma outra linha de interpretação foi a de que os benefícios oferecidos no plano funcionaram como uma compensação/incentivo aos que optaram pelo desligamento, permitindo uma saída menos traumática ou funcionando como um estímulo àqueles que estavam perto da aposentadoria e desmotivados para continuar trabalhando em um ritmo que se afigurava, no futuro, muito mais intenso. “Quando privatizou, as pessoas que estavam próximas de se aposentar, elas se sentiram desmotivadas. Uma coisa que parece até natural. Sabia-se que tinha um processo de competição na empresa privada, a pressão é maior sobre as pessoas e, às vezes, elas não estão preparadas para serem pressionadas depois de tanto tempo.” (gerente de área comercial) “A pessoa queria sair e não tinha coragem, não tinha incentivo. Então eu acho que o significado do plano foi esse: dar uma oportunidade às pessoas que estavam aqui de sair.” (funcionário de área administrativa) Por fim, havia por parte de alguns funcionários a percepção de que, além de todos os motivos já apresentados, o quadro de pessoal seria, realmente, excessivo, havendo oportunidade para enxugamento. “A empresa tinha o objetivo de reduzir o quadro, Já era um objetivo definido. Então, ela tinha que reduzir o quadro dela e aí ela lançou o plano.” (gerente de área administrativa) “Ela ainda tinha alguns excessos.... Ela realmente não tinha, dentro do contexto político [de estatal] ela não tinha como fazer, chegar aqui e falar: ‘Eu vou pegar aqui 500 pessoas e vou demitir’. Isso, politicamente, seria inviável fazer.” (gerente de área administrativa) As razões, para alguns, se juntaram e se sobrepuseram, com entrelaçamento de causas e conseqüências, formando, assim, um complexo conjunto de forças. 114 “Primeiro, a necessidade de já ir trabalhando na redução de custos, dentro desse enfoque de ir se preparando para o mercado competitivo, para se tornar uma empresa competitiva. E por que ela fez o incentivo e não demitiu? Exatamente no sentido de não criar até um clima de total insegurança na força de trabalho dos que ficam. Isso é muito grave...em empresa que não cuida dessas questões com cuidado.” (funcionário de área administrativa) 4.3.3.2 Razões para a adesão ao PDI Conforme já relatado, o prazo para a adesão foi de apenas cinco dias. Os funcionários foram informados do plano através de uma carta e através da rede interna de computadores. Puderam, através de terminais, acessar as informações pertinentes ao seu caso e, com base em sua vida profissional e em características específicas do plano, decidir sobre a conveniência – ou não – do pedido de desligamento, As razões mais apontadas para a adesão referiram-se à proximidade da aposentadoria, à incerteza das leis do INSS, ao recebimento do incentivo monetário. A existência de atividades profissionais paralelas e, mesmo, a percepção de falta de qualificação foram outros fatores citados. Aqueles que estavam perto de se aposentar e que teriam direito à complementação integral ou proporcional do fundo de pensão teriam ficado “eufóricos”, pois, além da garantia de uma boa renda, receberiam, ainda, um incentivo monetário para se desligarem. Assim, segundo depoimento de um gerente de recursos humanos, os pedidos de aposentadoria quintuplicaram de um mês para o outro. “Houve assim um clima de euforia. De uma parte, houve um certo clima de euforia. Porque falaram assim: ‘Era a chance que eu precisava para ir embora. Estou perto de aposentar, com mais um ano de contribuição eu aposento’.” (gerente de área administrativa) Para outros, o plano gerou incerteza, pois, à época, uma nova lei de aposentadoria estava sendo votada no Congresso. As pessoas tinham medo de que, com a alteração da lei, fossem obrigadas a trabalhar anos adicionais para terem direito à aposentadoria. “Muita gente tinha receio. Primeiro, mudança de legislação do INSS. Então, gente que já tinha 28 anos de contribuição ficava com receio de mudar a lei e ele ter que trabalhar mais tantos anos. Esse era um outro receio, então seria uma oportunidade. Ainda aliava o fato de, às vezes, a pessoa já ter uma idade maior e poder aposentar proporcional pela fundação. ... Então esses, nessa categoria, foi uma alegria geral... pessoal muito entusiasmado.” (diretor de Recursos Humanos) 115 “Uma coisa que ficou clara para mim, que me marcou bastante, é que saíram pessoas sem plenitude para se aposentar. Ou seja, homens com trinta anos de serviço, de quarenta e poucos anos de idade. Quer dizer, ele não tinha nem os requisitos para entrar no fundo de pensão, porque de uma faixa etária para baixo você não recebe praticamente nada do fundo, e a aposentadoria com trinta anos de serviço, a pessoa recebe setecentos e poucos reais. Quer dizer, eu acho que pessoas abriram mão de coisas... contentando com aquele pouco ali,... e o futuro incerto da aposentadoria.” (gerente de área administrativa) Outros, ainda, manifestaram uma insegurança relativa ao seu futuro na empresa privada. Cientes de que as condições e as exigências seriam maiores, sentiam-se despreparados e tinham medo de serem demitidos no futuro. Para esses, embora o desligamento não fosse a situação ideal, a possibilidade de ter que sair da empresa sem incentivo, apenas com os direitos trabalhistas, teria funcionado como estímulo à adesão. “Teve um grupo de pessoas que estava com medo, com medo da qualificação profissional, pessoas que já estavam sentindo para onde que estava indo a empresa privada. A competição que estava entrando, a concorrência que estava entrando, a qualificação que estava sendo demandada, quer dizer, o perfil do profissional novo, do profissional de uma nova empresa privada. As pessoas viam que podiam, de uma hora para outra, não ter mais um papel importante na empresa e vir até a ser demitido sem nenhum incentivo. Então, uma boa quantidade também aderiu em função desse receio.” (diretor de Recursos Humanos) “Ele falou que ele estava percebendo que ele estava ficando obsoleto. ... Então ele começou a perceber que por mais que ele soubesse, a meninada que está chegando aí, está chegando muito pronta. Então aquilo tudo que ele aprendeu a vida inteira nessa área de ciência da computação, que ele carregou com ele, aquela bagagem enorme, não estava valendo porcaria nenhuma.” (funcionário de área administrativa) Um dos gerentes indicou que, em função da onda de privatizações e de demissões no país, algumas pessoas começaram a se preparar, iniciando atividades profissionais paralelas. Para estas, o plano seria uma oportunidade de sair da empresa, dedicar-se mais ao outro trabalho e, ainda, obter um adicional monetário. “E tem problema também de pessoas que já vinham, em função desse processo de 90 para cá, se estruturando aí fora. Muitas pessoas já saíram com a vida mais ou menos estruturada, com alguma atividade que faria. Aí, elas só pegaram e juntaram o útil com o agradável.” (gerente de área administrativa) Embora fosse um plano de adesão voluntária, alguns chefes aproveitaram a ocasião e recomendaram a determinados funcionários – aqueles menos preparados para as novas 116 exigências ou menos dispostos a acompanhar o novo ritmo - que aderissem, sob pena de poderem, posteriormente, ser demitidos. “Eu vou te dar um exemplo: eu tinha seis pessoas que teriam que sair. Eu como....como macaco velho, esperei até na segunda-feira que elas aderissem. Se elas não aderissem, eu conversaria com elas dizendo que era recomendável que elas aderissem. Como meu santo é forte, todas as seis que eu precisava fazer com que aderissem, todas as seis entraram. ...Uma ficou para o último dia. Depois do almoço, ela aderiu. Se ela não tivesse aderido, eu chamaria e diria para ela: ‘Olha, eu sugiro que você faça a adesão, porque amanhã eu já não posso garantir a sua sustentação aqui’.” (gerente de área administrativa) “Ele [o plano] foi aberto e se queria também um máximo possível de saídas. Queria –se que todo aquele que tivesse o desejo de sair, saísse. Mas houve uma parcela... que a empresa tinha colocado como desejáveis de sair. Elas foram estimuladas a sair. Ou seja, chegava-se nessas pessoas e colocava-se: ‘Olha, eu acho que se eu fosse você eu aderia a esse plano, porque se passar esse plano você pode ser dispensado sem o incentivo que ele está te dando agora’. Então isso foi feito também. Ainda assim, algumas pessoas ainda resistiram. Aí, num período logo após o fechamento das adesões, foram feitas demissões com um incentivo até menor.” (gerente de área administrativa) “Foi um susto. Eu vi gente chorando, desesperada, pessoas que nem sonhavam que iam ser demitidas naquele momento. Achavam que no plano entrava quem quisesse e se viram acuadas com o gerente convidando elas a sair da ServA. Eu mesma tenho uma colega que foi convidada a participar e foi um trauma para ela muito grande. Sem renda nenhuma porque não pode se aposentar. ... Sem perspectiva de trabalho aí fora, o trabalho aí fora está uma loucura. Eu não vi só essa moça, como eu vi muitos pais de família sendo convidados a aderir.” (funcionário de área administrativa) “Porque o plano não foi tão voluntário assim, não. Antes do plano já havia uma lista de demissões. A verdade é essa. Já havia uma lista de demissões onde eles demitiriam 890 pessoas. Esta lista estava pronta.” (gerente de área administrativa) 4.3.3.3 – Razões para a não adesão ao PDI Os principais fatores citados pelos entrevistados para a não adesão foram: o tempo que faltava para se aposentar pelo INSS, tempo que faltava para se aposentar pela fundação, percentual a ser recebido pela fundação em caso de aposentadoria proporcional, situação do mercado de trabalho, situação familiar, valor do incentivo monetário, tempo para 117 recuperação do valor do incentivo, oportunidades dentro da ServA, gosto pelo trabalho que faziam e, por fim, o vínculo afetivo com a empresa. Para aqueles que desejavam permanecer na empresa, um cálculo havia de ser feito. Quanto tempo seria necessário ficar para contrabalançar o valor do incentivo monetário a ser recebido de uma só vez, caso aderisse ao plano? Esta era a questão crucial. Se a pessoa se sentisse segura o suficiente para assegurar seu emprego por esse tempo, então valeria a pena correr o “risco de ficar”. “Aí eu pensei assim: eu me considero um bom funcionário, uma pessoa que sempre trabalhou com espírito, não de empresa estatal, sempre trabalhei de forma que eu acho.... que a minha consciência manda eu trabalhar. Aí, eu falei: ‘Não vou arriscar não. Vou ficar e quem sabe se eu ficar aqui mais um ano, nessa empresa privada, ou mais dois anos, esse dinheiro retorna para mim de alguma forma. Não na mão de uma vez, mas ao longo desse tempo’. E resolvi correr o risco de ficar.” (funcionário de área administrativa) Para um outro funcionário o cálculo do “risco” envolvia questões como o valor do incentivo financeiro, o gosto pelo trabalho, a auto avaliação da importância de seu trabalho para a ServA e as vantagens financeiras oferecidas na manutenção do emprego. “Tinha um sistema disponibilizado com computador central que a pessoa entrava e via a simulação. Aí, por curiosidade eu entrei, olhei e falei: ‘Por esse valor eu não saio da empresa. Por esse valor eu arrisco a continuar aqui”. Eu pensei da seguinte forma: ‘Eu trabalho na ServA porque eu gosto. Eu gosto do trabalho que eu faço’. Eu poderia estar fazendo esse trabalho lá fora? Poderia. Eu poderia estar no mercado. ... Por que eu não faço isso? Por todas as comodidades que o emprego me dá. ... por exemplo, um plano de saúde, a certeza do salário no final do mês. Na verdade eu nunca tive coragem assim de enfrentar o mercado. .. Eu achei que não valia a pena. E ao mesmo tempo eu pensei comigo: ‘O meu trabalho é importante para a empresa. Tenho certeza de que eu não vou ser demitido porque eu tenho consciência da importância que esse trabalho representa na empresa.” (funcionário de área administrativa) Em outro caso, aliado ao mercado de trabalho que, na época, não absorveria o pessoal especializado da ServA, o entrevistado afirmou ter pesado a motivação para o trabalho e a expectativa de melhoria da empresa. “Eu não via o mercado aí fora para trabalhar...até então era monopólio, só tinha a ServA, essa era uma razão. Outra, em termos de motivação, eu estava e estou extremamente motivado para trabalhar. Não penso em aposentar...eu ainda estou longe. Eu tenho vinte e dois anos de empresa, são os meus únicos vinte e dois anos e eu tenho quarenta e quatro anos de idade. Então eu tenho muito tempo pela frente...eu acho que trabalhar é uma referência na vida pessoal. Para 118 mim não tem essa: ‘Eu estou louco para aposentar para ficar quieto em casa’, igual tem uns aí que saíram, não fazem nada, dormem o dia inteiro, bebem. Isso para mim não é vida, não. ... Porque eu acredito no meu trabalho...eu tenho a expectativa de que a empresa vai melhorar.” (gerente de área comercial) Um dos depoimentos colhidos apontou para a consideração simultânea de quase todos os fatores indicados. Embora não se possa inferir uma fórmula de cálculo, depreende-se uma complexidade de pensamento e de considerações de prós e contras. “Aqui dentro eles estavam pagando um pouco mais do que o mercado pagava. Então eu achei temeroso eu aderir para me capitalizar agora e depois, em pouco tempo, eu me descapitalizar ...Não ter onde entrar, porque eu não estou perto de aposentar, ainda falta bastante coisa. ...Eu não aderi porque eu não senti muita motivação, entre o valor que eu ia receber em dinheiro para as perspectivas que eu tinha no mercado e perspectivas de crescimento que poderiam ser abertas após a saída de algumas pessoas aqui dentro. ... Eu encaro isso como uma oportunidade. ...Eu acho que eu posso ter uma perspectiva de crescimento maior aqui porque começam a abrir espaços... começam a sair as pessoas de cima, o debaixo sobre, o outro sobe e a gente vai ocupando espaços. ... Eu comecei a pensar o seguinte: eu sou separado, mas meus dois filhos moram comigo. Então eu tenho um volume X de gastos, X por mês. Eu calculei pelo que eu ia receber, eu conseguiria ficar ainda... se não entrasse nada, talvez uns dois anos e meio a três anos aí sem precisar me preocupar.... Em dois anos e meio ou três anos, eu achei complicado. Porque qualquer coisa que eu iniciasse. ... eu achei que eu não conseguiria fazer a coisa decolar...Então foi isso. Uma coisa foi movida pela cautela, outra foi movida pela vontade de ver mais o que vai acontecer. Mais ou menos isso.” (gerente de área administrativa) A maior parte dos depoimentos coletados apontou, portanto, para múltiplas razões para a não adesão ao plano. A decisão, via de regra, parece ter decorrido de uma reflexão em que vários aspectos foram considerados para se chegar ao resultado final. Poder-se-ia perguntar, no entanto, se algumas das considerações tiveram um peso maior do que outras. Em verdade, não há como se garantir que um determinado fator tenha tido preponderância sobre os demais, mas pode-se, pela repetição dos argumentos, sugerir uma tendência para a maior importância de alguns fatores. No caso da ServA, três argumentos apareceram com mais ênfase: o tempo para se ter direito à complementação do fundo de pensão, as perspectivas do mercado de trabalho e a situação relativa ao trabalho atual dentro da empresa. A questão do tempo, para se ter direito à complementação de aposentadoria se afigurou como crucial para os entrevistados, pois, segundo as regras do fundo de pensão, aposentadorias anteriores à idade de 57 anos sofreriam um redutor da ordem de 8% ao 119 ano. Assim, segundo os depoimentos, alguém que optasse por se aposentar com 52 anos receberia apenas 60% da complementação a que teria direito. “Faltam oito anos para eu me aposentar na proporcional. Então, sair por sair, só para pegar aquele dinheiro e depois...não valeria a pena.” (supervisor de área operacional) “Eu vou fazer 52 anos, eu tinha 51 anos, e a minha aposentadoria pelo fundo de pensão, mais a do INSS, ficaria bem reduzida. Eu perco de remuneração quase 50% daquilo que eu ganho hoje, por causa da idade.” (gerente de área administrativa) É claro que este argumento se vinculou a outros para a decisão final. Por exemplo, a perspectiva da dificuldade de se prosseguir com a vida profissional fora da empresa foi vista com muito pessimismo pelos entrevistados. As possibilidades de conseguir um novo emprego, abrir um novo negócio ou mesmo exercer uma atividade de consultoria não ofereciam um incentivo à adesão. Para aqueles que tinham se especializado nas atividades típicas do setor, o mercado ainda não estava atrativo o suficiente; para os que exerciam atividades administrativas, a percepção era de que o mercado já estava saturado. A mesma consideração – excesso de oferta – foi feita por aqueles que pensaram em prestar serviços de consultoria. Os que consideravam a possibilidade de ter um negócio próprio reconheciam que não estavam preparados para tal ou que o valor do incentivo não fora suficiente para iniciar um empreendimento próprio. “O desemprego é algo assustador. Eu tenho na minha família dois irmãos, pais de família, desempregados. Então, é muito complicado.” (funcionário de área administrativa) “Está brabo o mercado de consultoria. Está complicado e tem muita gente aí se fazendo passar por consultor e fazendo uns trabalhos mais ou menos e cobrando mais ou menos, só para se manter.” (gerente de área administrativa) Por outro lado, os entrevistados referiram-se com muita ênfase e freqüência à satisfação que tinham com a atividade que exerciam. Veriam sua tarefa dentro da empresa como não estava terminada e teriam, ainda, muito a contribuir. “Só que não era a hora. Só por causa disso. Porque eu acho que eu ainda tenho muita coisa para fazer aqui. Eu tenho uns projetos, inclusive eu tive um projeto que foi premiado...” (gerente de área operacional) “Eu achei assim: primeiro eu estava bem , estou bem. Na época que me sentia realizada com o meu trabalho e também me sentia útil, me sinto útil e com 120 certeza eu não sei só fazer isso dentro da empresa.” (funcionário de área administrativa) “Eu pensei da seguinte forma: eu trabalho na ServA porque eu gosto. Eu gosto do trabalho que eu faço. Eu poderia estar fazendo esse trabalho lá fora? Poderia. Poderia estar no mercado.” (funcionário de área administrativa) “Eu não via o mercado aí fora para trabalhar. Até então era monopólio, só tinha a ServA mesmo, essa era a razão. Outro: em termos de motivação, eu estava e estou extremamente motivado para trabalhar. Não penso em aposentar. Muitos dos que saíram na época foi para poder se aposentar, eu ainda estou longe.” (gerente de área comercial) Para outros, ainda, havia a questão dos laços afetivos criados com a ServA e com os colegas de trabalho que teriam, na percepção de um entrevistado, cegado a lógica de pessoas que deveriam ter aderido e não o fizeram. “Existe um certo, apego não é uma palavra boa, mas existe uma certa ligação, amor ou vínculo. Qualquer desses nomes, que eu acho que tende a cegar um pouco a lógica. Então, pessoas que podiam tomar a decisão mais acertada de sair não o fazem. Não o fazem porque a vida aqui dentro, a vida da pessoa se resume a vir para o serviço, ficar o dia inteiro, almoçar no restaurante da empresa com os colegas, muitos até bastante amigos, voltar para casa e, no dia seguinte, vem de novo.” (diretor de Recursos Humanos) Por fim, outro fator apontado por um entrevistado foi o valor do incentivo financeiro, considerado insuficiente para a adesão e justificando o “risco” de ficar na empresa. “Tinha um sistema disponibilizado com computador central que a pessoa entrava e via a simulação. Aí, por curiosidade, eu entrei nessa simulação. Olhei e falei: ‘Por esse valor eu não saio da empresa. Por esse valor eu arrisco a continuar aqui’.” (funcionário de área administrativa) 4.3.3.4 - Clima organizacional durante o PDI De uma forma geral, os entrevistados relataram um clima bastante conturbado nos dias para a adesão ao plano. Uma das razões teria sido a incerteza acerca do futuro gerado pelas mudanças. “O clima era de incerteza com toda a mudança. As pessoas ficam assim: ‘E agora o que vai acontecer?... Como é que vai ser de agora para a frente?’ Com certeza formou-se um ambiente de mais incerteza.” (supervisor de área operacional) 121 A insegurança decorria da sinalização de que, se a meta de adesões não fosse atingida, poderia haver demissões numa etapa posterior. “Aí a empresa quase parou. Houve uma ansiedade total. Houve uma turbulência muito grande, porque já tinha na empresa sintomas de que ela faria demissões.” (gerente de área administrativa) Para aqueles que ainda não tinham tempo de aposentadoria a questão tornou-se ainda mais difícil, uma vez que tiveram de optar entre sair e receber um incentivo imediatamente ou ficar e estar arriscado a ser mandado embora posteriormente. Outros, curiosamente, apostaram na possibilidade de que um plano melhor viesse a se lançado, o que justificaria a não adesão do momento. “Outros falaram: ‘Não , espera que vai ter um melhor’. E teve gente que não entrou nesse último, esperando, achando que ai ter outro melhor ainda. Só que eu acho isso não aconteceu e nem vai acontecer... Aí o clima era esse ‘Será que fulano entrou? Beltrano entrou? Você não vai entrar?’.” ( funcionário de área administrativa) Casos houve de pessoas que, arrependidas, procuraram, junto à gerência e à diretoria, modificar sua decisão. Um funcionário, por exemplo, após aderido ao plano, teria tentado voltar atrás por graves problemas familiares causados pela sua decisão. Segue relato da situação, conforme depoimento do diretor de Recursos Humanos: “Um sujeito chegou aqui, o plano tinha acabado na véspera. No dia seguinte, de manhã, chegou um funcionário... chorava de molhar a mesa. - ‘O que é que houve?’ - ’Minha mulher vai se separar de mim’. - ‘Porque ela vai separar de você?’ - ‘Porque eu aderi ao plano’ - ‘Mas você não conversou com ela? - Conversei, Estou conversando com ela desde o dia em que saiu a documentação do plano. - E ela? , perguntei. - Ela sempre foi contra. Falou que eu não devia sair, mas eu acho que eu tenho que sair, eu tenho oportunidade fora, eu ganho pouco. E aquele receio que existia da parte de muitos, quando privatizasse o que ia acontecer? Já estava privatizado... - E aí? - Aí eu fiz o seguinte: entrei no plano, aderi ao plano. Assinei ontem. E chorando, chorando. - Mas e então? eu disse. - Ela me botou para dormir na sala. De ontem para hoje eu passei a noite na sala. Ela falou que eu posso pegar minhas coisas e ir embora, que eu larguei 122 a melhor empresa que eu podia trabalhar. Então estou aqui para pedir pelo amor de Deus para cancelar a minha inscrição, que a mulher vai se separar de mim. - Você acha que isso aí é a solução? Eu falei. - Eu sei que não é, ele falou... Eu sei que não é. Sei que a solução aí era eu sair de casa mesmo, largar ela para lá e resolver minha vida. Só que tem que ela falou tanto e falou tanto, que eu estou realmente convencido, ela me convenceu que eu não posso sair no plano, que eu tenho que ficar, que eu tenho que continuar trabalhando aqui, que eu vou sair dessa empresa e vou para uma outra começar a vida de novo. Aí que ele chorava outra vez. ‘Eu amo a minha mulher’ e por aí afora”. Verifica-se, portanto, que foram dias de muita apreensão dentro da companhia. Decisões que, para boa parte dos funcionários, significavam alterar o rumo de sua vida profissional, tiveram que ser tomadas neste curto espaço de tempo. 4.3.3.5 Papel do gerente no PDI Embora a empresa tivesse apresentado o plano em primeira mão para os gerentes, não houve uma preparação formal dos mesmos no sentido de um comportamento gerencial uniforme a ser adotado. Cada gerente exerceu o papel que achava ser mais adequado. Para alguns, a tarefa do gerente consistiu em ouvir desabafos e depoimentos de angústias e incertezas; para outros o principal papel foi o de informar sobre a situação geral em que a empresa se encontrava. “Eu conversei com as pessoas, muitas horas. As pessoas vinham a mim já sabendo de tudo, tanto quanto eu, talvez um pouco mais, porque a vida de cada um pertence a cada um. Mas elas queriam que alguém as ouvisse: ‘ Eu quero que alguém me ouça, porque a minha mulher não entende nada disso’.” (gerente de área administrativa) “Meu papel mais importante foi de informar as pessoas sobre o todo o processo. Nós fizemos várias reuniões, informando as pessoas com muita lealdade, com muita honestidade. Eu usei bem este papel com muita tranqüilidade, com muita honestidade e lealdade aos meus colaboradores, informando a eles não só aquelas informações referentes ao plano, como também ao cenário do futuro.” (gerente de área administrativa) Em uma linha de ação diferente, um entrevistado, adotando uma postura mais participativa, relatou que chegou, algumas vezes, a dar conselhos explícitos a seus funcionários. Em sua avaliação, teria sido “menos gerente e mais ser humano”. 123 “Eu recomendei que não saísse, se fosse por problema financeiro. Porque ele ia pegar o dinheiro, pagar a dívida, ia ficar sem a dívida mas sem emprego também. Eu falei: ‘É preferível você ter emprego e ter dívida. Porque com emprego você consegue administrar isso, vai rolando essa dívida’. . .. Acho que fui menos gerente e mais ser humano”. (gerente de área comercial) O diretor de Recursos Humanos, por sua vez, considerava a decisão algo de cunho pessoal a ser tomada, portanto, junto a familiares, esposa e filhos. Este diretor, no entanto, relatou um caso – o único, segundo seu depoimento – em que, contrariando suas convicções, aconselhara uma funcionária, com longos anos de empresa, a entrar no plano ora oferecido. “ ‘O dia em que você quiser me mandar embora’, isso ela dizendo para mim, ‘estou sendo sincera, não vou aderir. O dia que você quiser me mandar embora não precisa se preocupar que eu não aderi há X meses ou anos atrás. Pode me mandar embora que eu não vou brigar com você’. Eu falei: ‘Tá bom’. E não mandei mesmo não, ela foi continuando... Ela fazia o trabalhinho dela lá, não era nenhuma coisa maravilhosa não, mas ela fazia o trabalhinho que era requerido ela fazer. Aí quando chegou nesse plano agora, ela me procurou. ...virou e falou assim: ‘Você acha que eu devo sair? Eu falei para ela: ‘Eu acho o seguinte...o plano melhorou muito... melhorou muito. E o seu espaço diminuiu muito, diminuiu muito. Eu vou ser franco, se você não sair nesse plano’ – foi a única pessoa que eu falei desse jeito – ‘se você não sair nesse plano você vai ser demitida’. Aí ela falou: ‘Eu gosto tanto daqui’ ... Aí ela pegou e saiu. Saiu e depois veio aqui. Estava numa alegria, pegou o dinheiro dela, comprou um carro, aprendeu a dirigir, saiu feliz da vida”. Outros ainda, entendiam ser sua postura de fundamental importância para manter a serenidade do grupo. “Eu coloquei isso na minha cabeça, que eu, eu preciso ser um ponto de referência para o grupo. Se o gerente está estressado, imagina os outros. Não ficar todos [estressados]? Ele não vai estressar todo mundo?” (gerente de área administrativa) Por fim, um dos gerentes sugeriu ter sido um processo rico por ter lhe dado a oportunidade de ouvir dúvidas e reflexões de tantos funcionários: “Você vivencia o drama das pessoas, dúvidas que as pessoas têm. Elas te procuram, conversam. O que você acha, o que você não acha? Quando você sai, acho que isso acaba te enriquecendo muito.” (gerente de área administrativa) Observa-se, assim, que na ausência de uma orientação geral da companhia, ficou a cargo de cada gerente a interpretação de seu papel frente aos seus subordinados. De uma 124 forma geral, na percepção dos gerentes, abrir um espaço de reflexão, dar apoio e compreensão aos funcionários seria mais importante e mais próprio do que auxiliar na decisão final propriamente dita. 4.3.3.6 - Comunicação do PDI A comunicação do plano ocorreu em todos os níveis da ServA e através de vários meios. Emitiu-se um comunicado escrito para cada funcionário, mas o principal meio de comunicação foi estabelecido através da rede interna de computadores. Nela, cada funcionário, através de uma senha, podia ter acesso aos dados relativos ao seu processo, inclusive o valor do incentivo monetário a que teria direito caso aderisse ao programa. “A empresa soltou um comunicado em cada mesa de cada funcionário. O que ele tinha, o direito que ele tinha e o que ela estava oferecendo. E deu um prazo para esse funcionário no terminal. Soltou, em papel , o comunicado por escrito e soltou, também, em nível de sistema.” (funcionário de área administrativa) A adesão também deveria ser feita pelo terminal, o que permitiu à gerência acompanhar em tempo real a evolução dos pedidos na empresa por área. A área de Recursos Humanos, em função dos pedidos de informação por parte dos interessados, realizou algumas reuniões para explicar o plano em mais detalhe e, também, para permitir que dúvidas fossem tiradas. Alguns departamentos fizeram reuniões com seus funcionários e alguns gerentes tomaram a iniciativa de reunir seus subordinados para conversas mais francas. “Algumas pessoas queriam saber mais sobre o plano e a própria área de Recursos Humanos promoveu algumas reuniões explicando como é que era o plano e tal. As pessoas vinham participar disso aí.” (funcionário de área administrativa) “Teve uma reunião assim, ao nível de departamento que eu achei que essa foi boa, foi interessante. Deixou o departamento aberto para quem quisesse fazer alguma coisa, algum questionamento sobre a situação da empresa, como é que seria enfim, e sobre a situação do plano. Essa reunião foi boa. Mas ao nível setorial, assim, de sessão mesmo foram poucas.” (funcionário de área administrativa) A comunicação informal funcionou de duas formas. Primeiro, como uma rede de suporte, consulta e mesmo de pressão entre colegas acerca da decisão que cada um deveria tomar. 125 “Eu percebi que o pessoal, os colegas entre si trocavam idéias o tempo todo sobre isso. Inclusive nós tentamos, nosso grupo tentou convencer um colega a não entrar no plano. ... Nós ficamos em volta dele, tentando fazer ele não entrar até no último momento. Então houve uma liberdade entre a equipe trocar idéias assim. Não havia interferência da gerência não. Não houve interferência.” (funcionário de área administrativa) “Eu senti que foi pessoal, senti que as pessoas procuravam os outros. O pessoal trocou muita idéia entre si. As pessoas, acho que isso ficou aberto...o pessoal procurou as pessoas de mais confiança, pessoas com mais experiência...Colegas, um ou outro aconselharam: ‘Se eu fosse você eu sairia’. Isso foi muito conversado...Mas foi uma coisa com a empresa à parte. Nem gerente não. Gerente também caiu na mesma situação, que ele também poderia aderir. Então, muitas vezes, gerente trocou idéia conosco.” (funcionário de área operacional) Segundo, a comunicação informal também funcionou como uma rede informações acerca do processo de adesões. Alguns boatos também circularam, notadamente um acerca de demissões que poderiam acontecer, posteriormente, caso as pessoas com mais tempo de empresa não aderissem. Como antes da implantação do plano, a empresa havia realizado, através de suas chefias, uma avaliação dos funcionários72, temia-se que as pessoas com as piores avaliações pudessem ser demitidas. “Vazou e eu achei muito interessante é quando vazou essa informação [da avaliação], já havia a informação do plano. Porque parece que os camaradas relaxaram um pouco na guarda dessas informações. E aí as pessoas já ficaram sabendo: ‘Que letra que você é? E começou aquele papo de letra para cá, de letra para lá. Isso aí era inevitável.” (gerente de área administrativa) Em verdade, algumas pessoas relataram que a empresa já tinha, com base nessa avaliação, uma lista de demissão com cerca de 800 pessoas. Entretanto, a orientação da holding para a implantação do plano de adesão voluntária teria tornado esta lista desnecessária. 4.3.3.7 Críticas e elogios ao PDI Uma das críticas mais comuns ao plano referiu-se ao caráter de adesão voluntária, o que impossibilitou à empresa controlar os desligamentos. Na perspectiva da maioria dos 72 Segundo um dos entrevistados, letras foram atribuídas ao desempenho de cada funcionário. Assim, a letra A indicaria o funcionário estratégico para a empresa. A letra B indicaria o bom empregado, a letra C aquele que ainda não estaria bom, mas teria potencial para melhorar. A letra D seria subdividida em dois tipos: D+ e D-. Aqueles com D+ teriam que ser dispensados e suas posições seriam repostas, os com Dseriam dispensados sem reposição das vagas. A letra R estaria reservada àqueles passíveis de serem remanejados. 126 entrevistados, este aspecto foi falho, pois muitos funcionários considerados tecnicamente competentes saíram e outros – não tão competentes – permaneceram. “Quem quisesse entrar [no plano], saía, não segurou ninguém. Então, por isso é que eu acho a dispensa burra. Porque quem precisava que ficasse, saiu, e quem tinha que sair, está aqui até hoje.” (gerente de área comercial) “Tem um paradoxo nisso aí. Tem pessoas aqui hoje que saíram incentivadas e que hoje estão trabalhando na empresa ... estão aqui prestando serviço ... A gente, às vezes, questionava: ‘Mas se esse cara é assim, porque você está incentivando ele a sair?” (gerente de área administrativa) Outra crítica referiu-se ao tempo para a adesão. Na opinião de um funcionário, esse tempo teria sido muito curto para se tomar decisão tão importante, o que teria gerado uma grande ansiedade. “Justamente, por não ter esse tempo para a pessoa avaliar... as pessoas estão decidindo a vida delas, não estão decidindo se vão comprar uma calça ou não. E a pessoa ter cinco dias para decidir isso... então algumas pessoas ficaram doidas mesmo. Foi uma loucura, ninguém trabalhou esses dias.” (gerente de área comercial) “Eu achei pouquíssimo. Como é que você vai planejar uma vida que você teve como funcionário...A ServA só deu cinco dias para a pessoa decidir.” (funcionário de área administrativa) Outro, ainda, reclamou que a indenização recebida independia da produtividade da pessoa. Sentia-se, com isso, igualada aos piores, pois estaria recebendo o mesmo que aqueles que menos produziam. “Quer dizer, a pessoa que tenha um compromisso ou não com a empresa e no entanto estão oferecendo para ela, em termos proporcionais o mesmo dinheiro que estão oferecendo para mim. Sendo que eu sou uma pessoa que batalhei a vida inteira, me esforcei a vida inteira, então eu acho que isso nesses programas é uma coisa muito séria.. Eu acho que isso ai uma coisa que também machuca para caramba.” (funcionário de área administrativa) 4.3.3.8 Funcionários que saíram no PDI Segundo um dos entrevistados, as pessoas que saíram no programa estavam, via de regra, com a vida bem encaminhada. Os com formação técnica teriam ido trabalhar em empreiteiras, dando, portanto, seguimento à sua carreira profissional. Aqueles de área 127 administrativa tinham, em sua maioria, se aposentado. Para esse depoente, os fracassos de pessoas que tinham saído no plano oferecido na época de estatal teriam servido como alerta àqueles que se desligaram no PDI: “Normalmente as pessoas têm ido trabalhar em empreiteiras. Principalmente o pessoal técnico tem ido para empreiteiras. As outras pessoas que trabalhavam na área administrativa saíram; a grande maioria saiu para se aposentar mesmo. E elas estão bem. Não tem nenhum que está mal. Nesse programa [PDI] não teve muito problema não. Agora, nas demissões anteriores [PDV], a gente vê que muitas pessoas estão penando. ...Eram adesões voluntárias, mas se pensou que lá fora estava muito bom. ‘Vou montar o meu negócio’. O negócio não deu certo. Muitas pessoas até tentaram voltar para a empresa. ... Agora a gente sentiu isso no PDI: o pessoal já estava muito mais consciente.” (funcionário de área administrativa). Ao discorrer sobre aqueles que se desligaram, surgiu, de forma espontânea, no depoimento dos entrevistados, a questão da ligação afetiva com a empresa. Esse vínculo teria se manifestado não apenas na hora de decisão de adesão ao plano mas, igualmente, nos rituais de despedidas organizados pelos funcionários. Segundo um dos depoimentos, decidir pelo desligamento eqüivaleria a separar-se de um marido ou de um filho. A vinculação afetiva decorreria de um longo período em que ir e vir do trabalho teria estruturado a vida não apenas em termos das rotina diárias, como também, em termos de amizades e lazer. “Tem gente que nem muitas férias gostava de tirar.... Esse é um lado da dependência, que a pessoa se liga na empresa e acha que só existe aquela empresa ali. Então para ela decidir sair da empresa, largar aquilo, é quase igual a decidir se separar do marido, ou separar do filho, ou qualquer coisa que o valha.” (diretor de Recursos Humanos) Rituais de despedida ocorreram, sendo interpretados de forma diferentes. Segundo um gerente, muitas festas foram realizadas o que indicaria haver o plano transcorrido de forma tranqüila, sem ter se caracterizado como um momento traumático, fato que seria comum em outras empresas. Para outro entrevistado, as despedidas ocorreram com lágrimas e emoções, justificadas pelos laços criados em anos de trabalho conjunto. A considerar a idade média de tempo de empresa, pode-se depreender que boa parte da vida profissional dessas pessoas desenrolou-se dentro da empresa, gerando, portanto, o referido vínculo. “Então teve área ... área que teve festa. Festa de despedida, café da manhã de despedida, jantar não sei onde. Então teve de tudo. Então foi um momento que muitas empresas... pode vir a ser traumático, pode ser complicado. Mas aqui, 128 especificamente na ServA, não foi não. Foi uma tranqüilidade.” (gerente de área administrativa) “O ser humano é muito emotivo. ...A gente que trabalha há muitos anos...chorando assim, praticamente chorando, emocionados de deixar os colegas... muitos anos juntos... é complicado mesmo. Mesmo a pessoa tendo uma certa estrutura até mesmo financeira... tem uma coisa que chama o emotivo dela...por mais que ela trabalhe esse emotivo dela, ela não consegue, abre e na hora certa ela desaba mesmo.” (funcionário de área administrativa) Havia, segundo um gerente entrevistado, um sentimento de desorientação, por parte daqueles que estavam se aposentando, por não saberem o que fazer de suas vidas. Não teriam sido preparadas para a aposentadoria e para uma vida fora da empresa: “Mas a maioria não estava preparada para se aposentar...Acho que para se aposentar você tem que ter todo um processo de preparação. Para ir se preparando, desacelerando e falar: ‘Agora eu vou aposentar’. Ir programando o que você vai fazer quando estiver aposentado. E não se teve esse tempo: você tem cinco dias para decidir se vai ficar ou não na empresa. ...Então choraram muito. Choraram por essa incerteza: ‘O que é que vai ser da minha vida? Depois que eu estiver aposentada o que é que eu vou fazer?’ Porque se aposentaram novas, com 48 ou 49 anos. Quer dizer, eu considero uma pessoa para se aposentar nessa idade muito jovem ainda.” (gerente de área operacional) 4.4 Após a Privatização: Conseqüências do Programa de Redução de Pessoal Privatização e redução de pessoal não se fazem sem impactos na organização. No caso da ServA, as conseqüências mais evidentes, segundo as entrevistas realizadas, disseram respeito à nova forma de trabalhar, às novas práticas organizacionais e à alteração no contrato psicológico de trabalho. 4.4.1 Nova forma de trabalhar As mudanças mais relatadas relacionaram-se com a alteração na quantidade de trabalho e nas implicações dessa alteração no horário e na vida pessoal de cada um. Por conseqüência, algumas estratégias para se lidar com o aumento de serviço tiveram que ser adotadas. 129 4.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho A diminuição do contingente de pessoas para uma carga de trabalho que aumentou foi o relato mais freqüente. A demanda de trabalho teria crescido, de acordo com os depoimentos colhidos, basicamente, em função da expansão das atividades da empresa e da redução de pessoal. Para as áreas que coletavam e processavam informações corporativas, uma parte de demanda teria se originado em pedidos da matriz. “O trabalho é flagrante. Aumentou muito, aumentou muito. Não só para um certo grau de pessoas, nível hierárquico de pessoas, que é mais natural que aumente mesmo, mas para o empregado de um modo geral, ele aumentou muito. A gente sente que a carga, muito por essa redução do efetivo, é um dos motivos. O nível de exigência também aumentou muito, a empresa continua crescendo, o volume de implantação nosso está acelerado, com menos vinte porcento do quadro, ou seja, a gente está num crescendo, então a carga aumentou.” (diretor de Recursos Humanos) “O nível de controle que a gente tem que exercer sobre o processo, sobre as informações, é infinitamente maior .... o volume de serviço, principalmente para atender à Matriz, é uma loucura. Primeiro e mesmo antes da privatização, nós estávamos preparando para a privatização. Isso demandou um volume de trabalho enorme.... Um ano antes da privatização já começamos trabalhando nesse ritmo e, nesse ritmo, está até hoje. É um volume de trabalho extremamente grande.” (gerente de área administrativa) “Mas o que mudou mais para a gente foi, assim, o serviço, porque hoje as pessoas aposentaram e eles não colocaram pessoas. Colocaram o contratado, ou seja, quando o contratado.. eles terminam o contrato e eles não reformam. Você fica desesperado, porque você está fazendo o serviço de duas pessoas, o seu e mais um. .. Tem dias que eu saio dez horas, tem dias que eu saio nove.” (funcionário de área administrativa) “Nós estamos sendo simplesmente massacrados pelo trabalho. Eu chego em casa, não consigo me desligar do trabalho. Ontem eu fiquei até onze horas digitalizando imagens que eu precisava para hoje. Trabalhei em casa, de graça. ... Não dei conta. Ainda fiquei mais frustrado porque não dei conta de fazer tudo.” (funcionário de área administrativa) Dois gerentes de área operacional expressaram ter sentido a saída de pessoas experientes de seu grupo. Como muitas pessoas se desligaram no PDI, uma das alternativas foi a contratação de empreiteiras que passaram a suprir a falta de mão de obra. Ocorre que essa mão de obra nem sempre tinha o preparo e a qualificação necessários adicionando, assim, uma sobrecarga aos supervisores e gerentes de áreas operacionais. 130 “Eu tinha doze pessoas, essas doze saindo, teve que ser suprido por empreiteiras... a qualificação da mão-de-obra da empreiteira ela não [é] a melhor possível. ... E isso foi difícil para a gente, para mim principalmente, porque treinar esse pessoal, orientar, conversar, cliente reclamando.....Então o modo continua, mas a carga e a quantidade de serviço aumentou. Porque você hoje, não tem mais uma equipe. Minha equipe, eu treinei, eu montei. Então você sabia quem era o melhor, de quem você precisaria. Você canalizava a coisa mais rápido. Hoje você tem que tentar escolher; às vezes é você que vai fazer, então você deixa de passar para a pessoa, porque tem que executar esse serviço.” (supervisor de área operacional) “A nível de trabalho não mudou muito não, porque eu sempre trabalhei demais da conta. Mas aumentou um pouquinho mais a carga de trabalho. Com certeza, aumentou. Por quê? Porque saíram pessoas e não foram repostas estas vagas...você tira pessoas que trabalhavam lá há vinte anos e põe pessoas começando do zero, não precisa dizer que vai aumentar o trabalho do supervisor.” (gerente de área operacional) Algumas áreas, porém, fizeram o caminho inverso e perceberam uma diminuição na carga de trabalho. Um dos gerentes apontou, por exemplo, que as área de planejamento tiveram redução no serviço, pois boa parte havia sido absorvida pela Matriz, que passara a ficar responsável por políticas, diretrizes e estabelecimento de metas. “São vários aspectos que têm que ser analisados nessa questão aí. Nas áreas de suporte, tipo a nossa, na área assim de retaguarda, nós tivemos um momento, principalmente nas áreas que trabalhavam mais com planejamento estratégico na antiga estatal, nós tivemos uma diminuição na carga de trabalho. Por quê? Todas as políticas, diretrizes, metas que a gente emanava daqui, não são mais daqui. Foram deslocadas para a matriz. Então eu aproveitei essa oportunidade que mudou e fizemos, também, uma redução nesse quadro de pessoas que trabalhavam nisso aí.” (gerente de área administrativa) Para um dos entrevistados, ter-se-ia atingido maior equilíbrio na quantidade de trabalho, pois na época de estatal havia, em verdade, excesso de pessoas. Assim, em sua área, as horas de trabalho prolongadas seriam uma exceção e atingiriam apenas algumas pessoas. “Só algumas pessoas [fazem hora extra]. A maioria mantém-se dentro do horário. ... Não é que a carga aumentou. Eu diria que a carga anterior não era aquela que a pessoa deveria ter. ... as pessoas eu acho que estão hoje bem dimensionadas. Dessas trinta e cinco, uma três ou quatro é que têm necessidade, às vezes, de prolongar a sua jornada de trabalho, ou trabalhar aos sábados, coisa assim.” (gerente de área administrativa) 131 4.4.1.2 Implicações do aumento da carga de trabalho no horário e na vida pessoal O aumento da demanda de trabalho ocasionou um prolongamento do horário de trabalho, o que, por sua vez, impactou a vida pessoal e familiar das pessoas. Para um dos entrevistados, a jornada transformou-se em um período de cerca de doze horas, não sendo incomum o fato de ficar trabalhando até de madrugada. Finais de semana teriam sido, também, dedicados ao trabalho. “Normalmente, eu chego por volta de oito horas e o horário de sair é sete e meia, oito horas da noite. Isso aí é o horário normal de trabalho ... Alguns fins de semana a gente tem que levar trabalho para casa para poder dar conta...havia picos que obrigavam... Após a privatização isso se tornou uma constante. Pelo menos na minha área, exatamente uma conseqüência da redução do quadro. Reduziu o quadro, aumentaram as exigências.” (gerente de área operacional) Outro entrevistado relatou que o horário prolongado o impedia de fazer qualquer tipo de atividade física. Embora não apresentasse nenhum sintoma físico, sabia que estaria “cavando um buraco” no futuro. Outro, ainda, mostrou-se preocupado com o excesso de carros no estacionamento à noite, por indicar pais fora do convívio familiar. Outro, por fim, indicou que a família – mulher e filhos - cobravam sua presença, pois não conseguia mais chegar no horário antigo. “Cansa. Cansa. Você dorme, você descansa, mas não tem outras atividades. Quer dizer, uma atividade de lazer, noturna . Uma aula, por exemplo, você não tem. Um curso a mais, uma coisa diferente para você freqüentar. É impossível uma caminhada depois do expediente, não existe. Antes do expediente muito menos. ... eu hoje não tenho atividade física nenhuma. ...Eu já saí daqui duas horas da manhã, três horas da manhã. Então está puxado para caramba. A gente vai ficando um pouco cansado... eu sei que eu estou agindo errado do ponto de vista de saúde. Hoje, se você me perguntar, eu não sinto nada, tenho uma disposição para o trabalho enorme, mas estou cavando o buraco lá na frente.” (gerente de área administrativa) “Outro dia uma colega minha teve que ficar aqui até meia noite, ela saiu daqui às dez para meia noite por causa de um trabalho que ela tinha que fazer.... Ela falou: ‘Você tinha que ver a quantidade de carro que tinha lá no estacionamento’. ... Isso são pais de família que não estão em casa com as famílias e a gente sabe que aqui ...a gente tem uma grande quantidade de pais de adolescentes, pela faixa etária que a gente percebe... Esses carros que estão aqui embaixo, os proprietários estão deixando de cumprir outro papel lá fora, que é estar acompanhando os filhos, estar junto com a mulher, com a família deles.” (funcionário de área administrativa) 132 “Eu entro aqui às oito da manhã e fico até às oito horas, sete horas da noite. Então você fica quase que doze horas aqui dentro da empresa. Eu sou uma pessoa casada, tenho filhos.... Então, de certa forma, houve uma mudança na minha vida. Na minha vida particular houve uma mudança. Então, há hoje uma certa cobrança da esposa e dos filhos, todos em idade pequena, de que, no momento em que chegava todos os dias, horário determinado... de repente houve uma mudança significativa.” (gerente de área administrativa) 4.4.1.3 Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga de trabalho Uma das conseqüências do enxugamento com caráter voluntário referiu-se ao fato de a saída de pessoas não poder ser controlada. Assim, em algumas áreas, houve um número pequeno de adesões e, em outras, esse número chegou a assustar alguns gerentes que ficaram temerosos com a impossibilidade de manter o desempenho mínimo requerido. Um deles relatou, por exemplo, que, para equilibrar a mão de obra, fora obrigado a transferir pessoas de um local físico para outro, mesmo com impactos em sua vida pessoal. “As equipes de manutenção tiveram que se organizar de tal forma para poder atender àquelas localidades [em que houve grande número de adesões] também. Agora, em outras áreas, houve realmente prejuízo mesmo, houve queda mesmo na qualidade do trabalho em função disso.... porque você enxuga de maneira generalizada e esse corte não é homogêneo, porque um programa desse não é homogêneo...Teve área que saiu dez porcento e teve área que saiu cinqüenta porcento.” (gerente de área administrativa) “Nós tivemos que fazer uma reestruturação interna, porque nós tivemos algumas perdas bem pontuais. Algumas área nós tivemos que remanejar. Eu tive que me reunir com todos os gerentes e falar: ‘Esquece a área que você atua. Vamos enxergar tudo aqui’. Para redistribuir essa mão de obra...Aí tem problemas: fulano tem que sair lá do bairro X e vir para o bairro Y. ‘Não posso, porque meu filho estuda lá, já estou lá..’ Aquela confusão toda. Aí você tem que administrar isso tudo.” (gerente de área comercial) Outros depoimentos apontaram para a rápida absorção do trabalho pelos remanescentes, sem criar grandes transtornos. Um dos entrevistados reconheceu que a implantação de novas tecnologias, tanto de informática quanto de automação de processos, possibilitou a redução de pessoal. Outro, no entanto, indicou que, por ter o volume de serviço crescido muito, encontrava-se no seu limite de trabalho. “Você vê assim uma organização que tem 6.000 empregados, aí saem de repente 1.100 pessoas, correspondente a mais de vinte porcento do quadro. Aí 133 você imagina ‘Teve um transtorno incrível na empresa’. Não teve nada disso... um processo de ajustamento rápido. ... lógico que aliado a isso nós não podemos esquecer que a tecnologia, a informatização da empresa, contribuiu, sem dúvida, para esse ajustamento. Não só a tecnologia com relação a processos administrativos... [outros processos] que foram automatizados contribuíram para que ... fosse ajustado rapidamente.” (gerente de área administrativa) “No primeiro momento ... a minha área tinha 37 pessoas, passou a ter trinta. Você podia dizer: ‘Tinha sete ociosos’. Que eram ociosos ou tem alguma coisa acontecendo aí. Nos primeiros meses, talvez 60 dias, eu achei que nós tínhamos feito uma grande vantagem, porque essas pessoas não me fizeram tanta falta. Agora, hoje, passado aí mais meses, nós estamos trabalhando no limite. A área está sentindo necessidade de recursos e a tendência é de não ter mais recurso. ....A gente tem consciência com os empregados que tem que trabalhar dentro desse limite. Não há perspectiva de você crescer quadro, você tem que ajustar.” (gerente de área administrativa) Em algumas áreas, a mão de obra foi substituída por empreiteiras que, embora não tivessem o padrão de qualidade da mão de obra interna, estavam sendo treinadas e ajustadas para atender às necessidades de atividades que deixaram de ser executadas pela ServA. Em outros casos, houve a necessidade de recontratação de pessoas, estratégia essa que estava sendo praticada, segundo um dos gerentes, de forma “parcimoniosa”. 4.4.2 Novas práticas organizacionais As principais mudanças relatadas pelos funcionários referiram-se à cobrança de resultados e à atenção exigida para com custos, lucros, clientes e concorrência. 4.4.2.1 Cobrança de resultados Os entrevistados relataram que maior cobrança se fez presente. Passou-se, segundo alguns depoentes, a exigir resultados e respostas rápidas, principalmente daqueles pedidos que se originavam na matriz. A pressão competitiva, a expansão das atividades, uma nova visão de negócios com grande preocupação com a qualidade e presteza de atendimento ao cliente teriam dado origem a demandas que deviam ser prontamente respondidas. “Realmente, a gente sente agora que está começando a gerenciar como sempre deveria ter sido. Porque nunca havia sido feito, porque a gente nunca era cobrado. Então, basicamente o que mudou, é que você é cobrado hoje. Antigamente, você não era cobrado. A maioria dos diagnósticos que as 134 consultorias fazem conosco aqui é esse. ‘Vocês são muito bons no operacional, mas vocês falham no controle’.” (gerente de área administrativa) “O tipo de cobrança hoje, a rapidez das informações... é devido ao enxugamento de pessoal, esse pessoal que ficou, ficou com carga de trabalho maior. Tudo tem que ser para ontem. Então a própria história da empresa privada, da competição. ...A cobrança é muito maior. Porque diminuiu o número de funcionários, o serviço aumentou... mais clientes são atendidos. .. A gerência exige mais rapidez nas ações... você tem que traçar metas para entregar aquele trabalho”. (supervisor de área operacional) 4.4.2.2 Atenção para custos, lucros, cliente e concorrência Orçamentos foram elaborados e controles implantados. Despesas acima de determinado valor passaram a ter que ser aprovadas pela matriz. No entanto, egressos de uma administração com razoável autonomia em suas decisões, alguns funcionários expressaram uma certa reação à perda de independência. “Antes o que é que acontecia? Isso aqui tem que mandar para Brasília. Mas aí tinha um diretor mais esquentadinho e falava: ‘Não, nós vamos fazer...’. Hoje, isso não acontece. ‘Isso nós temos que mandar para a holding’. Qualquer coisa, passou de quarenta mil reais, a holding é que tem que decidir. Então, essas coisas atrapalham. Emperrou um pouquinho o processo decisório.” (funcionário de área administrativa) “Nós tivemos um período após a privatização em que eu senti assim uma ditadura do custo. O custo, o que você fazia, quanto custava. Então sentavam em cima do cofre e a gente com projetos parados porque não eram aprovados. Tudo tinha que passar pela matriz. Eles tinham que aprovar qualquer contratação acima de dois mil reais.” (gerente de área administrativa) Observou-se, por sua vez, uma preocupação dos empregados com a eficiência e a sobrevivência da empresa. A ServA procurava, segundo um entrevistado, não apenas aumentar a sua base de negócios, como também, impedir que a concorrência avançasse em sua fatia de mercado. “Ela vai trabalhar com uma competição acirrada. Cada vez mais visando, querendo o cliente, ter o cliente com todas as suas forças. Porque se ela não fizer isso a concorrente vai pegar. As concorrentes estão cada vez mais fortes... Então cada vez mais o corpo de funcionários da empresa, ele tem que estar preparado para competição, como se fosse diária.” ( funcionário de área operacional) 135 Um dos entrevistados, elaborando uma cadeia de raciocínio, concluiu que a redução de custos implicaria em preços mais competitivos, o que, por sua vez, garantiria mais clientes e, finalmente, por conseqüência, o próprio emprego. “Então, o que a gente precisa? Nós precisamos reduzir os nosso custos, precisamos fazer com que os nossos serviços ... que eles estejam competitivos, para que a gente possa continuar ganhando a confiança de nossos clientes, para que a gente possa ter o mercado e, como via de conseqüência, ter o nosso emprego.” (gerente de área administrativa) Um outro, ainda, sentia-se responsável e mesmo orgulhoso de divulgar a imagem da empresa. Entendia que apenas “defendendo com garra” e divulgando a imagem da empresa, poderia ela prosseguir em mercado tão competitivo, garantindo, com isso, seu emprego. “Ela está no mercado aí, de competição. Que vença a melhor. ...Nós agora temos que competir. Se a gente não der o máximo da gente, a empresa vai quebrar. Ao invés de demitir, vai ter que mandar todo mundo embora. Então, com isso, as pessoas que ficaram, elas têm que se dedicar para dar conta....Faz bem para a gente competir. Eu tenho que correr atrás daquilo, eu tenho que segurar, eu tenho que defender aquilo com toda a garra... Eu tenho que vender a imagem da minha empresa. Então, tanto que nós ficamos esses dois últimos meses realmente vendendo a imagem da empresa. Eu me senti, assim, orgulhosa... .. mas eu faço isso com amor, porque hoje ela que me mantém.” (funcionário de área operacional) Para outro entrevistado, a ServA teria que fazer ajustes pois, sendo uma empresa com mais tempo de operação, tinha, naturalmente, formado um quadro de pessoal maior do que as concorrentes - empresas novas - que estavam se estruturando a partir do zero. “Eu acho que custo se reduz numa série, com uma série de atitudes: você se organiza melhor, você se planeja melhor, você faz uma otimização em termos de informática. Porque a empresa já evoluiu nisso, mas o custo hoje vai ser fundamental para a empresa suportar essa concorrência. As empresas que estão entrando no mercado hoje são muito mais enxutas. Já se estruturaram mais enxutas. E essa empresa que existe aqui, a ServA, ela foi montada ao longo de tantos anos e acaba criando um corpo maior.” (gerente de área administrativa) Os depoimentos coletados indicaram, portanto, que os funcionários, cientes de que o ambiente de negócios da empresa muito se modificara, sensibilizaram-se para as necessidades de contenção de custos, de conquista de clientes, de ampliação da parcela de mercado e da necessidade de aporte de tecnologias, voltadas para o atendimento externo e poupadoras de mão de obra. 136 4.4.3 Alteração no contrato psicológico Sem dúvida, a grande mudança que se processa, durante e após um plano de redução de pessoal, refere-se à alteração das bases sobre as quais o contrato de trabalho repousa. Na ServA não foi diferente, e os funcionários, de uma forma geral, passaram a compreender que o contrato em vigor à época de estatal não teria mais validade. 4.4.3.1 Sentimento de perda Reagiu-se, entretanto, de maneira diversa a essa alteração. Para alguns, houve um sentimento de perda e de ruptura, para outros, a compreensão de que algumas trocas – direitos e deveres das partes - ter-se-iam modificado; para outros, ainda, a sensação de que o contrato ter-se-ia alterado de forma mais profunda. A percepção de quebra do laço contratual, de que a promessa de segurança do emprego não mais seria válida, deu origem a um sentimento de perda e de vínculos desfeitos. A empresa seria a namorada, mulher perdida após tantos anos de relacionamento. “[ o acordo que eu tinha com a empresa] era do tipo escrito, formal, abençoado pelo padre, do tipo até que a morte os separe. E esse era o casamento do empregado com a empresa e da empresa com o empregado. Aí o casamento se desfez. Aquele sentimento de perda. Sentimento de que você perdeu alguma coisa mesmo. E perdeu mesmo.” ( funcionário de área administrativa) Outro sentimento manifesto refere-se à perda de identidade ocorrida quando a ServA passou a fazer parte de uma holding cujo nome não guardava qualquer relação com o da ServA estatal. Havia, segundo o depoimento do diretor de Recursos Humanos da holding, a percepção de que a empresa teria perdido status e, por conseqüência, os funcionários teriam deixado de desfrutar desta situação. “Elas eram um benchmark interno, principalmente a ServA...Então elas tinham um problema muito sério de não querer de alguma forma fazer uma integração com as outras empresas, porque ia estar deteriorando o nome delas. Os funcionários achavam a mesma coisa. ‘Só uso o meu crachá aqui, eu não preciso de carteira de identidade, preciso de nada. Sou [da] ServA’.” Embora vários aspectos tenham se modificado, a principal mudança realizada no contrato psicológico referiu-se, segundo as entrevistas realizadas, à segurança e estabilidade do emprego. Como estatal, havia uma percepção de que as demissões eram mais difíceis de ocorrer. Nas palavras de um gerente da área de recursos humanos: “para ser demitido, [precisava ocorrer] um desvio de comportamento muito forte”. Gerou-se nos empregados, uma expectativa e mesmo uma promessa, mesmo que implícita, de que o caminho natural seria a aposentadoria pela empresa. 137 “Eu entrei para a empresa, nunca pensei no dia em que ia sair da empresa. Eu sempre pensei que ia me aposentar aqui e essa continua sendo a minha expectativa.” (funcionário de área administrativa) Na nova situação, o sentimento mais geral era de que tinham um emprego vulnerável e não havia, da parte da empresa, a mesma garantia de permanência. Se antes a estabilidade estava razoavelmente assegurada na maioria das situações, independente do nível de desempenho do empregado, agora a percepção era de que o requisito para se permanecer estaria na competência, na performance e no desenvolvimento profissional. “Acho que todo mundo que trabalha hoje em iniciativa privada, acho que ninguém tem seu emprego garantido..... Desde que façam o seu trabalho com competência, desde que estejam acompanhando a evolução do mundo em todos os sentidos, eu acho que as pessoas têm todas as condições de continuar trabalhando aqui dentro. É lógico que eu acho que ninguém tem emprego garantido.” (gerente de área administrativa) “A empresa, hoje, se ela tem um bom resultado, seremos recompensados; mas se os resultados forem ruins e a empresa tiver que fazer uma adequação a esse novo cenário, certamente o pacto não vai ser da mesma forma como era na estatal.” (gerente de área operacional) A relação de dependência, entretanto, não era vista apenas do lado do empregado. Alguns entendiam que a empresa também precisava da especialização, da lealdade e do comprometimento do empregado, raciocínio este reforçado tanto pelo grande investimento realizado no desenvolvimento profissional dos funcionários, quanto pela falta de profissionais especializados no mercado. “Você tem que pagar um salário melhor, você tem que oferecer algum benefício para reter....Na hora ‘H’ eles sempre estão querendo que você seja um pouco mais leal, defenda mais a empresa. Isso eu acho que não acaba não. ... Em alguns segmentos se tem excesso de profissionais, mas em alguns segmentos você tem profissionais que só existem aqui dentro, você não tem no mercado.” (gerente de área administrativa) “A empresa precisa da gente também. Ela não é boba de investir tanto numa pessoa durante tantos anos, depois que essa pessoa está pronta... ela vai querer dispensar? ... A necessidade é de mão dupla.” (supervisor de área operacional) No que se refere à remuneração, havia um temor de que os salários praticados pela empresa – mais altos do que o mercado - fossem uma possível razão para a demissão. Além disso, em algumas áreas, notadamente as administrativas, a oferta de mão de obra no mercado apenas aumentou o medo da demissão. Entrelaçou-se a este raciocínio, o 138 temor da idade, uma vez que pessoas mais velhas poderiam não ter a mesmo disposição para trabalhar. “Hoje, mesmo que a pessoa cumpra bem as suas funções, ela tem essa sensação de que a qualquer momento, ela pode ser demitida. Porquê? A gente acha que os salários influenciam nisso. Pessoas que ganham muito tendem a ser substituídas por pessoas que ganham menos. Então, o mercado é um mercado farto de profissionais jovens que estão desesperados, querendo trabalhar.” (funcionário de área administrativa) 4.4.3.2 Estratégias para lidar com a insegurança Se o emprego não estava assegurado, quais seriam as formas para lidar com isso? Esta era uma questão que se apresentava, se não de forma direta ao menos de forma indireta, no discurso dos entrevistados. Dedicação e comprometimento, autodesenvolvimento e polivalência foram algumas das estratégias citadas para aumentar a probabilidade de se permanecer no emprego. Um dos entrevistados, por exemplo, estava procurando trabalhar junto a uma equipe diferente da sua. Outro sugeriu que se deixasse a especialização de lado e se procurassem outras habilitações. Segundo este entrevistado, haveria uma diferença de conscientização segundo o grau de formação do empregado e o tempo de empresa. Aqueles com menor grau de instrução e mais tempo de casa estariam menos preparados para as mudanças e, se despedidos, levariam “um choque”. “Porque, no meu emprego, de alguma forma, eu estou procurando ser melhor ainda. Me dedicar mais, me preparar mais, ser mais, um pouco mais polivalente, procurar outro espaço também. ... isso aconteceu comigo, eu estou trabalhando agora metade no Recursos Humanos e metade com outro grupo de trabalho.” (funcionário de área administrativa) “As pessoas que estão, vamos dizer, num nível acadêmico inferior, elas não estão pensando muito... estão pensando para ver o que dá ainda. Mas quem tem, assim, nível acadêmico .. acho que a gente tem consciência de que não tem mais isso aí. Mas muitas pessoas mais velhas, com mais de quinze de empresa, ainda não sentiram isso não. Eu acho que vai ser um choque. Quando acontecer vai ser um choque muito grande... o cara não pode ser especialista só de Fundo de Garantia...ele tem que saber um pouco mais de outras coisa também.” (funcionário de área administrativa) Dentro deste espírito, um dos gerentes relatou ter orientado seus funcionários no sentido de tomarem ações que aumentassem a chance de permanecer na empresa. 139 “Então, eu estou vendendo essa idéia, [que é] o seguinte: você tem mais chance de permanecer na organização, quanto mais você for competente, continuar estudando, continuar se autodesenvolvendo, continuar se comprometendo com o seu trabalho, fazendo o seu melhor.” (gerente de área administrativa) De forma contrária aos depoimentos anteriores, um dos gerentes sugeriu que, se o trabalho estivesse sendo realizado de forma correta, se agregasse valor, então não haveria razões para a insegurança. “As pessoas que são comprometidas, que são competentes, estão trabalhando numa visão da empresa, com o compromisso com a empresa, elas estão vendo que esse temor da perda do emprego, ele na realidade ele não existe. Se você está trabalhando direito, se você tem condições de contribuir, se o seu trabalho agrega valor na empresa, você não tem que temer perda de emprego.” (gerente de área administrativa) Apenas um dos entrevistados expressou claramente a questão de que nem mesmo um bom desempenho garantiria o emprego. Performance e bom trabalho seriam condições necessárias, porém não suficientes para a manutenção do emprego. “O cenário é totalmente diferente, quer dizer, a empresa hoje, se ela tem um bom resultado, obviamente que nós trabalhamos para isso, seremos recompensados. Mas se os resultados forem ruins e a empresa tiver que fazer uma adequação a esse novo cenário, certamente o pacto não vai ser da mesma forma como era na estatal.” (gerente de área operacional) Há que se registrar, ainda, a percepção do paradoxo que a mudança trouxe. Se, por um lado, a segurança seria algo cômodo, uma necessidade quase que natural do ser humano, teria propiciado, por outro lado, uma certa estagnação profissional. A mudança, apesar de mais estressante, “movimentaria e excitaria”. “É outra questão polêmica, essa de segurança. Muito polêmico isso. Se por um lado você está com segurança, você está na sua área de conforto, você não se estressa. Porque isso, a insegurança, a incerteza ela te estressa. Mas ela te movimenta também, ela, de uma certa forma, ela te excita.” (funcionário de área administrativa) Assim, alguns empregados procuraram, segundo depoimento de um gerente da área de Recursos Humanos, “ adquirir outras habilidades, mudar de área, caçar o rumo dentro da empresa ou, então, produzir mais”. Uma nova abordagem para a situação surgiu, também, quando um dos funcionários, apesar da insegurança percebida, indicou que o importante seria “estar bem consigo 140 mesmo... produtivo, sentindo que está dando a sua contribuição”, pois esta atitude propiciaria segurança. 4.5 Futuro O discurso, acerca do futuro profissional individual, mostrou-se amplo nas opções, genérico nas intenções e, muitas vezes, difuso e pouco claro. As opções que cada um dos entrevistados percebia para si mesmo no futuro variaram dentro de uma faixa muito ampla que ia desde a intenção de sair da empresa, na primeira oportunidade, até a espera pela aposentadoria. Algumas estratégias relatadas pelos entrevistados incluíram: (a) reconhecimento de estar acomodado profissionalmente, sendo que, para vencer essa acomodação, haveria que se sacrificar parte de sua vida pessoal; (b) planejamento do que fazer quando a aposentadoria chegasse; (c) espera de uma definição da empresa no que se referia a treinamento; (d) espera de uma oportunidade para sair e (e) uma expectativa pessimista de que, no futuro, haveria mais demissão. “Estou meio acomodada... se eu for tudo aqui no meu trabalho, eu estou perdendo isso que eu dou tanto valor, que é esse relacionamento de poder parar de vez em quando, pegar o telefone, ligar para casa, ver como estão os meus filhos... Então eu não estou a fim de abrir mão de tudo da minha vida pessoal em função da minha profissão.” (funcionário de área administrativa) “O meu futuro, o meu futuro já está definido... Vou ficar administrando o meu salário ali, enquanto eles trabalham. Mas minha meta é essa, que eles passem na Universidade Federal...” (funcionário de área operacional) “Eu acho que o meu futuro vai depender do que a empresa vê de mim, quer de mim. ... Se ela não investir em mim eu não vou ter futuro nenhum, não adianta, eu não acompanho.” (funcionário de área administrativa) “Na primeira chance, eu estou indo embora.” (funcionário de área administrativa) “Quando eu entrei, entrei renovando. Hoje eu preciso ser renovado. Tem pessoas para trabalhar aqui no meu lugar, fazer o que eu faço...pagar a metade do que eu ganho. Então, eu acho que, a empresa, ela vai nesse caminho de redução.” (gerente de área administrativa) Outras estratégias incluíram declarações de intenções de comportamento de competência, de investimento em crescimento profissional e de desejo em contribuir 141 para o sucesso da empresa até uma avaliação de oportunidades em outras áreas dentro da empresa. “Então vou ser o mais competente possível. Dar o melhor resultado possível. Estou apostando nisso, porque eu acredito que só através disso as oportunidades vão surgir.” (gerente de área administrativa) “Eu penso em investir, fazer a minha parte, investir no meu crescimento. Espero ter oportunidade de dar uma contribuição maior dentro dessa organização.” (funcionário de área administrativa) “Eu vejo oportunidades em outras áreas também... eu posso contribuir na área de negócios... Eu vejo várias possibilidades.” (gerente de área operacional) “Eu tenho muita esperança nesse negócio. Dessa empresa ser uma grande empresa...Eu gostaria de estar nessa empresa e ter sucesso junto com ela.” (gerente de área administrativa) Ressalte-se, por fim, a quase ausência de preocupação das pessoas com eventuais futuros planos de redução de pessoal. Não foi possível perceber - talvez por conta dessa crença na permanência dentro da empresa - a busca de outras alternativas de ocupação e sobrevivência. Não existiu, tampouco, uma preocupação de se preparar para a aposentadoria. Considerando-se a idade mínima para o direito à complementação pelo fundo de pensão – 57 anos – pode-se imaginar que grande parte das pessoas estaria se aposentando ainda com capacidade de trabalho. 142 5 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVB 5.1 Breve Histórico da ServB A ServB é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação na Região Sul do país. Seguindo o programa brasileiro de privatização, foi adquirida, em 1997, por um consórcio de sócios majoritariamente nacionais, sendo hoje, na Região Sul, líder de mercado em seu segmento de atuação. Ainda como estatal e tendo em vista a preparação para a privatização, a empresa ofereceu, ao final de 1996, um plano de demissão voluntária. Em verdade, dadas as restrições orçamentárias à época e, também, a preocupação com a continuidade das operações, estabeleceu-se uma cota para as adesões. Nem todos aqueles que se inscreveram puderam participar do plano. Em uma das regiões geográficas da estatal, por exemplo, tinha-se como o número ideal de adesões cerca de 3.500 pessoas. Como o número de interessados foi muito maior, cerca de 600 pessoas não tiveram seu pedido aceito. Ao ser anunciado o ganhador do leilão de privatização, em final de 1996, iniciou-se uma fase de transição, com cerca de dois meses de duração, em que se realizou uma administração conjunta da estatal e do consórcio adquirente. Nessa época, os novos administradores montaram uma equipe responsável pela transição, que definiu, entre outras coisas, as linhas da nova estrutura administrativa e, também, um plano de redução de pessoal a ser imediatamente implantado. No início de 1997, finalmente, a nova direção assumiu, realizando logo no primeiro dia, um grande volume de demissões, com cerca de 2.500 pessoas dispensadas. Com o intuito de auxiliar as pessoas demitidas, a ServB ofereceu um pacote com benefícios financeiros que incluía, além de todas as verbas rescisórias previstas em lei, uma indenização monetária proporcional ao tempo de serviço na estatal. Além disso, de acordo com o edital de concessão, a ServB deveria implantar um programa de incentivo à formação profissional para todas as pessoas desligadas sem justa causa, no primeiro ano de privatização. Assim, a empresa fechou parcerias com o Sebrae, Senac e Senai para o oferecimento de cursos. Como a massa de empregados desligados estava dispersa em três diferentes Estados, optou-se pelo envio de carta com lista dos cursos a serem realizados e, também, com os formulários para a inscrição. Os cursos seriam realizados nas cidades, segundo a disponibilidade dos vários parceiros e as despesas decorrentes de deslocamento e hospedagem seriam pagas pela ServB. 143 Durante os primeiros 12 meses da privatização, a ServB enviou a correspondência relativa a esses cursos para cerca de 3.200 pessoas73, das quais cerca de 600 pessoas se inscreveram. Realizaram o curso, no entanto, apenas 300 pessoas, ou seja, menos do que 10% das pessoas inicialmente comunicadas. Segundo avaliação das pessoas responsáveis pelo programa de formação profissional, algumas razões contribuíram para a baixa presença: (a) o início da realização do treinamento com um certo atraso, ou seja, cerca de seis meses após o PDI; (b) vergonha, por parte do empregado, da própria falta de escolaridade; medo, portanto, de se expor e (c) identificação com a atividade da ServB, obstruindo mudança de ramo profissional. O plano de redução de pessoal, orientado por benchmarks nacionais e internacionais, incluía todas as área da companhia: administrativa, operacional e comercial. Previa-se, porém, uma redução maior na área operacional, pois algumas atividades seriam terceirizadas e outras eliminadas, através da otimização de processos e procedimentos. A estatal tinha escritório em dois Estados, o que gerava duplicidade de funções, como, por exemplo, as de recursos humanos, contabilidade e orçamento. Planejava-se, assim, a fusão das duas unidades e a concentração das atividades em apenas um dos locais, ficando o outro apenas com a parte operacional da região e um pequeno departamento de apoio. Todas essas medidas, na opinião da nova direção, justificavam a eliminação de um grande número de postos de trabalho. Para que esse contingente de pessoas a ser desligado pudesse ser selecionado, coube à nova administração preparar os gerentes, através de palestras, para a tarefa. Como a empresa em sua época de estatal, realizava demissões, faltava-lhes, segundo o diretor de Recursos Humanos, o “preparo” para realizar tal tarefa: “... nós fizemos palestras em toda a empresa, preparando essas pessoas (os líderes) para o processo de demissão. Que muitos desses nunca demitiram uma só pessoa. Porque uma característica da empresa pública era que tinha a estabilidade. Eles não estavam preparados para demitir. Então nós tivemos que fazer um trabalho de preparação: que a demissão era uma coisa necessária e ela viabilizava a empresa. Sem as demissões, a empresa era inviável. ...Então nós preparamos os líderes para o processo de demissão”. Outros planos seguiram-se. Ao longo de 1997 e de 1998, outras reduções substanciais de pessoal foram realizadas, como, por exemplo, em junho de 1997, quando cerca de 600 pessoas foram demitidas; em março de 1998, mês em que foram desligadas, aproximadamente, 200 pessoas; e em outubro de 1998, quando mais 500 foram dispensadas. 73 Este dado refere-se aos desligamentos realizados nos primeiros 12 meses de empresa privatizada. No PDI, foram desligadas cerca de 2.000 pessoas. As demais foram desligadas em meses posteriores. 144 Do período de março de 1997 até maio de 1999 – mês da realização desta pesquisa – a empresa passou de 6.300 para 2300 funcionários, fazendo, portanto, uma redução de, aproximadamente, 63% em seu quadro de pessoal. 5.2 Antes da Privatização: A ServB como Estatal A partir de uma visão retrospectiva, os entrevistados relataram as principais características de funcionamento da estatal. Esta era vista como uma organização cujos principais defeitos consistiam em: (a) dificuldade para se demitir alguém; (b) baixo comprometimento de muitos funcionários; (c) falta de condições para o trabalho; (d) igualdade na remuneração e promoções, independentes de produtividade, o que produzia, por conseqüência, desmotivação para o trabalho; (e) comunicação pouco ágil e (f) estrutura demasiadamente hierárquica causando lentidão nas decisões. 5.2.1 Demissões Não havia cultura de demissão na estatal. Aquelas chefias que tentassem desligar um funcionário enfrentavam não apenas um trâmite burocrático pesado, mas também forças políticas internas e externas. As forças internas estavam representadas pela própria inércia da organização e pela atuação de assistentes sociais que procuravam sempre encontrar uma solução para manter o funcionário. Externamente, a força política do sindicato impedia, também, que se realizassem demissões. Nas palavras de um chefe de área operacional, o processo transformava-se um uma “via crucis” a ser seguida: “Para mandar uma pessoa embora na estatal, dava serviço, porque você tinha que provar, você tinha que conhecer seu chefe... Depois você tinha o RH, depois tinha o serviço social, que queria tentar tudo antes e, depois, tinha o problema jurídico e, depois ainda, com tudo isso envolvido, às vezes politicamente não era interessante porque você ia pegar uma guerra com o sindicato.... então para você conseguir mandar uma pessoa embora que estava causando problemas aqui, era uma via crucis.” (gerente de área operacional) “Na época de estatal, você pegava o cara no flagrante e fazia um termo, ... de alcoolismo e essas coisas. Mas aí, você tinha que comunicar o sindicato, assistência social, a chefia e tudo o mais. No dia seguinte estava o sindicato, assistente social, todo mundo atrás desse cara. Pegavam essa cara, levavam para a capital, tratavam dele dois, três meses lá, tudo por conta do governo. O cara vinha de lá com viço, bonito, vistoso. Então eu digo, e agora? Agora ele vai, agora ele está. Dava um mês, dois, de novo. O cara caía de bêbado, de farra, de jogatina e isso tudo, mas existia a assistente social que tentava recuperar a pessoa.” (supervisor de área operacional) 145 Segundo os depoimentos obtidos, os entraves ao processo de demissão eram tantos que os próprios empregados, acreditando na inabilidade da empresa, chegavam a afrontar e mesmo a desafiar suas chefias. “Só poderia demitir se fosse por justa causa, então você tinha que fazer uma série de procedimentos até que essa pessoa fosse demitida por justa causa. Mas isso você sabe que o tempo vai passando, você às vezes consegue provar, acontece até alguma falha no meio do processo, a pessoa já muda de área, depois começa tudo de novo. Então era muito difícil. Eu peguei alguns casos bem difíceis que as pessoas tinham muitos problemas e elas diziam mesmo para nós que elas não iam ser demitidas, que elas sabiam que ia ser difícil ser demitida e você acabava tendo que conviver com elas.” (gerente de área operacional) 5.2.2 Comprometimento A ausência de pressão para o desempenho ocasionava a baixa produtividade de muitos empregados. Havia, na opinião de alguns entrevistados, uma cultura paternalista, em que os interesses pessoais se sobrepunham aos interesses da organização, produzindo empregados pouco comprometidos com o trabalho. “Antigamente eles batiam o cartão às sete e vinham do vestiário às oito. Aí, depois, eles iam tomar café, daí nós íamos conseguir fazer eles trabalhar com um tapinha nas costas. Quem sabe, por favor, vai lá e faz isso para nós? ‘Ah, mas a minha mulher está doente, eu tenho que ir para casa, olhar meus filhos, e era assim que era. Hoje, não. Só que, naquela época, nós tínhamos 50 a 70 caras aqui dentro. Hoje nós temos 34. Não tem mais febre, não tem mais nada”. (supervisor de área operacional) Em algumas áreas geográficas, entretanto, a produção atingia um nível que, se comparado com outras áreas da estatal, era considerado superior à média nacional. O orgulho por esse desempenho pode ser constatado no discurso de um supervisor de área operacional: ”É que, no tempo de estatal, nós aqui nos pátios, sempre foi isso que é hoje. Uma alta produção... ,mesmo na época de empresa estatal. Isso aqui sempre foi um pátio modelo, sempre foi alta produção“ (supervisor de área operacional). 146 5.2.3 Condições de trabalho As condições para o trabalho eram consideradas inadequadas. Na área operacional, por exemplo, havia constante falta de peças para o conserto de máquinas, sendo que, algumas vezes, chegava-se a reciclar peças que já haviam sido descartadas. Por falta total de peças, os funcionários eram obrigados, muitas vezes, a interromper o trabalho. Tal situação, segundo o relato de um funcionário, desmotivava os empregados, fazendo com que se sentissem “desgostosos” com o trabalho. “Muitas vezes tinha o serviço mas faltavam peças, ou, então, para você fazer um serviço mal feito justamente por não ter peças. Então, profissionalmente, a gente se sente um pouco ruim com essa situação. Porque você sabe que cada um tem um determinado potencial, cada um quer dar o melhor de si. E, às vezes, você sabe que não está fazendo, porque a empresa não dá condições de fazer. Eram peças reutilizadas, muita coisa que estava, muitas vezes na lata do lixo, tinha que ir lá buscar, para reutilizar, porque não tinha peça. Você tinha duas opções: ou você deixava a máquina parada ali no pátio, ou fazia uma tentativa de pegar uma peça já sucateada e colocar na máquina. Isso aconteceu várias vezes... Então, a qualidade da manutenção caiu uma barbaridade. E tudo isso aí fazia a gente ficar desgostoso de trabalhar numa firma estatal. Então, até pensei em sair, em voltar a novamente trabalhar na iniciativa privada, mas foi passando o tempo e acabei desistindo da idéia e ficando aqui mesmo.” (funcionário de área operacional) “Porque você estava vendo na estatal que o patrimônio estava terminando, coisas assim. Não tinha incentivo de trabalhar.” (funcionário de área administrativa) “Para você ter uma idéia, faltava lápis para se escrever. Então o pessoal não tinha como [trabalhar], não tinha copo, não tinha bulufas nenhuma.” (funcionário de área operacional) Havia uma preocupação com as condições de segurança dos empregados. Sem fornecimento de roupas e equipamentos adequados para o trabalho, sentiam-se, em alguns casos, obrigados a arcar com despesas de uniformes. O sentimento de descaso com os funcionários e com o patrimônio da empresa expressou-se no seguinte depoimento: “Eu mesmo, eu ficava revoltado e a turma também. Então, nós parávamos de trabalhar, que os caras não se preocupavam com segurança de trabalho. Eles não davam luvas, não davam botinas para nós. Eles não davam nada para nós. Roupa, roupa a essa altura do serviço, nós é que pagávamos. Nós é que pagávamos a nossa roupa. E os contracheques, tem época que eles não 147 entregavam no dia certo. Então, não era justo, então, o pessoal se revoltava com aquela situação.” (supervisor de área operacional) 5.2.4 Avaliação de pessoal Sem um processo de avaliação individual que alimentasse o sistema de remuneração, os empregados da estatal recebiam aumentos independentes de sua produtividade. Em um processo de comparação indicavam que, se outro funcionário não trabalhasse, este receberia um aumento da mesma forma. Verificava-se, assim, que as práticas de recursos humanos desestimulavam os funcionários que desejavam produzir. “O plano de cargos e salários e de merecimento era igual para todos. Se você fosse um bom funcionário ou fosse ruim, você recebia a mesma coisa. Não tinha uma meritocracia. A pessoa recebia igual, você trabalhava e trabalhava e ganhava a mesma coisa. Se você ficasse o dia inteiro lendo e eu ficasse fazendo tudo, seria a mesma coisa. Você não era reconhecido e eu também não, tudo bem, ficava por isso mesmo. Hoje não, hoje as pessoas que demonstram algum interesse a mais, elas são reconhecidas.” (gerente de área operacional) 5.2.5 Comunicação Com uma estrutura extremamente hierarquizada, a estatal tinha, também, um sistema de comunicação vertical que dificultava o acesso aos níveis superiores da empresa e distorcia a informação. Os entrevistados fazem, por exemplo, referência a secretárias que organizavam a agenda da chefia e à disposição física das salas de trabalho, aspectos esses que entravavam, mais ainda, o fluxo e a rapidez das informações na empresa. “Era muito, muito difícil. Para você telefonar e falar com o superior, você tinha que passar toda a hierarquia primeiro até chegar. Se não, era falta grave.” (funcionário de área administrativa) “Na estatal, era tudo salas reservadas, escritórios fechados. Para você conversar com o diretor, tinha que ficar marcando na agenda com ele.” (funcionário de área administrativa) “Antigamente, era muito difícil. Eu tinha que ir no gerente. Esse gerente ia no outro e ia no outro e ia no outro. ... Muitas vezes, até alguma coisa que você fazia, que chegava no último já não era mais assim.” (funcionário de área administrativa) “Era uma sala separada, fechadinha e ali estava o superintendente, estava o assessor, estavam todas as pessoas assim. Você tinha que se anunciar para falar. 148 Você não chegava a ter um diálogo aberto, os problemas você tinha, às vezes, que passar para outra pessoa, aquela outra pessoa ia falar.” (funcionário de área administrativa) No nível operacional, havia queixas quanto ao desconhecimento dos objetivos da organização. A operação diária na produção era dificultada pela compartimentalização da informação. “Em tempo de estatal, as coisas eram todas chaveadas, tudo no cadeado. Cada arquivo, cada equipamento tinha um dado e era tudo chaveado. Fulano não pode ficar sabendo disso aí, fulano não pode saber disso aqui.” (funcionário de área operacional) “No tempo da estatal não havia esse envolvimento. Não se conhecia muito quais eram os objetivos, onde nós queríamos chegar.” (gerente de área operacional) 5.2.6 Hierarquia e processo decisório Outra queixa relativa às práticas da estatal, refere-se à hierarquia e às dificuldades encontradas para a tomada de decisões. Em contraste com a empresa privatizada, a existência de vários níveis hierárquicos emperrava o processo decisório e mesmo aquelas decisões ditas “menores” demandavam um tempo que poderia chegar a semanas. “Para você ter uma definiçãozinha de algumas coisas, você demorava até semanas. Fazia um despachozinho para o teu chefe, teu chefe mandava para o chefe dele e mandava para o chefe.... Tinha supervisor de grupo, de núcleo, gerência da seção, gerência do setor, gerência da unidade, depois chegava ao cargo de diretor. Então nós tínhamos cinco gerentes antes de chegar ao diretor.” (funcionário de área administrativa) “Eu lembro que da estatal até ... que eu aprendi a escrever. Que, na estatal, a gente tinha que escrever muito. ... Escreve, escreve. Daí passava para um, passava por outro, até que aquele processo retornasse para você demorava uma semana, duas, e você não tinha esse acesso que nem a gente tem aqui.” (gerente de área administrativa) 5.3 Transição de Estatal para Privada As entrevistas realizadas apontam para um período de transição que abrange não apenas alguns meses antecedentes à privatização propriamente dita, mas também os meses de administração conjunta da estatal com os novos administradores, bem como os primeiros meses de gestão como empresa privatizada. 149 5.3.1 Preparação para a privatização 5.3.1.1 Sinais externos e falta de informação interna O processo de privatização chegou, paulatinamente, ao conhecimento e à consciência dos funcionários da empresa. Rumores sobre a possibilidade de privatização iniciaramse anos antes da concretização real do fato. Entretanto, segundo depoimento de um funcionários, apenas com o tempo, incorporou-se a consciência de que o processo seria inevitável. “Começou falando bem pouquinho e tal. Vagarosamente, a gente até não ligava muito ou não dava muita importância na época, porque parecia uma coisa que era falada, mas que, na verdade, não ia acontecer... Eu, pelo menos não dava muita importância para o assunto e tanto que não me inteirei muito do assunto. E na verdade, eu só comecei a me dedicar mais, a ler mais sobre as privatizações e foi quando realmente eu vi que ia acontecer. ... Mas, de início, eu não me incomodei muito com isso não.” (funcionário de área operacional) A conscientização da proximidade do fato era alimentada por notícias na imprensa e pela intensificação nos rumores internos. Outros sinais eram, também, captados pelos funcionários. Um dos gerentes, por exemplo, indica que, nos dois anos anteriores à privatização, houve desaceleração dos projetos internos, ficando as atividades restritas à rotina diária. “Em 95/96 esses rumores da privatização se concretizaram: o leilão tem data marcada, a data do pessoal assumir. Daí começou a criar dentro da própria empresa um clima de apreensão. Ninguém sabia o que ia acontecer. As informações, elas não eram muito bem concretas. Uns diziam, ‘vão mandar todo mundo embora’; ‘vai colocar todo mundo novo’; ‘não, vão mandar alguns embora’. Então eram rumores o tempo todo.” (funcionário de área administrativa) “Toda vez que a gente acordava de manhã, tinha uma notícia no jornal. Vai ser privatizada, não vai ser privatizada. As coisas pararam durante esse tempo, pelo menos uns dois anos não se fazia muita coisa. Qualquer plano que a gente tinha aqui não ia muito para a frente, porque daí o pessoal já pensava, mas aí vem a privatização e a gente não sabe o que vai acontecer. Então as coisas pararam muito aqui nos dois anos que antecederam à privatização... A gente só fazia, praticamente, a rotina, não houve investimento nem nas pessoas e nem nos ativo”. (gerente de área administrativa) Além dos rumores da privatização havia uma carência de informação por parte da direção da empresa. Os funcionários ressentiam-se de falta de informação oficial e mesmo a atuação do sindicato era percebida como precária. 150 “Porque eles não davam informação para a gente, eles não transmitiam o que ia acontecer na empresa e à família, diretamente... a mulher se preocupava mesmo....perder o emprego. ... Então 96, foi o pior ano da minha vida na estatal. Nunca vou esquecer disso, porque ninguém te dava a informação correta, ninguém te dizia nada”. (supervisor de área operacional) “Daí eles já falaram que ia rolar cabeça. Que ia ter demissões, iam renovar os funcionários... Mas isso era papo que rolava entre a gente, não tinha nada oficial não. Ninguém sabia nada direito. Sindicato, a gente nunca teve sindicato. Sindicato nunca ajudou nem a informar a gente sobre isso”. (funcionário de área operacional) 5.3.1.2 Representações da empresa privatizada e significados da privatização Como, para a maior parte dos respondentes, a estatal havia sido seu único ou principal emprego, havia, por parte dos mesmos, uma falta de experiência com empresas privadas. Em seu imaginário, a empresa privada iria demitir a todos e trabalharia, primordialmente, com empresas terceirizadas. “Aí, depois, veio aquela história de privatização: ia ser privatizado. Aí você fica naquela, não sabe o que vai ser. ... sempre todo mundo comentava: vai um monte de gente para a rua, isso aí com certeza. Isso aí a gente tinha certeza que muita gente iria...” (funcionário administrativo) “Que vai todo mundo para a rua...começaram a vir informações da Argentina. Começaram a vir informações de outras empresas que já tinham sido privatizadas.... Ficou um clima meio complicado para trabalhar.” (funcionário de área administrativa) Outras imagens e opiniões se apresentaram. Para um dos entrevistados, a diferença na forma de trabalhar entre a empresa estatal e a privada seria uma dificuldade a ser transposta; para outro, uma oportunidade a ser perseguida; para outro ainda, haveria melhorias; e para outro, por fim, a privatização seria necessária, sob pena de a empresa tornar-se inviável a curto prazo. “Sou oriundo da estatal e hoje tenho quase 16 anos entre estatal e privada e, quando houve a mudança da concessão, eu já estava com 14 anos de estatal. Então, a gente já vinha de uma certa experiência, de um certo regime, regime estatal. Então, para a gente, à primeira vista, parecia um desafio intransponível 151 essa mudança do serviço público para a iniciativa privada.” (funcionário de área administrativa) “Eu, particularmente, fiquei satisfeito com a privatização. Desde o início, fiquei muito satisfeito com a privatização. Eu acho que foi uma oportunidade que a gente estava precisando. Eu, pelo menos, estava precisando.” (gerente de área operacional) “Na época, o chefe aqui era uma pessoa que pediu para a gente ficar porque ele tinha algum contato, alguma coisa com o pessoal aqui da privatização. Ele falou que ia melhorar... que a gente ia se dar bem ... então ele apoiou a gente nesse sentido e pedindo para ficar, que pelo menos déssemos um tempo para ver que a transição ia ser legal. Então, para mim pelo menos, particularmente, claro que eu fiquei preocupado... mas achava que ia melhorar, ainda mais tendo a informação desse ex-chefe aqui. ” (funcionário de área operacional) “A única coisa que eu acho importante, eu acho até que a parte que eu me conformei mais... é que eu acho que a privatização ela foi necessária... lamentavelmente foi necessária. ... na situação em que nós estávamos, incentivo nenhum, todo o pessoal desmotivado. Eu acreditava que mais uns seis meses, ali, uns dez meses ninguém ia receber mais... eu entendo que foi uma das maneiras de salvar a ServB foi essa.” (funcionário de área administrativa) Os meses que precederam à privatização foram, segundo os entrevistados, de intensa expectativa e insegurança por parte de funcionários e de gerentes da estatal. Dúvidas, especulações e incertezas acerca do futuro faziam parte da rotina diária de cada um. O leque de preocupações abrangia o medo de vir a ser mandado embora, o receio de não se adaptar à nova organização e a apreensão acerca do futuro. “Era o medo de você não conseguir se adaptar. Você não conseguir acompanhar a mudança, essa transformação, e aquela história de você perder o seu emprego. Afinal, isso é complicado para qualquer pessoa. Então, a gente já tinha aquela certa, entre aspas, estabilidade. Não existia oficialmente, mas, na empresa, era. A estatal não ia demitir alguém nunca. A gente sabia que, com a mudança, isso certamente ia acontecer. Todo mundo era consciente disso. Então, isso assustava um pouco. Essa coisa pegava mesmo.” (funcionário de área administrativa) “O maior medo, evidente, da privatização, isso em qualquer lugar do mundo, é o medo da dispensa. É evidente, você sai de uma estatal, do Governo Federal, para uma empresa privada, é evidente que isso gera um pouco mais de medo em todo mundo, em qualquer lugar no Brasil vai acontecer isso. O pessoal, no início, ficou com um pouco de medo.” (funcionário de área operacional promovido a gerente) 152 “A gente não sabia direito o que ia acontecer. Sabia-se que a empresa, num primeiro momento, ia enxugar o quadro, isso era uma coisa já que estava na cabeça de todo mundo. Mas ninguém sabia onde seria, como seria. Não sabia, por exemplo, nem se a sede ia ser aqui.” (funcionário de área administrativa) No processo de venda da empresa muitos executivos de outras empresas visitaram a ServB, muitos estrangeiros entraram nas instalações e esse fluxo de pessoas desconhecidas colaborou para gerar insegurança. “Quando realmente já tinha a data marcada [para o leilão], já existiam pessoas vindo aqui conhecer a empresa, para saber. Vieram argentinos, americanos, para ver como é que era. Foi complicado.” (funcionário de área operacional) 5.3.2 Programa de Desligamento Voluntário – PDV no contexto de uma empresa a ser privatizada Fazia parte da estratégia de privatização o oferecimento de planos de desligamento com o objetivo de reduzir o contingente de pessoal das estatais, tornando-as mais enxutas e, por conseqüência, mais atrativas para a venda. O plano de desligamento, oferecido na ServB ao final de 1996, ocorreu em um momento em que os funcionários estavam já mais conscientizados de que a empresa seria, efetivamente, vendida para o setor privado. A privatização assumiu, assim, através do PDV74, contornos mais nítidos e mais sólidos, servindo, ainda, para tangibilizar as mudanças vindouras. Um dos problemas encontrados pela estatal referia-se à limitação financeira para o pagamento das indenizações e dos benefícios oferecidos. Houve uma expectativa, por parte da alta gerência, que o número de adesões representasse um valor superior ao orçado. Assim, a regra de seleção baseou-se na ordem de chegada dos pedidos; aqueles que primeiro aderissem teriam prioridade sobre os demais. “A gente esperava um número acima do necessário. Tanto é, que a gente tomou essa precaução de estabelecer muito bem que seria por ordem de adesão. Tanto é, que no dia, no início, tinha fila para aderir. Chegou muito cedo porque queria garantir a sua adesão para sair.” (funcionário de área administrativa) 74 Plano de Desligamento Voluntário 153 5.3.2.1 Razões para a adesão ao PDV Como esperado, o número de adesões superou a verba disponível e muitos não puderam participar do plano. O grande número de inscrições deveu-se, segundo os entrevistados, principalmente ao benefício financeiro oferecido, ao medo do futuro, às percepções de outras oportunidades de sobrevivência fora da empresa e, também, à proximidade da aposentadoria. Aqueles que se desligaram, neste plano, receberam, além de todas as verbas rescisórias, um incentivo financeiro proporcional ao número de anos na empresa, que poderia chegar a seis salários. Este valor monetário constituiu, na opinião de alguns entrevistados, um atrativo irrecusável para a adesão ao plano, principalmente para aqueles que estavam em dificuldades financeiras. “Quem fica só pensando em emprego é quem tem uma situação estável, as contas estão em dia, a família não está passando necessidade e você tem essa chance de dizer não, eu não vou querer sair...Agora quem está com a luz atrasada, ameaçada de cortar a luz, não tem água, o filho não está estudando na escola, passando necessidade com criança doente, não tem assistência médica....Tirar o teu Fundo de Garantia no ato e ainda receber um prêmio para ir embora, para quem está apertado, ele não pensa em dois meses depois... Ninguém que está no deserto quer uma piscina, ele quer um copo de água. É um copo de água que tinha valor para eles. E isso aconteceu muito na estatal.” (gerente de área operacional) Havia, também, uma incerteza muito grande acerca do futuro e assim, para alguns, a adesão seria a única forma de garantir o incentivo financeiro no presente, pois não se sabia se haveria outra oportunidade igual. Aliado a isso, algumas pessoas teriam encarado o plano como uma oportunidade para realizar outras atividades, abrindo um negócio próprio, ou mesmo dando continuidade a uma atividade já iniciada paralelamente. “Muita gente saiu para trabalhar por conta [própria], se empolgou com o valor financeiro que ia receber. E outros, já com receio do processo, como é que seria, como é que agiria a empresa que ia assumir.” (funcionário de área administrativa) “Muitos, o que acontecia? Muitas pessoas dentro da ServB, elas tinham empresas com as esposas. Então, digamos, alguém tinha uma malharia junto com a esposa, então a esposa tocava a malharia e ele trabalhava aqui dentro da empresa.” (funcionário de área administrativa) 154 Teria contado também, como fator incentivador para algumas pessoas a proximidade da aposentadoria ou mesmo o direito a ela. Nesses casos, além do dinheiro assegurado pela aposentadoria, existia um benefício financeiro maior do que para os demais, por ser calculado proporcionalmente ao número de anos de empresa. 5.3.2.2 Papel do gerente Na ocasião, os gerentes intermediários viram-se no difícil papel de motivar seus funcionários a despeito da falta de informações e da insegurança que pairava no ar. Alguns indicaram ter começado a preparar seus funcionários para uma nova gama de valores organizacionais, tendo como foco central a questão de que a manutenção do emprego estaria ligada à produtividade e ao valor individual de cada empregado. “Eu dizia: ‘pessoal, pense bem se vai aderir ao PDV, pense bem’. Eu entendo o seguinte, sempre entendi e passava isso: em qualquer empresa e não só aqui, se você estiver agregando valor, você tem o seu espaço. Basta você saber conquistar e saber se aquilo que está fazendo está agregando valor ou não.” (gerente) “Então, eles tinham esse temor [de serem demitidos] e o que a gente sempre disse, para poder manter o pessoal, é que, se houvesse espaço para alguém trabalhar, sempre iria ser para os melhores. Que procurassem sempre se manter os melhores para poder um dia encontrar o seu espaço. E o que aconteceria? Isso a gente não sabia. Isso era uma coisa que a gente não tinha conhecimento, podia até imaginar.” (gerente) Cercados de incertezas e falta de informação, os gerente percebiam-se preocupados em manter os melhores empregados, tentando convencê-los a não aderir ao plano. Segundo indicaram, acreditavam que, após a redução de pessoal, precisariam desses funcionários para manter o ritmo e a qualidade do trabalho. “Na época, eram ótimos funcionários, ótimos funcionários. Profissionais de mão cheia. Faltou argumentos para convencer eles a não saírem. ... Então a gente tinha aquele ritmo forte. ... A gente tentava segurar os bons profissionais, não deixar ir embora. Conscientizar eles e não deixar eles irem embora. Mas não teve jeito.” (supervisor de área operacional) “Começamos a incentivar eles para não entrar, porque eles eram bons demais no serviço. Foi uma perda, assim, irreparável. Os caras [eram] bons mesmo de serviço, porque eles tinham um conhecimento geral sobre tudo. E eles acabaram, ‘não, não, vamos tentar a vida aí fora’.” (supervisor de área operacional) 155 5.3.2.3 – Funcionários que saíram no PDV Uma das percepções comuns aos funcionários entrevistados referia-se às dificuldades enfrentadas pelos que deixaram a empresa na época. Conforme os relatos, muitos teriam sido os fracassos de quem havia utilizado o dinheiro recebido no desligamento para investir em um negócio próprio ou mesmo para dele tentar sobreviver. Parte dos insucesso era explicado pela falta de experiência empresarial, falta de preparo para iniciar seu próprio empreendimento e mesmo falta de noção do valor do próprio montante recebido. Este valor recebido de uma só vez, parecia alto, mas seria, na verdade, apenas uma “ilusão”. Assim, alguns teriam perdido tudo, sendo obrigados a aceitar condições piores do que aquelas que tinham quando estavam na estatal. A situação seria agravada, ainda, pela pouca oportunidade que estas pessoas teriam de voltar ao mercado de trabalho. “Agora, o que muita gente quebrou a cara é que achava que com o dinheiro no bolso ele resolvia a situação. Então, tinha vários colegas que compraram caminhões.... para fazer transporte, para ser o dono da própria firma. Alguns se saíram bem, outros quebraram a cara.” (gerente de área operacional) “Uns estão trabalhando de serviço de pedreiro, vigilante, auxiliar de motorista, assim...Uns saíram, foram embora, a gente não sabe até hoje onde eles estão. Mas olha, eu digo para você, 90% deles quebraram a cara. Infelizmente, porque o mercado de serviço não está absorvendo eles... o mercado já estava inchado. Então eles saíram para um negócio próprio... eles não souberam levar, foi-se o dinheiro, foi-se tudo e aí eles tentaram entrar no mercado. Só que o mercado está inchado.” (supervisor de área operacional) Do ponto de vista dos entrevistados, não bastaria o recebimento de dinheiro para garantir a vida “lá fora”. Muitos teriam fracassado por não terem sido preparados para seguir por conta própria. Acostumados a receber um salário garantido ao final do mês, não teriam sabido reconhecer os riscos e oportunidades de aplicação do dinheiro e nem exercitar o lado empreendedor. “Muitas pessoas se deixaram levar por esse capital que ela teria. Ela achou que seria muito fácil, simplesmente sair daqui e ali abrir uma portinha, um comérciozinho qualquer e, nessa, seus problemas iam se resolver. Quando a gente soube de outros casos que não foi assim. Não tiveram um preparo. Tem que estar preparado para isso. Fica difícil, muito difícil se aventurar”. (funcionário de área administrativa) “Muitos voltaram para o interior, para tentar uma outra coisa lá, porque o dinheiro acabou e (ele) acabou não fazendo nada. Porque era uma ilusão: ‘Você vai ganhar R$30.000,00’. O cara ganhava R$ 300,00 por mês, olhava R$ 30.000,00 era muito dinheiro... se largava naquilo ali. O que aconteceu? Acabou 156 não tendo onde aplicar realmente o dinheiro. O dinheiro na mão...”. (funcionário de área administrativa) Por outro lado, há registros de pessoas que tiveram sucesso após o desligamento. As experiências bem sucedidas, no relato dos entrevistados, estão associadas àquelas pessoas que já tinham um negócio paralelo em andamento ou às pessoas que investiram em sua própria formação. “Teve um que saiu daqui... era auxiliar de serviços gerais. Ele trabalhava lá no laboratório. E lá no laboratório o chefe sempre incentivava a estudar. Daí ele fez o curso de Técnico de Química... entrou para a Empresa X... hoje em dia já está fazendo Faculdade de Engenharia Química. Então esse tá legal.” (funcionário de área operacional) “Então existiam essas atividades paralelas, outros tinham restaurante, outros tinham lanchonete que uma outra pessoa da família tocava e às vezes, essa pessoa auxiliava. Então eles resolveram pegar esse dinheiro e aplicar tudo lá e saíram e foram trabalhar só lá.” (funcionário de área administrativa) 5.3.3 Administração conjunta e primeiros meses da nova gestão Uma vez realizado o leilão, a ServB passou por cerca de três meses de uma administração de transição, em que conviveram gerentes da estatal e da nova empresa. Essa fase foi descrita como sendo de muito trabalho e com muitas incertezas. “Foi um trauma. Foi um trauma porque...assumir essa transição entre a privatização, o leilão e [os novos acionistas] assumirem. Houve um prazo, uma transição em que as pessoas começaram a entrar aqui. E veio um americano ... dar uma consultoria operacional. Esse cara me apertou, me apertou porque eu tinha na área mais de 140 pessoas, mais ou menos. . ... O cara passava e fazia assim (sinal de pescoço cortado). Assim o cara fazia, ainda gozava.” (gerente de área operacional) Alguns gerentes e supervisores afirmaram terem se sentido obrigados a alertar seus funcionários acerca de novas regras e posturas que passariam a ser cobradas. Um dos supervisores de área operacional, por exemplo, relatou que se iniciaram ações no sentido de mudar o comportamento dos operários com relação à higiene e à manutenção de limpeza de banheiros e vestiários. Outro afirmou ter aconselhado seus subordinados a esquecer o passado e agir como se estivessem em uma nova empresa. “Por exemplo, na época da transição, nós tivemos que fazer conversação sobre como se comportar dentro do banheiro. Como se comportar dentro de uma 157 cozinha. Muitas vezes um mecânico acha que, só porque está sujo e engraxado, ele acha que pode fumar em qualquer lugar, ele pode se comportar...pode vulgarizar um pouco.” (supervisor de área operacional) “O pessoal que ficou se conscientizou e se esqueceu. Eu digo: ‘Esqueçam a época de estatal. Esqueçam. Foram todos demitidos da estatal e entraram numa nova (empresa). Eu pus isso na minha cabeça’, eu falava para eles. ‘Esqueçam o passado’.” (supervisor de área operacional) Logo aos primeiros meses da nova administração – e, portanto, já passado o primeiro plano de redução de pessoal na empresa privatizada – foram realizadas uma série de reestruturações organizacionais e de mudanças nas atividades. Estes meses foram definidos como de “acomodação”, pois processos e procedimentos passaram a ser questionados, revistos e redefinidos. “Foi um período de muito trabalho... porque ainda estavam se fazendo muitos ajustes na empresa. A gente mudou e reestruturou aqui o nosso departamento, mudamos o local, muitas coisas foram abandonadas que eram feitas na época de estatal... o modo de trabalhar, como uma readequação grande nesse sentido.” (funcionário de área administrativa) “Houve basicamente duas fases. Teve uma fase que foi a fase inicial da privatização, eu diria que foi um mês ou dois meses antes de ser [privatizada]. Janeiro e fevereiro e os primeiros meses de 97. Porque foram meses de acomodação. Você tinha que reestruturar tudo novamente, tinha que repensar seu quadro de pessoas, a sua maneira de fazer e priorizar o serviço novamente...Elas têm que aprender a priorizar, isso foi difícil no começo, porque as pessoas não estavam acostumadas com aquela redução. A redução [de pessoal] foi bastante grande assim no começo.” (gerente de área operacional) Segundo depoimentos colhidos, algumas pessoas teriam tido dificuldades em se adaptar à nova lógica de trabalho. Não se teriam dado conta de que a forma de trabalhar era outra e outro era o ritmo a ser empreendido. “Não conseguiram enxergar que estavam numa outra empresa. Ainda ficaram guardando bloquinho e rascunho da época de estatal. ... E a gente dizia “Isso é primitivo, joga esse bloco fora. Vive numa nova empresa. Sai desse marasmo’. Tem pessoas que não conseguiram ver mesmo. Não entraram no pique da ServB, porque a ServB tem um pique totalmente diferente.” (funcionário de área administrativa) Com o decorrer do tempo, porém, algumas pessoas teriam começado a perceber que seria possível acompanhar as mudanças, passando a ter confiança em si mesmas e perdendo, aos poucos, o medo. As metas e a orientação da empresa teriam passado, 158 também, a ser de conhecimento das pessoas, conferindo, segundo um dos entrevistados, “maior tranqüilidade.” “A gente começou a ficar mais confiante e vendo que o potencial que a gente tinha era suficiente. Que não era alguma coisa ... que não estivesse ao seu alcance. ... Porque muita coisa não mudou, era exatamente da mesma forma como a gente fazia, mas a gente perdeu essa referência. ... mas depois a gente foi vendo que não era assim, a gente tinha capacidade, a gente conseguia atender àquilo que a nova empresa ia precisar.” (funcionário de área administrativa) “À medida que o tempo vai passando... você já vai conhecendo mais ou menos o processo, vai conhecendo as pessoas que estão entrando, você começa a .... condicionar a tua cabeça junto com o que a empresa está definindo como meta. Você começa a conhecer as metas da empresa, sabendo o que você pode e o que você não pode fazer. Então isso começa a te dar um pouco mais de tranqüilidade para você saber se está afinado ou não está afinado.” (gerente de área operacional) 5.3.4 Programa de redução de pessoal no contexto de uma empresa recém privatizada Terminado o período de administração conjunta, a nova direção assumiu plenamente as suas funções. A lista das pessoas a serem desligadas havia sido preparada durante os meses de transição – dezembro de 1997, janeiro e fevereiro de 1998. Esse processo já era esperado pela grande maioria das pessoas e, em primeiro de março, ocorreu o desligamento. 5.3.4.1 Demissão esperada A demissão não foi, na percepção dos depoentes, um evento inesperado. Ao contrário, as pessoas tinham plena consciência de que a probabilidade de ocorrência era alta. Não sabiam quando ou como, mas sabiam que ocorreria. A própria comunicação informal cuidava de espalhar essa possibilidade. “A gente não sabia. A gente imaginava. Era praticamente um consenso que haveria redução de quadro, até porque a gente sabia que na nova empresa ia se tentar modernizar muitas atividades...A gente sabia que ia reduzir, mas a gente não sabia se ia ser na área operacional, se ia ser na área administrativa... a gente não sabia se iria e em que nível e nem quando.” (funcionário de área administrativa) 159 “A ‘rádio peão’ que funcionava dentro da empresa. A gente sabia que ia haver demissões grandes. Iam ser de uma hora para outra, ao assumir. Como foi, assumiram no sábado, na segunda-feira quem tinha de ser demitido foi demitido. Você chegou na segunda-feira e já não viu muita gente que você conhecia.” (funcionário de área administrativa) “A gente tinha certeza de que ia muita gente embora. A estatal já estava implantando um sistema ... então a gente sabia que só daquilo ali já ia sair um monte... ia ser demitido muita gente.” (supervisor de área operacional) 5.3.4.2 Preparação dos subordinados pelas chefias Segundo alguns relatos, algumas chefias, preocupadas com o cenário de demissão, começaram a conscientizar seus subordinados e a alertá-los para uma mudança a ocorrer em suas vidas, comunicavam que ninguém estava imune ao desligamento, nem eles mesmos. “As pessoas já vinham sendo preparadas que alguma coisa podia acontecer e essa coisa podia ser uma demissão. A gente procurava conversar bastante com eles durante as inspeções que a gente fazia, conversava com as pessoas, já ia preparando. ‘Olha, ninguém sabe exatamente o que vai acontecer, mas tem que estar preparado para uma mudança na tua vida daqui para a frente. Então já se preparem, ninguém sabe qual é a filosofia dos novos donos, mas fiquem preparados’. Eu acho que isso ajudou muito.” (gerente de área operacional) “Na verdade todo mundo sabia que ia ter um grande corte. Todo mundo sabia, eu sempre deixei isso bem claro para as pessoas. Inclusive eu deixava bem claro que eu podia ser um deles, perfeitamente. Poderia ter acontecido.” (gerente de área operacional) 5.3.4.3 Razões para o plano Perguntados sobre as razões para a realização do desligamento, os entrevistados listaram as mais variadas: necessidade de eliminar duplicidade de funções, novas tecnologias que tornaram alguns serviços desnecessários, necessidade de reduzir custos, existência de um quadro de pessoal “inchado” na época de estatal, necessidade de oxigenação e, por fim, terceirização de atividades. Pode-se imaginar que todas elas, em maior ou menor medida, tenham contribuído para a realização do enxugamento. “Estava tendo um processo de enxugamento do quadro porque a empresa estava com a folha de pagamento muito alta e tinham processos que tinham mudado, que tinham ido para outro Estado... Então tinham atividades que eram paralelas, 160 que eram iguais. Então, não tinha como manter.” (funcionário de área administrativa) “Sempre tecnologia. Telefone celular hoje, você fala onde você estiver. Antigamente, tinha que prender a pessoa num lugar que tinha um fio de telefone. Então hoje eu não preciso só dentro dessa sala. Pego o celular e saio por aí e converso com você onde estiver. Antes não, você tinha que ter um cara para fazer o serviço externo e um cara para ficar para responder ...” (gerente de área operacional) “Primeiro lugar, acho que era assim um número muito grande de pessoas ainda, um quadro além da capacidade da ServB. Acho que isso foi o grande motivo. Eu não vejo razão para uma empresa chegar e demitir um número desse de pessoas, simplesmente por demitir.” (funcionário de área administrativa) “A gente via que aquilo ali era a tendência normal. Porque era muita gente realmente que tinha. Era muita gente mesmo. Só naquele prédio...você entrava naquelas salas tinha vinte, trinta pessoas numa sala. Tinha uma ou duas ou três pessoas trabalhando, só. Uma velharada fazendo tricô, crochê, lendo jornal. As pessoas não queriam se aposentar nunca.” (supervisor de área operacional) 5.3.4.4 Critérios para as demissões Como foram selecionadas as 2.500 pessoas desligadas? Ao assumir, os novos administradores selecionaram, primeiramente, aquelas pessoas em nível gerencial e de liderança que iriam continuar - ao menos no primeiro momento- na empresa. A esses delegou a tarefa de, com base em dimensionamento realizado, escolher os funcionários a serem demitidos. Estes gerentes, por sua vez, junto com alguns de seus subordinados imediatos, analisaram a mão de obra existente e fizeram as suas seleções. “Se tentou fazer o critério o mais justo possível. Mas devido ao pouco tempo que você tem para conhecer, e você tem às vezes mil e trezentas, mil e quinhentas pessoas aqui, você não consegue conhecer todas elas rapidamente. Então cada um, cada engenheiro desses, junto com seus supervisores, iam determinando as pessoas abaixo. Por exemplo, eu determinei os cinco engenheiros que ficavam comigo. Eles, com seus supervisores, escolhiam as demais pessoas que iriam ficar. Eles determinavam os supervisores e junto com esses supervisores eles determinavam as pessoas que ficavam. É claro que como eu conhecia boa parte da região, eu também opinava. Mas não dá para você pegar todas, digamos mil e poucos empregados e você determinar.” (gerente de área operacional) 161 “Dia 28 (de fevereiro de 1997), veio a ordem de fazer a lista de pessoal. Daí veio a ordem, o gerente... que estava aí com nós pegou e me chamou, assim: ‘Eu não conheço o pessoal aí. Não sei quem é bom, quem é ruim, quem são os profissionais. É contigo a bronca, é contigo aí. E nós temos que entregar essa lista até dez para o meio-dia lá no edifício’. ” (supervisor de área operacional) Dois enfoques foram relatados: o enfoque dos que iriam ficar e o enfoque dos que deveriam sair. No primeiro caso, selecionavam-se aqueles que haviam demonstrado mais vontade e mais interesse no trabalho. No segundo caso, o processo de eliminação, indicava-se para desligamento do pior para o melhor, até atingir a cota necessária. “Eu tentei escolher aquelas pessoas que tentaram demonstrar, o tempo que fiquei com elas, vontade de fazer algo mais do que aquilo que elas faziam. Não apenas aquelas pessoas que cumpriam apenas a sua função, bem ou mal, mas aquelas que tinham, que demonstravam interesse em fazer algo mais. Que demonstravam interesse de crescer, de produzir algo mais, que não se atinham apenas às suas funções.” (gerente de área operacional) “Numa primeira fase você tem aquelas pessoas que você gostaria de demitir, que eu acho que é a parte mais fácil. Pessoa que você tem motivos... Mais fácil eram aquelas pessoas que não valia brigar [por elas]. Então essas pessoas foram as primeiras a encabeçar [a lista]. Depois disso aí, foram pessoas médias. Até aqueles que colaboraram menos e dessa forma que foi. E puramente, vamos dizer, escolher as pessoas em que a gente pudesse acreditar.” (gerente de área operacional) “Era pelo cargo A, ou cargo B. Tinha que haver equilíbrio, não podia mandar todos do cargo A embora e ficar com os do cargo B. ... Você vê que aqui eu cortei pouco, em relação aos outros, porque já era um lugar enxuto. Mas foi por uma ficha de avaliação pessoal, por sentimento, eu mais um outro supervisor. Temos que cortar tanto, então é esse aqui. Mas a gente podia parar aqui,... e para alguns (outros cargos) a gente dizia, podia pegar mais três aqui. Não havia um equilíbrio.” (gerente de área operacional) A questão da justiça, na seleção daqueles que seriam desligados, parece ter sido uma preocupação recorrente para parte dos entrevistados. Um depoente, por exemplo, afirmou poder ter havido uma seleção injusta ou equivocada de pessoas e um dos supervisores relatou uma certa ansiedade na escolha. Tinha medo de ter escolhido as pessoas erradas e procurou, posteriormente, ouvir a opinião de outros para confirmar ou desconfirmar seus receios. “No meio dessas pessoas que trabalhavam na estatal tinha muita gente boa. ... Mas tinha muita gente ruim. ..tinha gente que não queria realmente nada, mas nada. ... Como as pessoas que ficaram foram, naturalmente, devem ser as 162 melhores. É claro que alguns erros aconteceram, sem dúvida ... eu não imagino que eu tenha escolhido as trinta e três melhores pessoas. Seria um absurdo se eu pensasse dessa forma. Mas devo ter escolhido pelo menos uma grande parte das melhores.” (gerente de área operacional) “Eu fui um cara bem consciente. Não protegi ninguém, não protegi ninguém e, em certos momentos, até falei depois com mais gente. ... Chegou uma época que eu precisei falar com outras pessoas, assim, de Recursos Humanos, para eles me orientarem. Fiquei muito... será que eu não fiz a coisa errada? Não fiz com dor de consciência? Daí comecei a conversar com esse pessoal que já tinha passado por aqui, os chefes que passaram por aqui, e conversar: ‘O que você acha do fulano? Qual era a tua opinião deles?’ Porque é muita responsabilidade... para mim, eu que indiquei eles.” (supervisor de área operacional) Para aqueles que não tiveram a incumbência de selecionar ninguém, a percepção foi de que algumas pessoas teriam sido demitidas injustamente. As referências se fazem a pessoas consideradas competentes e a pessoas que teriam se dedicado à empresa. “Problema que eu acho nisso tudo, são as pessoas que saíram nesse período. Muitas saíram arrasadas, menosprezadas. ...Que a princípio as pessoas.. que eram competentes saíram arrasadas. A auto-estima lá embaixo. Então isso é que a gente ficava até chateado. Conhecer uma pessoa dez anos, .... trabalhando junto e tal. Está vendo que a pessoa era competente.” (funcionário de área administrativa) 5.3.4.5 Ato da demissão As formas de comunicar a demissão variaram de área para área. Em um dos locais o engenheiro ficou no escritório e o supervisor buscou aqueles a serem dispensados. Em outro caso, o gerente reuniu todos em uma sala e leu a lista dos que iriam permanecer. Em outro ainda, o gerente reuniu na sala apenas os que iriam ser desligados. Independentemente da forma escolhida pela gerência, todos os demitidos receberam uma carta comunicando a dispensa. “Então a pessoa estava trabalhando lá... Daí uma pessoa aqui do escritório chegava lá na pessoa: ‘Ó, é para você ir lá para falar com o fulano’. .. Foi fogo aquele dia... Volta e meia entrava uma pessoa aqui do escritório, chamava o fulano lá.” (funcionário de área operacional) “Então, eu tinha gente que estava terminando a escala de serviços e eu tinha gente que ia iniciar a escala de serviços e tinha gente de folga que ia pegar no outro dia às sete. Então mandei reunir todo mundo. Expliquei para eles, porque 163 afinal das contas eu estava numa situação de carrasco, mas não tinha nada pessoalmente contra eles, e até por bom relacionamento eu não tive nenhum tipo de problema. ... Expliquei para eles que o que estava sendo feito era uma alguma coisa que todo mundo estava esperando, que havia uma relação de pessoal que ia sair e a gente ia comunicar na seqüência, que eu pedia que eles usassem o bom senso e que sabia que eles sabiam o que iam receber e aproveitassem a oportunidade e a experiência deles para procurar um emprego. ... Uma relação, e aí fui lendo. Pessoal, eu vou ler o nome de quem vai ficar. De quem vai ficar. Depois, qualquer dúvida, vai ficar o nome dos estão ali. Então: fulano, fulano, fulano.” (gerente de área operacional) “Normalmente numa sala, no próprio local, na sede deles, onde eles trabalhavam. Chegavam no local, reunia com essas pessoas numa sala reservada, explicava para eles o que aconteceu, mais ou menos qual foi o critério que a gente utilizou para fazer as demissões e tentar passar para eles, aí, alguma mensagem de otimismo, para que eles pudessem voltar para casa e até confiar que amanhã ou depois eles poderiam retornar para algum serviço ou com a ServB ou com alguma empreiteira, ou até um outro trabalho fora.” (gerente de área operacional) A tarefa de demitir não foi fácil para alguns. Um dos relatos conta a história de um gerente que se comoveu muito após a demissão. Outro discursou sobre a importância de se preservar a dignidade da pessoa que estava sendo desligada. Para um dos supervisores, o difícil seria chamar a pessoa de dentro de seu ambiente de trabalho para o escritório onde se faria a comunicação da demissão. “Eu soube de uma coisa que aconteceu... Foi quando esse engenheiro que teve que desligar esse volume de mais ou menos trinta, quarenta pessoas num só dia... Ele explicou o quê estava acontecendo, toda aquela situação, que infelizmente ele teve que optar por alguns nomes, eles é que tinham sido os escolhidos e ele teria que demitir. Depois quando ele terminou de falar com todo o pessoal que estava, parece que no refeitório, entregou as cartas, o pessoal assinou e algumas pessoas vieram agradecer: ‘Olha doutor, muito obrigado. O senhor sempre foi muito bom conosco’. Ele disse que quase morreu de tanto chorar depois.” (funcionário de área administrativa) “Eu acho que a pior situação é da pessoa que vai ser demitida. Acho que não existe uma situação pior do que uma pessoa estar sendo demitida. Mesmo aquela pessoa que você possa ter algum motivo para demitir, nessa hora você tem que ter a hombridade e a dignidade de não expor mais a pessoa. ... A pessoa já está completamente arrasada, então eu acho que [deve] ser o mais digno possível com a pessoa.” (gerente de área operacional) 164 “Ele [o engenheiro] ficava lá no escritório esperando o operário e eu ia buscar ele lá dentro da oficina. Pior coisa que tinha era buscar os caras lá dentro da oficina. Foi triste, foi triste, porque teve gente que nunca, tinha pessoas que nunca esperavam ser demitidos. Sempre achavam que nunca iam ser demitidos, não ia ser a vez deles, iam outros no lugar deles.” (supervisor de área operacional) 5.3.4.6 Reação dos remanescentes Passados mais que dois anos do primeiro programa de demissão, uma certa distância emocional se faz presente. Embora se reconheça a dificuldade da situação, dois relatos, pelo menos, indicam que o trabalho já realizado ou, ainda, por ser realizado na empresa, funcionou como foco de atenção e mesmo de satisfação, deixando o episódio das demissões no passado. “Só quem passou assim... é complicado. Eu estou falando aqui, parece que é uma coisa distante. Realmente é uma coisa complicada de passar porque são colegas de trabalho.. um monte de tempo com a gente. ... É tipo uma convivência de dezoito anos não vai ser jogado fora assim. Mas ao mesmo tempo... aconteceu e vamos tocar para a frente.” (funcionário de área administrativa) “Então a gente sentiu, acho que foi um misto assim de sentimento de traição, de tristeza, porque perdemos os nossos chefes... Então foi uma semana assim muito difícil. ... Então esse sentimento foi muito ruim na primeira, segunda e terceira semana. Depois as coisas já foram, já começaram a se organizar e a gente foi ficando... Quando a gente olha para trás e viu tudo que a gente já fez. ... Eu tenho muita crença, porque eu acho que a gente tem muita coisa para fazer.” (gerente de área operacional) Um dos gerentes apresentou de um ponto de vista diferente. Observando a reação de seus subordinados remanescentes– e não a sua própria – acreditava que teriam ficado com medo e estariam dispostos a tudo fazer para evitar sua própria demissão. Seriam, também, aquelas pessoas mais dispostas ao trabalho. “Quem ficou, se eu dissesse que era para lavar o chão, lavava. Se eu dissesse que era para lamber, lambia. Porque estava aquele pandemônio. Eu tentei incluir todo mundo que eu sabia que queria sair por algum motivo, eu tentei incluir na lista. Agora, havia um temor muito grande. Se eu dissesse: ‘Ó você tem que espanar o teto, atender o telefone, correr lá fora e voltar aqui’, o cara fazia. Ele já tinha perdido a chance de pedir a conta, de ser mandado com coisa75. Daqui 75 Coisa = benefício monetário e outros adicionais que faziam parte do pacote de indenização, além das verbas trabalhistas no PDV ao final da gestão da estatal. 165 para a frente a pessoa estava aqui e realmente estava querendo ficar.” (gerente de área operacional) Um dos supervisores relatou que, em sua área, os operários se reuniam em grupos para comentar as demissões, ratificando as escolhas. “Depois do acontecido os caras começaram a conversar. A comentar em grupinhos dentro da oficina... eles começaram a conversar e eu sempre penetrei bastante na turma, sempre convivi bastante com eles. Eles me disseram, eram esses mesmos aí que tinham que ir. Eles estavam todos conscientes. Realmente, graças a Deus o pessoal hoje que está aí, estão aí, porque são bons mesmo.” (supervisor de área operacional) 5.3.4.7 Funcionários desligados Alguns gerentes indicaram a inexistência de reações violentas, como explosões de raiva, ou recusas a assinar a carta de desligamento. Ao contrário, relataram uma certa passividade e mesmo iniciativas de agradecimento. O diretor de Recursos Humanos narrou o episódio de um operário que, ao saber que seria desligado, foi para casa e voltou vestido de terno para assinar a demissão. Perguntado da razão de tal ato, teria justificado que, após trabalhar mais de vinte anos na empresa, não poderia assinar a carta se não estivesse vestido de forma decente. “Algumas reações muito estranhas. Por exemplo, as pessoas vindo se despedir, deixando o telefone, agradecendo o tempo que a gente trabalhou junto. É uma coisa bastante difícil. Não há dúvida, ninguém é tão frio assim a ponto de imaginar que foi fácil. Mas era uma missão que tinha que ser feita. As pessoas tinham que ser desligadas.” (gerente de área operacional) “Naquela época eu não tive problemas, porque todo mundo estava esperando. O ambiente era de mandar embora.” (gerente de área operacional) “É triste ver as pessoas. Algumas pessoas até, na sua frente, seguram a barra e, vamos dizer, de uma certa forma aceitam passivamente, aparentemente. Outros reagem um pouco mais. Eu não tive nenhum caso de reação, injustiça, não sei o quê. Nessa fase eu não tive. Tive noutras depois. Mas nessa eu não tive não. As pessoas, realmente, algumas choravam, que botaram toda a sua vida ali, realmente, é verdade. Mas de uma certa forma, não sei se pela clareza e objetividade com que isso foi colocado, dizer que não era ali um problema pessoal, e não era mesmo. Nesse caso não era. Era uma atividade que ia encerrar, as pessoas acabaram recebendo com uma relativa e aparente serenidade. Não tive nenhum problema de não aceitar assinar a carta de desligamento.” (gerente de área operacional) 166 Em pelo menos um dos casos, ocorreu uma reação de rancor. Um dos supervisores, responsável pela seleção de pessoas a serem desligadas, comentou ter ouvido de alguns frases rancorosas desejando que o próximo a ser desligado fosse ele. Teria sido acusado, também, de que os remanescentes seriam, em verdade, seus apadrinhados, ou seja, de que o critério de decisão de desligamento ter-se-ia baseado mais em motivos pessoais. “Eles não me acusavam diretamente. Eles diziam que eu ia pelo mesmo caminho deles. ‘Hoje eu estou indo, amanhã vai você. O que é seu está guardado, não adianta ficar com seus afilhados aí’.” (supervisor de área operacional) Pessoas que não podiam perder seu emprego teriam tentado conseguir transferência para outro local. Desesperadas, ligavam para a sede administrativa da empresa, na esperança de conseguir realocação. “A gente já sabia que aquelas pessoas sairiam mesmo. E uma menina ... trabalhou comigo... ela soube naquele dia que ela seria desligada. Daí ela me ligou: ‘Pelo amor de Deus, me arruma um lugar aí, que eu não posso ficar sem emprego, me arruma uma colocação, me arruma outra área’. Então isso aconteceu direto. As pessoas vinham chorando: 'Não me deixe, não me deixe ser mandado embora’. ‘Mas eu não posso fazer nada’. E a gente não podia mesmo. Eram as gerências que faziam isso.” (funcionário de área administrativa) De forma geral, portanto, os depoimentos apontam para um processo que, embora doloroso, ocorreu sem maiores perturbações. Segundo um dos gerentes, poder-se-ia atribuir tal fato ao clima de expectativa de demissões presente à época. Quando vieram, não teria sido surpresa para ninguém. 5.3.5 Imagem do funcionário público Uma das questões com que os funcionários que permaneceram na empresa tiveram que lidar foi com a imagem que os novos dirigentes tinham do funcionário público. Egressos de uma empresa reconhecidamente ineficiente, os entrevistados ressentiam-se de que esse estereótipo tivesse sido estendido para todo e qualquer funcionário da estatal. Os empregados entrevistados vinham, entretanto, de uma área geográfica da estatal que, se comparada com as demais, era a que obtinha os maiores índices de produtividade e lucratividade. Assim, a pecha de funcionário ineficiente e preguiçoso parece ter sido motivo de mágoa para alguns. “Quando foi privatizado, quem veio trabalhar com a gente, na parte de comando, presidente e coisa, tinha uma idéia de estatal. E a idéia não era boa. 167 São todos ineficientes, generalizado. Tinha de tudo? Claro que eu concordo que tinha de tudo. ... Mas não era generalizado. Porque aquilo que te falei, aquele funcionário de estatal no Brasil inteiro tem uma fama muito pior do que nós tínhamos aqui. E vieram nivelar por baixo. E vieram achando que quem estava aqui tinha que mandar embora e coisa.” (gerente de área operacional) “Até onde que nós vamos ter que carregar o estigma de ter trabalhado numa estatal? Quando é que nós vamos conseguir provar que nós somos bons profissionais?” (funcionário de área administrativa) Há indicações de que os estereótipos negativos do funcionário de estatal percebidos nos novos dirigentes tenham levado os sobreviventes a se sentirem na obrigação de desfazer tais estereótipos e de provar a própria competência. Achavam que tinham que trabalhar mais do que os recém-contratados para mostrar que podiam desempenhar tarefas e assumir responsabilidades. “Eu acho que o funcionário de estatal infelizmente aparece na imprensa, no jornal, é que ele não trabalha. O que eu acho que não é só isso. Eu acho que o funcionário de estatal trabalha e muito, só que ele não é valorizado. A gente vê com professores, várias classes. Existe, claro, aqui dentro da empresa, existe gente que está encostada no outro. O outro trabalhando e ele ganhando.... então o funcionário público quando é privatizado tem que mostrar. ‘Ó, realmente eu trabalho, realmente eu produzo’.” (funcionário de área administrativa) ”Você veio de uma empresa estatal, então já existe aquele rótulo de funcionário público, apesar que eu não me julgava funcionário público. Acho que mesmo antes eu trabalhava também bastante. Então o pessoal de fora, nesse meio tempo já contratando algumas pessoas e tal... então você tinha que se desdobrar ao máximo e provar que você... tirar aquele rótulo que existia. Então, você tinha que trabalhar bem mais do que as pessoas que estavam entrando. Para comprovar que você também tinha competência. ... trabalhar, provar para a gerência, para todos os dirigentes na época, que você também tinha competência. Mesmo vindo de uma empresa estatal, você também tinha competência. Não era, simplesmente, você pegar uma pessoa no mercado e achar ‘esse é bom; esse aqui é de uma empresa estatal, vamos deixar de lado’. .. Essa foi a dificuldade maior que eu senti, ou seja, você tinha que trabalhar o dobro para você provar sua competência. ... Isso perdurou um bom tempo.” (funcionário de área administrativa) 168 5.4 Após a Privatização: Conseqüências do Programa de Redução de Pessoal A privatização e a drástica redução de pessoal não passaram sem conseqüências. Emergiu, no discurso dos entrevistados, uma percepção de profundas mudanças ocorridas na forma de trabalhar, pois as práticas da nova empresa mostraram-se muito diferentes das da estatal. A vida pessoal e familiar de cada um foi, também, afetada pela mudança e as expectativas para o futuro passaram a seguir um curso muito distinto daquele de anos anteriores. 5.4.1. Nova forma de trabalhar Na percepção dos entrevistados, toda uma nova forma de trabalhar foi se instalando na empresa privatizada. Os depoimentos dos empregados apontam para questões como maior quantidade de trabalho acompanhado de maior responsabilidade e autonomia sobre a tarefa, além de forte cobrança dos resultados. Percebiam iniciar-se, assim, a cultura da multifuncionalidade, a valorização do desempenho pessoal e a abertura na comunicação vertical. Todas essas práticas contrastam com aquelas da época de estatal, que operava com grande divisão de tarefas, responsabilidade e autonomia limitadas, pouca preocupação com a cobrança de resultados, além de adotar uma comunicação restrita pela hierarquia. 5.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho O aumento na quantidade de trabalho foi consistentemente relatado por todos os entrevistados. As razões para este aumento na carga foram tributadas a várias causas: dinamização da atividade da empresa, reestruturações organizacionais e implantação de novas tecnologias em curto espaço de tempo, além da escassez de pessoal para realizar todas as tarefas. “Era a minha folga sábado passado ou retrasado. Eu fui chamado, passei o dia lá.... Eu trabalhei de manhã das sete até às 11 aqui, peguei o carro aqui, fui para Curitiba, trabalhei até às três da tarde. Fui almoçar, me chamaram de volta porque tinha uns problemas e cheguei às seis da tarde aqui. No meu dia de folga. Agora trabalhei sábado e domingo. ...Só que você fica naquela, quem eu vou mandar? Eu tenho que assumir.” (gerente de área operacional) “Juro para você, teve dia em que eu saía de casa seis e meia da manhã e voltava para casa três e meia, quatro horas da manhã. No dia seguinte às sete da manhã você estar aqui de volta, no final de semana você está igual a um zumbi. .... aquela redução de pessoal, o pessoal bom tinha saído, a maioria deles, nós ficamos com pouco pessoal aí para manter...” (funcionário de área operacional) 169 “Bastante difícil, porque é muito trabalho. É muito complicado, muita mudança, muita reestruturação. Nós tivemos a implantação de novos sistemas, inclusive sistema de RH. Aconteceu logo depois, os novos donos assumiram em março, em setembro as pessoas já trabalharam na migração do novo sistema, que mudou completamente... um outro sistema, um outro sistema. Gráficos bem modernos em relação ao que a gente utilizava. ... Transformar todos os arquivos, históricos financeiros, históricos salariais, então um trabalho muito grande. Então a gente sempre trabalhou muito. Muito, muito, muito...” (funcionário de área administrativa) A falta de pessoas para o realizar o trabalho é descrita em depoimentos expressivos, sendo tida como uma das principais causas para o excesso de trabalho com que se deparam diariamente. Outros fatores também contribuíram para essa sobrecarga. Segundo um dos entrevistados, a informatização e o correio eletrônico, ao invés de facilitar suas tarefas, teria, em verdade, causado um aumento de trabalho. Outro funcionário ainda, atribuiu a sobrecarga às atividades extras que seus funcionários eram obrigados a executar como, por exemplo, carregar e descarregar caminhão ou fazer reforma no prédio onde trabalhavam. “Hoje tem correio eletrônico,. Recebo 1400 mensagens a cada três meses, tenho um contador. Me deixa louco, aquele troço. Se eu sentar lá para responder tudo que preciso, dentro do expediente eu não faço nada. Então eu trabalho de noite, final de semana. Eu trabalho aqui em sistema de plantão. Então eu trabalho Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado, Domingo, Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Sexta. Daí eu tento folgar Sábado e Domingo. Eu não ganho nada por isso. Nada além. Só que, para eu folgar, um outro tem que fazer o plantão. Eu tinha um cara que me ajudava, ele é um nível mais baixo, eu queria pagar esse plantão. Só que para eu pagar para ele, o salário dele em termos de dinheiro, é curso ou eu vou ter que dar folga. Só que dar folga no meio da semana para ele, nós já temos pouca gente, não dá.” (gerente de área operacional) “Eu acho que não tem mais como demitir ninguém. Está apertado mesmo, está faltando gente. Porque esse pessoal que está aqui dentro nos meus setores, eles não consertam só máquinas. No papel, no gráfico da ServB esta lá: turma do André e do José é para consertar máquina. Mas não existe um quadro lá extra, que diz que carrega caminhão e descarrega caminhão. Não existe um quadro lá que diz que tu desmancha parede e levanta parede. Não existe esse quadro. Mas tudo isso aí nós fizemos. Não existe um quadro lá de lavar máquinas... mas existe o quadro de meta de máquinas, consertar máquinas. Mas construir parede de alvenaria, fazer reforma, tudo isso não existe, mas esse número [de pessoas] que restou faz tudo isso.” (supervisor de área operacional) 170 Ambigüidades encontram-se presentes nos discursos quando se trata de falar da carga de trabalho. Um dos entrevistados reconheceu o aumento salarial que recebeu mas considerou que as horas dedicadas à empresa, em certa medida, excediam o benefício recebido. “Eu acho que já passei por uma melhoria de salário substancial em relação ao que era. A única coisa que a gente se ressente é a forma de trabalhar. Você trabalha com muito menos pessoas hoje. Por um lado a privatização ela é muito, ela é muito prática, ela te valoriza, mas por outro lado ela te cobra e essas medidas eu acho que nem sempre são iguais ... ” (gerente de área operacional) 5.4.1.2 Implicações do aumento da carga de trabalho no horário e na vida pessoal Na percepção dos entrevistados, um reflexo do aumento no volume de trabalho ocorreria no cumprimento do horário de trabalho: Se no tempo de empresa estatal havia uma certa flexibilidade quanto ao início da jornada, na empresa privatizada as exigências se estenderiam a minutos. “O que nós fazíamos na estatal nós fazemos hoje com menos gente. Porque hoje, o pessoal que trabalhar hoje, eles vêm aqui para consertar máquinas. ... Eles vêm aqui com uma finalidade: de pegar às sete da manhã, não é às sete e meia, não é as quinze para às oito e não é às oito horas. É pegar às sete da manhã e largar às quinze horas. Com uma hora de intervalo, das onze ao meio dia. Esse é o regulamento da coisa. Às sete da manhã eles têm que botar o capacete na cabeça, têm que estar de botina, fardadinho.” (supervisor de área operacional) Segundo os depoimentos colhidos, as implicações pessoais fizeram-se, também, presentes. Para poderem realizar o volume de trabalho por que ficaram responsáveis, teriam sido obrigados a dilatar o horário de trabalho. Horários de almoço e de saída, feriados, fins de semana e mesmo férias teriam sido sacrificados pelo objetivo da realização das tarefas. “Mas já falei para ele: ‘Vocês estão esticando o elástico. Daqui a pouco alguém vai errar por cansaço, fadiga ou vai ficar doente. Ou vai ter um enfarte. Depois de enfartado não adianta’. ... Vou aprender que não vou poder mais ficar todo sábado e domingo aqui. Fora o horário que eu chego. Hoje eu pego às sete, sete e quinze, conforme o dia e não tenho hora para chegar em casa. É sete e trinta, é oito é nove (horas). Horário de almoço não sei mais o que é ir meio-dia para casa. Tem que voltar uma e trinta, é claro tem uma certa elasticidade. Só que eu aproveito a hora de almoço para ir no banco para a empresa, para pegar dinheiro para pagar as contas. Eu não tenho aquele rigor de ter que estar à uma e trinta, 171 bater cartão aqui. Se eu chegar às duas horas ninguém vai me puxar a orelha. Mas eu não me sinto bem chegando fora de horário e eu estou de celular, porque a pessoa pode me ligar. Sete e pouco ontem... tinha um telefonema para falar com meu chefe. Eu fui para casa e conversamos à noite, eles me ligam à noite.” (gerente de área operacional) Essa ampliação do horário de trabalho teria implicado, também, rearranjos familiares, com pessoas da família passando a colaborar em tarefas antes da atribuição dos funcionários. A atenção dispensada à família também se teria alterado, sobrando menos tempo para cônjuges e filhos. Em alguns casos, o empregado encontrar-se-ia tão cansado, ao final do dia ou da semana,que não teria tempo ou forças para o lazer familiar. “Quando houve a privatização, mudou completamente a nossa forma de estar em casa. Isso aí mudou, quer dizer, no tempo de estatal eu saía às seis, seis e meia e eu até saía tarde, eu ainda era o último a pegar minha filha na escola, seis e meia da tarde. Era um absurdo, viravam para mim ‘Não vai buscar tua filha?’...Hoje eu nunca vou buscar, lógico. Eu já digo que eu não vou porque se eu falar em sair às seis e meia, é um absurdo, eu não vou sair. Lógico que eu não vou sair.” (gerente de área operacional) “Você se entrega tanto para a coisa que faz, que você chega em casa cansado. ... eu dou um exemplo, domingo agora eu trabalhei. Semana passada eu trabalhei das sete às sete, todo dia das sete às sete, até sábado. Porque um colega entrou de férias. Então cheguei em casa às oito horas da noite. Cansado, mas daí a mulher queria sair. Queria ir no Parque, ela queria sair. ‘Ah, não Hoje de casa eu não saio, de casa não saio’. Dormi domingo até meio-dia, comprei comida, comprei comida e ‘de casa hoje não saio’. Porque segunda-feira tinha que pegar cedo de novo.” (supervisor de área operacional) “O número de horas aumentou, com certeza. Hoje a gente trabalha das sete às 20 horas sem se aperceber. Antes a gente, na verdade na época de estatal, quem levava a sério também tinha, na época de estatal, nem todo dia, mas eu entrava às oito, às vezes às sete e meia, saía às 18 horas, às vezes às 19 horas. Mas quando eu saía às 19 horas eu achava que estava saindo bem tarde. Hoje a gente acaba saindo às 20 horas e acha que daria para ficar um pouco mais, ou precisa ficar um pouco mais. Então isso exige um pouco mais de compreensão da família, dos filhos. Final de semana também não dá sempre para a gente estar curtindo a família.” (gerente de área administrativa) “Sábado e domingo não existe mais. Também feriado. ‘Ah, no feriado vou me programar, vou sair com a minha esposa e meus filhos para passear’. Não, não existe nada disso.” (funcionário de área operacional) 172 5.4.1.3 Estratégias pessoais para lidar com o aumento na carga de trabalho Lidar com um grande aumento na carga de trabalho parece ser uma necessidade na ServB, uma vez que a empresa não apenas diminuiu o seu quadro de pessoal em cerca de 40 porcento, como também dinamizou muito a sua atividade. Alguns gerentes afirmaram terem “saído a campo” para conscientizar seus empregados de que uma carga maior de trabalho deveria ser realizada com menos gente. Ao mesmo tempo, teriam buscado ensinar a seus funcionários a necessidade de reconhecer os serviços mais importantes daqueles menos importantes, dando aos primeiros a prioridade de execução. Essa orientação teria sido passada aos funcionários e praticada pelos próprios gerentes. “Nos adaptamos, então tivemos que nos adaptar rapidamente, porque no dia 1o de março as coisas já tinham que estar acontecendo. E foi isso que foi feito. No dia 1o de março, nós saímos a campo, fizemos as demissões e conversamos com as pessoas explicando para ela como que seria o processo dali para a frente, como é que elas teriam que trabalhar. Mas você tem que ver o que eles vão fazer e começar a priorizar o serviço. Estão acostumados a fazer uma série de serviços e agora você diz: ‘Olha, com esse número de pessoas você não vai conseguir fazer tudo isso. Então aprende a priorizar o que você tem’.” (gerente de área operacional) “A minha parte pessoal eu vejo que depende da minha energia e essa eu vou continuar dando. Vou otimizar, vou priorizar cada vez mais, isso é o que eu vou fazer. Como já tenho feito. Eu, no meu dia a dia, eu priorizo muito as coisas, muitas coisas infelizmente vou deixar de responder. Quanto estiver pronto eu vou mandar. Por quê? Porque é uma questão de prioridade e isso vai ser cada vez mais importante.” (gerente de área operacional) Outras iniciativas individuais, também, auxiliaram a lidar com a sobrecarga. Um dos gerentes, por exemplo, afirmou ter procurado forma mais amadurecida e mais equilibrada de lidar com o seu trabalho. Um funcionário de área administrativa sugeriu que se encontrassem formas mais inteligentes de realizar o mesmo trabalho. Outro, ainda, observou ter encontrado na organização do próprio trabalho a solução para lidar com a demanda. “Mas eu acho que eu sou uma pessoa que eu tenho muita garra, eu me sinto assim, eu me sinto com gás, com dinamismo. Mas talvez eu não soubesse trabalhar isso muito bem, esse dinamismo, essa garra. Ou talvez ... a ansiedade fosse muito grande. Hoje eu sei trabalhar melhor com a ansiedade e isso ajuda a controlar... Mesma coisa que se, por exemplo, tiver que trabalhar muitas horas. Não é tão correto assim você trabalhar muitas horas, então acho que isso educa 173 você a trabalhar melhor em menos tempo. Então eu acho que a garra, a vontade, a garra e o dinamismo, esse tipo de coisa, talvez ele tivesse aliado com muita ansiedade. Hoje eu sei trabalhar melhor essa ansiedade, o que me dá mais equilíbrio nas decisões. Eu acho que isso foi uma grande lição.” (gerente de área operacional) “Para quem fica realmente, fica assoberbado. Então ele tem que trabalhar no sentido de vislumbrar meios de tornar esse trabalho mais fácil. De otimizar esse trabalho de forma que você possa desenvolver atividades que a outra pessoa vinha desenvolvendo e que consiga dar conta das duas coisas, não só das atividades que ele já tinha, mas também das atividades que foram repassadas em função da saída do outro empregado. Então ele tem que arranjar uma forma, um artifício que facilite o trabalho dele.” (funcionário de área administrativa) “Eu continuo fazendo o meu serviço que eu fazia, continuo fazendo mais outras coisas e tudo se encaixa direitinho. Eu acho que é também a maneira de a pessoa se organizar. Porque se você se organizar com um determinado trabalho, vai conseguir fazer aquele trabalho”. (funcionário de área administrativa) 5.4.1.4 Multifuncionalidade A multifuncionalidade foi outra característica da nova forma de trabalhar, consistentemente relatada pelos entrevistados. Ao invés de estrita divisão do trabalho, os funcionários teriam passado a trabalhar com escopo menos nítido, a realizar tarefas acessórias às suas tarefas principais, a aprender o ofício de outro especialista ou mesmo substituir empregados desligados, em treinamento ou em férias. Alguns empregados teriam reagido a essa nova ordem, acostumados que estavam às práticas da época de estatal. “Então talvez pela quantidade de pessoas, eu tinha três pessoas na rescisão de contrato. Hoje eu tenho uma só que domina. Eu tenho uma outra que conhece, mas ela conhece porque ela é backup do outro. Elas não ficam fazendo as mesmas coisas. Um faz a rescisão e o outro conhece porque, numa eventualidade, ele cobre a ausência do outro.” (gerente de área administrativa) “Porque antigamente você não estava nem aí ... você fazia o seu serviço, se alguém chegasse você ouvia, porque eu fiz a minha parte, eu fiz e tal. Hoje não, hoje você já tem que ser mais útil, funcional, você tem que estar sempre fazendo alguma coisa ... Porque na época de estatal você já tinha pré-estabelecido as suas atribuições e como tinha bastante gente e sempre tinha pessoas que se encostavam, você acabava fazendo uma atribuição ou se negava a fazer. Hoje não existe mais essa definição do que você faz. Você tem que estar ali para fazer, independente...” (funcionário de área administrativa) 174 “É alguma coisa que a gente percebe dentro da multifuncionalidade. A parte de mecânica também. A parte de mecânica tem lá, o especialista mecânico e o especialista elétrico. Na época de estatal, o especialista elétrico era um especialista. O especialista elétrico só fazia aquilo ali. O mecânico não, só faz a parte mecânica. O elétrico tem que chamar o outro para fazer. Hoje já a gente consegue, estamos desenvolvendo que o elétrico está aprendendo a parte mecânica e o mecânico a parte elétrica.” (gerente de área administrativa) “Até que, aos pouquinhos, a gente foi se ajustando. ... Por exemplo, eu trabalhava com mais duas pessoas, meu grupo de trabalho. Nós fazíamos rescisão de contrato, averbação de tempo de serviço e fazíamos anotação em carteira e mais controle das rescisões, alguns relatórios gerenciais também. .... Quando houve a privatização, as duas pessoas que trabalhavam comigo, uma se aposentou e a outra acabou saindo no plano. E assumi o serviço deles, comecei a fazer admissão, comecei a fazer controle de férias, comecei a fazer um serviço digamos assim, considerando a época de estatal, de pelo menos três ou quatro pessoas.” (funcionário de área administrativa) Parece ter havido uma preocupação da empresa em estimular essa atitude de multifuncionalidade em tarefas operacionais e na manutenção de seu próprio ambiente de trabalho. “Nós tínhamos homens especializados só para cuidar de ferramentas, só para cuidar de almoxarifado e hoje não. Hoje quem trabalha nas máquinas, o cara vai lá dentro, pega a ferramenta que ele quer, vai lá e conserta a máquina, limpa as ferramentas e guarda no lugar de novo. Antigamente tinha um homem só para isso. Banheiro mesmo e vestiário, vestiários e banheiro, teve uma época na transição [de estatal para privada] que nós não tínhamos serviços gerais para limpar, nós mesmos tivemos de limpar. Era uma novidade para nós. Nós tivemos que limpar, nós tínhamos que limpar. Não podia viver naquela sujeira. Então tinha pessoas que não aceitavam isso aí. Pessoas que não aceitavam que isso aqui era uma empresa privada...” (supervisor de área operacional) 5.4.1.5 Atitude pró-ativa Além da mudança para uma prática de multifuncionalidade, os depoentes relataram, ainda, o estímulo, por parte da gerência, para a adoção de atitudes pró-ativas. Segundo os entrevistados, procurava-se estimular o pensamento crítico e a busca por alternativas mais inteligentes de se realizar um trabalho. “A gente sabe que a empresa hoje é outra. A gente tem que questionar tudo. Tem sempre que ver se não tem uma alternativa, uma forma melhor de operar. Estas são coisas que surpreendem realmente.” (gerente de área administrativa) 175 “Então a gente acertou... primeiro é o seguinte: nós vamos ter que fazer, dar treinamento 5S para todo o pessoal aqui. Foi o que a gente fez, um treinamento geral para todo mundo. Vamos mudar a cabeça do pessoal, vamos fazer com que eles mesmos tenham a iniciativa de fazer e aprender que o mais importante não é limpar, o mais importante é não sujar. E a partir daí a gente está conseguindo uma evolução. Olha, eu fico até emocionado de ver a evolução que a gente tem no dia a dia, o pessoal limpando... A mudança que dá realmente é fantástica, na cabeça das pessoas.” (gerente de área administrativa) Ter-se-ia compreendido, relatam alguns, que as tarefas deveriam ser realizadas independente de orientação ou ordem do superior. Empregados teriam passado a assumir suas responsabilidades e a tomar a iniciativa de realizar as tarefas necessárias. “Então diz: ‘Tem que fazer uma seleção no outro Estado’. Então tem que ver prova, tem que ver sala, tem que ter convocação, tem que corrigir, tem que fazer entrevista, então...se não sair, não sai. Eu tenho uma estrutura... Mas assim, tem coisas que dependem de mim, de eu tomar a iniciativa, vai ter que convocar, vai ter que ver sala, vai ter que fazer divulgação, vai ter que chamar candidato, vai ter que ver, senão a coisa pára, não sai.” (funcionário de área administrativa) 5.4.1.6 “Estar sempre ligado” Um outro aspecto que surgiu nas entrevistas refere-se ao fato de as pessoas estarem sempre “ligadas na ServB”, mesmo fora de seu horário de trabalho. De acordo com os depoimentos, muitas vezes esse elevado nível de atenção e preocupação teria sido levado para dentro de casa. “A gente conversa com os companheiros e até a experiência da gente mesmo. A vida particular, ela fica muito complicada. Porque você leva toda essa ansiedade para dentro da sua casa. Você não consegue se desligar, então acaba muitas vezes discutindo em casa ou você acaba não dando a atenção devida em casa, porque muitas vezes você tem que ficar ligado aqui na empresa. A ansiedade, será que eu fui para casa, será que eu tinha que ficar até às sete horas, até às oito, até às dez? Essa ansiedade de você não largar da empresa, eu acho, prejudica um pouco em casa. Você não consegue se desligar mais. Muita gente está ficando doente por causa disso aí. A ansiedade e o estresse são muito desgastantes. Se sai de férias, não consegue se desligar mais; [a pessoa] não sabe o que vai acontecer quando voltar das férias.” (funcionário de área administrativa) “Não, não consegue se desligar. Depois que inventaram o celular então, aí... Você fica com celular direto, direto ligado. Então as pessoas ficam, a gente até passa uma certa preocupação até no aspecto familiar a gente para eles assim, 176 uma preocupação que alguma coisa pode acontecer errado, você pode ser chamado de uma hora para outra.” (gerente de área operacional) 5.4.1.7 Responsabilidade e autonomia Responsabilidade e autonomia sobre as tarefas foram percebidos como outra novidade para os empregados da ServB. Nas entrevistas realizadas, esse assunto surgiu com freqüência e o discurso era semelhante nos mais variados níveis. Segundo os relatos, resultados seriam cobrados e subterfúgios não seriam aceitos. Em contraste com a experiência no tempo de estatal, consideravam que não poderiam mais esperar ordens e decisões de seus superiores, uma vez que a autonomia para boa parte das decisões estaria em suas próprias mãos. “Mas hoje a gente às vezes é obrigado a estender um pouquinho mais o horário do que ... Na estatal não, na estatal você podia... Na estatal era assim: você à noite, acabou. Eu desligava a máquina, desligou. Na ServB não, é um pouquinho diferente, você é exigido um pouco mais. Você tem uma responsabilidade, você precisa entregar seu trabalho. Não que alguém vá dizer ‘Você não sai hoje enquanto não estiver pronto’. Não é. Mas a sua consciência profissional diz: você tem que terminar isso, deixar pronto, tem reunião amanhã. Porque o prazo é amanhã, então você tem que terminar hoje.” (funcionário de área administrativa) “Na estatal eu tinha uma pessoa responsável, depois eu tinha outra e tinha outra. Hoje não. Hoje coisas importantes aqui param em mim e depois tem minha chefe e depois, pronto: é a diretoria.” (funcionário de área administrativa) “As pessoas respeitam e eu acho que ela sabem até onde que elas têm que resolver as coisas que são responsabilidade delas, que não adianta jogar o macaquinho para as costas dos outros. Elas têm que resolver o problema, não adianta trazer para cá achando que o diretor vai dar. Não é. Hoje cada um de nós tem responsabilidade sobre uma boa parte daquilo que nós decidimos.” (gerente de área administrativa) As reações foram variadas. Uma das pessoas sentiu-se confortável com a ampliação de responsabilidades, pois pôde, assim, pôr suas próprias idéias em práticas. Outra relatou o sentimento de realização que a tarefa lhe trouxe. Outra, ainda, indicou que o aumento nas responsabilidades representou, em verdade, um aumento de estresse. “Eu acho que também as minhas responsabilidades, hoje, são maiores do que eram na época. As minhas responsabilidades hoje são maiores. ...Eu acho que [a autonomia] é muito boa. Eu pude fazer... Eu vim para cá em outubro, de lá para 177 cá eu pude fazer as alterações que eu queria fazer.” (gerente de área operacional) “No tempo de estatal você trabalhava, trabalhava, trabalhava, mas nunca tinha oportunidade de estar fazendo um trabalho, de ser o responsável por aquele trabalho. Esteja certo ou não, mas aquilo ali satisfaz. Esse trabalho aí compete a mim e eu quero que esse trabalho saia assim..... É muito gratificante.” (funcionário de área administrativa) “É estressante porque ela [a empresa] transferiu muita responsabilidade para os líderes, para mim, para a turma da oficina. Aquela responsabilidade que não tinha em 97. Os líderes eram líderes, mas tinha mais gente para definir. Hoje não, hoje eles transferiram mais para nós, e nós decidimos mais as coisas.” (supervisor de área operacional) 5.4.1.8 Comprometimento A palavra comprometimento esteve presente nos discursos dos empregados e dos gerentes. Em verdade, comprometimento representava coisas diferentes para diferentes pessoas. Para um, indicava uma atitude; para outro, horário de trabalho estendido, para outro, ainda, compromisso com a geração de lucro. “As pessoas que ficaram, elas sentiram que houve uma grande mudança, não há dúvida que sentiram que foram escolhidas para ficar. ... Eu acredito que elas sentiram-se valorizadas, prestigiadas por isso e houve um comprometimento muito grande.” (gerente de área operacional) “Hoje não, hoje você ganha oito para trabalhar, trabalha oito e você fica mais uma ou duas de graça para a empresa aqui dentro. Porque você se compromete muito com a situação. Se compromete muito com a situação. E hoje a empresa não admite hora extra. Não pode ter hora extra, tem que cumprir seus deveres.” (supervisor de área operacional) “Eu não digo que todo mundo, mas eu digo que a grande maioria está dentro desse processo. A grande maioria da empresa, hoje, com certeza, está dentro desse processo de comprometimento, a grande maioria. Se tem um ou outro, são poucos. Acho que a grande maioria hoje está muito comprometida com a empresa, com o resultado, com a geração de lucro, com a imagem. Isso eu vejo como uma coisa positiva. Mesmo que isso cause, digamos assim, um certo transtorno na vida pessoal.” (gerente de área operacional) 178 5.4.2 Novas práticas organizacionais Mudanças nas práticas organizacionais foram, também, percebidas pelos pesquisados. As principais alterações relatadas referem-se: (a) à cobrança de resultados; (b) à valorização dos funcionários; (c) à avaliação de pessoal pelo critério de mérito; (d) a um processo de comunicação mais ágil; (e) a maior atenção à custos, lucros e clientes e (f) à contratação de novos funcionários. 5.4.2.1 Cobrança de resultados A cobrança de resultados apresentou-se no depoimento de quase todos os funcionários, se não de forma explícita, pelo menos de forma implícita. Os exemplos citados fizeram referência às seguintes cobranças: (a) uma forma mais inteligente de trabalhar; (b) maior produtividade (c) trabalho contínuo sem interrupções para cafezinho e (d) conversas desnecessárias. “De rever todos os processos e todas as atividades que a gente fazia. A gente sempre foi muito questionado, porque se faz, como se faz. Porque não fazer diferente, fase de questionamento, de adaptação. Aí o patrão tinha mudado, não adiantava dizer: ‘Porque eu fazia assim’. Não que alguma coisa fosse imposta, não foi, nada foi, tem que ser feito assim. Mas você tem que justificar a maneira como você faz e para que você faz as coisas.” (funcionário de área administrativa) “Acho que nós tivemos um aumento de produtividade muito grande. Mesmo as pessoas que apertavam apenas um parafuso, hoje elas sabem que ... elas têm que apertar dez. Então elas mesmos estão se condicionando a produzir mais. E isso já foi colocado para as pessoas, que elas têm que produzir mais e em níveis tão bons quanto qualquer empresa privada.” (gerente de área operacional) “Todas as atitudes das pessoas são cobradas. A performance também, o desempenho, a produtividade. Isso realmente é cobrado, porque, claro, a ServB está fazendo o mesmo trabalho e talvez até mais do que fazia antes com menos pessoas.” (gerente de área operacional) “Antes tinha... o pessoal parava para tomar café. Tipo, tinha a reunião dos líderes de manhã das sete às sete e meia, era um horário que quase o pessoal não trabalhava, ficavam tomando cafezinho, depois paravam para tomar café e voavam para caramba. Hoje em dia não, o cara, você tem que entregar o seu serviço, você tem que entregar no final do expediente ou se passam um serviço grande, até o final de semana, até lá você tem que entregar mesmo.” (funcionário de área operacional) 179 O maior instrumento de cobrança, entretanto, parece ter sido as metas. Estas foram estabelecidas para todos os níveis da empresa, da presidência até a seção de mais baixo nível na hierarquia. Em cada local de trabalho, a empresa expunha um quadro com a lista de metas do setor e uma avaliação do atingimento das mesmas. Um sinal verde indicava que as metas teriam sido atingidas com sucesso, amarelo, que a meta requeria atenção e vermelho acusava insucesso em seu atendimento. Passou a haver, portanto, uma divulgação pública do desempenho de cada setor. Mesmo a diretoria e a presidência exibiam seus quadros. Essa preocupação refletiu-se no discurso dos empregados. “Existem metas a serem cumpridas. Coloca isso como o item número um. Tem prazo, você negocia o prazo. Agora, depois de negociado o prazo, aí é sua responsabilidade cumprir o prazo.” (funcionário de área administrativa) “As pessoas são cobradas pelas metas individuais. Eu tenho uma meta individual que eu tenho que alcançar um valor X de vendas. Se eu não alcançar esse valor X, eu tenho uma nota mais baixa, digamos eu não ganho [participação nos lucros].” (funcionário de área administrativa) “Mudou a forma de trabalhar, a forma de cobrança. Hoje aqui todos têm metas de produção, todas as gerências têm metas. Então hoje todos os funcionários estão envolvidos com metas. Qualquer mecânico que você chegar lá dentro e vai perguntar quais são as metas aqui da oficina, eles vão saber dizer. Talvez não todas, mas sabem dizer algumas.” (gerente de área operacional) Há que se observar que, em alguns casos, as pessoas apontavam para um processo de internalização de cobrança, sem que a gerência precisasse ficar “discursando”. “Hoje as coisas não se alteraram tanto assim em termos de processos, mas a gente percebe que as pessoas começaram a querer fazer cada vez mais. Então quem era dono de um processo, quis virar dono de dois ou três processos. Por quê? Porque aí o tempo ficava mais preenchido, a pessoa de certa forma, era uma forma de se segurar dentro da companhia. ... E as pessoas, não foi preciso alguém ficar falando ou discursando muito. Isso foi muito, as pessoas foram percebendo...” (gerente de área administrativa) 5.4.2.2 Valorização do funcionário Revelou-se, também, freqüente no relato dos entrevistados a questão da valorização das pessoas pela nova administração. Os empregados declararam sentir seu trabalho acompanhado e valorizado. Uma das grandes modificações, introduzidas pela ServB, segundo os entrevistados, referiu-se, especificamente, à valorização dada às pessoas da área operacional. Os 180 exemplos citados referiram-se às ações de alto valor simbólico - como o presidente vestir um uniforme e ir conversar com os funcionários - e às ações concretas, como a promoção de uma pessoa da área operacional ao nível de gerência, fato este, até então, inédito na empresa. “É uma empresa privatizada, com uma visão diferente. Eles tiveram essa idéia de valorizar as pessoas da base. Como eles sempre falam: nosso maior patrimônio são as pessoas. E a gente sente, através desse projeto meu e das conversas que a gente tem, que vão tentar trazer mais pessoas. Eles estão valorizando muito o pessoal. ... Então a gente nota isso, uma valorização de pessoas, a diretoria valoriza muito quem faz o serviço.” (funcionário de área operacional promovido a gerente) “As pessoas estão muito valorizadas, principalmente na área operacional. Porque percebeu-se que, para cuidar de um negócio como o da gente, mais no nível técnico, no nível intermediário, a gente não encontra no mercado uma pessoa com tanta experiência. ... Então eu acho que as pessoas, principalmente da área operacional foram muito valorizadas.” (gerente de área administrativa) A delegação de tarefas, os treinamentos ministrados e o desejo de ouvir as opiniões foram percebidos como manifestações da valorização da contribuição e do trabalho dos funcionários.. “Eu domino hoje muito bem a informática também. E é a sua satisfação pessoal mesmo. Eu acho que hoje eu sou muito mais valorizado, do que eu era antes, isso com certeza. Sou muito mais ouvido.” (funcionário de área administrativa) “Quer ver uma satisfação que eu fico, é quando a Márcia ou o próprio André pedem para elaborar, fazer, e aquilo sai assim como eu imaginei e como eles imaginaram. Então você se sente assim, que você é útil para a empresa e isso dá uma satisfação muito grande.” (funcionário de área administrativa) 5.4.2.3 Meritocracia A avaliação e a conseqüente valorização das pessoas basearam-se, na percepção dos entrevistados, no abandono da supervalorização das realizações passadas em prol de um comprometimento com realizações futuras. O mérito principal estaria naquilo que poderia ser realizado para a frente. O discurso da meritocracia pregado pela nova administração contrastou, portanto, do ponto de vista dos remanescentes, da avaliação praticada no tempo de empresa estatal. 181 “Hoje a empresa tem uma política de meritocracia. Você propõe as coisas, elas são analisadas e, se elas forem boas, com certeza serão implantadas. E você é medido por isso, por esse retorno que você dá. E isso não acontecia na estatal. Não é que não existissem, mas não eram nesse nível. Existiam outras influências... Hoje não, hoje é pelo que você pode dar de retorno para a empresa. Mesmo o nosso diretor de R.H. diz que a gente é medido não pelo que já fez, e sim pelo que pode fazer ainda. Com isso, o que você fez serve de referência para o que você ainda pode fazer. Mas o que você fez, está feito. Muito bom, muito legal, mas interessa o que a gente pode fazer daqui para a frente.” (funcionário de área administrativa) A empresa ofereceria, segundo relato dos entrevistados, oportunidades para o crescimento na carreira e estímulo para o desenvolvimento profissional. O crescimento individual dependeria, ainda segundo a percepção dos remanescentes, do esforço e desempenho de cada um. “Depende muito da gente. Quase que exclusivamente. De você ser um bom profissional. ... eu acho que a visão dos administradores da ServB é muito de observar as pessoas, de reconhecer e dar possibilidade da pessoa crescer em todos os níveis.” (funcionário de área administrativa) 5.4.2.4 Comunicação mais ágil Os depoimentos obtidos indicam a preponderância de mudanças na comunicação pessoal - tanto vertical quanto horizontal - e na comunicação formal dentro da empresa. Segundo a percepção dos entrevistados, a comunicação pessoal vertical seria mais rápida se comparada com aquela existente na época de estatal. Tal filosofia teria agilizado o processo decisório e facilitado o trabalho daqueles que dependiam de uma informação ou decisão superior. “Hoje as coisas vão mais rápido. Por quê? Se eu preciso resolver algum assunto, eu ligo para a secretária do diretor de R.H., digo: ‘eu preciso marcar uma hora que eu preciso resolver um assunto com ele’. E ele dá valor àquilo que eu tenho que falar com ele. Ele me atende. Na estatal já era mais difícil, porque você tinha que respeitar muito, a hierarquia era muito rígida. Então mandava você para aquele, ele tinha que dar o parecer dele, daí mandava para outro, que também tinha que dar o parecer, e até que chegasse no superintendente demorava uma semana.” (funcionário de área administrativa) “A única coisa que mudou muito, a gente nota bastante diferença, é o acesso. Por exemplo, na estatal para você falar com o Superintendente, era muito difícil. Você tinha que passar, quase que marcar uma audiência para falar com ele. Só 182 se fosse assim muito urgente. Agora, se tivesse um problema e precisasse falar com ele, era muito difícil. E hoje, não, hoje, se eu precisar falar com o presidente, se ele estiver ali, posso entrar, sentar na mesa dele e conversar com ele. Mais aberto.... a gente vê que é uma filosofia da empresa. Nem todas as empresas são assim.” (funcionário de área administrativa) Os empregados entrevistados percebiam que o acesso a todos os níveis hierárquicos era estimulado pela alta gerência da empresa. Os empregados indicavam, também, que a circulação física das chefias contrastava com o que ocorria na estatal. “Diminuíram os níveis hierárquicos ...as conversas são mais francas, sentidos. Há uma quebra de divisão, de barreira, enorme, enorme. busca, realmente, de se dar a oportunidade para todas as pessoas de enfrentar o problema e vir conversar com o chefe.” (gerente operacional) nos dois Há uma poderem de área “O Lúcio que o chefe vem aí e conversa conosco. A própria Maria, entra na oficina e cumprimenta todo mundo, mesmo de salto alto, toda bonitona, do jeito que ela vem. Não tem receio de apertar a mão de ninguém. Sabe por que não era assim? Porque as pessoas tinham receio de serem maltratadas. A cultura nossa, o convívio ...nós tínhamos vários tipos de gente... você ia ter receio de entrar dentro da oficina e cumprimentar as pessoas. Porque se você cumprimentasse e recebesse um palavrão? Se vulgarizassem contigo? Isso acontecia.” (supervisor de área operacional) Um dos entrevistados indicou ainda, que, na sua percepção, a circulação horizontal também teria se agilizado muito se comparada com a estatal. As informações solicitadas seriam, segundo o depoimento obtido, prontamente fornecidas: “Porque às vezes na estatal, para vir um documento de freqüência, para saber se o empregado tinha hora extra ou não, você ligava e pedia e aquilo demorava uma semana para vir. Hoje, saiu a carta de demissão lá no campo, automaticamente, no mesmo dia, chegam todas as informações para a gente. A gente não precisou fazer muito para isso. As pessoas verificaram a necessidade e foram fazendo. Eu não sei porquê. Se você me perguntar porque não se fazia antes, eu não sei dizer. Eu não sei porque tanta dificuldade em se realizar um processo. ... Até um processo, uma sindicância, para apurar uma justa causa, demorava 30 dias. E ainda assim, a gente tinha que, às vezes, perdoar a dívida porque demorava mais que 30 dias, daí o juiz não deixava fazer a demissão. Eu não sei dizer exatamente porque os processos eram tão morosos.” (funcionário de área administrativa) 183 As informações oficiais eram, segundo os depoimentos obtidos, divulgadas por sistema interno de correio eletrônico, por informativos anexados ao contracheque, por sistema de cartazes e por reuniões com subordinados . “Eles sempre passam o resultado do mês. A gente tem correio eletrônico, então se informa como foi o desempenho da empresa, qual vai ser a meta do próximo mês ... E, sempre, se colocando à disposição para quem quiser [tirar] dúvidas.” (funcionário de área administrativa) “Hoje em dia, a gente recebe ... sempre quando vem o holerite, vem um boletim sobre a empresa, o que está acontecendo. São pessoas inovando a empresa, algum acontecimento assim. Através disso a gente fica sabendo, a gente discute, ali, conversa com os chefes, para saber se os chefes sabem de alguma coisa.” (funcionário de área operacional) Na percepção de dois dos entrevistados, esse sistema de livre comunicação e, principalmente, a informação sobre o atingimento das metas da empresa, funcionariam como motivador para a base – operacional e administrativa - da empresa. Na percepção de um deles, a divulgação das metas dar-lhe-ia, não apenas um incentivo mas, também, um senso de direção. “A motivação aumenta, justamente, porque existe uma informação para a gente, dos resultados alcançados pela empresa. Isso eu acho que é muito importante. Existe uma circulação dizendo que a empresa, realmente, está conseguindo cumprir as metas devidas. Ou, não. Quando não consegue, também existe essa informação. Então, esse tipo de motivação ocorre, na minha opinião, por causa disso, justamente porque a informação, assim, não fica somente na cúpula. Vai para a base, para o pessoal da oficina ..a motivação, assim, ocorre, tanto que já foram realizados muito mais serviços nesse período de empresa privatizada do que, eu acho, em todo o tempo em que eu trabalhei na estatal.” (funcionário de área operacional) “Hoje você vê que nós temos uma meta visível para todo mundo ...Então, isso é um ponto forte. No tempo de estatal, o que é que nós tínhamos de meta? Não sei. Não tinha: produzir tanto. Esse ano, nós sabemos: nós temos que produzir ... nós sabemos quanto que nós temos que gerar de receita, nós sabemos. Então isso te dá um horizonte para você tentar.” (funcionário de área administrativa) 5.4.2.5 Maior atenção para custos, lucros e clientes Segundo percepção dos pesquisados, a empresa privatizada teria estimulado a atenção, por parte dos funcionários, para questões como lucro, custos, clientes e concorrência. Para um dos depoentes, a empresa teria passado a trabalhar com orçamento rígido, para outro, haveria a necessidade de se captar clientes, ganhar dinheiro e reduzir custos: 184 “Hoje, a gente trabalha com um orçamento bem rígido. Se você precisa comprar um computador, tem que fazer a programação para isso, tem que ter uma justificativa”. (funcionário de área administrativa) “Ela [a empresa] entrou aprendendo a trabalhar dentro de uma realidade. As empresas particulares, elas têm que dar lucro. Se não der lucro, vai fechar a porta. Se isso aqui não der lucro, tem que entregar a chave... e ir embora. Para dar lucro o que tem que fazer? Tem de captar bastante cliente, ganhar dinheiro e gastar pouco. Essa que é a realidade. Então isso está sendo incutido. O pessoal tem feito umas tarefas, aí, passando essas informações para o pessoal e o pessoal tem assimilado bem.” (funcionário de área administrativa) Esses aspectos teriam sido, segundo um dos depoimentos colhidos, negligenciados pela administração da empresa estatal o que teria, por sua vez, causado a falta de atenção dos próprios funcionários para essas questões. “Hoje eu acho que o cliente espera que nós tenhamos uma [produção] mais eficiente .... Então hoje uma palavra que se fala muito na empresa é lucro, porque em isso, não puxa as outras coisas. A gente sabe que não puxa. Mas no tempo da estatal não se cobrava. ... Tem que ser eficiente, mas tem que dar lucro também. Então, nós temos que ter essa visão. Então, essa mudança foi uma mudança muito grande que a gente teve. Nós não estávamos acostumados, por exemplo, na área de manutenção, em pensar em custo. Quanto custava? Não importava quanto custava, nós só falávamos em quanto precisava. ‘Eu preciso disto’. Não me importava se custava 10, 20 ou 100, eu precisava. Hoje, não, custa 10, mas eu tenho um que é mais barato, vende por cinco, talvez atenda à mesma coisa, ou, talvez, em comprando por 15 me dê uma vida útil maior do que o de dez. Então, nós temos que fazer essa comparação para poder definir os custos, e a palavra custo é muito grande.” (funcionário de área administrativa) 5.4.2.6 Contratação de novos funcionários Com a nova administração, algumas pessoas provenientes de outras empresas foram contratadas. Em um primeiro instante, os funcionários da estatal sentiram-se desprestigiados, com dúvidas sobre seu próprio futuro dentro da empresa. “No início nós achávamos assim um pouco, como começaram a vir pessoas que não eram da estatal, nós de uma forma geral sentíamos um pouco desprestigiados. Porque parecia que nós não tínhamos condições de assumir determinadas funções e tudo o mais e com o transcorrer dos meses e do ano que já passou, muitas pessoas da estatal tiveram muitas oportunidades e as pessoas 185 cresceram. Eu, particularmente, sinto que eu cresci muito em contato com essas pessoas que já eram de outro mundo.” (gerente de área operacional) A contratação de trainees foi um processo especialmente problemático para os antigos funcionários. Segundo depoimentos, nas contratações das primeiras turmas de trainee, teria havido excessiva valorização desta mão de obra em detrimento daquela que vinha da época de estatal. Nas palavras de um dos entrevistados, seriam vistos como “salvadores” da organização. Isto teria causado um certo mal estar, levando os remanescentes a se sentir desvalorizados e, mesmo, ameaçados em seus postos de trabalho. Temiam, ainda, que esses jovens pudessem tomar seu lugar e seu emprego. “A gente teme por outro lado, a gente teme que amanhã ou depois eles metam um guri novo, que não entenda bulufas do serviço como já está acontecendo em alguns setores... Eu já tive a impressão,... que a ServB mais cedo ou mais tarde, ela não vai ficar com um sequer remanescente da estatal.” (funcionário de área operacional) “Teve colega meu que, quando foi feito o primeiro programa de trainee, achou que o trainee era uma ameaça mortal, que era o trainee ser contratado que ele ia ser mandado embora.” (gerente de área operacional) Teria chegado a haver, dentro da empresa, um rumor de que as pessoas egressas da estatal estariam, segundo expressão de um dos entrevistados, “carimbadas”. Perante a nova administração não seriam boas o suficiente, daí a contratação dos novos funcionários. “O que realmente houve é que a primeira leva de trainees, eles foram vistos como salvadores da ServB. Todos que vieram da estatal tinham um carimbo, não serviriam.” (gerente de área operacional) A experiência mostrou que não houve a troca de pessoas antigas por mais novas na forma como havia sido temerosamente imaginada. Para alguns, passaram a ser vistos menos como uma ameaça ao emprego e mais como jovens sem experiência, que muito precisariam aprender para entender os meandros da organização e do trabalho correto. Para outros, a contratação de trainees indicaria uma valorização da educação formal em detrimento da experiência na organização. “Olhando assim, esse pessoal, esses trainees novos que estão entrando e estão virando engenheiros, esse pessoal, eles são muito inexperientes na área da ServB. Na área da ServB eles são muito inexperientes de trabalho, mas eles são muito avançados no outro lado, na cultura, comportamento pessoal...” (supervisor de área operacional) 186 “O que a gente fica chateado é que estão contratando gente de fora, que não conhece nada e todos esses contratados por eles, o salário são duas vezes o nosso. E isso a gente vê. Há uma supervalorização de pessoas sem conhecimento, mas com cursos... E você é obrigado a treinar essas pessoas e dizer para o cara: é assim, assim, assim.” (gerente de área operacional) Para um dos entrevistados ainda, os trainees seriam as pessoas que a empresa teria escolhido para serem os novos gerentes. Atingir os melhores cargos não seria, porém, tarefa fácil: teriam que “concorrer” com aqueles que vieram da estatal. Na percepção de um entrevistado, a questão decidir-se-ia com base no mérito e não com base na origem de contratação. “Eu estou enxergando que eles vão ser as pessoas que vão ser preparadas para serem os próximos gerentes, os chefes. Mas eles vão ter que realmente concorrer com as pessoas que estão aí. E já não são aqueles pré-escolhidos. Eles vão ter realmente a oportunidade se estiverem indo bem, se tiverem mérito. Mas o que existe hoje é que já não estão pré-escolhidos como estavam os outros. O primeiro grupo foi chocante.” (gerente de área administrativa) Outro, ainda, considerava-os como uma oportunidade de “oxigenar” as idéias da empresa e auxiliar na consecução das metas. “Eu não tinha nenhuma preocupação com eles. Eu acho que eles iam desenvolver um trabalho ótimo, que iam somar, que iam oxigenar a cabeça das pessoas que estão aí, que iam empurrar todo mundo para um caminho melhor. Mas não que eu em algum momento pensasse que ele estava entrando para ficar no meu lugar. Isso não me passava pela cabeça.” (gerente de área operacional) 5.4.3 Crescimento profissional A experiência de crescimento profissional foi apontada por muitos dos entrevistados. Embora os relatos indiquem que a forma de perceber esse desenvolvimento tivesse sido diferente para cada um, percebe-se a convergência das diferentes experiências para um sentimento agregado de crescimento profissional. Para um dos depoentes, seria como se tivesse passado, em termos profissionais, de uma fase de adolescência para uma fase adulta. Para outro, o aprendizado seria proveniente da necessidade de organizar o seu trabalho. Outro, ainda, aponta o crescimento profissional como uma compensação para o excesso de horas trabalhadas. “Eu cresci muito. Cresci muito. É como se eu tivesse da fase, não vou dizer da fase de infância, da fase de adolescência para a fase adulta. ... Se fosse fazer um 187 comparativo, eu passei da fase de adolescência para a fase adulta.” (gerente de área operacional) “O ritmo de trabalho era o mesmo...Eu me vejo mais organizado. Eu aprendi muito agora com essa nova empresa, eu aprendi muito.” (supervisor de área operacional) “Que a gente está trabalhando mais, com certeza. Eram 6.000, hoje está com 3.000, alguém está fazendo o serviço. A gente está trabalhando muito mais, está se desgastando mais. O estresse é muito grande, mas profissionalmente eu cresci muito. Isso vale muito também.” (funcionário de área administrativa) Alguns indicam que o importante teria sido a oportunidade de entrar em contato com o ambiente externo, de ser responsável por um processo inteiro e de fazer a ligação entre organizações externas e a ServB. “Me agrega mais conhecimento. ... Porque, em reuniões, eu vou nas faculdades quando tem programa de estagiário, ... eu aplico prova, faço entrevista, eu vou para o Senai, eu vou para participar das reuniões no Senai, eu vou no interior, aplico prova... entro em contato com outras empresas, com pontos de treinamento...Estou com mais conhecimento, mais maduro como pessoa e como profissional, melhor.” (funcionário de área administrativa) “Porque a gente está mais atualizado no mercado do que estava há quase dois anos e meio atrás. Hoje, por exemplo, a gente tem contatos com n empresas... Hoje nós temos muitas empresas que prestam serviços, muitas atividades que eram, são da ServB, mas que são terceirizadas. Então você tem contatos, troca idéias com outras empresas.” (funcionário de área administrativa) “Eu cresci muito. Eu acho que cresci bastante. O João de 96, além de ele estar muito preocupado com o que seria o futuro dele, ele também tinha muitas limitações. Hoje ele cresceu bastante, ele conheceu mais gente, entrou muito mais no mercado...” (funcionário de área administrativa) Outros, ainda, fizeram referência a esse desenvolvimento como uma vantagem em caso de saírem da ServB e procurarem outro emprego. Sentiam que o esforço empreendido lhes teria acrescentado uma experiência que poderia ser valiosa em outros locais. “Mas eu acho, e tudo isso que eu passei nesses dois anos assim, eu digo profissionalmente, se eu tivesse que sair hoje da companhia, eu diria que estou muito mais completo do que estava há dois anos atrás. Pelo menos eu estou mais, vamos dizer, com os pés no chão do que é o mundo profissional. ... Eu entendo que meu crescimento agora, de onde eu vim, para onde eu estou hoje, eu considero um crescimento fantástico.” (gerente de área administrativa) 188 “Mas hoje eu estou muito mais seguro. Talvez eu esteja mais estabilizado neste emprego, uma outra cabeça, uma cabeça que diz, amanhã pode acontecer alguma coisa e eu sair daqui. Eu já tenho uma experiência muito maior do que eu tinha antes com dezoito anos de estatal. Em dois anos eu adquiri muito mais experiência do que eu tinha antes.” (funcionário de área administrativa) “Eu estou muito contente de trabalhar na ServB. Cresci um monte, eu vim da estatal como agente de administração... eu tinha pouco tempo de ServB para ser analista de..... Isso aí para mim foi assim uma maravilha, foi um momento que eu vou te dizer, é um reconhecimento, entende? Tudo que eu posso fazer para que a empresa cresça eu não meço dificuldade nenhuma. Porque eu acho que se estou aqui é porque eu mereço e porque a empresa está confiando em mim.” (funcionário de área administrativa) 5.4.4 Alteração no contrato psicológico Dentre todos os temas que emergiram dos depoimentos dos entrevistados, aquele que se revelou mais constante foi o da alteração na estabilidade do emprego. Enquanto que na época de estatal havia, conforme já relatado anteriormente, quase que uma impossibilidade de alguém ser demitido, na nova organização os funcionários percebiam uma ausência de estabilidade do emprego. “Porque hoje não tem mais estabilidade. Na estatal se tinha estabilidade, hoje em dia você não tem mais. Aqui está todo mundo sujeito, está sujeito a ser mandado embora, a hora que eles quiserem. Se chegar no final do mês e cortar mais cabeças, eu posso estar junto.” (funcionário de área administrativa) Os requisitos para a permanência atingiam um leque amplo, e incluíam, segundo os depoimentos, a necessidade de mostrar produtividade, de “estar alinhado” com os objetivos da organização, de “acreditar”, de estar comprometido e de estar “no espírito” da empresa privada. “O dia em que eu parar de trabalhar, o dia em que parar de ser dedicado, o dia em que eu resolver trabalhar só as minhas oito horas, eles vão me mandar embora. Enquanto eu estiver trabalhando mas minhas 12 horas, 13 horas, duas ou três de graça, estou legal. Mas o dia em que [alguém disser]: - ‘a partir de hoje só vou trabalhar das 7 às 11 e do meio dia às 15, ganho para isso, a minha carteira está assinada assim, não quero conversa’ – o camarada não vai servir mais para eles. A verdade é essa.” (funcionário de área operacional) “Eu trabalhei muito pouco tempo na iniciativa privada, mas quero acreditar que, todas as empresas, elas têm a sua própria filosofia e gostam daqueles que ali estão trabalhando, acreditando nisso. Então esse é um dos valores mais fortes 189 que nós pregamos, nós temos que acreditar muito, que se a gente não acreditar, como é que a gente vai investir numa coisa em que a gente não acredita? Como é que você vai levantar de manhã, fazer o seu trabalho aqui se você não está acreditando? É complicado. Então a crença é um dos primeiros requisitos para a gente permanecer aqui.” (gerente de área administrativa) “Nesse aspecto, se eu for bom, eu não saio, mas com todo mundo [é assim], se não for bom, sai. Se repente não adianta você querer ficar com quem realmente não incorporou o espírito. Se tem alguém ainda que não incorporou o espírito da privatização, não tem jeito, não.” (funcionário de área operacional promovido a gerente) Um dos entrevistados fez referência à acomodação que se tinha na época da estatal. Na nova ordem, sem a segurança do emprego, criara-se para ele uma motivação para trabalhar mais e para se desenvolver. Sentia ter havido maior união entre os trabalhadores, todos motivados pelos mesmos objetivos. “Eu acho que motiva, porque você trabalha mais. Não, não trabalha mais, trabalha melhor, trabalha o mesmo tanto. Tenta desenvolver cada vez melhor, aprender mais aqui dentro para segurar o emprego. Daí, acho que incentiva mais você trabalhar. É aquele negócio, é a mesma coisa que deixar você solto. Você já está contratado, você tem estabilidade no emprego, daí você faz o teu serviço, vai dar uma volta ali para bater um papo. Agora assim, você tem emprego, se não trabalhar você é mandado embora. Incentiva mais o povo a trabalhar. Eu acho que é assim, por isso que te falei que o pessoal ficou mais unido...tá todo mundo trabalhando bem, um ajuda o outro. Nessas partes, ficou bom.” (funcionário de área operacional) A insegurança do emprego foi, para algumas pessoas, entretanto, um fator gerador de preocupação. As pessoas percebiam que seu emprego não estava, assegurado e que nem mesmo um bom desempenho e a “doação de si mesmo” seriam garantias suficientes para a sua manutenção. Seus relatos indicam que podiam ser dispensadas por motivos alheios ao seu desempenho, como por exemplo, pela terceirização de uma atividade ou, mesmo, como conseqüência de mudanças na economia. “Nós temos exemplos de pessoas que estavam trabalhando muito pela empresa, deixando totalmente o seu lado particular em prol da empresa, de repente, ela é desligada da empresa. Então você não sabe mais se somente você se doar para a empresa é suficiente. Você começa a ter dúvidas. Houve muita demissão, muita gente que foi demitida dessa maneira.” (funcionário de área administrativa) “Eu estou aqui hoje. De repente, minha área ou meu trabalho deixa de existir. Digamos que a empresa, pelo planejamento da empresa deixou-se de executar aquela atividade e eu sobrei.” (funcionário de área administrativa) 190 Algumas estratégias pareciam ser utilizadas para lidar com a sensação permanente de insegurança, com o medo de poder ser desligado a qualquer hora. Para um dos entrevistados, não haveria nada a se fazer, seria como a morte, que não se sabe quando vem, sabe-se apenas que vem. Outro considerava o medo como algo que deveria ser enfrentado. Outro, ainda, considerava a preocupação permanente uma “neura”. Para outro, por fim, o fato de saber que teria condições de encontrar um outro emprego, tirarlhe-ia o medo. “Não tem o que fazer. Continuo trabalhando da mesma maneira, procurando sempre fazer o meu serviço o melhor possível, sempre trabalhando direitinho ali, operando para a empresa, para a empresa progredir. Não tem muito o que fazer. É que nem a morte, você sabe que uma hora vem, não sabe a hora que chega. E aqui o que a gente tem feito é procurado, pelo menos eu tenho feito isso, tenho procurado me mostrar mais no mercado.” (funcionário de área administrativa) “Na época de estatal ... era difícil ser mandado embora. Depois que privatizou a gente já viu aqueles amigos sendo mandados embora, outras pessoas, e você já perde o medo. Começa a enfrentar. É mais fácil enfrentar do que ficar tenso, ficar com medo de ser mandado embora.” (funcionário de área administrativa) “Mas eu nunca tive essa neura ‘Será que eu vou estar aqui amanhã? Será que eu não vou ficar?’ E eu conheço bem as minhas limitações, eu tenho assim muita consciência até do que o mercado está oferecendo e eu conheço bastante do que eu posso estar oferecendo para a companhia. Mas talvez eu tenha conseguido melhorar bem o meu trabalho, em função de que eu não fico, assim, tentando pensar que eu vou ser descartada daqui a um tempo.” (gerente de área administrativa) “Eu acho que não nasci aqui, não é meu único potencial, eu acho que eu tenho condições de fazer outras coisas em outras companhias. Eu acredito nisso, tenho certeza disso. Então, porque eu vou ter medo da demissão? De forma nenhuma. Eu não tenho receio, apesar de saber que ela pode acontecer.” (gerente de área operacional) As práticas da estatal estavam na memória das pessoas, mas não pareciam fazer mais parte do seu elenco de expectativas. Assim, por exemplo, segundo um dos funcionários entrevistados, a questão da vulnerabilidade do emprego estaria incorporada à sua vida profissional. “Eu acho que depende da cabeça de cada um. Acho que nessa parte da insegurança, pelo que eu vejo, vou ter que conviver com ela enquanto estiver aqui dentro, vou ter que conviver com ela. Não existe segurança na vida. Em que existe segurança hoje em dia? Iniciativa privada não dá segurança nenhuma. 191 O país não dá segurança nenhuma. Então vou ter que trabalhar neste sentido. Acho que segurança, eu não tenho a segurança que eu tinha na época em que eu trabalhava numa empresa estatal, eu não tenho aquela segurança mais.” (funcionário de área administrativa) O discurso de um dos gerentes pertencentes à área de Recursos Humanos ilustra bem a questão da ausência de garantia do emprego: “Essa dúvida [acerca da possibilidade de novas demissões] vai ser difícil de você tirar das pessoas. Eu acho que não tem como, primeiro porque nós não pregamos a estabilidade. ...Você é importante na companhia, mas a gente não quer dizer que você vai ser importante para sempre. Porque não depende só da gente, tem uma série de coisas que interferem dentro da organização de uma empresa. ... Mês passado mesmo, em função da saída de um gerente de uma das unidades, gerou-se mais 50 demissões. Por quê? Como ele não vinha dando bom resultado, a companhia preferiu então que ele saísse. Com isso nós fomos verificar o quadro dele de pessoal e o novo gerente que assumiu entendeu que o quadro dele estava muito inchado. Então, tivemos mais 50 demissões no mês passado.” (gerente de área administrativa) 5.4.5 Recomendações para novos planos Outros planos de desligamento aconteceram com certa freqüência na empresa. A experiência pela qual a empresa passou fez, entretanto, com que alguns gerentes refletissem acerca daquilo que consideravam fundamental em um plano de desligamento. Do ponto de vista da seleção das pessoas a serem desligadas, um dos gerentes indicou que as pessoas a permanecer seriam aquelas com mais vontade de trabalhar e de crescer, mesmo que em detrimento de pessoas com grande conhecimento, mas sem vontade de trabalhar. “Você tem que realmente selecionar aquele pessoal que tem conhecimento e tem vontade. Principalmente vontade. Muitas vezes não adianta a pessoa ter o conhecimento e não ter a vontade. Eu acho que é importante daí, fazer uma seleção daqueles que têm vontade de continuar e querem continuar. Muitas vezes podem até ter certa dificuldade de conhecimento, de atividade técnica, mas a partir daí você pode, com um treinamento realmente forte, acabar aproveitando a experiência desse profissional.” (gerente de área operacional) Do ponto de vista dos critérios e dos procedimentos para o desligamento, outro gerente considerou que os critérios para a seleção deveriam ser extremamente claros e equânimes, para que não houvesse injustiças e favorecimentos. Um cuidado, também 192 apontado, referiu-se aos sobreviventes. Estes deveriam ser comunicados acerca do desligamento e das razões que levaram a empresa a tal ato. Haveria, também, que se ter um processo digno, correto, simples e sem arrogância com os demitidos. “Eu acho que tem que usar critérios muito claros. Mesmo que você vá pedir para a [outra] pessoa fazer dimensionamento, deixar critérios muito claros... Quando você for escolher as pessoas, acho que o mais importante é realmente escolher tendo justiça, ser o mais justo possível. Você realmente ficar com aquelas pessoas porque são pessoas importantes para o seu trabalho. Nunca escolher pela cor dos olhos, pela aparência que a pessoa tem, escolher realmente pelo valor das pessoas... E cuidar das pessoas que ficam. Depois de todo o processo, reunir as pessoas que ficam, esclarecer o que aconteceu, dar os motivos principais... Fazer esse processo com dignidade, correção, clareza, simplicidade, sem arrogância, mas depois disso cuidar dos outros...” (gerente de área operacional) Quanto ao tempo para a execução do plano, um dos gerentes apontou que deveria ser feito o mais rápido possível e em curto espaço de tempo. O prolongamento do processo causaria ansiedades e expectativas que poderiam interferir no rendimento do trabalho. “Se tiver que fazer uma adequação no seu quadro, não demore para fazer: faça rápido e de uma vez só, se possível. É menos doloroso. Porque a expectativa que se cria quando você não faz o processo de uma vez só é muito grande. Porque as pessoas ficam sempre imaginando.... as pessoas não têm a segurança de ficarem trabalhando.” (gerente de área administrativa) 5.5 Futuro De forma geral as pessoas se viam como tendo atrelado o seu futuro ao da companhia. Para algumas, havia expectativa de crescimento tanto em termos de cargos quanto em termos de conhecimento. Esperavam que a empresa crescesse e, junto com ela, esperavam crescer também. “O meu futuro, como eu vejo? Eu vejo um desafio muito grande, de eu complementar esse conhecimento que eu não tenho. Isso para mim é uma oportunidade que eu estou tendo hoje. Então, realmente, dominar a área de operação, isso eu acho que vai me capacitar para ser uma pessoa para, lá na frente, ter uma oportunidade melhor na empresa, que eu acho que tenho condições de ter.” (gerente de área operacional) “Hoje não, hoje, com a privatização, com a oportunidade que a companhia está dando para as pessoas da base... minha oportunidade de crescer, dentro da 193 companhia, depende só de mim, mas é muito grande. É enorme, meu campo é enorme, meu cargo é enorme... não tinha aquela esperança de um dia ter um cargo de chefia. Hoje, não, hoje eu tenho a esperança de um dia ter um cargo maior do que [aquele em que] eu estou, de subir dentro e com os meus companheiros, vendo eles crescerem.” (funcionário de área operacional promovido a gerente) “A ascensão profissional, eu nunca estou satisfeito. Eu acho que ninguém está. Sempre [se] quer buscar mais. Evidente que eu estou sempre vislumbrando uma oportunidade de crescer dentro da empresa. Não só profissional, mas também na questão da remuneração. Acho que tem ser uma constância isso em qualquer profissional. A não ser que o profissional esteja estagnado e eu não estou estagnado. Eu acho que eu tenho plenas condições de crescer mais ainda, não só nesse cargo, mas também numa outra oportunidade, um outro cargo melhor. Evidente que se você perguntasse ‘O que você quer ser?’ Quero ser gerente e se estivesse como gerente ia querer ser diretor. É uma coisa que a gente sempre está buscando.” (funcionário de área administrativa) Dois gerentes, bastante sobrecarregados em termos de trabalho, expressaram o desejo de continuar crescendo e, ao mesmo tempo, conseguir maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Gostariam de, no futuro, ter mais tempo para o lazer e para a família. “Em termos pessoais eu gostaria de ter um pouquinho mais de lazer. Talvez nos finais de semana, pelo menos. Espero montar uma estrutura para isso. Em termos profissionais claro que todo mundo quer alguma outra coisa. Eu quero uma outra coisa. Não quero ser sempre o gerente dessa área em que eu estou. Eu gosto dela, quero transformá-la, sei que vou ter um tempo útil ali dentro... mas vai chegar a um nível que eu vou querer uma outra área, uma outra coisa, igual ou mais diferente ou maior, claro.” (gerente de área operacional) “O que a gente sente é que trabalho não me assusta, só que não posso ficar trabalhando o resto da vida, não no ritmo em que estou trabalhando, nem eu, nem os outros que estou vendo por aí. Eu queria, pelo menos, ter, quando for a folga, eu poder sair. Poder compensar a minha família de uma forma ou de outra...” (gerente de área operacional) Dois funcionários de área operacional, no entanto, expressaram uma visão diferente. Para eles, não haveria espaço para crescimento dentro da empresa. “Aqui na ServB? Não tem muita perspectiva. Que nem eu te falei, vai se seguindo assim, esperar, se der para você conseguir aposentar, beleza, mas se não conseguir e eles mandarem embora, você tem que conseguir outra coisa para fazer.” (funcionário de área operacional) 194 “Eu entrei como técnico e acho que vou sair como técnico. No meu caso particular eu acho que não. Porque digamos, não tem uma seção técnica que houvesse uma pessoa acima de mim que eu pudesse almejar o cargo com o passar do tempo ... Então, para mim, não houve como evoluir profissionalmente na empresa. Nem antes, nem depois.” (funcionário de área operacional) 195 6 DISCUSSÃO DE RESULTADOS – CASO SERVC 6.1 Breve Histórico da ServC A ServC é uma empresa prestadora de serviços na Região Sudeste do País, atuando há mais de 100 anos na prestação de serviços ao público. Privatizada em 1996, foi adquirida por um consórcio formado por empresas nacionais e internacionais de duas diferentes nacionalidades. Suas práticas antes da privatização pouco diferiam das práticas de tantas outras empresas estatais: gestão baseada na conveniência de políticos, acentuada divisão de trabalho, dificuldade para demitir, processo decisório lento e burocrático, ausência de investimentos e defasagem tecnológica, entre outros. Carente de investimentos e defasada tecnologicamente, a ServC estava longe dos padrões de eficiência do setor. Uma de suas primeiras providências foi a realização de estudos comparativos com outras empresas que deram origem a um conjunto de metas a serem atingidas, entre elas a relação cliente/empregado. De uma forma geral, a relação considerada ideal no setor era de cerca de 700 a 800 clientes por empregado. Na época da realização desta pesquisa, a relação na empresa estava em torno de 480 empregados por cliente, longe, ainda, daquela estabelecida como meta. Outro problema encontrado pela nova direção referia-se à idade do quadro de pessoal. Com a dificuldade de contratação própria das empresas estatais, a idade média das pessoas e seu tempo de serviço na empresa tornaram-se muito elevados, formando um quadro dito “envelhecido”. O plano estratégico, a relação ideal do índice cliente/empregado e a alta idade média dos funcionários deram, assim, origem a uma série de programas incentivados de desligamento, iniciados logo após a privatização e continuados até a época da realização desta pesquisa, ou seja, desde 1996 até final de 1999. Entretanto, logo após a privatização e antes de qualquer plano de desligamento incentivado, a empresa demitiu sumariamente cerca de 340 empregados, sem direito a nenhum benefício adicional além dos estipulados em lei. Segundo depoimento de alguns entrevistados, tratava-se de funcionários com história de problemas na empresa. Cerca de uma semana mais tarde, a empresa lançou seu primeiro Plano de Desligamento Incentivado – PDI, oferecido, sem exceção, a todos os empregados da empresa. Há que se observar que, na opinião de algumas pessoas, a demissão sumária de 340 pessoas em prazo anterior ao lançamento do PDI teve como efeito um aumento no volume de adesões. O fato teria sinalizado a possibilidade de outras demissões, rompendo, assim, a 196 prática de não desligamento da época de estatal. Segundo as palavras de um gerente da área de Recursos Humanos: “Causou um impacto e quem ficou, ficou com medo. Ou eu aceito isso, que de repente eu estou levando algum dinheiro, ou quando acabar o programa... eles vão fazer o que fizeram com os outros lá: vão botar na rua. Então as pessoas aderiram em massa. Deu esses 4500 aí.” Assim, neste primeiro plano, todos os funcionários receberam uma carta comunicando o plano e informando os valores do incentivo monetário a ser recebido em caso de adesão, além de um formulário próprio para o requerimento de desligamento. Àqueles que assim desejassem, bastaria assinar o formulário e entregá-lo à chefia. A empresa reservava-se, entretanto, o direito de aceitar, ou não, o requerimento de adesão com “ponderação, a seu exclusivo critério, das necessidades e conveniências da Empresa.”76 A empresa circulou, também, um informativo no qual constavam as regras do plano e o oferecimento de incentivos financeiros e sociais. O prazo para a adesão foi de uma semana. Caso a meta estabelecida não fosse atingida, a empresa intencionava proceder a demissões, sem concessão de qualquer benefício adicional. O plano oferecia um incentivo monetário proporcional ao número de anos de trabalho na empresa e a continuidade do plano de saúde da empresa por mais 12 meses. Além disso, como a empresa patrocinava, junto com o sindicato, uma escola de primeiro grau, os empregados que tivessem filhos matriculados teriam a manutenção do estudo garantido até a conclusão do curso. Outro benefício referia-se ao fundo de pensão. Pelas regras vigentes, o empregado teria direito à complementação da aposentadoria aos 55 anos de idade. A partir dos 50 anos, porém, teria direito à complementação proporcional. Para os funcionários com mais de 50 anos, aos quais faltassem menos do que 60 meses para a aquisição do direito integral, a empresa pagaria a contribuição relativa às parcelas do empregador e do empregado ao fundo de pensão. Entre a adesão ao plano e os 55 anos, o empregado teria que viver de seus próprios recursos, sem direito a qualquer tipo de aporte ou auxílio do fundo de pensão. Para aqueles que tinham tempo suficiente para requerer aposentadoria junto ao INSS, a empresa colocou à disposição a sua estrutura administrativa e jurídica, de forma que bastava ao empregado entregar a sua documentação e a ServC cuidava dos trâmites burocráticos. A adesão a este primeiro plano foi da ordem de 4.000 pessoas o que obrigou a empresa a processar um alto volume de desligamentos em curto espaço de tempo, de forma que os prazos impostos pela legislação trabalhista não fossem ultrapassados. 76 Fonte: Comunicado interno da empresa 197 Com o intuito de auxiliar a continuidade da vida profissional dos optantes, a empresa disponibilizou um local de fácil acesso onde bancos montaram postos para o recebimento de aplicações e para a concessão de empréstimos e onde foram, também, ministradas palestras pelo Sebrae. Disponibilizaram-se, ainda, material sobre franchising e sobre empresas de recolocação de mão de obra, além de um breve manual ensinando a escrever um curriculum vitae: “Houve também uma preocupação quanto àquelas pessoas que tinham interesse em sair da empresa e montar seu próprio negócio... Tiveram alguns treinamentos junto ao Sebrae... Foi centrado nas pessoas com potencial de aposentadoria, já próximos da aposentadoria, ou aquelas que, por iniciativa própria, queriam sair da empresa e montar seu próprio negócio.” (funcionário de área administrativa) Ocorreu, no entanto, que o oferecimento de cursos não teve o sucesso desejado. Foi baixo o número de inscrições para os cursos oferecidos e mais baixo ainda o número real de participantes. Um gerente atribuiu esse fato à cultura existente anteriormente, que pouco estimulava o empreendedorismo dos funcionários. Encerrado este primeiro plano, outros foram oferecidos aos empregados, agora mais voltados àqueles com tempo ou idade para a aposentadoria. Assim, por exemplo, em 1997 ofereceu-se um programa possibilitando aos empregados que tivessem completado os requisitos para a aposentadoria junto à Previdência Oficial se desligarem em condições especiais. Este plano foi elaborado para um ajuste do quadro de pessoal tendo em vista atender pedidos de funcionários preocupados com a mudança a ser realizada pelo governo federal nas regras para a aposentadoria Nos anos de 1998 e de 1999, mais dois planos de incentivo à aposentadoria foram oferecidos. Ambos incluíam benefícios adicionais aos previstos pela leis trabalhistas. Se comparados, porém, com o primeiro plano de 1996, os programas seguintes ofereciam benefícios progressivamente menores. A ServC desligou entre 1996 e 1990 cerca de 45% do seu quadro de pessoal, passando de aproximadamente 11.000 empregados para 6.000 empregados. Admissões, todavia, foram realizadas e, em um único departamento, quase 1000 pessoas foram contratadas neste período. Há que se comentar, entretanto, que se na alta administração houve grande mudança com a entrada dos novos donos, em nível da média gerência quase não houve modificação. A maioria da camada média era composta de gerentes egressos do tempo de estatal. Assim, novas políticas e práticas tornaram-se de difícil implementação, uma vez que existia, na expressão de um gerente, um “colchão que amortece”: 198 “Você tem uma determinação lá de cima, os caras que pensam maravilhosamente bem, são instruídos pelas empresas de origem deles, são empresas de sucesso, trazem tudo para cá, mas chega aqui esbarra numa cultura corporativa muito grande, muito forte ao nível gerencial.... Então, não se trabalhou a cultura dessas pessoas. Eles não têm uma cultura de mudança, então é complicado fazer programas...” (gerente de área administrativa) As mudanças, entretanto, foram muitas: departamentos unificados, transferidos ou, mesmo, extintos, sendo muitas funções terceirizadas. Houve uma inversão de capital significativa em equipamentos e novas tecnologias. Um novo sistema de informática foi implantado na empresa, possibilitando a modernização do processo de trabalho em várias áreas. 6.2 Antes da Privatização: A ServC como Estatal Na percepção dos empregados a ServC, como empresa estatal, enfrentava uma série de dificuldades que impediam seu funcionamento efetivo. Do ponto de vista técnico e operacional, a empresa necessitava de aportes substanciais de capital para melhorar e expandir seus serviços. Do ponto de vista de recursos humanos, estava limitada na contratação de novos funcionários. Por outro lado, por ser empresa estatal, governada em parte por interesses políticos e, ainda, por conta da atuação de um forte sindicato, a empresa tinha dificuldades para dispensar os maus funcionários: “Ela não tinha uma cultura de desligamento. Para você desligar uma pessoa aqui, era melhor dar um tiro na cabeça, porque você não conseguia desligar ninguém, por força do sindicato, força política. Uma empresa estatal tem toda essa história.” (gerente de área administrativa) “Estatal para você ser mandado embora tem que fazer uma besteira muito grande, xingar o presidente, coisas desse tipo. Todo mundo tem sempre isso em mente. Você trabalhar normal, não precisa ser nenhum gênio, mas se você fizer o teu feijãozinho com arroz, você vai fazer. Ninguém, a princípio, ninguém era demitido. Nesse sentido, a menos que a besteira fosse muito grande.” (gerente de área operacional) “A empresa estatal tem uma série de regras e de coisas. Primeiro, você não consegue demitir....não tinha admissão, mas também não tinha demissão.” (gerente de área administrativa) 199 Além disso, segundo depoimentos, muitas pessoas eram indicadas para os cargos por uma questão política. “Antes da privatização, os cargos eram políticos. Então tinha uma conotação política no cargo. A área técnica não estava envolvida.” (gerente de área operacional) Esse caráter político de recursos humanos teria criado uma empresa “inchada”. Alguns setores estavam, em verdade, com excesso de pessoal, o que provocou, por sua vez, a ociosidade de muitos: “A gente conversando: ‘Está inchado. Passa por aí tem gente lendo jornal a torto e a direito. A gente está um pouquinho inchado’.” (gerente de área administrativa) “Eu não sei, eu não tenho condição de dizer qual é o número adequado de empregados que tem que ter na ServC. Mas tem um número e [este número] não é aquele do passado: 12.000. Não é aquilo, aquilo era um absurdo.” (gerente de área administrativa) Em função disso, achava-se que a valorização das pessoas que trabalhavam produtivamente ficava prejudicada, uma vez que se dava valor igual para todos, premiando até quem não trabalhava. Isso teria gerado uma falta de motivação para melhorar, já que não havia reconhecimento do esforço: “O valor que se dava era igual para todos. Se o cara trabalhasse ou não trabalhasse. O que não trabalhava era promovido. Isso é uma coisa louca. Isso acaba com o ser humano. Isso destrói o ser humano completamente. Aí nisso você destrói aqueles que, às vezes, se não estivessem passando por isso, teriam forças. Porque tem gente que não tem força para trabalhar mais, porque é tanta injustiça, que ele perde aquele negócio...” (gerente de área administrativa) Outra questão levantada referiu-se à divisão de trabalho. Um dos entrevistados indicou haver má distribuição da carga de trabalho, gerando excesso para alguns, enquanto outros faziam muito pouco. Alguns citaram a existência de cargos – como, por exemplo, o de secretárias e de contínuos - que terminaram por se mostrar obsoletos e foram ou eliminados ou ocupados por menos pessoas em função da implantação de ferramentas de informática: “Então, eu acho que a distribuição de tarefas ao longo do tempo era mal feita. Tinha pouca gente trabalhando de verdade e muita gente fazendo nada, trabalhando nas costas dos outros.” (gerente de área administrativa) 200 “Aqui nesse andar, cada gerente tinha uma secretária. Para quê? Para atender o telefone, passar a ligação, agendar uma reunião e datilografar uma carta. ... Para mandar [uma correspondência] você precisava do contínuo... o contínuo pegava o carro aqui e rodava toda a nossa região para pegar papel...” (gerente de área operacional) A organização hierárquica da empresa foi, também, objeto de crítica. Com vários níveis e com alta formalização da estrutura, as comunicações eram menos diretas, tornando o processo decisório menos ágil: “Eu não tinha o acesso que eu tenho hoje aos meus superiores hierárquicos... em vinte anos eu fui talvez a uma reunião com o diretor. Depois da privatização, eu já fui a várias. Com o superintendente é quase todo dia. Não era uma coisa normal. As coisas eram mais estanques. ...” (gerente de área operacional) Muitas dessas práticas foram alteradas com a liberação da sujeição à legislação específica que regia as empresas estatais e à influência política do governo. Antes porém que a nova direção assumisse, a ServC passou por uma fase na qual a privatização que se avizinhava assumia caráter ambivalente: de ameaça e de esperança. 6.3 Transição de Estatal para Privada 6.3.1 Representações da privatização Embora o Programa Nacional de Desestatização já estivesse em pleno andamento, a privatização foi considerada um processo inevitável apenas para alguns. A grande maioria dos funcionários operacionais não acreditava que o governo conseguisse concretizar o processo e a camada gerencial, por sua vez, dividia-se entre acreditar e não acreditar: “É igual a Aids, só se acredita que ela existe quando vem em alguém pertinho de mim. ... Acontece na casa dos outros, mas na minha não vai acontecer nunca.” (funcionária de área administrativa) “Foi uma época muito complicada. Você tinha algumas [pessoas] que absolutamente não acreditavam que era possível a ServC ser privatizada. Não acreditavam. Só passaram a acreditar quando ela foi vendida e, assim mesmo, ainda tinham expectativa de que aquilo pudesse ser revertido.” (gerente de área administrativa) Segundo os depoentes, o sindicato pouco atuou no sentido de esclarecer ou conscientizar os funcionários do processo em andamento. Ao adotar uma postura de 201 negação, perdeu, segundo a opinião de alguns, a oportunidade de esclarecer e preparar a base operacional da empresa: “... [o sindicato] adotou uma postura radical. ‘Não, não vai acontecer.’ E não se estruturou, não divulgou informação. ... Teve um dia em que rompeu o dique e a água entrou... Poderia ter havido um preparo maior. O clube que foi montado pelos empregados para comprar o seu quinhão de ação, foi montado pela presidência da ServC. Ao invés de ser um movimento do sindicato. ... O sindicato que podia ter feito, não fez. Ficou naquele negócio que o câncer só dá no vizinho, não dá aqui em casa. Eles poderiam ter preparado melhor o povo.” (gerente de área operacional) “O operacional não [acreditava] ... o sindicato teve um papel muito importante nesta história, porque ele não acreditou que o governo ia conseguir privatizar... O sindicato teve um papel muito importante porque ele não acreditava que se ia conseguir, e o governo conseguiu que se aprovasse a privatização.” (funcionário de área técnica) A privatização era fator ameaçador para grande parte dos funcionários, uma vez que, a exemplo da experiência de outras empresas anteriormente privatizadas, havia grande possibilidade de demissão em massa de funcionários. O grande temor, agravado ainda por boatos internos e mesmo reportagens na mídia, dizia respeito à possibilidade imediata de perda do emprego: “O que se espera numa privatização? ... O que eu pensava e o que – conversando com as pessoas de mesmo nível ou pessoas em geral – as pessoas pensavam? A ServC vai ser privatizada. ... Quando ela privatizar, o que vai acontecer quando o novo [dono] chegar? Vai passar a ripa, vai demitir todo mundo, vai demitir e vai fazer o capeta.” (gerente de área administrativa) “As pessoas [estavam] com medo, muito medo de desemprego. E do que viria aí pela frente.” (gerente de área administrativa). “Quando se considerou as outras privatizações, de repente chega lá e olha essa semana, não tem mais ninguém. Corta tantos porcento. Esse foi o histórico das privatizações.” (funcionário de área operacional) O cenário, em geral pessimista, originou ações e comportamentos diferenciados. Em busca de melhor qualificação e tentando prever a nacionalidade do comprador, muitos procuraram cursos de idiomas, acreditando que dominar o idioma do futuro dono seria uma forma de garantir o emprego. Na percepção de outros, iniciou-se um clima de competição, no qual as pessoas procuravam mostrar-se profissionalmente competentes como proteção contra uma possível demissão futura: 202 “Então começa a criar uma série de apreensões e desestabilizações nas pessoas, de forma a ser tornarem competitivas, a mostrarem o seu valor, coisa que não era necessária antes, na época de estatal. ... Mas o que passou, foram as pessoas disputando o mesmo lugar, porque sabia-se que ia ter redução de quadro... não tem lugar para todo mundo, a gente saiu de 12.000 para 6.000, metade.” (gerente de área operacional) “O que havia muito era pedido de curso de línguas. Porque se fosse comprado por americanos ou franceses, as pessoas queriam cursos de idiomas.” (gerente de área administrativa) Algumas chefias, conscientes das mudanças iminentes, começaram a alertar seus funcionários, não só quanto à possibilidade de demissão, mas também quanto a reestruturações que poderiam alterar a função de cada um dentro da empresa. Os próprios funcionários passaram a estimular seus colegas a procurar melhor qualificação: “Tem que se preparar. Sempre digo isso para meus colegas: vocês têm que se preparar. Porque não faz o curso assim? Vamos fazer o tal curso? ” (funcionário de área administrativa) “Então eu vinha alertando, em 96, quando a empresa privatizou, eu disse: olha, vou falar uma coisa para vocês. Vocês só têm emprego para dois anos. Vocês não, eu e vocês. Nós só temos emprego para mais dois anos. A nossa não é uma atividade da empresa que ganha dinheiro, é uma atividade meio. A empresa pode terceirizar, a empresa pode fazer o que ela quiser. Pode reduzir, pode descentralizar... Como é que você está hoje na empresa? O que você fez para a sua vida futura? Então você tem dois anos para correr atrás do que você quer na vida. Daqui a dois anos não vem me aporrinhar o juízo dizendo ‘eu fui mandado embora, e agora o que é que eu faço?’. ” (gerente de área administrativa) “Era engraçado porque, quando eu assumi a gerência em 93, a ServC já constava do Programa de Desestatização. E uma das coisas que eu conversei nas primeiras reuniões, foi que a gente tinha que começar a se preparar para a mudança. Nós íamos ter que deixar de ser aquelas pessoas que fazem tudo internamente, nós íamos ter que nos tornar consultores internos. Esse era o futuro.” (gerente de área administrativa) Para alguns, a perspectiva parece ter sido de otimismo. Cansados das políticas de empresa estatal, vislumbraram na empresa privatizada reconhecimento, valorização e melhor remuneração de pessoal: “Agora sobreviver, ah, quem sobreviver, empresa privada ganha bem, é reconhecido, vai ser avaliado o potencial de cada um, as pessoas vão ser recompensadas pelo trabalho.” (gerente de área administrativa) 203 “Um plano de carreira definido... na época a expectativa era essa. Vamos ter um plano de avaliação profissional... uma avaliação de desempenho formalizado... uma política de recursos humanos mais transparente”. (gerente de área operacional). Se a valorização do empregado era esperada, alguns expressaram a consciência de que a nova administração traria, da mesma forma, uma forte cobrança de desempenho e dedicação ao trabalho. Além disso, em casos de redução de pessoal, a melhor forma de garantir o espaço estaria não apenas em produzir mais, mas, igualmente, mostrar aos superiores ser seu desempenho melhor do que o do colega. Havia, assim, uma expectativa de continuidade, na empresa privada, do clima de competição ressaltado anteriormente: “...a imagem que as pessoas fazem da firma particular... como é que fica a firma particular? Quem produz tem lugar, quem não produz não tem. Então eu tenho que mostrar que eu produzo mais do que os outros. Isso é elementar na cabeças das pessoas. É uma coisa natural. Tem que produzir.” (gerente de área operacional) De acordo com as expectativas, a empresa, logo após ser privatizada, implementou uma série de programas de redução de pessoal. Sem o caráter de um ato de demissão unilateral, optou por realizar sucessivos planos de desligamento voluntário com concessão de uma série de benefícios financeiros e sociais. Realizou demissões sumárias apenas nos casos mais graves e, mesmo assim, em quantidade substancialmente menor, se comparado com o número de adesões aos planos de desligamento incentivado. 6.3.2 Programas de redução de pessoal no contexto de uma empresa recém privatizada Ao invés de um único plano de desligamento voluntário, a ServC optou por oferecer uma seqüência deles, sendo que no período de 1996 até a data da realização da pesquisa – julho de 1999 - pelo menos três planos foram implementados 6.3.2.1 Demissão sumária Logo após a privatização e cerca de uma semana antes de ser comunicado o primeiro Plano de Desligamento Incentivado – PDI, a ServC demitiu sumariamente cerca de 340 empregados. Tratava-se de pessoas que já tinham um histórico de problemas e dificuldades com a empresa e, na opinião dos entrevistados, foi um processo justo e 204 merecido. Formou-se quase que um consenso de que estas pessoas mereciam ser desligadas. “Uma semana antes da ServC implantar esse programa, ela pegou 340 casos e desligou sem direito a nenhum benefício. Fez a demissão sumária, mandou superintendente para a rua, mandou diretor para a rua, mandou funcionário, mandou embora. Pegou a carta entregou numa sexta-feira, ‘toma está demitido’. Acabou. E uma semana depois ela solta o programa de incentivo.” (gerente de área administrativa) “Mas sempre aquele pessoal que realmente é improdutivo. Que você vê que não tem como. Como diz o pessoal: ‘nem com ferrão’.” (funcionário de área administrativa) 6.3.3.2 Plano de desligamento incentivado - PDI O PDI foi o primeiro de uma série de planos implantados pela ServC. O presente estudo aprofundou-se, no entanto, apenas no primeiro deles, implantado cerca de dois meses após a privatização. Os demais foram considerados apenas naqueles aspectos relevantes para o entendimento do objetivo da pesquisa. 6.3.2.2.1 Razões para o plano Uma das razões mais mencionadas para o programa de redução de pessoal referiu-se ao quadro de pessoal envelhecido. Havia, então, segundo os entrevistados um contingente grande de pessoas com muitos anos de empresa que deveria ser desligado e havia, também, a necessidade de se oxigenar as idéias através da contratação de novas pessoas: “Tem muitas pessoas já com muito tempo de empresa, já com idade... um dos fatores que foi colocado é porque ela está com quadro envelhecido.” (funcionário de área administrativa) “Eu acho até que a ServC não era uma empresa tão inchada quanto muitas outras. Mas de qualquer forma tinha de haver. Muitas coisas podiam ser terceirizadas, muitas coisas podiam ser aprimoradas. Eles iam ter que colocar gente nova aqui, para trazer sangue novo para a empresa.” (gerente de área administrativa) Além desses motivos, outros justificaram o desligamento de funcionários, como as exigências, por parte dos novos acionistas, de maiores lucros e de corte de despesas, a necessidade de reestruturação organizacional, a necessidade de se atingir índices 205 cliente/empregados competitivos e a aquisição de tecnologias que poderiam dispensar parte da mão da obra. “Primeiro o dinheiro. Uma forma de você [aumentar o dinheiro] é reduzir o quadro. Você diminui a sua folha. Assim, você aumenta o seu lucro.” (gerente de área administrativa) “Renovar o quadro, otimizar. Acho que ela tinha muita dificuldade, uma estrutura muito grande, com muitos níveis hierárquicos. Então era um negócio muito complicado para atuar.” (funcionário de área administrativa) “A folha de pagamento é muito pesada. Muito pesada e eu acredito que tenha sido isso. É uma forma de reduzir custo para que se tenha uma rentabilidade maior. Nós tínhamos uma relação cliente/funcionário muito alta. Eles trouxeram o padrão de relação que existe na Europa e é um valor, uma taxa muito menor.” (funcionário de área administrativa) “Porque vai informatizando. O que dez faziam, dois podem perfeitamente continuar fazendo. Aí ficou estabelecido, com x empregados você pode continuar trabalhando normalmente”. (funcionário de área administrativa) A redução de pessoal foi esperada por conta dos exemplos de outras privatizações já realizadas no país e dos motivos anteriormente citados, pela percepção de que o quadro de funcionários poderia e deveria diminuir. “Nós esperávamos. Todos nós sabíamos que a empresa era muito grande, era um número excessivo de funcionários e nós sabíamos que isso ia ocorrer.” (funcionário de área operacional) 6.3.2.2.2 Razões para a adesão ao PDI Um dos grandes motivadores para a adesão parece ter sido a proximidade da aposentadoria. Boa parte dessas pessoas já tinha direito à complementação de aposentaria integral ou mesmo proporcional oferecida pela fundação de seguridade social associada à empresa. Para esses, o desligamento teria sido um bom negócio. Assim, a proximidade da aposentadoria proporcional ou integral funcionaria com um estímulo à adesão, uma vez que garantiria alguma renda. Acresce-se, ainda, o próprio cálculo do incentivo financeiro do plano77. Aqueles com maior tempo de empresa tinham um incentivo proporcionalmente maior, o parece ter funcionado, por sua vez, como reforço à adesão: 77 O cálculo do incentivo financeiro embutia um multiplicador que aumentava conforme o número de anos trabalhados. 206 “Ele ia receber acho que uns trezentos ou quatrocentos mil reais....para ele era um negócio da China! Um negócio da China! ... tinha mais tempo de ServC ... tinha um salário altíssimo, estava com cinqüenta e dois anos ou cinqüenta e três ... bastante próximo de fazer os cinqüenta e cinco, que era o que permitiria a aposentadoria...” (gerente de área administrativa) Em alguns casos, esta aposentadoria ocorria ainda com a pessoa muito jovem, uma vez que uma legislação específica sobre insalubridade garantia uma aposentadoria especial com apenas 25 anos de trabalho. Assim, alguns puderam se aposentar ainda bem jovens, a partir dos quarenta anos: “Muita gente podia se aposentar. ... Eram agraciados, na época, pela aposentadoria especial, 25 anos de trabalho. Como esse pessoal começa muito cedo, então o pessoal com 40, 42 anos, ou saía na proporcional, ou saía na integral.” (gerente de área operacional) A insegurança acerca do futuro parece ter sido, também, um forte motivador. Aderir ao plano garantiria, naquele momento, além dos benefícios previstos em lei, um incentivo financeiro e social adicional. Como havia uma expectativa de reestruturação da empresa, com muitas atividades a serem terceirizadas, aqueles que se encontravam em funções mais ameaçadas sentiram-se compelidos a desligar-se. Em outros casos, o montante a ser recebido em dinheiro - somadas as verbas rescisórias e o incentivo financeiro - apresentou-se bastante atrativo, permitindo às pessoas desde a quitação de dívidas até a abertura de negócio próprio: “Ao medo. Ao medo em boa parte e um pouco, evidentemente, a ver com algum dinheiro na mão e achar que aquele dinheiro tinha algum peso, porque estava sendo visto de uma vez só. Pessoas que nunca receberam aquela quantia de uma vez só, de repente, terem aquilo e acharem que era alguma coisa.” (gerente de área administrativa) “Muitas pessoas acharam que podiam ser ‘patrão de mim mesmo’. Essa foi uma coisa muito forte para os que saíram”. (funcionária de área administrativa) Em outros casos, pessoas que já tinham algum tipo de atividade paralela aproveitaram a situação para se desligar e continuar com sua atividade fora da empresa: “Você tinha a faixa do grupo que sabia que não ia dar para eles na empresa. Porque até eram pessoas que tinham atividades fora. Elas perceberam que o melhor era pegar o que tinha, que era uma oportunidade e foram.” (gerente de área administrativa) 207 A adesão ocorreu, também, por uma recomendação direta ou indireta da chefia. Um gerente relatou ter enviado recado para seus funcionários mais fracos, pois, antecipando uma forte cobrança de trabalho e de resultados por parte da nova administração, sabia que não teriam perfil para atender às novas demandas: “No nosso caso, teve pessoas que eu mandei recado. Outras eu dei pessoalmente, do tipo, ‘aproveite a chance e vai embora porque você não vai espaço na nova empresa privada’, por causa de desempenho, por causa de garra, por causa de perfil... Uma boa parte foi porque achava que queira ir mesmo, devia ir. Pega um dinheiro, sempre se acena com algum dinheiro e algumas pessoas estão sempre precisando de dinheiro.” (gerente de área operacional) Outro gerente, ainda, relatou que o medo da demissão era tamanho que mesmo pessoas competentes desligaram-se da empresa: “E, na ocasião, dos 12 funcionários, sete saíram na demissão incentivada. Ou seja, a divisão acabou. E não pensa que foram os funcionários, vamos dizer assim, os piores funcionários. A gente perdeu ali, na ocasião, três funcionários excelentes. E exatamente por acharem que, de repente, poderiam sofrer alguma sanção, acharam que seria a hora de procurar o mercado. E saíram.” (gerente de área operacional) Outro ainda, mais veemente, indicou ter a adesão involuntária criado um clima de terror dentro da empresa. Cada gerente havia recebido a ordem de diminuir seu quadro em dez porcento, o que teria forçado a recomendação de adesão aos piores funcionários. “Porque o clima era esse mesmo. Era: ou você aceita o PDI agora, ou você vai ser demitido depois sem nada. Era uma opção, entre aspas, mas era entendido mais como uma coação. ... Bom, você pega o PDI agora, se você não [pegar] agora você vai ser demitido depois sem ganhar nada. Era assim que a coisa funcionava. Era esse o terror.” (funcionário de área operacional) 6.3.2.2.3 Razões para a não adesão ao PDI O compromisso e o gosto pelo trabalho realizado, a esperança de uma empresa com novos desafios, impedimentos de ordem familiar e financeira, tempo para adquirir os mínimos direitos à aposentadoria e, mesmo, o adiamento de sonhos de abrir um empreendimento próprio foram as principais razões apontadas pelos entrevistados para a não adesão. Parte dos entrevistados indicou, ainda, o prazer pelo trabalho realizado como um dos fatores essenciais para a permanência na empresa: 208 “Não estava dentro das minhas expectativas. Eu não tinha condições de sair da ServC, não queria sair. Quando eu vim para cá, houve um investimento muito grande em cima, não só de mim mas, também, do grupo em que a gente trabalhava... A gente fazia aquilo com muito prazer, com muito gosto. ... Então em nenhum momento eu pensei em aderir. Eu falei, ‘O que eu vou fazer com todo esse conhecimento que eu adquiri?’ ”(funcionário de área administrativa) “Olha, eu estou com 53 anos, sempre trabalhei em ‘área osso’, estou acostumado com ‘osso’. Gosto do que eu faço, vou sair daqui, claramente falando, chutado. A hora em que chegarem para mim e disserem ‘Olha eu não te agüento mais”. Aí, então, eu vou sair daqui. Chutado no bom sentido da palavra, porque não vou me mumificar aqui e me planejo para sair, estou planejando, estou preparado para isso. Mas não estou querendo e não pretendo, não. Acho que ainda tenho muita coisa para construir. Vou na hora que os caras disserem: ‘Vai porque você já encheu’. Então aí eu vou.” (gerente de área operacional) Para outros, havia a expectativa de que a empresa privatizada ofereceria maiores oportunidades e desafios. Consideravam-se com o perfil adequado para o trabalho em uma empresa privada e não se viam ameaçados pela nova dinâmica de trabalho: “Eu [aderir]? Nunca! Agora que eu achava que ia ficar bom. Eu, nunca. Nunca passou isso pela minha cabeça. Eu achava que ia melhorar. ... Porque eu achava que eu era bom. Continuo achando. Eu nasci para trabalhar em empresa privada, num ritmo forte. Se tiver que tomar decisão rápida, pressionado o tempo todo, eu tinha o perfil.... Porque o meu perfil é de empresa privada. Nada me magoou neste processo, eu fiquei completamente à margem do processo.” (gerente de área administrativa) Por ser a ServC uma empresa com tradição de serviços essenciais prestados à população, empregados e gerentes tinham consciência da importância de sua atividade. O orgulho e a certeza da importância de seu trabalho transformaram-se em motivadores para a permanência na empresa: “E até porque a gente acreditava muito naquilo que a gente fazia e na organização que a gente tinha. ... Para você ter uma idéia, nós acreditávamos que a pessoa que chegasse, os controladores que chegassem, teriam um respeito muito grande, porque isso aqui é uma atividade complicadíssima... é uma atividade muito essencial, uma coisa fundamental. ... Nós acreditávamos ... que seríamos ouvidos.” (gerente de área operacional) 209 Uma das considerações mais freqüentes referiu-se ao tempo para a aposentadoria. Normalmente, quanto mais tempo faltasse para a pessoa se aposentar, menos ela levaria em consideração a opção de adesão78. “Não, não pensei em aderir ao plano. Eu estava bem colocada, permanecia com o interesse em continuar na empresa. ... Eu não tinha tempo para a aposentadoria, nem na proporcional. Talvez se eu tivesse tempo para me aposentar proporcionalmente, eu teria saído. Mas como eu não tinha, me interessou permanecer na empresa. Não fiquei preocupada.” (funcionária de área administrativa) Questões pessoais e de ordem familiar se apresentavam na hora de decidir pela adesão. Em um dos casos pesou o fato de o cônjuge trabalhar também para a ServC. A partir de uma análise da vulnerabilidade das respectivas funções, decidiram não aderir ao plano. “Olha, na época em que foi colocado, não vou dizer para você que eu não pensei. Mas foi um pensamento muito rápido. Eu pensei com uma preocupação, porque no meu caso particular, o meu marido também é da SerC. ... Trabalha numa área que provavelmente será terceirizada a médio prazo.... Então, eu fiquei muito preocupada, mas eu logo desisti porque eu pensei o seguinte: ele tinha mais chances, exatamente pelo tipo de atividade que ele fazia, de ser dispensado. E eu acho que pelo histórico de trabalho que eu tenho na ServC, eu com certeza não seria a pessoa a encabeçar qualquer lista de demissão. Um dia vai chegar a minha vez, com certeza, mas eu acho que antes que eu vá, ainda tem um bom número de pessoas para irem antes de mim. ” (gerente de área operacional) Um dos entrevistados relatou que uma discussão com a chefia quase o levou a aderir ao plano. Julgando, porém, que no futuro as coisas iriam se modificar, optou por ficar. “No PDI eu pensei uma única vez. Eu discuti com o meu chefe de departamento. ... O meu chefe de departamento fez algumas coisas que me irritaram profundamente. Então teve uma hora que eu disse ‘Mas o que é que estou fazendo aqui? Vou sair agora. Saio, acabou, vou procurar outra coisa’. Então pensei até em sair. ..Quer saber de uma coisa? Não vou assinar não, porque ele vai sair. Ele vai sair, ele vai sair. ... Demorou oito meses, depois do PDI, mas ele foi mandado embora. Eu disse ‘Ainda bem que eu não saí’. Foi a única vez.” (gerente de área administrativa). 78 Segundo as regras vigentes para se ter direito à complementação integral pelo fundo de pensão, um dos requisitos era que a pessoa tivesse pelo menos 55 anos de idade. A complementação proporcional seria concedida apenas a partir dos 50 anos de idade. 210 6.3.2.2.4 Clima organizacional durante o PDI O clima durante o plano foi de apreensão. Embora a adesão tivesse sido voluntária, muitos boatos circularam pela empresa e muita insegurança se fez presente. De forma geral, a dúvida referiu-se a duas alternativas que se apresentavam: (a) manter o emprego e correr o risco de ser demitido posteriormente, sem nenhum incentivo financeiro ou (b) aderir ao plano, recebendo incentivos financeiros e sociais, mas ficar sem o emprego: “Era voluntário, não era obrigatório. Por outro lado, ele achava que se ele saísse, aquilo ali não ia dar certo. Apesar de toda aquela conversa que foi passada, ele não estava a fim de se aposentar. Então ele ia ficar, mas ele também tinha medo de continuar e já estar na reta final e sair depois, perder aquela oportunidade. Foi criado todo um clima que deixou as pessoas meio complicadas. Foi meio difícil.” ( funcionário de área administrativa) “Na ocasião, o pessoal ficou muito preocupado, teve gente muito desolada, porque houve, assim, um boato de que a empresa mandaria pessoas embora. Quem não tinha, assim, um bom desempenho no trabalho, eles iriam aproveitar a oportunidade, mas foi tudo boato.” (funcionário de área administrativa) O clima de apreensão foi agravado, não apenas por rumores internos como também por notícias veiculadas pela mídia: “Essa fase de transição, porque o clima... não importava muito o que rolasse dentro da empresa, também vinha o que estava por fora. A mídia, toda a mídia escrita, falada... as projeções que eram feitas, a informação que chegava para todo mundo e os boatos sempre foram, nessa época, piores do que estava. ...Então pessoal estava muito aflito. ... O índice de apavoramento foi um negócio assim incrível.” (gerente de área operacional) Em pesquisa realizada pela empresa, cerca de dois meses após o encerramento do plano, e divulgada por informativo interno, conforme Tabela 13, as opiniões dos remanescentes acerca das demissões podem indicar como ficou o clima durante o plano e apontar a percepção que dele ficou. Segundo ainda o informativo, “na ServC sempre se teve consciência de que as demissões iam acontecer. Por isso ela se preocupou um criar o PDI, para amenizar os seus efeitos e retribuir a contribuição das pessoas que foram desligadas”. 211 TABELA 13 RESULTADOS DA PESQUISA DE OPINIÃO SOBRE O PROGRAMA DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO 90,7% 65,2% 74,8% dos pesquisados acham que o processo de redução de pessoal foi traumático pensam que isso era necessário para fortalecer a empresa e que o incentivo à demissão amenizou o impacto acham que os desligamentos foram feitos de forma fria e insensível Fonte: Comunicado interno da ServC 6.3.2.2.5 Papel do gerente no PDI No contexto de insegurança vivenciado naquela época, muitos funcionários teriam procurado conselhos com seus gerentes, tentando deles obter uma segurança de emprego. Cientes do potencial de seus empregados, limitados pela ética e incertos, também, de seu próprio futuro, dois gerentes informaram que procuraram sinalizar aos bons funcionários as possibilidades de crescimento e, aos demais, a pouca probabilidade de continuar na empresa: “Eu procurei ser bastante honesto das coisas que estavam acontecendo. Essa pessoas que eu achava que tinham o perfil, dentro da empresa, na nova empresa, vamos dizer assim, de chance grande de continuar e até de crescer, na minha maneira de ver, eu colocava isso para eles. Eu só não colocava o seguinte: que eu não podia efetivamente garantir que eles permaneceriam. Mas, pelo que eu conhecia deles, pelo que eu estava sentindo que era a postura da nova empresa, na minha ótica, eles tinham tudo para continuar. De qualquer jeito, essa decisão tinha que ser deles. Para os demais, para os que eu sabia que não teriam realmente nenhuma chance em qualquer redução que se tivesse que fazer, por menor que já fosse o quadro, eles com certeza não teriam chance de continuar, eu não falei isso para eles. Eu não sei se foi errado ou não. ... quando eles vinham comentar isso comigo, eu simplesmente colocava que a nova filosofia da empresa era isso, isso e isso e você tinha que fazer desse jeito e que cada um de nós tinha que decidir o que era melhor para nós. Quer dizer, eu demonstrava qual era a filosofia, tentando fazer com que eles próprios enxergassem que, de repente, naquele momento, para eles era melhor sair. Mas eu não falei isso em momento algum. Eu tentei demonstrar sem falar e no momento em que eles pediam ‘mas você me garante?’ Não, não posso garantir. Não sei nem se eu estou garantido.” (gerente de área operacional) 212 “Onde eu gerenciava a colocação que nós tivemos, eu e meus gerentes, foi essa: ‘Vamos ser sinceros com as pessoas’. Porque existe a possibilidade de ir e não ir. E não indo com isso [incentivos financeiros e sociais], pode ir sem isso amanhã. Então vamos passar isso para a pessoa, sobre o posicionamento dela. Pelo menos dentro da nossa expectativa. ‘Eu acho que você pode optar, entre ir ou ficar, você tem chance aqui, tá nos planos.’ Para outros você diz: ‘Olha no novo modelo, eu acho que talvez, se eu fosse você, optaria por sair agora ’.” (gerente de área operacional) Outro, por sua vez, entendeu o seu papel apenas como o de ouvinte, evitando qualquer tipo de sinalização quanto à probabilidade de permanecer ou não na empresa: “Eu não vejo nenhum motivo para bloquear [a saída] se a pessoa estava se sentindo ameaçada, ou achando que era um bom negócio. Até porque eu não podia garantir para nenhuma delas nada. ... Eu não podia passar essa decisão, tomar essa decisão pelos outros. O máximo que eu podia fazer era conversar com as pessoas.” (gerente de área administrativa) Outro, ainda, relatou a dificuldade de inibir a adesão de funcionários que a empresa considerava importantes. Como nada poderia garantir a permanência no emprego dessas pessoas, sentiu que bloquear sua saída seria uma atitude complicada: “A prerrogativa de não deixar aderir...é muito complicado numa hora dessas, porque quando uma pessoa, um bom empregado, diz que quer sair, que quer aproveitar aquele dinheiro, é muito complicado você chegar para ele... Você não pode garantir nada. Não podia nem garantir o meu cargo. ... Perdi alguns [bons funcionários], mas foram poucos. Eu posso dizer que a grande maioria era de pessoal mediano para baixo.” (gerente de área operacional) 6.3.2.2.6 Comunicação do PDI O plano foi amplamente comunicado, tanto por informativo interno, quanto por carta pessoal, recebida por todos, com os valores e benefícios a que teriam direito caso aderissem. Tinham, portanto, os funcionários, todas as informações necessárias para a decisão. A empresa colocou telefones internos à disposição para o esclarecimento de dúvidas: “Nos passaram a informação com um comunicado interno.... Aí nesse comunicado vinha explicando que a gente ia receber um contracheque no qual a gente ficava sabendo antecipadamente quanto tinha direito. Ele vinha em via dupla. ... E ali vinha tudo escrito bonitinho, quanto você tinha para receber e foi assim que foi notificado.” (funcionário de área operacional) 213 O prazo para a adesão de uma semana foi considerado por alguns um tempo muito pequeno, uma vez que envolvia decisões que modificavam radicalmente suas vidas. 6.3.2.2.7 Críticas e elogios ao PDI As ações empresariais podem ter os mais diversos julgamentos e, no caso dos planos de redução de pessoal, as interpretações foram, também, diversas. As percepções sobre o plano diferiram conforme a abordagem de análise da situação. Uma das críticas relatadas referiu-se ao pouco tempo que a nova direção tivera para elaborar o plano. Segundo um dos depoimentos, passados apenas dois ou três meses da privatização, a nova direção não teria tido tempo suficiente para conhecer a empresa e seus empregados. A prova desse erro seria o fato de que pessoas aderiram ao plano e tiveram que ser recontratadas depois: “Privatizou em maio. Aí foi aquele período angustiante, ninguém sabia, todo mundo desnorteado, porque eles efetivamente só chegaram em julho, agosto, por aí... E quando foi em outubro é que foi o PDI. O período que eles chegaram, de julho até outubro, foram três meses... Eu acho que poderia ter um tempo maior, até para eles conhecerem um pouco mais, porque na maneira como foi feito....aderiram ao PDI funcionários que fizeram falta depois,. ... tanto assim que estão recontratados.” (funcionário de área operacional) Talvez a crítica mais contundente, no entanto, tenha se referido aos critérios para a seleção das pessoas a serem incluídas nas listagens de computador. Para um dos gerentes, a listagem, ao invés de gerar cartas aos funcionários, deveria ter servido como instrumento de decisão do superintendente. Na mesma linha, outro gerente indicou que gostaria de ter escolhido as pessoas com base em desempenho e garra, por serem estes os valores da organização: “Eu diria que estamos sendo tratados como números... Tudo bem, tira uma listagem, manda para o superintendente, o superintendente analisa, chama as pessoas e analisa. Chega no chão de fábrica, analisa e vê: fulano vai, fulano não vai, fulano vai, fulano não vai. Ia demorar o quê? Três ou quatro dias a mais? O que se perdeu? Nada. Mas agora a gente perdeu um funcionário que era importante no processo, porque mandou duas vezes a mesma carta para ele.” (gerente de área operacional) “O ideal era a empresa chegar para mim: ‘tem que ser feito um plano’. Aí eu pergunto: ‘o que você quer reduzir? O que a empresa pretende?’ ‘Eu pretendo quinze porcento’. ‘Então deixa, eu vou botar a lupa aqui nos meus gerentes e vou tirar pessoas independentemente do tempo de casa’....Interessa 214 desempenho, interessa garra enfim. São os princípios e valores que a gente tem.” (gerente de área operacional) Outro ponto criticado referiu-se ao preparo de substitutos, principalmente daqueles cargos mais críticos para a organização. Não teria havido uma preocupação em preparar pessoas para assumir o trabalho daqueles que se desligaram. Essa questão foi ainda mais crucial no caso dos planos voluntários, pois pessoas importantes aderiram, sem que para elas houvesse substitutos: “A gente não é uma padaria, a gente não é um botequim que você tira qualquer pessoa que trabalha lá, bota uma plaqueta na porta e amanhã tem fila. Qualquer um que você pegar ali vai fazer, pode não fazer na mesma qualidade, mas vai fazer. O nosso não, tem área que a gente treina um técnico quatro ou cinco anos. Tem área nossa, que para o engenheiro pegar, para começar a fazer aquilo, ele passa por uma experiência de cinco anos. ...Então, se você faz um programa com vendas nos olhos, sem conhecer o campo e causando uma certa insegurança, vai aderir ao programa quem não devia aderir, quando o programa é voluntário.” (gerente de área administrativa) “Porque existem funcionários operacionais e existem funcionários que têm influência, não vou dizer que tenham influência na decisão, mas têm peso. São funcionários que trabalham com a cabeça. E para esses funcionários, eu acho que devia ser feito um tratamento, deixar por algum tempo... para absorver o serviço. Por exemplo, nesse mês, agora mesmo, recente, saiu um funcionário lá que trata de todo o trâmite de processos de compra de diversos componentes e especificação de equipamentos...Não deixou outro funcionário trabalhando com ele para poder pegar a bagagem e dar continuidade. Abruptamente cortou.” (funcionário de área operacional) Dentro da perspectiva de redução da idade média do quadro de funcionários, os relatos apontam para uma percepção de legitimidade do plano, pois ter-se-ia que dar oportunidade a pessoas mais novas do mercado de trabalho: “Porque, se você já está prestes a uma aposentadoria, é porque você já está realmente com uma idade de começar a pensar em descansar um pouco. Cuidar de netos e, também, dar a vez. Eu penso assim, se você está com tempo para se aposentar, você tem que sair para dar a vez para os mais novos trabalharem.” (funcionário de área administrativa) “Eu acho o seguinte: a vida está difícil, o mercado está cheio de gente nova querendo trabalhar. Tem uma legislação dizendo que a pessoa se aposenta com aquele tempo... o ser humano não pode pensar só nele não. Então tem que se aposentar. ... E as pessoas que estão lá fora, que não conseguem emprego com 22, 23 anos? Algum jeito tem que dar nisso aí.” (gerente de área administrativa) 215 No que se referiu à demissão sumária de alguns empregados, os depoimentos obtidos apontaram para o consenso de justiça. Foram vistas como merecidas e justas e deveriam ter sido realizadas há mais tempo. Apenas não o foram por razões políticas e por causa da cultura de não desligamento da época de estatal. “Essas pessoas [desligadas], o pessoal quando se reunia para um chope dizia: ‘Alguém passou as informações...’ Porque era de uma justiça quase que total, era uma unanimidade [que mereciam ser demitidas].” (gerente de área operacional) A sucessiva implementação de planos tornou-se um fato inquietante para aqueles que se aproximavam da idade de se aposentar. O recebimento das cartas gerava um desconforto em todos. Alguns, entretanto, consideraram receber “cartinha a toda hora” ser algo desrespeitoso para com o empregado. Para um dos entrevistados, os valores de aposentadoria informados na carta simbolizariam o valor que ele representaria para a companhia: “Bem o que estou valendo? Eu estou com 28 anos de empresa praticamente, não sou sócio fundador da Fundação, então por isso eu pago menos. Em contrapartida, vou receber menos, lógico. Eu estava valendo na época, nessa época, aí em junho, mil reais de INSS, não saía com mil e duzentos. Mais mil e pouquinho da Fundação. Então eu estava valendo dois mil reais. Guardei, está lá em casa guardadinho. ....É lógico que isso não diminui em nada o meu ritmo. Até pelo tempo que eu estou nisso, pelo tanto que eu trabalho, eu não vou gostar, meu ritmo, eu não diminuo. ... Você olha assim para a empresa com uma certa... Caramba! Está faltando respeito aí pela coisa.” (gerente de área operacional) De forma geral, entretanto, parece ter havido um entendimento de que a empresa respeitava os empregados e procurava ampará-los dentro do que era possível. Além de serem negociados com o sindicato, os planos procuraram evitar demissões, reduzindo o quadro através do desligamento de pessoas aposentáveis e, sempre, oferecendo algo além dos direitos previstos em lei: “Em nenhum momento, isso é um ponto que eu acho importante na ServC. Em nenhum momento ela faz as coisas para prejudicar ninguém. Ela não solta ninguém assim sem ter uma coisa direcionada. No primeiro plano ... fizemos um trabalho grande com o Sebrae. Proporcionando condições de fazer um curso para pessoas que queriam se realocar no mercado de trabalho, para abrir o seu próprio negócio. E a ServC fez um trabalho interessante com eles, para ajudar. Hoje quando ela faz esses planos, ela não faz nada assim da pessoa sair e ‘bum’, acabou. Ela sempre dá alguma coisa .. E as pessoas não têm, eu acho que não têm, motivo para reclamar; eu acho que não têm.” (funcionário de área administrativa) 216 “Olha, eu achei um plano bom. Eu não sei se foi um dos melhores, mas foi um plano bom. Para quem estava próximo da aposentadoria, eu acho que foi um prêmio, eu diria que foi um prêmio.... Então eu acho que, em termos de plano, foi bom.” (funcionário de área administrativa) 6.3.2.2.8 Funcionários que saíram no PDI Os relatos sobre a situação das pessoas que se desligaram versaram, via de regra, sobre o insucesso na abertura de novos negócios. A experiência de colegas que saíram da empresa, iniciaram seu próprios negócios e, depois, fracassaram, assustou aqueles que ficaram: “O dinheiro foi bom. O dinheiro do PDI foi bom. ... Ele saiu, comprou uma van. Acabou, torrou a van, perdeu. Está trabalhando em enterro. O que a gente percebe, também, é isso, a gente fica impressionado de ver, se metem em coisas que muitas vezes não dão certo.” (funcionário de área operacional) “Outro dia eu encontrei o Marcos. Ele abriu uma casa lotérica ... Está bem, está satisfeito. O que ele está ganhando está dando para ele viver, manter as crianças na escola, está se dando bem. Mas, de modo geral, isso não acontecia. De um modo geral, as pessoas se deram mal por falta deste preparo.” (funcionário de área operacional) Reconhecia-se que a própria cultura pregressa da empresa, pautada por relações hierárquicas e políticas, não havia estimulado o lado empreendedor de seus funcionários. “Então não se via no grupo espírito empreendedor, o indivíduo voltado para chegar e se estabelecer. ... Muita gente achava que podia abrir um restaurante, um negócio de pãozinho de queijo, uma coisinha disso e daquilo lá. Muitos colegas nossos abriram e fecharam.” (gerente de área administrativa) 6.3.2.3 Outros planos de desligamento A partir de 1996, novos planos de redução de pessoal foram implementados, todos incentivando o desligamento daqueles que já tinham condições de adquirir aposentadoria parcial ou integral. Essa freqüência de implementação de planos gerou nos empregados um desconforto com a proximidade da aposentadoria. A partir de critérios estabelecidos, emitia-se uma listagem de computador com o nome das pessoas que poderiam aderir aos planos. 217 “Daqui a pouco sou eu, eu não tenho dúvidas. Daqui a pouco sou eu. Tem várias pessoas aí assim: ‘Quando é que é o próximo plano? Quando chega a minha carta? Ou não vai ter carta? ....Eu diria que estamos sendo tratados como números. O computador lê lá, emite cartas para quem tem 55 anos.” (gerente de área operacional) No caso do último plano lançado pela empresa e acompanhado por este trabalho, uma característica diferente se apresentou: a adesão ao plano foi compulsória. Se antes a aposentadoria era opcional e o programa tinha o caráter de um incentivo, neste caso, não havia escolha: o desligamento era obrigatório, o que muito assustou funcionários e gerentes. Os primeiros, obviamente, pela obrigatoriedade de terminar um longo período de relacionamento com a empresa; os últimos, por perderem, em alguns casos, uma mão de obra considerada importante. Essa questão, aliás, foi de certa forma contornada por um mecanismo de troca. Os gerentes podiam reter 20% dessas pessoas listadas desde que oferecessem outras em troca. Este procedimento parece ter grande desconforto não apenas à gerência mas, também, àqueles escolhidos para ficar, pois sabiam que outros estava indo em seu lugar: “Como é que você se vê sendo trocado por outro? Mal, mal.” (gerente de área operacional) 6.4 Após a Privatização: Conseqüências do Programa de Redução de Pessoal Uma privatização, seguida de redução de cerca de 35% da força de trabalho, não se faz sem conseqüências para a empresa e para todos que nela permaneceram. As principais efeitos de toda essa mudança puderam ser sentidos através das novas práticas empresariais, da nova forma de trabalhar, da alteração do contrato psicológico, e da expectativa que as pessoas tinham do futuro. 6.4.1 Nova forma de trabalhar As demandas de rentabilidade por parte dos acionistas, a necessidade de atendimento com qualidade aos clientes, as exigências de órgãos reguladores, a reestruturação organizacional com significativa redução de pessoal e o investimento em novos equipamentos e tecnologias teriam demandado da empresa um dinamismo refletido sobre os empregados através de forte cobrança de resultados, aumento da carga de trabalho, adaptação a novas ferramentas de trabalho e cobrança de multifuncionalidade. 218 6.4.1.1 Alteração na quantidade de trabalho Uma das conseqüências mais evidentes encontrou-se no aumento da carga de trabalho. Em alguns setores, o contingente seria, já antes da redução de pessoal, insuficiente para a carga de trabalho. Com a adesão de pessoas ao plano de desligamento incentivado, essa situação ter-se-ia agravado ainda mais: “Porque a gente já tinha um quadro, até um quadro bastante defasado para as atribuições que a gente tem. As pessoas já cantavam, assobiavam e chupavam cana. E tiveram que passar a escovar os dentes juntos. Quer dizer, então, realmente, está sendo bastante complicado.” (gerente de área operacional) As novas exigências organizacionais, a reestruturação da organização e a dinamização da própria atividade teriam gerado, por conseqüência, o acúmulo de serviço. A facilidade de comunicação por correio eletrônico também teria ocasionado uma carga extra de dedicação. Longas horas de trabalho passaram a ser comuns para alguns setores e também para o nível gerencial: “Aqui eu recebo em média 20 a 30 e-mails por dia. Quando eu dou conta, tem mais de 100, tem 160 para eu poder abrir. É uma loucura você colocar aquilo em dia. Aí o que acontece? Tenho que vir sábado para ficar abrindo e dando prosseguimento aos assuntos.” (funcionário de área operacional) “Na parte de escritório você tem muita, mas muita gente trabalhando aqui até às nove horas da noite, dez horas da noite. Dias afim, sem qualquer tipo de coisa. Se te ligam e não te encontram, acham que é estranho. ‘Como não está? Oito horas da noite e já foi embora?’ Então tem esse tipo de coisa, que é uma mudança muito grande.” (gerente de área administrativa) “Isso permanece até hoje. Isso levou a um aumento de carga de trabalho enorme, muito grande. Ninguém consegue trabalhar oito horas. Quando eu digo ninguém, são os gerentes, não é o pessoal operacional. O pessoal operacional vai e trabalha se precisar, eles ganham a hora extra deles. ...O grupo de gerentes está muito sobrecarregado, bastante sobrecarregado.” (funcionário de área operacional) As conseqüências do aumento na carga de trabalho fizeram-se sentir na esfera do trabalho e em outras áreas da vida pessoal. Segundo o depoimento de alguns, a vida particular, principalmente a familiar, foi afetada pela nova dinâmica da empresa: “A gente trabalha o normal nosso para conseguir dar conta de muitas coisas e trabalha muito além do horário e isso prejudica o outro lado. Profissionalmente a gente se dá bastante, mas se você for olhar, está todo mundo deixando de lado uma série de coisas pessoais. Então, hoje pelo menos, por enquanto, as pessoas 219 ainda estão colocando o trabalho como uma coisa importante. Então, estão se dedicando a isso, mas deixando outras coisas de lado.” (gerente de área operacional) Algumas medidas buscaram equilibrar a maior demanda de trabalho com a drástica redução de pessoal. As principais ações organizacionais foram a contratação de serviços de terceiros e a implantação de ferramentas de informática. A tecnologia de micro informática, aliada a softwares modernos foi a ferramenta que permitiu, internamente, a racionalização das atividades não terceirizadas. Segundo um dos depoimentos, tamanho foi o aumento de produtividade que a ausência da grande massa de desligados quase não se fez sentir. Além disso, em alguns casos, antigos funcionários foram contratados temporariamente: “Uma coisa interessante é o seguinte: como é que a ServC perdeu 6.000 funcionários, 5.000 em um ano e continuou trabalhando? A gente entrou com processo de terceirização muito pesado.” (gerente de área operacional) “Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui uma secretária. Só o Notes. Eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi racionalizada por conta da tecnologia.... Tinha um trabalho muito grande aqui. Precisava de todas as pessoas mesmo. Só que, agora, você tem tudo ali, não precisa de muita gente mesmo. Você migra um arquivo do grande porte, trabalha numa planilha. Antes você tinha que trazer em papel, digitar. É um negócio complicado. Eu acho que a tecnologia foi realmente... Tecnologia, uma gerência, uma redefinição das tarefas, eu acho que foi fundamental para esses 4.000 ficarem quase que imperceptíveis.” (funcionário de área administrativa) A ação gerencial foi considerada, também, como fator alavancador de motivação e produtividade: “Como é que você continua? Gerenciando melhor. Eu diria que gerenciando melhor, distribuindo melhor as tarefas, premiando. Tem formas de você incentivar o empregado e fazer com que ele se supere. Claro, tem um limite.” (funcionário de área administrativa) “Ele tem que entender que o tempo dele vai mais ocupado com o trabalho e menos, talvez, no telefone, menos no almoço. Mas o gerente é que tem que provocar isso no empregado. Ele tem que ter essa capacidade de provocar isso, sem ameaça. Tem que ser sem ameaça, porque aí não há confiança.” (gerente de área administrativa) Do ponto de vista individual, uma das estratégias mais freqüentemente citadas para lidar com o aumento de tarefas foi rever o próprio processo de trabalho. Assim, funcionários 220 que assumiram a carga de duas ou três pessoas viram-se forçados a reavaliar os procedimentos e a buscar formas de racionalizar suas atividades: “A gente vive assim meio que sufocado de tanto trabalho. Mas por outro lado, isso não é tão ruim porque fez com que algumas pessoas começassem a pensar em determinadas coisas que eram feitas. Numa empresa grande com n funcionários alocados a um órgão, você tinha um funcionário só para arquivar, outro só para desarquivar, um para fazer o documento, outro para conferir o documento. Então, você imagina quantas pessoas não tinha. Então, é lógico, aquilo era fácil. Hoje, o que aconteceu? Saíram essas pessoas, reduzimos o quadro e aí as pessoas começaram a repensar aquelas atividades que eram feitas, o que gerou uma série de transformações dentro dos órgãos”. (funcionário de área administrativa) 6.4.1.2 Multifuncionalidade Era característica do trabalho na estatal, segundo percepção dos pesquisados, a extrema divisão do trabalho, com funcionários especializados em tarefas de escopo restrito. Uma nova mentalidade, centrada no aumento de produtividade e na ampliação de tarefas e responsabilidade, apoiadas por ferramental de informática, teria feito com que funções de escritório se tornassem desnecessárias ou, pelo menos, muito menos importantes. Assim, a multifuncionalidade teria afetado a base operacional e a camada gerencial, que se viu diante da necessidade de escrever cartas, atender telefone e agendar reuniões. “Por exemplo, aqui neste andar cada gerente tinha uma secretária. Para quê? Para atender o telefone, passar a ligação, agendar a reunião, datilografar uma carta. Hoje, a gente está com a Maria para quatro gerentes. Por quê? Porque você agenda a sua reunião no Notes, não existe mais correspondência interna. O próprio gerente vai no Notes e manda para lá, manda para cá e tal e resolve a situação toda ali. Não tem carta, carbono. Naquele tempo tinha. Quando eu entrei lá ainda tinha papel de seda e tinha um salão de secretárias para fazer carta. Um pool de secretárias. Hoje não tem mais isso.” (gerente de área operacional) 6.4.1.3 Comprometimento Se a cobrança, por parte da empresa, tornou-se mais forte, os entrevistados perceberam que, do lado do empregado, houve mais empenho no cumprimento das metas estabelecidas. Duas linhas de interpretação se apresentaram. Na primeira delas, supõe-se ter havido da parte do empregado a conscientização de que o sucesso da empresa dependeria do empenho de cada um: 221 “Eu vi muitas pessoas que não eram comprometidas, hoje estarem comprometidas. Isso já vem acontecendo, esse tipo de mudança. ...Hoje você vê as pessoas completamente comprometidas e na minha equipe aqui, eu acho que só dá para trabalhar se estiver comprometido.” (gerente de área administrativa) Na segunda linha de interpretação, sugeriu-se que o maior comprometimento derivaria do medo de ser mandado embora. Estando em uma nova cultura na qual a demissão passara a ser um fato possível, o empregado se esforçaria para não dar razões para o seu desligamento: “Eles estão trabalhando mais, se comprometendo mais. ... Porque acho que a partir do momento que você trabalhar menos e produzir menos, a empresa não vai querer contar mais com você no quadro. Ela precisa de um quadro de pessoas que estejam aptas, que estejam produzindo. Não de pessoas que não estejam produzindo. Se você não quer produzir, você fica em casa.” (funcionário de área administrativa) “Todos os níveis [estão comprometidos], mas eu diria mais no nível operacional. O empregado faltava, pegava uma licença, arranjada ou comprada ou falsa, sei lá, ficava em casa fazendo um bico, complementando o salário. Constatado várias vezes.... Agora isso acabou, pelo menos diminuiu. Empregados que usavam doenças, tipo psicológicas, estresse e depressão, era um negócio muito alto. Hoje tem, mas foi feita uma auditoria médica que reduziu em 98% os problemas graves de licença. ... A gente nota em determinados trabalhos que foram feitos, que havia um certo abuso. Essas pessoas hoje, com certeza, devem estar com medo.” (funcionário de área administrativa) 6.4.1.4 Dificuldade de adaptação às novas exigências A nova situação teria imposto aos empregados uma necessidade de adaptação que nem todos estavam preparados para acompanhar. Em algumas situações, o novo ritmo da empresa, a cobrança por maior produtividade, a necessidade de resultados rápidos não teriam encontrado respostas naqueles funcionários com hábitos formados ao longo de anos de trabalho na estatal: “Você dá tarefas e dá prazos e mostra na realidade o que você espera com aquela tarefa, a importância da tarefa, e a pessoa faz naquele ritmo que fazia há cinco ou seis anos atrás, sem se preocupar. E outras, que você mostra e diz: ‘Olha eu preciso disto para amanhã’ , e a pessoa antes do final do dia já está lhe entregando, preocupada se é exatamente aquilo, se precisa ainda fazer alguma alteração.” (gerente de área operacional) 222 “Então, isso mudou realmente. Hoje as pessoas, o nível de produtividade é outro, o nível de cobrança é outro. A gente está, cada vez mais, trabalhando com metas mais explícitas, quantificadas, cobradas e com responsabilidade... Algumas pessoas estão entendendo, outras, sinceramente falando, muitas das pessoas ficaram atrofiadas pela empresa, por anos de estatal, não têm mais condição de resposta.” (gerente de área operacional) Em outras situações, a dificuldade se relacionaria à adoção de novas tecnologias. Para alguns funcionários, computadores e ferramentas de informática transformaram-se em empecilho à realização das atividades. Alguns gerentes teriam sido obrigados a realizar remanejamentos internos em suas áreas de forma a suprir a carência de mão de obra mais qualificada e a não dispensar aqueles com maiores dificuldades: “A gente está com o SAP em RH. Quem vai fazer Recursos Humanos é o pessoal daqui. ... O Recursos Humanos enxugou e aí jogou a responsabilidade para cá e a gente teve que pegar pessoal aqui e treinar. Por exemplo, o Sr. Almir está com cinqüenta e poucos anos e não tem condições de eu treinar o Sr. Almir para fazer este tipo de serviço. Então a gente bota ele para fazer outro tipo de serviço. E aí a gente tem que substituir o que era e não se adaptou por um garoto novo que já nasce com esse processo. É duro. A privatização pegou aí o pessoal realmente...” (gerente de área operacional) Mesmo os funcionários mais capacitados apresentaram sua parcela de resistência. Na ausência de secretárias e contínuos, empregados mais graduados, teriam reagido à necessidade de executar tarefas de arquivamento, por considerá-las uma atividade menor: “Hoje, quando você diz para um engenheiro que ele tem que arquivar a carta que ele recebeu do cliente, ele fala assim: ‘Mas eu arquivar! Eu sou engenheiro!’ Como se dissesse assim: “Que absurdo, eu, engenheiro, arquivando papel...’ Então isso não é uma coisa ainda... À medida em que ele vai vendo que não tem ninguém para fazer, ele acaba fazendo.” (funcionário de área administrativa) Houve um reconhecimento de que a mudança viria apenas com o tempo. A informatização de uma série de atividades, a descentralização de outras, como a de Recursos Humanos, por exemplo, e a exigência de maior produtividade teriam passado a exercer pressão para a adaptação ao novo conteúdo e contexto de trabalho: “As pessoas ainda não têm aquela cultura de eliminação de papel. A gente tem n recursos, nós temos modem, temos intranet, mas as pessoas continuam enviando papéis por via de remessa.... Isso aí vai levar um tempo ainda para corrigir. Também não vamos querer em tão pouco tempo resolver todas essas coisas...” (funcionário de área administrativa) 223 6.4.1.5 Mais facilidade para se trabalhar A facilidade de trabalhar não se referiu apenas à agilidade nas decisões e na autonomia para o trabalho. Incluiu, igualmente, uma nova mentalidade e postura com relação a práticas e conceitos mais modernos de administração, como, por exemplo, o da qualidade. Segundo o relato de uma funcionária que, em época de estatal, trabalhava em um grupo para a implantação dos conceitos ligados à qualidade, a cultura da empresa estaria, após a privatização, mais propícia ao discurso e à aceitação destes programas: “Mudei de área, vim trabalhar na área comercial. Hoje estou aqui fazendo o mesmo trabalho que um dia eu esperei poder fazer, com muito mais facilidade. Hoje, na empresa privada, a gente consegue com muito mais facilidade, até porque, hoje, a cultura é essa... a cultura de qualidade tem que estar embutida em você.” (funcionário de área administrativa) 6.4.1.6 Procura pelo autodesenvolvimento As principais motivações para a procura pelo auto desenvolvimento deviam-se, conforme os depoimentos, à percepção de defasagem no conhecimento, à preocupação com a empregabilidade, à comparação com outros profissionais e mesmo à preocupação com a implantação de um novo plano de cargos e salários. Durante o período de empresa estatal, boa parte dos funcionários administrativos tinha apenas o segundo grau e não se interessava em continuar a estudar. Com uma certa estabilidade assegurada e sem pressão por parte da empresa para a atualização, não havia estímulo para o investimento no desenvolvimento próprio: “Classificando os administrativos, você verifica a maior parte terminou o segundo grau e parava. Cursos? Aqueles que a ServC passava, oferecia aos empregados. Mas aquele desenvolvimento por si só, de você mesmo procurar melhorar e ter novos conhecimentos, isso é um pouquinho difícil de você verificar a disponibilidade do próprio empregado, a não ser que a ServC mesmo oferecesse o curso.” (funcionário de área administrativa) Por atuarem em empresa estatal, limitada nas contratações de novos funcionários e serviços, os empregados da ServC tinham uma exposição limitada a novas metodologias e tecnologias de trabalho. Após a privatização, no âmbito do trabalho administrativo, por ter havido forte investimento em sistemas de informática, integrando vários processos da empresa, aqueles que não sabiam lidar com esta tecnologia, encontraram dificuldades em realizar seu trabalho. Teria se gerado, assim, necessidade e motivação para o aprendizado dessas ferramentas: 224 “Então, com essa informatização, com esses novos programas que a empresa vem comprando e vem colocando em prática, quer dizer, o trabalho que se fazia, não se pode fazer ... está tudo voltado para a informática. Então as pessoas se preocupam: ‘Se eu sair daqui, se a empresa não precisar mais dos meus serviços, o que eu vou fazer no mercado de trabalho aí fora’? Essa é a grande preocupação.” (funcionário de área administrativa) Paralelamente, a empresa estava estudando um novo plano de cargos e salários, que era, à época da pesquisa, ainda desconhecido das pessoas. Havia uma preocupação quanto ao enquadramento da própria qualificação nesse plano. A qualificação e o preparo individual eram também fatores de preocupação no caso de eventual desligamento da empresa. Havia consciência de que, no mercado altamente ofertante de mão de obra, a absorção de pessoas com apenas primeiro grau e segundo grau seria mais difícil: “A ServC está para colocar em prática um plano de cargos e salários....quer dizer, a gente não sabe ainda como está esse plano. Só determinadas pessoas têm acesso. ... Então, as pessoas também estão se preocupando: ‘Como está esse plano? Será que, de acordo com a nova ... a minha escolaridade vai se adequar?’ Então, é uma visão preocupante.” (funcionário de área administrativa) Além disso, com a contratação de novos profissionais e de consultorias, surgiram oportunidades de comparação da própria qualificação com a de pessoas vindas de fora e de aprendizado de novas técnicas e metodologias: “Hoje o empregado corre atrás. Está mais atento também a quem está entrando. Aqueles que entram são parâmetro de comparação e de estímulo. Pode ser ameaçador também e mobiliza a pessoa a buscar um espaço, acorda a pessoa para o momento que está vivendo.” (funcionário de área administrativa) “Então, eu tenho tido um crescimento. Eu acho que, de certa forma, eu tenho aprendido muita coisa e tenho tido de ter um contato diferente, novo, pois a ServC tem trabalhado muito com consultoria, ...é interessante conhecer essas metodologias, esse trabalho dessas pessoas. Eu tenho tido um crescimento profissional com isso.” (funcionário de área administrativa) As principais estratégias dos funcionários para melhorar sua qualificação foram, segundo os relatos, a procura por cursos oferecidos pela empresa, a troca de conhecimento com os colegas e a contratação, por conta própria, de professores e de cursos: “Esses que estão mais conscientes, e sentem essa mudança, você sente também que eles estão mais ávidos por aprender e crescer e se instruir. Fazer cursos e tal para desenvolver mais o seu potencial, ter um currículo melhor. Isso eu sinto. As pessoas vêm conversar nesse sentido: ‘será que eu vou ter chance de fazer 225 um curso assim e assim? Eu quero fazer desse jeito, mas não consigo, por exemplo, fazer um gráfico maravilhoso, porque eu não tenho muito conhecimento de Excel, o que eu sei, eu aprendi sozinho’. E não é só buscando curso no sentido de diploma só, não. No sentido, também, de procurar o colega que tem aquele conhecimento para tentar trocar e isso eu sinto muito aqui também.” (gerente de área operacional) “Atualmente até, eu tinha formado uma turma para a gente colocar o nosso inglês em prática. ... Arrumamos uma professora e contratamos com ela. No primeiro dia, a turma estava toda presente.... No segundo dia de aula, cada um tinha um problema: um com problema financeiro,... outro falou, ‘eu também estou com probleminha, fulano vai entrar de férias’... Aí finalizou que eu fiquei sozinha no curso.” (funcionário de área administrativa) 6.4.1.7 Consciência da situação do mercado de trabalho As questões relativas ao mercado de trabalho faziam parte das preocupações dos empregados da ServC. Diferentemente da situação tranqüila de estatal, monitoravam o ambiente e estavam conscientes das dificuldades de recolocação e do desemprego existente no país. As disponibilidades para a recolocação profissional diferiam, entretanto, segundo a qualificação e área de atuação do funcionário. Para algumas funções muitos específicas ligadas à atividade da empresa, o mercado de trabalho apresentava-se mais restrito. O mesmo acontecia para as funções administrativas, já que, neste caso, a informatização e a racionalização de procedimentos permitira às empresas a dispensa de muitos empregados da área. Para aquelas funções técnicas de segundo grau mais genéricas, havia uma grande demanda por mão de obra qualificada em função das várias privatizações no setor e mesmo da expansão de outros setores de serviço: “O desemprego hoje está muito grande, então as pessoas acabam se comprometendo e vestindo até mais a camisa, não só pela empresa em si, mas pelo fato de que sabe que, se perder esse emprego, o mercado está muito difícil. Por mais talentoso que você seja, não é só no seu talento que você tem que acreditar para sair daqui e conseguir uma coisa lá fora. Você até pode conseguir, mas aí o fator sorte também tem que estar muito agregado ao seu talento.” (gerente de área operacional) Por outro lado, com a desregulamentação do setor, algumas profissões começaram a ficar mais valorizadas no mercado. Segundo depoimento de um gerente da área de Recursos Humanos, os concorrentes poderiam tirar pessoas da ServC: 226 “Então já é uma categoria com mercado bastante dinâmico. A gente tem tomar cuidado com as investidas dos concorrentes que desejam tirar pessoas daqui. Então, engenheiros, da mesma forma. Evidentemente que o engenheiro especializado tem um mercado mais restrito. Na medida em que as empresas vão sendo privatizadas, fica muito mais dinâmico esse mercado.” 6.4.2 Novas práticas organizacionais As principais mudanças relatadas pelos funcionários referiram-se à cobrança de resultados, ao investimento realizado em novas tecnologias e equipamentos e à preocupação com o desenvolvimento de pessoal. 6.4.2.1 Cobrança de resultados A cobrança de resultados se fez presente em grande parcela dos depoimentos coletados. Os funcionários sentiram grande modificação na exigência da qualidade e rapidez com que resultados deveriam ser entregues. Para um dos entrevistados, não haveria mais lugar para justificativas e desculpas para trabalhos não realizados. Não completá-los seria uma ameaça ao emprego. Para outro, o ritmo mais intenso estaria sendo exigido mesmo daqueles que não tinham o trabalho, segundo palavras de um gerente, na “massa do sangue”. Para outro, ainda, a cobrança viria acompanhada de maior autonomia e responsabilidade: “E você tem que dar solução para as coisas e não tem muita maneira de correr com desculpas, justificativas... O que se tinha muito eram justificativas. A gente ia para uma reunião na estatal, as pessoas não percebiam que estavam justificando o tempo todo e hoje você não consegue começar. Se você começar a justificar alguém vai cortar você numa reunião.” (gerente de área administrativa) “As cobranças são maiores. Então, antes existiam as metas, existiam os resultados e tal, mas as pessoas algumas pessoas já trabalhavam num ritmo parecido, mas por ser característica das pessoas, não por ser exigência do empregador. Hoje mesmo quem não tinha isso, vamos dizer, na massa do sangue, está sendo forçado a fazer desse jeito porque tem que apresentar resultado. Você tem que mostrar e chegar aos resultados que eles esperam de você.” (gerente de área operacional) “Então eu vejo muito maior autonomia tanto no lado técnico quanto no lado gerencial. Eles querem ver resultado. Então eu contrato isso, contrato aquilo, 227 executo isso, executo aquilo, o problema é meu. Tem que ter resultado nisso aí.” (gerente de área operacional) 6.4.2.2 Investimento em novas tecnologias e equipamentos Redução de pessoal e contratação de novas tecnologias, notadamente aquelas poupadoras de mão de obra, são eventos que, via de regra, andam juntos. Na ServC, não foi diferente. Com o aporte de capital pelos novos donos foi possível a compra de modernos sistemas de informática e também de tecnologias que permitiram a automação de processos com grande redução de pessoal: “Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui uma secretária. Carta interna eu não recebo. Nunca mais eu recebi uma carta interna ... só o Notes. Eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi racionalizada por conta da tecnologia.” (funcionário de área administrativa) “Já tem centros de atendimento ... em que eu tenho equipamento automatizado e que esses centros operam... porque, se não, isso aqui era da ordem de setecentos, lá naquele passado que eu te disse, tinha mil [funcionários]. Então hoje tem quatrocentos e trinta e dois. .... Agora nessa primeira etapa eu caio de quatrocentos e trinta e dois para trezentos e vinte e quatro.” (gerente de área operacional) No entanto, a disponibilidade de capital para investimentos esbarrou em dois fatores que impediram o seu imediato aproveitamento. O primeiro ocorreu na área operacional: os fornecedores não tinham capacidade produtiva disponível para atender às encomendas inicialmente feitas pela ServC. O segundo fato ocorreu na área administrativa. Apesar da implantação de um moderno sistema de informática, a empresa deparou-se com a falta de cultura e experiência de uso destas ferramentas: “Os investimento eram baixíssimos porque o governo sabia que ia se desfazer da empresa. Esse ônus a gente pagou no ano passado...estava plantado há dez anos atrás. Não adianta o cara entrar [e dizer] ‘Eu vou botar [tantos milhões]’. Se ele botasse trezentos milhões não se conseguiria gastar. A gente gastou o limite. ... Inclusive a gente teve problemas de fornecimento de material, teve coisas que os fornecedores, o mercado não atendeu. Falou: ‘Infelizmente a gente não tem capacidade fabril de mandar para vocês, a gente está com o parque cheio’. ” (gerente de área operacional) “Há quatro anos atrás... quem tinha um micro era uma beleza. E, de repente, ... estou falando isso também para mostrar quais são as conseqüências da modernização da ferramenta ... A ServC investe ... vinte milhões de dólares, que faz toda a parte financeira, controladoria, materiais, recursos humanos, o SAP. 228 E, de repente, ... todo mundo tem acesso a um meio digital... Qual a dificuldade? Nós não tínhamos essa cultura na empresa ... então tem uma certa carência do pessoal voltado para essa parte da informatização.” (gerente de área operacional) 6.4.2.3 Desenvolvimento de pessoal O desenvolvimento de pessoal na época de estatal era uma atividade bastante restrita devido às limitações de gastos. Na nova empresa, por sua vez, houve preocupação em se realizar um grande investimento na melhoria da qualificação das pessoas, desde o nível mais baixo até o nível gerencial. O espectro de cursos era, igualmente, abrangente: desde o de informática até alguns tecnicamente mais específicos: “Existem três tipos de plano. Existe o treinamento de gerente, que é um treinamento gerencial. A própria empresa se encarrega de programar ... Existe o treinamento que é o treinamento de informática que é para todos os funcionários, para poder capacitar ... Hoje em dia você tem um micro praticamente na mesa de cada funcionário. Na época de estatal, nem pensar, era um micro para cada cem funcionários. ... Em função disso o pessoal teve que ser treinado. Houve um treinamento maciço em informática... E tem um treinamento, que é um treinamento voluntário. O engenheiro sabe que vai ter um curso sobre ...ele me procura, eu coordeno... eu controlo a verba disso.” (funcionário de área gerencial) “Eu cheguei aqui, quase ninguém tinha treinamento de informática. Eu botei todo mundo e depois o pessoal começou a entrar e depois a me pedir, eu preciso disso, eu preciso daquilo e eu fui na onda... Com tanto serviço para fazer. É por isso que eu digo que tudo tem solução: um monte de serviço para fazer e ainda consegui treinar um monte de gente.” (gerente de área administrativa) “Desses 136 eu coloquei 71 operadores de primeiro grau. Já mandei fazer um levantamento com eles, de quem está fazendo curso técnico, quem não está, justamente para ver o aproveitamento em outras carreiras e eles sabem disso. Uns estão estudando, outros que estão comigo como técnicos, nós estamos fazendo cursos de treinamento intensivo à noite. Quando é que estatal ia fazer isso sem pagar hora extra? Tem uma salinha ali de treinamento, eu contratei até um engenheiro nosso com experiência em determinada área de trabalho e ele está dando aula aí para o meu pessoal. É à noite, de seis às oito da noite, duas vezes por semana, três vezes...” (gerente de área operacional) Uma das dificuldades encontradas por algumas áreas referiu-se à adesão ao plano de desligamento daquelas pessoas mais bem preparadas. Como não havia uma previsão de 229 substituição, as pessoas que ficaram estavam despreparadas para assumir as novas funções: “O treinamento na estatal era muito restrito, até há um tempo. E, via de regra, na minha maneira de ver, saiu muito mais gente, vamos dizer um percentual muito grande de pessoas qualificadas nesses planos. Onde tinha ocorrido um investimento em cima da pessoa, essas pessoas saíram. Então, algumas pessoas que ficaram, não foram preparadas para assumir as posições em que estão hoje. Quer dizer, falta um treinamento maciço aí.” (gerente de área operacional) 6.4.3 Alteração no contrato psicológico Além das mudanças já mencionadas relativas ao conteúdo e contexto do trabalho, uma das principais conseqüências da série de planos de desligamento realizada pela ServC foi a alteração na segurança do emprego e na certeza da continuidade do trabalho até a aposentadoria. Egressos de uma empresa estatal, cujas práticas não consideravam a demissão de funcionários como fato normal da vida organizacional, os empregados tinham por expectativa sair da empresa apenas quando fosse época de se aposentar. Um funcionário relatou que, ao trocar oportunidades melhores no mercado de trabalho pela estabilidade oferecida pela ServC, sentia-se “pagando a conta”: “Eu tenho uma cultura de estatal... eu vim para a estatal por causa da estabilidade, eu não tenho dúvida disso. Eu trabalhava na.... me desfiz do outro lado e vim para cá. Por causa da estabilidade, não foi por outra coisa não. E tive ofertas de emprego, durante os anos dourado, para sair daqui e ganhar mais lá fora. Mas a estabilidade sempre foi um peso muito grande. Hoje eu estou pagando a conta de perder a estabilidade.” (funcionário de área operacional) Até há alguns anos atrás, empregados que já tinham mais do que o direito adquirido para requerer aposentadoria continuavam a trabalhar normalmente. Chegou-se a extremos de se ter funcionários que, com mais de 60 anos de empresa, ainda compareciam diariamente. A realização do PDI e de outros planos de incentivo à aposentadoria gerou uma mudança radical na expectativa de continuidade do trabalho. Os empregados, na nova fase, conscientizaram-se das mudanças e que, mais cedo ou mais tarde, teriam que deixar a empresa. Aqueles que se aproximavam do tempo necessário para atender aos requisitos mínimos de aposentadoria começaram a se preocupar com a vida futura, pois sabiam que, dentro da ServC, sua carreira estaria, muito provavelmente, encerrada. 230 Mesmo para aqueles que se consideravam competentes e produtivos, o horizonte de permanência na empresa alterou-se sobremaneira. Se antes não se preocupavam com a aposentadoria e a idade, precisavam, na nova situação, de preparar-se para o desligamento por tempo de serviço. A própria rotina da empresa de lançar sucessivos planos de incentivo à aposentadoria não permitia que os empregados se esquecessem deste fato. Alguns depoimentos mostram que certos empregados ficaram bastante incomodados com as cartas que recebiam. Uma certa ansiedade se formou antes mesmo de completarem o tempo para receber a primeira comunicação. “Para você ter uma idéia, nessa última relação... o computador pega todo mundo e eu já começo a fazer parte da lista do computador. É uma coisa gozada porque há alguns anos atrás eu não me importava muito com essas coisas, relatórios de aposentáveis. Agora, quando aparece, eu digo: ‘Ih, já estou chegando perto!’” (gerente de área operacional) Gerou-se, também, uma grande preocupação com a idade e o tempo de serviço. Por medo de revelar esses dados, o assunto teria virado, ao mesmo tempo, tabu e alvo de brincadeiras dentro da empresa. Segundo depoimento de um dos entrevistados, as piadas seriam uma forma de relaxar a tensão existente em torno do tema: “Uma característica do brasileiro é fazer ironia consigo mesmo. E o empregado da ServC faz isso com muita naturalidade. Então eles ironizam. Isso hoje já não é uma coisa doída não, isso hoje eles já levam na esportiva. Ficam assim: ‘Olha não confio em ninguém com mais de 45 anos. Não confio em ninguém com mais de 30 anos de serviço. Não confio em ninguém...’ Então isso virou, assim, quase que uma brincadeira. ‘Eu tô aqui hoje, mas não sei se estou amanhã...’. Quando não é assim eles falam: ‘Quantos anos você tem de serviço? Ah, agora ninguém mais quer dizer quanto tempo tem de serviço..’ Isso virou tabu aqui na empresa, ninguém mais quer dizer quanto tempo tem de serviço. ... Mas isso virou uma coisa de brincadeira.” (funcionária de área administrativa) “As pessoas têm pavor quando falam em idade. Pavor. Tem gente que fica escondendo a idade, escondendo tempo de serviço. ... É muito complicado.” (gerente de área administrativa) Alguns gerentes informaram terem se sentido no dever de conscientizar seus subordinados para a nova relação entre empresa e empregado. Teriam passado a conversar com seus funcionários, procurando esclarecer que a ServC não deveria mais ser vista como a empresa na qual as pessoas terminariam sua vida útil: “O que a gente está tentando é fazer ver aos funcionários que continuam trabalhando na ServC que eles tenham essa visão de que o emprego não é para 231 toda a vida. Ele é uma etapa da vida e se encerra e você ou tem que arranjar outro emprego, ou você realmente se aposenta.” (gerente de área operacional) Desempenho e produtividade seriam condições necessárias para a manutenção do emprego. Demitir não mais seria um tabu, um fato político a ser evitado a todo custo, como na época de estatal. As pessoas se convenceram de que seriam feitas cobranças e, se não atendidas, poderiam gerar punições. Um dos gerentes afirmou que, no seu caso, a relação passara a ser de interesse mútuo, pois a empresa precisava dele tanto quanto ele precisava da empresa: “A relação de mercado mudou. A empresa precisa de mim tanto quanto eu preciso dela. Se estiver bom para mim, ótimo, eu fico. Se não estiver, um abraço, eu vou embora. Vamos tentar o mercado. Não vou esperar que ela diga ‘não, obrigada’ para você e eu fiquei despreparado. Então a relação é aberta. ... Como empresa privada, a filosofia é essa. Eu estou saindo daqui hoje empregado, amanhã não sei se estou empregado. Por ser empresa privada, a facilidade de desligamento é muito grande. Mas não é cultura da empresa.” (gerente de área administrativa) “Eu vejo as pessoas muito inseguras... Sempre pensou que a ServC não ia mudar nunca. ‘Vou entrar na ServC e me aposentar’. Então era assim, antigamente entrava para a empresa e aquilo era ad eternum. Então isso acabou e agora a pessoa se preocupa. Não está tão certo, já fica duvidoso. ‘Por quanto tempo será que vou permanecer aqui? Será que a empresa vai trazer novos empregados, substituir os antigos?’ Então as pessoas ficam assim.” (funcionário de área administrativa) Além disso, a relação passava a ter um cunho mais profissional e menos sentimental, principalmente para os novos admitidos. Se, para grande parte dos antigos funcionários, a ligação com a ServC ainda seria muito afetiva, para alguns, notadamente para os recém-admitidos, a ligação teria passado a ser mais profissional e persistiria enquanto fosse do interesse de ambas as partes. “A relação deste novo funcionário não é mais afetiva como nos antigos. Ela é mais profissional com uma clareza maior para ambas as partes: empregado e empresa. Não tem mais aquela mistura.” (funcionário de área administrativa) As principais estratégias para garantir o emprego centraram-se em busca de aperfeiçoamento e em nova postura com relação a assiduidade, horário e comprometimento com o trabalho. Pessoas com o segundo grau incompleto procuraram terminá-lo, outros buscaram cursos de idiomas e outros, embora já com o terceiro grau completo, procuraram aperfeiçoamento em cursos de pós-graduação: 232 “Porque nós temos muitos colegas de trabalho... a gente vê o pessoal muito preocupado. Tem alguns que agora estão preocupadíssimos em tirar o segundo grau, um supletivo. ... Pelo menos as pessoas com quem eu trabalho, de 40 anos para cima, estão preocupadas, para poder se manter na ServC atual, que a ServC que está procurando pessoas com uma boa formação, com bons conhecimentos. Avisando isso. Para você permanecer na empresa, você tem que estar familiarizado com a nova imagem que a empresa está passando.” (funcionário de área administrativa) “Eu tive até algumas surpresas. Há três meses eu tive umas três ou quatro surpresas. Gente que está fazendo supletivo de segundo grau e eu não sabia. Pessoa que tinha o primário, entrou na ServC e ficou, ficou. De repente a pessoa [diz]: ‘Estou precisando dar uma fugidinha para estudar para a prova’. ‘Que prova?’ ‘Estou fazendo o supletivo, o meu segundo grau’. ‘Maravilha. ...’ Então eu tive essas surpresas, as pessoas estão se preparando e foram pessoas que eu não esperava. ... Tem gente que está fazendo curso de inglês. Por quê? A gente não tem mais emprego garantido. Embora a ServC seja bem soft, bem soft, as pessoas internamente estão dizendo: ‘eu não estou mais garantido’. Então, se eu não estou mais garantido, deixa eu correr atrás enquanto eu tenho dinheiro para pagar os cursos.” (gerente de área administrativa) Para algumas pessoas trabalhar até mais tarde e comprometer-se mais com os resultados seriam formas de garantir o desempenho, a produtividade e, por conseqüência, o emprego. Parte do medo de ficar desempregado originar-se-ia da dificuldade de se recolocar no mercado de trabalho: “Eu tenho certeza que as pessoas estão num novo contrato de trabalho. O contrato de trabalho formal, é o que você trabalha de 8h30min às 17h, que é o mesmo de antes. Mas o que acontecia antes é que as pessoas chegavam às 8h30min e saíam às 17h, hoje não. Tem alguma coisa pelo próprio trabalho e outra coisa pelo medo, as pessoas vão ficando.” (gerente de área administrativa) “Já vi muitos comentários: ‘O fulano não queria nada com a hora do Brasil, agora está ralando’. São os comentários que a gente escuta. ‘Quem te viu e quem te vê. Já viu fulano? Como está trabalhando? O que a gente não faz para manter o emprego?’ A pessoa sabe que está difícil arrumar, conseguir alguma coisa, uma colocação no mercado. Você vê tantas pessoas formadas procurando emprego e sem ter uma colocação. O pessoal começou a se preocupar. ... A visão atual é essa. As pessoas têm que trabalhar muito para continuar no seu emprego.” (funcionário de área administrativa) A cultura da empresa, no entanto, não era de demissão. Mesmo no PDI, as pessoas lotadas em seções a serem extintas não eram mandadas embora. Se não quisessem aderir 233 ao programa, deveriam encontrar uma posição em outro local da empresa. Assim, em muitos casos, pessoas que não entraram no PDI transferiram-se para outros órgãos. Desligar-se da empresa teria sido, para alguns, um processo extremamente doloroso. Muitas pessoas já haviam incorporado em sua rotina diária a ida para o trabalho e custaram a modificar este hábito. Muitos foram os relatos de pessoas que, mesmo tendo se aposentado, continuaram a freqüentar a empresa como se nada tivesse acontecido, exigindo das chefias medidas mais drásticas. “A ServC sempre teve uma longevidade muito grande no seu quadro. A gente chegou a ter empregados aqui com 60 anos de ServC. Sessenta anos de ServC, não queria ir embora, não queria ir embora. Essa pessoa até se aposentou ... e não saía da ServC. Entrou para uma associação aqui e ficava aí, vinha todo dia, de terno, direitinho. Então, a ServC tem muito isso. É uma empresa que prende muito.” (gerente de área administrativa) “Hoje nós temos aqui o Sr. José que tem 52 anos de ServC, temos o Sr. Mário, que é um outro gerente nosso que deve ter uns quarenta e poucos anos de ServC. Se ele quiser fazer uma negociação com a ServC, porque ele ainda tem aquele tempo antes de Fundo [FGTS], ele sai com uma grana legal e, se morrer, ele perde e a família não ganha. Mas, para ele, isso não o abala. Ele quer continuar trabalhando.... É a mesma coisa com o Sr. José aqui, inabalado. ‘Sr.José, vai para casa, pega o seu dinheiro’. ‘Não, meu filho, eu acordo, quero vir para cá’. ” (gerente de área operacional) “O Sr. Adilson, por exemplo, ele morava aqui no Lins, acordava às cinco horas, chegava lá as sete, sete e meia, lia o jornal dele e começava a trabalhar. Saía, tomava uma cervejinha e chegava em casa oito horas. Ele se aposentou, eu acho que a mulher só veio a saber que ele tinha se aposentado, três meses depois. Porque ele continuou fazendo exatamente as mesmas coisas durante três meses. Só que ele não entrava na ServC, ele ficava andando pela cidade. O pessoal, quando saía para almoçar ele ia e aí comia. Depois o pessoal achou ele no bar, bebendo de tarde e aí foram lá [e disseram]: ‘Vai para casa. Você já almoçou aqui com a gente’. ‘Mas eu estou esperando para tomar uma cervejinha no final da tarde’. ‘Não, vai para casa, depois você volta’... Eram vários. Nós estamos com um caso aí agora, que o Sebastião se aposentou agora.... Fomos aqui para a despedida. Ele está todo dia lá, senta na mesa dele e continua trabalhando. Eu disse: ‘ Não pode. Dá um jeito de tirar a mesa dele de lá’.... ‘Mas é porque eu deixei um trabalho aqui para fazer’. ... Porque senão ele não se desliga. Está aposentado.” (gerente de área operacional) 234 6.4.4 Necessidade de renovação do quadro À época do PDI, o tempo médio de trabalho na empresa era da ordem de 20 anos, um número considerado muito alto, principalmente levando-se em conta a atividade da empresa, que exigia de seus funcionários operacionais, além de esforço físico, cuidados especiais com a segurança. Assim, uma das preocupações dos novos acionistas concentrou-se em diminuir não apenas o contingente, mas também a idade média de seu quadro de funcionários: “Para você ter uma idéia, quando a ServC foi comprada, foi privatizada, ela tinha em torno de 20 anos de idade média [tempo de serviço na empresa]. Então é um negócio alto. Hoje está em torno de 16, 15, que ainda é uma coisa alta, mas é mais aceitável.” (funcionário de área administrativa) “A empresa atual, ela busca muito estar com a mão de obra mais nova, não com pessoas já de idade. Então, nós tínhamos antes da privatização, a nossa média de idade eu acho que ela variava em torno de 47 anos. Atualmente parece que está em torno de 39 anos.” (funcionária de área administrativa) Na busca por uma renovação do quadro, a empresa contratou novas pessoas. Entre os benefícios citados encontravam-se a renovação de idéias e a aquisição de novos conhecimentos. Teria havido, por outro lado, um temor de que essas novas pessoas viessem a tomar o lugar daqueles que já estavam na companhia há mais tempo. Teriam exercido, portanto, uma pressão psicológica, pois vinham muitas vezes com melhor formação e mais preparados para novas tecnologias: “Porque a ServC, assim como ela está reduzindo o quadro, ela também tem feito várias admissões. E essas admissões é de um pessoal novo no mercado, um pessoal recém-formado. Então, quer dizer, ela está oxigenando, está trazendo novos conhecimentos, pessoas novas. E a gente, o pessoal que está com um certo tempo de empresa, vai se sentindo pressionado.” (funcionário de área administrativa) Outra preocupação manifestada referiu-se ao preparo técnico dos recém-contratados. Havia, segundo a percepção de alguns, a necessidade de longo tempo de treinamento para que se pudessem absorver as peculiaridades de algumas funções. Como muitos estavam perto de se aposentar, havia que se preparar novas pessoas para assumirem essas responsabilidades: “O corpo está envelhecendo, mas não quer dizer que ele não esteja se atualizando. Eu hoje, para botar gente aqui, para trabalhar no ritmo que está se trabalhando aqui, eu acho que, com a qualidade técnica desse pessoal, eu acho que a gente leva uns cinco a seis anos para pegar um engenheiro recém formado [e preparar] ...” (gerente de área operacional) 235 “Dentro do que é a ótica da empresa, é um quadro envelhecido. Por exemplo, eu completo 25 anos de trabalho com 46 anos. Então com 44 anos, como eu estou agora, quer dizer já sou envelhecido, porque daqui a dois anos eu estou aposentado. Então tem mais é que treinar alguém para entrar no meu lugar.” (gerente de área operacional) Parece haver-se estabelecido, também, um entendimento tácito de que pessoas acima de certa idade não deveriam mais aspirar a crescimento na carreira na empresa. Assim, aqueles que não tivessem chegado aos 50 anos em cargo gerencial perderiam a expectativa de ser promovidos. Os que já estavam em cargo gerencial deveriam, por sua vez, preparar-se para a aposentadoria que se aproximava: “Quem está no cargo, permanece. Mas não é bem assim, porque você recebe algumas sinalizações que é melhor você sair da linha e pegar uma assessoria e tal e ir pensando na aposentadoria. A idéia é essa. Acima dos 50 anos, você deve ir pensando na aposentadoria ... Não é explícito, não. É pelo que a gente vê, ou seja, as pessoas que estão em cargo gerencial acima de 50 anos, elas já estavam antes e estão num processo de substituição. E não são muitos, não.” (gerente de área operacional) 6.5 Futuro A visão de futuro profissional incluiu perspectivas de curto e de longo prazo. Na visão de curto prazo, duas questões se apresentaram: o resultado que deveriam apresentar para a empresa e a proximidade da aposentadoria. Um dos entrevistados supôs que a continuidade na empresa dependeria de “fazer acontecer”: “Eu sou gerente...ou você decola, ou você ... sai da empresa... Eu acho que eu tenho uma sobrevida de três anos. Ou eu faço acontecer nos próximos três anos e, como mérito, eu subo, ou eu vou ser demitido.” (gerente de área operacional) Outros se preocupavam com obrigações familiares ainda pela frente e faziam cálculos de idade e probabilidades de continuar na empresa. Trabalhavam, mentalmente, com o conceito de vida útil dentro da empresa. Sabiam que a época de desligamento se aproximava: “Eu acho preocupante. Porque a nossa geração é uma geração onde as pessoas todas, vamos [dizer] assim, constituíram família com mais idade do que na época dos nossos pais....Então, hoje eu tenho 44 anos e meu filho mais velho tem 15. Quer dizer, daqui a três anos, quando eu for aposentável, ele vai estar entrando para a universidade, provavelmente. Quer dizer, é uma coisa preocupante.” (gerente de área operacional) 236 “E espero continuar pelo menos mais quatro anos. Minha filha se forma esse ano em medicina; medicina está ruim pra caramba. Vai fazer 24 anos. ...Meu filho está em engenharia, primeiro ano. Só tem mais quatro anos.... Agora, mais quatro anos eu vou estar com quanto? Cinqüenta e sete. Mas esse cara tem garra ainda, não tem dúvida não. Mas eu não acredito que vá muito além disso.” (gerente de área operacional) A vida depois da ServC também foi foco de reflexão. Alguns tinham já em mente atividades que poderiam exercer; para outros esse futuro era mais nebuloso. Preocupavam-se, portanto, com o destino que dariam às suas vidas depois de sair da empresa: “Eu gosto do que eu faço. Eu gosto muito do que eu faço... eu não consigo me ver sem estar fazendo este trabalho que eu faço. Não sei, é muito, muito complicado para mim. Eu sei que vai chegar o momento em que eu vou ter que pensar nisso. Já está chegando, mas eu não sei como é que eu vou resolver isso não. Por isso, nem passou pela minha cabeça aceitar o PDI. Não passou, não.” (funcionário de área administrativa) “Eu sou muito tranqüilo, quero dizer, com relação a isso. Eu gosto de dar aula, já dei 11 anos de aula em faculdade. Quer dizer, já estou até fazendo alguns contatos. Tem colegas meus que... nós temos oportunidade de abrir uma firma de consultoria...”(gerente de área operacional) Uma das considerações feitas por alguns dos entrevistados referiu-se à falta de preparo para o mercado de trabalho, ou mesmo para a aposentadoria. Este deveria ser um processo mais trabalhado, pois envolveria um redirecionamento da vida profissional e, mesmo, da vida particular: “Então isso as pessoas se preocupam: ’se eu sair daqui, se a empresa não precisar mais dos meus serviços, o que eu vou fazer no mercado de trabalho aí fora?’ Essa é a grande preocupação. Então, se você tem uma determinada formação, pelo menos você pode se voltar para aquela formação que você tem. Agora, quem não tem formação nenhuma, essa é que é a preocupação.” (funcionário de área administrativa) Alguns tinham ainda uma visão mais profissional da relação com a empresa. Não esperavam a aposentadoria, pois o desligamento poderia acontecer a qualquer hora, como um fato normal da vida: “Eu não vou sair para me aposentar. ... Se em dois anos eles quiserem que eu saia.... porque se eu recebo uma proposta, eu vou avaliar essa proposta e, se for interessante, eu saio e vou fazer outra coisa aí fora.” (funcionário de área administrativa). 237 7 ANÁLISE DE RESULTADOS 7.1 Análise do Processo do Downsizing no Contexto da Privatização Este item consolida e discute dados e percepções acerca do processo de downsizing nas três empresas pesquisadas. Os dados factuais referem-se, basicamente, às estratégias utilizadas pelas empresas para realizar a redução de pessoal, à comunicação do plano e às principais características dos programas do downsizing. As percepções referem-se às razões para o plano, às razões para a adesão ao plano, ao clima durante o plano, à forma de trabalhar, às práticas organizacionais, ao contrato psicológico e à construção do futuro. 7.1.1 Preparação para a privatização A questão da preparação para a privatização foi motivo de muitos comentários. Segundo as entrevistas realizadas, os únicos funcionários que se sentiram preparados para o processo de privatização foram os da ServA. A empresa realizou palestras, convidou pessoas de outras empresas e também consultores, procurando atingir não apenas as pessoas da sede, mas também aquelas lotadas em áreas mais distantes, onde o acesso à informação fosse mais difícil. Essa preparação parece ter ajudado os funcionários a pensar sobre seu futuro, sobre o que seria a vida profissional em uma empresa privatizada. As empresas ServB e ServC, por sua vez, de acordo com os relatos, pouco se preocuparam em preparar seus funcionários para o processo. As únicas ações relatadas foram de gerências que, individual e isoladamente, procuraram informar e alertar seus subordinados sobre as mudanças vindouras. Um ponto em comum, entretanto, pôde ser encontrado nas três empresas, conforme Tabela 14. Aqueles funcionários cientes das mudanças vindouras começaram a procurar cursos de idiomas, outros cursos externos e mesmo aprendizados diferentes dentro da própria empresa. Criou-se, portanto, segundo os depoimentos, um movimento de autodesenvolvimento com o objetivo de assegurar seu lugar no futuro. 238 TABELA 14 PREPARAÇÃO PARA A PRIVATIZAÇÃO SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS ServA Empresa estava presente nas localidades do interior do Estado para informar sobre a privatização, principalmente onde o acesso à informação era mais difícil ServB Empresa não preparou os funcionários para a privatização. Queixas foram feitas por não se saber o significado de pertencer a uma empresa privada Funcionários sabiam pela mídia impressa, sobre as idas e vindas do processo de privatização. Empresa ofereceu treinamento Funcionários se queixaram de e palestras com pessoas da falta de informação “concreta” iniciativa privada. por parte da administração Consultores foram chamados a mostrar o que aconteceu em empresas privatizadas Alguns gerentes conversaram Alguns gerentes conversaram com seus subordinados sobre a com seus subordinados sobre a privatização privatização Alguns gerentes sugeriram aos funcionários tentar se qualificar e realizar treinamentos enquanto ainda estivessem na estatal Alguns funcionários iniciaram Alguns funcionários procuram cursos de idiomas ampliar seu leque de conhecimentos dentro da empresa Alguns funcionário começaram a pensar em alternativas de sobrevivência fora da empresa. Psicólogos fizeram trabalhos com grupos sobre mudança ServC Empresa não preparou os funcionários para a privatização Funcionários sabiam pela mídia impressa, sobre os estudos de avaliação da empresa Alguns gerentes trouxeram pessoas de fora para falar sobre privatização Alguns gerentes conversaram com seus subordinados sobre a privatização Alguns funcionários iniciaram cursos de idiomas Algumas pessoas evitavam se preparar para a privatização, achando que pensar no evento contribuiria para o seu acontecimento. 239 O clima organizacional antes da privatização, por sua vez, ficou bastante conturbado nas três empresas pesquisadas (Tabela 15). Embora a ServA houvesse preparado seus empregados para esta realidade, as entrevistas indicam que, ainda assim, a insegurança permaneceu no dia-a-dia dos funcionários. Na ServB e na ServC, o clima não foi melhor. Na ServB, por exemplo, uma queixa freqüente referiu-se à falta de informação sobre o processo da privatização, estando os funcionários limitados àquelas notícias veiculadas pela mídia. Esta situação tem sido motivo de constante alerta por parte dos estudiosos (Feldman e Leana, 1989; Hauss, 1993; Illes, 1996; Smeltzer, 1992). Indicam alguns autores que a comunicação oficial de mudanças por parte da gerência seria fonte valiosa de auxílio no preparo dos funcionários para situações futuras, evitando, ainda, que perdessem a confiança na administração. TABELA 15 CLIMA ORGANIZACIONAL ANTES DA PRIVATIZAÇÃO SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS ServA Visita de pessoas estranhas, normalmente estrangeiros, à empresa Funcionários sentiam-se incertos quanto à nova filosofia de trabalho, quanto à entrada de novas pessoas, e quanto à adoção de novas tecnologias poupadoras de mão-de-obra Funcionários sentiam-se incertos quanto ao seu próprio emprego. Funcionários especulavam sobre as características de prováveis planos de redução de pessoal Temor de demissão em massa ServB A família se desgastava, junto com o funcionário, com a falta de informação Funcionários sentiam incerteza sobre o futuro, se seria bom ou ruim ServC Clima de ansiedade, originado pela falta de informação Alguns aderiram ao PDV com medo de não se adaptar à nova ordem Funcionários sentiam-se incertos quanto ao seu próprio emprego Disputa de poder. Muitos Pessoas disputavam o mesmo julgaram que as vagas futuras lugar. seriam escassas Boatos sobre o processo de Temor de ser despedido com a privatização e redução de privatização pessoal em outras empresas 240 Houve, ainda, na ServB e na ServC, relatos de início de disputa pelo poder. Sabedores que as vagas futuras seriam poucas, alguns funcionários teriam começado uma competição interna. É de se perguntar até que ponto a passagem de empresa estatal para empresa privatizada, sujeita a novas regras e à concorrência, como, por exemplo, a sobrevivência do mais forte, do mais competente e do mais preparado, não teria sido internalizada pelos empregados, transformando-se em uma corrida individual. Nessa situação, cada empregado estaria competindo com o colega ao lado e com todos os profissionais do mercado de trabalho. Em reforço a essa conjetura, há que se observar, ainda, a ausência de menções a posturas de solidariedade e de preocupação com os demais. Assim, a mesma preocupação que a empresa passara a ter no nível organizacional poderia ter passado para o nível individual. 7.1.2 Transição de estatal para privada Foram considerados nesta subitem as principais questões, nas três empresas estudadas, associadas à transição de empresa estatal para empresa privada. 7.1.2.1 Plano de Desligamento Incentivado – PDI Os principais pontos considerados para a análise foram as estratégias adotadas pelas empresas para a redução de pessoal, a comunicação dos planos e, também, as principais características dos planos. 7.1.2.1.1 Estratégias para a redução de pessoal Uma das primeiras questões que se apresentam na análise das estratégias escolhidas pelas empresas pesquisadas refere-se à limitação que lhes foi imposta, pelo edital de concessão. Possivelmente, para permitir que a força de trabalho desligada dispusesse um tempo para se readaptar e se recolocar no mercado, o governo incluiu nos editais, conforme indicado na Tabela 16, algumas condições específicas para a realização de redução de pessoal. Assim, por exemplo, no caso da ServA, qualquer desligamento em massa nos primeiros seis meses como privatizada deveria ser realizado na forma incentivada, com critérios a serem estabelecidos pela própria empresa. Após esse prazo, a empresa poderia proceder a demissões, pagando apenas os direitos previstos em lei. A ServB, por sua vez, deveria oferecer um programa de formação profissional para todos os demitidos sem justa causa no primeiro ano. No caso da ServC, não houve registro de limitações às ações de redução de pessoal. 241 TABELA 16 ESTRATÉGIAS PARA A REDUÇÃO DE PESSOAL Tipo de plano Edital de concessão Percentual de mãode-obra desligada no primeiro plano de redução ServA Desligamento voluntário ServB ServC Demissão incentivada Demissão de alguns seguido de desligamento voluntário Plano incentivado se Programa de incentivo houvesse demissão em à formação massa nos primeiros profissional durante 1 180 dias ano para todos aqueles desligados sem justa causa 20% 40% 35% a 40% As empresas realizaram, além da redução de pessoal propriamente dita, outras mudanças que incluíram reestruturações organizacionais com eliminação de níveis hierárquicos, fusões de departamentos, terceirização de funções, revisão no processo de trabalho, aquisição de novas tecnologias e modernização de equipamentos. Mesmo na área comportamental, as mudanças se fizeram presentes: cobrou-se uma atitude de comprometimento com o trabalho, com as metas e com questões antes distantes do diaa-dia da estatal como lucro, custos, clientes e concorrência. Seguem-se, nas Tabelas 17 e 18, as estratégias utilizadas pelas três empresas, respectivamente, segundo as taxonomias de Cameron, Freeman e Mishra (1991) e de Fleury (1997). Analisando-se o espectro das medidas tomadas pelas empresas em questão e lembrando de seu passado de empresa estatal, pode-se observar que adotaram não apenas aquelas estratégias de curto prazo mas também aquelas que a literatura sobre downsizing relaciona como de médio ou longo prazo, como o redesenho organizacional e a mudança sistêmica (Cameron., Freeman e Mishra, 1991) ou de racionalização e modernização (Fleury, 1997). 242 TABELA 17 ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELA EMPRESAS SEGUNDO TAXONOMIA DE CAMERON, FREEMAN E MISHRA (1991) Redução de pessoal (foco: eliminar pessoas) Redesenho organizacional (foco: eliminar trabalho) Sistêmico (foco: eliminar processos estabelecidos) ServA ✔ ServB ✔ ServC ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ TABELA 18 ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELA EMPRESAS SEGUNDO TAXONOMIA DE FLEURY (1997) Enxugamento (foco: reduzir despesas) Racionalização (foco: reduzir despesas e aumentar a eficiência) Modernização (foco: aumentar a capacitação através de melhorias de dimensões competitivas) ServA ✔ ServB ✔ ServC ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ Poder-se-ia considerar ter havido - dado que as empresas adotaram estratégias de todo o tipo - uma falta de foco nas escolhas das ações tomadas. Dois aspectos devem, todavia, ser considerados. Em primeiro lugar, segundo Cameron, Freeman e Mishra (1991), as empresas mais bem sucedidas nas implementações de programas de downsizing seriam aquelas que empreendessem ações consideradas duais e mesmo paradoxais. Também Fleury (1997) aponta casos de empresas que adotaram mais de uma estratégia de ajuste simultaneamente. Assim, tudo indica que a adoção de estratégias mistas pelas empresas estudadas não deve ser vista como falta de direção, mas como tentativa de lidar, ao mesmo tempo, com as questões mais fundamentais à sobrevivência de curto e de longo prazo e ao alcance da eficiência da empresa. 243 Em segundo lugar, não se pode esquecer que as empresas estudadas vieram, segundo os relatos obtidos, da condição de estatais, sendo limitadas: (a) na contratação e demissão de pessoal; (b) na realização de investimentos e (c) na execução de práticas voltadas para atender aos interesses do governo. Pode-se inferir que as empresas adquirentes, libertas das restrições anteriores e procurando tornar suas empresas mais eficientes no menor espaço de tempo possível, adotaram ações que pudessem alcançar os vários horizontes temporais – curto, médio e longo – e atacar, simultaneamente, problemas relativos a pessoas, trabalho, processos, despesas, eficiência e capacitação. 7.1.2.1.2 Comunicação dos planos Comparadas as ações das empresas (Tabela 19), nota-se, nos casos da ServA e da ServC, mais semelhanças do que dessemelhanças. A ServB diferencia-se totalmente por ter sido um plano de demissão realizado logo ao primeiro dia da nova gestão. Neste caso, por ter sido um plano de desligamento involuntário, planejado de forma a que as chefias diretas comunicassem a seus empregados, é provável que ações para a divulgação do plano e para o esclarecimento de dúvidas fossem menos necessárias, comparativamente aos casos da ServA e da ServC. Tendo em vista que as duas empresas ofereceram programas que incentivavam a adesão dos funcionários, é razoável supor que a comunicação procurasse: (a) utilizar meios de comunicação com ampla cobertura; (b) deixar claro os direitos de cada funcionário, tanto em termos legais quanto no que se referisse ao pacote de incentivos (c) abrisse canais para dúvidas. De acordo com o estudo de Smeltzer e Zener (1992), os primeiros sinais do downsizing não surgiriam com o anúncio oficial do plano. Eventos anteriores, indicam os autores, via de regra, sinalizariam aos empregados a possibilidade de reduções. No caso das empresas estudadas, de acordo com os depoimentos, a própria privatização funcionou como o evento sinalizador de mudanças e conseqüentes desligamentos. A redução de pessoal era algo esperado dos funcionários: sabiam que viria, apenas não sabiam quando e de que forma seria implantada79. A rede informal preocupava-se, segundo as entrevistas realizadas, mais com o tipo de plano a ser implantado do que propriamente com sua existência. Este fato é semelhante ao relatado por Smeltzer e Zener (1992) em sua pesquisa com empresas norte americanas. Além disso, nos casos da ServA e da ServC, houve um intervalo de meses entre a data da realização do leilão e a comunicação oficial do plano. É de se supor que, nesse ínterim, os funcionários estivessem aguardando – e comentando – o então futuro plano. 79 Veja-se o seguinte comentário de um funcionário de área administrativa da ServA: “a gente não sabia se vinha assim ou assado, mas que vinha, a gente sabia”. 244 TABELA 19 CARACTERÍSTICAS DA COMUNICAÇÃO DO PLANO ServA (plano de desligamento voluntário) Precedido de demissão sumária de cerca de 340 empregados Rede interna de computadores + comunicado impresso para cada funcionário Área de Recursos Humanos atendia a dúvidas Cartilha com principais dúvidas Departamentos e chefias faziam reuniões com subordinados Comunicação e rede de suporte informal Sem problemas com a imprensa local Boatos precederam o plano ServC (plano de desligamento voluntário) ServB (demissão) Informativo interno + carta Gerentes e supervisores pessoal aos funcionários comunicavam diretamente informando os valores a que aos funcionários teriam direito Telefones internos para esclarecimentos de dúvidas Informativo tirava as principais dúvidas Chefias faziam reuniões com subordinados Comunicação e rede de suporte informal Muitas notícias na mídia local Boatos precederam o plano Boatos precederam o plano No caso da ServA, especificamente, outro fato ajudou a alimentar a rede informal de comunicação. A empresa havia feito, antes do lançamento pela holding do PDI, uma avaliação de desempenho de seus funcionários, objetivando a redução de pessoal. A informação a respeito desse plano, no entanto, vazou para os funcionários e deu origem a uma série de boatos internos. Ao final, porém, o PDI tornou as demissões programadas desnecessárias. Outros aspectos merecem, também, ser comentados. Primeiro, em casos de privatização há uma mudança na composição acionária da empresa e, provavelmente, também na alta gerência80. Segundo, é igualmente razoável que a estrutura da empresa seja modificada com a entrada dos novos sócios. Diante deste quadro – novos acionistas e reestruturação iminente - pode-se considerar natural que os funcionários se sentissem incertos quanto às decisões da nova administração e utilizassem intensamente a rede informal como meio de comunicação. 80 Nos casos da ServA e da ServC, há que se lembrar que as gerências intermediárias quase não se alteraram, permanecendo composta por funcionários da antiga administração, ou seja, da época de estatal. 245 7.1.2.1.3 Características dos planos Consideram-se, para efeito desta análise, como características do programa os seguintes itens: tempo para a adesão (nos casos de programas voluntários), medidas em caso de não atingimento das metas (nos casos de programas voluntários), benefícios oferecidos (financeiro, social e previdenciário), critérios para a seleção e medidas de apoio aos desligados. Tempo para a adesão Nos dois casos de programas com caráter voluntário – ServA e ServC – o tempo para a adesão ao programa foi de cinco dias. Não há sentido falar-se deste tempo para a ServB, uma vez que se tratou de processo de demissão. A questão do tempo para a adesão não foi uma questão que tivesse surgido com ênfase nas entrevistas. Ainda assim, as opiniões foram divergentes. Olhando para a situação do empregado, alguns acharam pouco o tempo para decidir, uma vez que estaria se lidando com opções com implicações não apenas na vida profissional do empregado, mas também em sua vida pessoal e familiar. Outros, por sua vez, acharam que mais tempo tornaria o processo menos traumático, mas, ao mesmo tempo, mais estressante, pois a pessoa teria que conviver com a dúvida por um período mais longo. Na opinião de um entrevistado, isto tornaria a vida do empregado “um inferno”. Do ponto de vista da empresa, por sua vez, o tempo se justificaria, pois senão o empregado poderia desistir de aderir. Medidas em caso de não atingimento das metas previstas Tanto a ServA quanto a ServC, ao implantar seus programas, comunicaram a seus empregados que, em caso de não atingimento das metas previstas, a empresa poderia proceder a demissões após o encerramento do plano. No caso da ServA, entretanto, um estágio intermediário foi implementado. Após o fechamento do primeiro prazo para as adesões, a empresa procedeu a demissões aplicando um redutor de 30% no incentivo financeiro. Passados 180 dias da data da privatização, as demissões realizadas dariam direito apenas às indenizações previstas em lei. Observa-se, portanto, que em casos de planos voluntários, nos quais a empresa não tem controle sobre o número de adesões, parece haver a necessidade de se estabelecer medidas adicionais a serem tomadas no caso de não atingimento das metas. De fato, alguns autores (Tomasko,1990; Balkin, 1991) indicam serem estas medidas adotadas em algumas das empresas norte-americanas por eles pesquisadas. 246 Essas medidas foram interpretadas, em conformidade com o trabalho de Balkin (1991) e a reportagem de Pinheiro (1998), por alguns dos funcionários entrevistados como uma coação à adesão: “Era: ‘ou você aceita o PDI agora, ou você vai ser demitido depois sem nada’. Era uma opção entre aspas, mas era entendido como uma coação”. Critérios para o desligamento Os critérios utilizados pelas duas empresas que optaram por um programa de desligamento voluntário foram muitos semelhantes (Tabela 20). Serv A e ServC idealizaram planos abertos a todos os funcionários, oferecendo um incentivo proporcionalmente maior àqueles com mais tempo de empresa. Em ambas as empresas, houve casos de a gerência recomendar a adesão a alguns funcionários, alertando-os para os riscos de uma possível demissão posterior. No caso da ServA, que havia realizado pouco tempo antes do PDI uma avaliação de seus funcionários, a maior incidência de recomendações para a adesão recaiu sobre aqueles com as piores avaliações. Na opinião de um dos gerentes, este teria sido um procedimento correto, pois estas pessoas, além de não produzirem, prejudicavam, também, o dia-a-dia da empresa. A diferença mais marcante entre os dois planos voluntários referiu-se à decisão da ServA de aceitar todas as adesões, enquanto que a ServC reservou-se o direito de recusar o pedido de desligamento daqueles funcionários que considerasse indispensáveis. No caso da ServB, algumas demissões foram orientadas pela extinção de departamentos e redução do número de pessoas em determinados cargos. Para as outras áreas, delegouse ao gerente a seleção das pessoas. Assim, considerando-se a tipologia proposta por Tylcsak (1991), pode-se dizer que a ServA e a ServC optaram por critérios baseados na senioridade e a ServB utilizou-se de um misto de vários critérios, entre eles, produtividade, cargo e órgão funcional. No que se refere às percepções dos empregados com relação aos critérios ( Tabela 21), as maiores incidências de comentários ocorreram nos casos dos planos voluntários. No caso da ServB as maiores incidências de comentários ocorreram por parte dos gerentes encarregados de selecionar as pessoas a serem desligadas. Funcionários não responsáveis pelo processo de seleção pouco se manifestaram a respeito. 247 TABELA 20 CRITÉRIOS PARA O DESLIGAMENTO ServA Aberto a todos os funcionários Empresa optou por aceitar todos os pedidos de adesão. Incentivo financeiro proporcionalmente maior para empregados com mais tempo de casa. Algumas chefias recomendaram a adesão àqueles funcionários passíveis de serem demitidos posteriormente. ServB Não se aplica. Sem registro. Gerentes selecionaram seus piores funcionários. Os principais critérios relacionados foram: • Desempenho no passado; • Interesse pela empresa; • Comprometimento. Algumas áreas foram extintas e as respectivas pessoas foram desligadas. Alguns cargos sofreram cortes, havendo redução em seu efetivo. ServC Aberto a todos os funcionários Pessoas consideradas indispensáveis poderiam ter sua adesão recusada. Incentivo financeiro proporcionalmente maior para empregados com mais tempo de casa. Algumas chefias recomendaram a adesão àqueles funcionários passíveis de serem demitidos posteriormente. Uma possível razão para este fato poderia ser atribuída aos sentimentos negativos que rondam este tipo de redução de pessoal. Segundo Kets de Vries e Balazs (1997), seriam comum remanescentes terem que lidar com culpa, angústia, ansiedade e, mesmo, alívio. Assim, a escassez de depoimentos acerca dos critérios do plano, comparativamente à ServA e à ServC, podem indicar uma tentativa de evitar essas questões81. Outro aspecto também pode ser considerado. Como na ServB a lista de demitidos foi imposta aos empregados, os remanescentes talvez considerassem o evento uma fatalidade da vida, um fato sobre o qual não tinham nenhuma possibilidade de ação ou 81 A título de ilustração, um dos funcionários indicou sentir-se privilegiado por ter ficado, uma vez que colegas tão ou mais competentes do que ele teriam sido demitidos. “Eu sou até um privilegiado. Com todas essa mudança toda eu estou aqui com meu emprego, com atividades mais importantes, com um reconhecimento profissional melhor. Mas eu sinto também pelos colegas [que saíram]”. 248 influência. Essa atitude contrasta diametralmente com o comportamento dos funcionários nas duas empresas em que o plano foi voluntário. Nestas, as pessoas procuravam umas às outras em busca de opiniões e apoio para sua decisão, tendo havido casos de tentativa de influência sobre a decisão do outro. As principais críticas referem-se à falta de controle sobre as pessoas que saíram nos planos. De acordo com Kuzmits e Sussman (1988) e Tomasko (1991), esse seria um ponto negativo neste tipo de estratégia, o que se confirmou no depoimento de alguns dos entrevistados (Tabela 21). Para Balkin (1991), esta questão poderia ser contornada com um desenho correto dos incentivos, o que foi feito nos casos da ServA e da ServC, ao embutirem no desenho do plano um benefício financeiro proporcionalmente maior para aqueles com mais tempo de casa. O problemas parecem, no entanto, não terem sido completamente resolvidos. Tanto na ServA quanto na ServC, alguns gerentes indicaram ter perdido pessoas importantes no processo, que, em alguns casos, não puderam ser repostas. Na percepção de um dos gerentes, a seleção deveria ter sido delegada às chefias e, se não houvesse confiança em suas opções, que fossem demitidas82,83. No caso da ServA, por sua vez, a opção por aceitar todos os pedidos de desligamento, parece ter causado um “paradoxo” na cabeça de alguns gerentes, pois foram obrigados a recontratar pessoas que se haviam desligado no plano84. Para Schirato (1999), no entanto, programas de desligamento voluntário não existiriam, pois ao implantar um programa dessa ordem a empresa já teria, antecipadamente, decidido quantos e quais deveriam ser demitidos. Essas pessoas teriam apenas duas opções: sair com incentivo ou ser demitido depois sem nenhum benefício adicional. Por essa ótica de análise, pode-se dizer que, realmente, tanto na ServA quanto na ServC, havia um grupo de pessoas que já estavam, senão escolhidas formalmente, pelo menos em uma lista mental de seus gerentes. 82 Observe-se que esta estratégia recomendada por um dos gerentes da ServC foi exatamente a estratégia adotada pela ServB. Não se pode esquecer, porém, que a ServB passou por um período de transição em que, durante dois a três meses, gerentes da empresa adquirente e gerentes da estatal realizaram uma gestão conjunta. Este tempo deve ter possibilitado aos administradores da empresa adquirente conhecer os gerente da ServB. 83 A esse respeito, parece ter surgido na ServC uma questão acerca da confiança nas eventuais escolhas dos gerentes. Um deles, por exemplo, comentou, que o plano voluntário incentivando o desligamento dos mais senior seria a única forma possível de os novos gestores realizarem a redução de pessoal, pois não tinham como conhecer todos os gerentes em tão pouco tempo. 84 Segundo um dos gerentes entrevistados, essa questão não seria assim tão fácil de ser resolvida, pois se a empresa optasse por bloquear a saída de alguns, estes poderiam se sentir “injustiçados” e poderiam “mudar de atitude” com relação à empresa. Seria natural, prossegue o gerente em seu raciocínio, que a pessoa que tivesse o desligamento bloqueado exigisse uma compensação. Este raciocínio tem mais similaridade com as representações mais comuns de uma cultura de estatal, que procura “compensar” seus funcionários por eventuais prejuízos, do que com as representações da empresa privada, mais afeita ao simples cumprimento das leis trabalhistas. 249 TABELA 21 CRÍTICAS, ELOGIOS, ANSIEDADES E COMENTÁRIOS AOS CRITÉRIOS PARA O DESLIGAMENTO Críticas ServA Saíram tanto os “bons” quanto os “ruins” ServB Saída de algumas pessoas boas prejudicou o andamento do serviço Perdeu-se gente excelente que depois não se conseguiu repor Elogios O programa não devia ser voluntário – o gerente tinha que fazer a seleção; se não se confiava no gerente, que fosse demitido Algumas pessoas que aderiram foram recontratadas – isso seria um “paradoxo”. Em algumas áreas a adesão foi grande, havendo sobrecarga para os que ficaram. Era uma forma de a pessoa sair com um dinheiro a mais. Ansiedades ServC Saíram tanto os “bons” quanto os “ruins” Não deixar aderir era complicado Era certo os mais velhos saírem para dar espaço aos mais novos – era preciso renovar e oxigenar o quadro de pessoal Consciência de que, dentre tantos selecionados, algumas “injustiças” poderiam ter ocorrido. Avaliação foi muito por “sentimento”. Supervisor conversava com outras pessoas para se certificar das correção das decisões tomadas. Comentários Algumas pessoas foram incentivadas a aderir. Algumas pessoas foram incentivadas a aderir. Fácil indicar os funcionários “ruins”; mais difícil cortar os “bons”. Segundo a literatura especializada (Kuzmits e Sussman, 1988; Tomasko, 1990), a opção por um plano de desligamento voluntário seria vantajoso para a empresa, pois ajudaria a 250 preservar a sua imagem. Do ponto de vista do funcionário seria, também, positivo pois dar-lhe-ia espaço de escolha (Howard, 1988, Tomasko, 1990). Os depoimentos colhidos no presente estudo, no entanto, indicam que, para os gerentes, esta opção pode trazer problemas, pois seriam responsáveis por continuar seu trabalho, com uma equipe cuja composição, em grande parte, lhes teria fugido ao controle. Segundo Kuzmits e Sussman (1988), perder-se-ia, neste tipo de plano, de 10% a 20% de empregados que, de acordo com a preferência da gerência, deveriam ter ficado. Benefícios e apoio concedidos aos desligados Os benefícios oferecidos incluíram, conforme sistematizado na Tabela 22, basicamente três tipos de incentivos: monetários, sociais e previdenciários. Os incentivos financeiros, nas três empresas, foram calculados com base no número de anos que o empregado tinha na empresa. No caso da ServA e da ServC, que implementaram programas de adesão voluntária, o incentivo financeiro previsto foi proporcionalmente maior para aqueles com mais tempo de serviço, indicando, claramente, o interesse de que estas pessoas se desligassem. As empresas ServA e ServB relataram, também, o oferecimento de incentivo previdenciário. Assim, no caso da ServA facultou-se ao empregado continuar contribuindo – pagando a parte do empregador e do empregado - para a fundação de seguridade social até que as carências fossem atendidas. No caso da ServC, a empresa ofereceu-se para pagar a contribuição – parte do empregador e do empregado – àqueles com mais de 50 anos a quem faltassem menos de 60 meses para atingir o direito à suplementação. Além dos benefícios concedidos, as empresas preocuparam-se, ainda, com outros aspectos relativos à recolocação dos funcionários desligados. Todas as três empresas, por exemplo, fizeram parcerias com o Sebrae para ministrar cursos para a abertura de novos negócios. A ServB, por força de seu edital de concessão, fechou também parcerias com o Senai e Senac para a formação profissional de seus empregados desligados. A ServC, ainda, deu uma orientação para a confecção de currícula vitae e apoio para a criação de cooperativas de ex-funcionários. De acordo com DeWill, Trevino e Mollica (1998), os benefícios e apoio concedidos aos empregados desligados relacionam-se com a justiça distributiva do downsizing. Essa questão seria igualmente importante para os empregados remanescentes, pois, a partir das ações presentes da empresa, julgariam suas ações futuras. 251 TABELA 22 INCENTIVOS E APOIO OFERECIDOS NOS PLANOS DE DESLIGAMENTO Tipo de incentivo Incentivo financeiro Incentivo social ServA ServB Indenização proporcional Indenização proporcional ao tempo de serviço: ao tempo de serviço: • Até 15 anos = 0,3 • Cerca de 0,75 salários salários por ano por ano com limitadores • De 15 a 25 anos = 0,5 salários por ano • Acima de 25 anos = 0,6 salários por ano Manutenção da assistência Manutenção do plano de médica por mais 90 dias saúde por mais alguns meses Cesta básica que poderia ser convertida em dinheiro ServC Indenização proporcional ao tempo de serviço: • 20% do salário base mais adicional por tempo de serviço, computados de 0 a 4 anos • 30% de 5 a 9 anos • 40% de 10 a 14 anos • 50% de 14 a 19 anos • 60% a partir de 20 anos Plano de saúde por mais 12 meses Empregados e dependentes matriculados na escola patrocinada pela empresa junto com o sindicato: assegurada a manutenção até a conclusão do respectivo curso Incentivo Empregado pode Sem registro Empregados com idade previdenciário continuar a contribuir para igual ou superior a 50 o fundo de previdência anos de idade que faltar pagando a parte do 60 meses de tempo de empregador e do serviço para a aquisição empregado – até atender do direito de integralmente as carências suplementação da para a aposentadoria aposentadoria e que quiser permanecer vinculado ao fundo de previdência terá assegurado o pagamento pela ServC da parcela correspondente Apoio Programas de treinamento Programas de treinamento Programas de treinamento junto ao Sebrae. junto ao Sebrae junto ao Sebrae, Senac e 85 Orientação para a Senai . confecção de curriculum vitae e para a realização de entrevistas. Apoio para a criação de cooperativas de exfuncionários. 85 Dada à dispersão geográfica dos empregados, a empresa arcou com despesas de deslocamento e hotel. 252 Os estudos relativos à justiça distributiva merecem cautela ao serem transpostos para o caso de empresas privatizadas. Estas, ao menos no início da gestão, nos casos de demissão em massa, são obrigadas a oferecer algum tipo de indenização aos empregados desligados. Trata-se de imposição e não de opção. Por exemplo, no caso da ServA o edital de privatização previa um plano incentivado se houvesse demissão em massa nos primeiros seis meses. A partir daí, todas as demissões poderiam ser realizadas atendendo apenas à legislação trabalhista. Nada se pode inferir, portanto, acerca do oferecimento de novos planos incentivados ou mesmo acerca de benefícios adicionais. A ação passada da empresa não poderia, nestes casos, ser tomada como orientadora de ações futuras. O caso da ServB é, também, ilustrativo desta questão. Se, no primeiro ano da privatização, se ofereceu aos desligados ampla oportunidade de treinamento, com vistas à requalificação e recolocação, demissões posteriores não foram contempladas com tais benefícios. A ServC distingue-se das demais por ter oferecido uma seqüência de planos de desligamento incentivados. Se o primeiro plano foi aberto a todos os funcionários, os demais foram focados naqueles com mais tempo de empresa. O último plano oferecido, porém, considerada a data desta pesquisa, foi, em verdade, um programa de desligamento forçado. Houve, portanto, uma mudança importante neste aspecto: de voluntário passou a involuntário. Pode-se conjeturar que tal decisão tivesse sido tomada como medida para acelerar o desligamento daqueles funcionários mais seniores. Por fim, pode-se dizer que o oferecimento de pagamento de indenizações, extensão de benefícios e treinamentos adicionais, são, segundo Feldman e Leana (1989) e Mishra, Spreitzer e Mishra (1997), condizentes com as melhores práticas de implantação de programas de downsizing. 7.1.2.2 Razões para o PDI As razões para a adoção de o Plano de Desligamento Incentivado – PDI, encontram-se sistematizadas na Tabela 23. A preocupação com o meio-ambiente foi expressa, como fator motivador para a redução de pessoal, por funcionários da ServA e da ServC. No caso da ServA, há que se lembrar que a empresa estava prestes a enfrentar concorrência acirrada em seu mercado, perdendo a sua condição de monopolista. A percepção de um ambiente de concorrência mais agressivo fez-se presente em vários momentos das entrevistas e seria razoável, portanto, que reduções de pessoal com vistas a tornar a empresa mais enxuta e mais competitiva estivessem no elenco de justificativas de seus empregados. 253 No caso da ServC, o atingimento de um índice ideal, em verdade, procurava fazer com que a empresa se igualasse às melhores no mercado internacional, segundo informações dos empregados. Esses índices foram obtidos através de estudos de empresas de consultoria à época da privatização. Deve-se observar, porém, que a ótica colocada pelos funcionários referiu-se apenas ao atingimento de um patamar de eficiência ideal, sem referência à concorrência, como ocorreu no caso da ServA. Tal fato se justifica pois, em 1996, quando a ServC implementou o plano de redução de pessoal, a ameaça da concorrência ainda não se afigurava como um cenário próximo. Assim, embora no caso da ServA e da ServC adotar padrões externos como referência de eficiência fossem razões para a redução de pessoal, a interpretação dada a esse mesmo fato diferiu em cada uma das empresas. As preocupações com as tecnologias como ferramentas de informática (SAP, Notes ou outros) ou mesmo a automação de processos produtivos foram razões citadas por empregados da ServB e da ServC. Tendo-se um vista a situação da ServA como empresa estatal produtiva e moderna, é razoável que seus funcionários não tenham citado a aquisição de novas tecnologias como uma razão para o downsizing. No caso da ServC e mais fortemente da ServB, uma das reclamações dos funcionários referia-se à falta de modernidade e deterioração do patrimônio da estatal. Assim, é natural que investimentos nesta área adquirissem proeminência, na ótica dos empregados, dentre as razões para a redução de pessoal. Por outro lado, sendo a ServA um benchmark tanto na área operacional quanto na área gerencial, seria natural que esse fator não fosse preponderante na eliminação de postos de trabalho. Questões como aumento dos lucros e diminuição dos custos estiveram presentes nas interpretações dos funcionários das três empresas. Em verdade, para eles, a lógica da empresa privada era gerida pela procura do lucro o que, por si só, justificaria as medidas para a redução de pessoal. A questão do oferecimento de um plano de redução de pessoal, como ação de responsabilidade social que permitiria às pessoas saírem da empresa com “um algo a mais”, esteve presente apenas nas entrevistas realizadas na ServA, o que se coaduna com a imagem positiva que os empregados tinham da empresa na época de estatal, como uma empresa preocupada com o bem-estar de seus empregados. A preocupação com a estrutura organizacional foi relatada por empregados da ServB e da ServC. A ServB, por ter adquirido a concessão para a operação nos Estados do sul do país, encontrou duplicidade de funções o que teria gerado a necessidade de fechamento de determinadas área e a concentração das mesmas na sede da empresa. Assim, é natural que a reestruturação organizacional estivesse na mente das pessoas entrevistadas, notadamente daquelas que se encontravam nos Estados fora da matriz. 254 Tabela 23 RAZÕES PARA A ADOÇÃO DOS PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL SEGUNDO PERCEPÇÃO DE SEUS FUNCIONÁRIOS ServA Preocupação com o meio ambiente (concorrência / benchmark) Preocupação com o meio ambiente (tecnologia) Preocupação com a lucratividade Responsabilidade social ServB ServC Necessidade de atingir o índice cliente/funcionário tomado como benchmark Novas tecnologias Novas tecnologias Aumento nos lucros Aumento nos lucros Aumento nos lucros Redução de custos Beneficiar as pessoas, proporcionando uma oportunidade para saírem com um adicional Redução de custos Redução de custos Tornar-se uma empresa preparada para a competição Preocupação com a estrutura organizacional Necessidade de eliminar duplicidades de órgãos Terceirização de atividades Preocupação com o quadro de pessoal Quadro “inchado” Oxigenação do quadro Quadro “inchado” Terceirização de atividades Redução da idade média dos funcionários Oxigenação do quadro Quadro “inchado” A terceirização de atividades foi lembrada por funcionários da ServB e da ServC. Ambas empresas terceirizaram grande parte de sua atividade de manutenção o que justifica a lembrança. Embora tal fato tenha ocorrido também na ServA, não foram encontradas razões que pudessem indicar a ausência desta justificativa nos relatos de seus empregados. Aspectos diferentes relativos ao quadro de pessoal estiveram presentes nos relatos dos funcionários das três empresas. O problema de redução da idade média dos funcionários, embora presente nas três empresas, surgiu apenas na ServC. Uma explicação pode ser encontrada na seqüência de planos de desligamentos implementados pela empresa. Como o PDI foi apenas o primeiro de uma série de planos para incentivar a aposentadoria, é natural que, em uma visão retrospectiva, os 255 funcionários considerassem o quadro envelhecido como uma razão para o desligamento. Fica em aberto, todavia, a pergunta se este fator estaria presente caso este estudo tivesse sido realizado em 1996, quando ocorreu o primeiro plano. No que se refere ao item oxigenação do quadro, no caso da ServB, os funcionários consideravam a empresa estatal razoavelmente impermeável ao meio ambiente. Assim, o quadro de funcionários pouco estava exposto a novas idéias e práticas de outras empresas. No caso da ServC, a necessidade de oxigenação ocorreu, segundo a percepção de seus funcionários, pelo fato de estar com um quadro envelhecido e, portanto, também menos disposto a novidades e, ainda, pelo fato de que pouco se investiu no treinamento e desenvolvimento de sua mão-de-obra. Tomando-se, ainda, por base as considerações feitas pelos empregados da ServB e da ServC, pode-se inferir que a questão de oxigenação do quadro não surgiu como razão para os funcionários da ServA pelo fato de a empresa ter investido muito na formação de pessoal, inclusive criando capacitações não existentes no mercado. Assim, a ServA era, em verdade, uma referência na região e a necessidade de oxigenação não teria, dentro desta perspectiva, razão de ser. Por fim, a existência de um quadro “inchado” foi relatada como item motivador dos desligamentos nos três casos. Considerando-se que todas as empresas relataram a gestão de recursos humanos voltada para interesses políticos e a dificuldade para se demitir, como práticas comuns na estatal, pode-se inferir uma percepção coerente com o relato da história das empresas. Observando-se as justificativas atribuídas pelos entrevistados, percebe-se um elenco de racionalizações ligadas à produtividade e competitividade típicas do discurso da empresa privada. Não foram relatadas posições contrárias ou antagônicas ao objetivo de aumento do lucro, redução dos custos ou redução no quadro de pessoal. Duas vertentes puderam ser observadas: uma de funcionários que, totalmente engajados na nova lógica, consideravam as ações empresariais mais do que justificadas e outra, de funcionários que relataram as razões com relativa neutralidade, aparentando ser um fato normal da vida. Por outro lado, ao mesmo tempo em que são semelhantes, são também diferentes. A forma como os entrevistados apreendem, analisam e expressam os fatos está embebida de uma lógica que se ampara na história específica de cada empresa e no contexto particular de cada uma. Exemplificando, a preocupação com o fator meio ambiente, mais especificamente, com a variável concorrência, só teria sentido para a ServA, pois dentre as três, era a única que se deparava, no curto prazo, com forte entrada de outras empresas em seu mercado. 256 7.1.2.3 Razões para a adesão ao PDI Esta questão fazia sentido apenas para aquelas empresas que implementaram programas de desligamento voluntário (Tabela 24), pois, neste tipo de programa, a decisão de desligamento partia do empregado e não da empresa. TABELA 24 RAZÕES PARA A ADESÃO AO PROGRAMA DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS ServA Incerteza sobre a nova lei de aposentadoria Exigências de qualificação Existência de atividade paralela Proximidade da aposentadoria com direito `a complementação – parcial ou integral – pelo fundo de seguridade social Recebimento de incentivo monetário Insegurança sobre o futuro Recomendação da chefia ServC Existência de atividade paralela Proximidade da aposentadoria com direito à complementação – parcial ou integral – pelo fundo de seguridade social Recebimento de incentivo monetário Insegurança sobre o futuro Recomendação da chefia As principais razões atribuídas às adesões foram, nos casos da ServA e da ServC, bastante similares. Em primeiro lugar, como foram planos que estimulavam financeiramente aqueles com mais tempo de casa, é compreensível que as pessoas, nessas condições, optassem pelo desligamento. Além disso, ambas as empresas tinham um fundo de pensão que proporcionava a complementação do valor do INSS. Se observadas as características do benefício previdenciário oferecido, pode-se inferir que, mesmo aqueles que ainda não tinham os requisitos para a aposentadoria integral, mas perto dela estavam, tinham um estímulo para a adesão. Em ambos os casos, o próprio valor do incentivo financeiro funcionou como estímulo, notadamente para aqueles que tinham dívidas a quitar ou queriam começar ou mesmo dar continuidade a um negócio próprio. A insegurança, acerca do futuro, teria funcionado como elemento motivador. Esta reação parece natural uma vez que ambas as empresas comunicaram claramente que, se não atingida a meta desejada, poderia haver demissões em fase posterior. Gerentes de ambas as empresas relataram adesões de pessoas que, dada a sua competência, não 257 deviam ter aderido. Medo do futuro e receio de poder vir a ser demitido depois e ficar sem o incentivo foram as interpretações relatadas para esse fato. No que se refere à ServA, outra insegurança se somou à situação. O prazo final para a adesão ao plano foi fixado em data anterior ao da decisão de mudança nas regras para a aposentadoria pelo INSS. Assim, na opinião de alguns, a adesão ao plano ocorreu por medo de que se fosse obrigado a trabalhar anos adicionais para se ter direito à aposentadoria do sistema oficial. Há que se observar, ainda, que, no caso da ServC, houve a demissão de cerca de 340 pessoas uma semana antes de o plano ser oferecido. Segundo percepção de um gerente ligado à área de Recursos Humanos, este evento teria implicado um volume superior de adesões - cerca de 4.000 – se comparado com a meta inicial de aproximadamente 2.500 pessoas. Situação similar ocorreu em uma empresa norte americana, na qual o volume de adesões foi, também, superior ao pretendido inicialmente. Tal fato teria ocorrido, segundo Tomasko (1990), por ter-se demitido algumas pessoas em data imediatamente anterior ao lançamento do plano de desligamento voluntário, gerando assim insegurança nos funcionários. No entanto, outro gerente entrevistado considerou que tal fato não teria afetado a decisão de seus subordinados, uma vez que as demissões teriam incluído apenas pessoas com graves problemas em sua história profissional, caso que não ocorria em sua área, pois todos seriam funcionários extremamente competentes. Por fim, dois pontos devem ser comentados. De um lado, essas são interpretações dos remanescentes acerca das decisões das pessoas que saíram. Como não se realizou uma pesquisa direta com as vítimas, não se pode, portanto, afirmar que as razões e interpretações das pessoas desligadas coincidam com aquelas relatadas por seus chefes, colegas ou subordinados. Como permaneceram na empresa, pode ter havido associação com sentimento de culpa face aos que saíram, levando à adoção de motivos racionais para explicar suas ações. Por outro lado, mesmo que sujeitos a racionalizações a posteriori, não se pode esquecer que remanescentes são observadores privilegiados do processo, sendo seus depoimentos, portanto, importantes para este trabalho. 7.1.2.4 Razões para a não adesão ao PDI Analisando-se a Tabela 25, pode-se observar que há, novamente, uma grande similaridade nas razões apresentadas para a não adesão ao plano. Dado que a ServA e a ServC tinham planos para complementação de aposentadoria, é natural que os funcionários se preocupassem com o tempo para a aquisição dos requisitos mínimos para essa suplementação. Questões de ordem pessoal e familiar também estiveram presentes nos depoimentos dos funcionários das duas empresas. 258 TABELA 25 RAZÕES PARA A NÃO ADESÃO AO PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO ServA Falta de tempo para o direito à aposentadoria Crença na melhora da empresa ServC Falta de tempo para o direito à aposentadoria Expectativa de maiores oportunidades na empresa Motivação para o trabalho Compromisso e gosto pelo trabalho Despesas correntes (por exemplo: Questões de ordem pessoal e dívidas com aquisição de casa familiar (por exemplo: filhos própria, despesas com filhos) ainda não encaminhados) Acreditar no próprio valor; ter Acreditar no próprio valor, ter contribuição a dar contribuição a dar. Valor do incentivo financeiro era baixo Escassas oportunidades fora da empresa Sem preparo para sair da empresa Acreditar na organização. Orgulho da empresa Motivação para o trabalho e acreditar no próprio valor foram, igualmente, fatores que pesaram na decisão dos dois grupos pesquisados. Uma consideração a ser feita e que tem por base o próprio depoimento de algumas pessoas refere-se à essencialidade do serviço prestado. Assim, nota-se no discurso dos empregados um orgulho pela atividade exercida e confiança no valor de seu trabalho. Os depoimentos colhidos, nas duas empresas, apontam para raciocínios que incluem mais do que um dos fatores indicados. Embora não se possa inferir um padrão de raciocínio realizado pelas pessoas, depreende-se a consideração simultânea de múltiplos fatores intervenientes e de análises de prós e contras, como no exemplo a seguir: “Aqui dentro eles estavam pagando um pouco mais do que o mercado pagava. Então, eu achei temeroso eu aderir para me capitalizar agora e depois, em pouco tempo, eu me descapitalizar ...Não ter onde entrar, porque eu não estou perto de aposentar, ainda falta bastante coisa. ...Eu não aderi porque eu não senti muita motivação, entre o valor que eu ia receber em dinheiro para as perspectivas que eu tinha no mercado e perspectivas de crescimento que poderiam ser abertas após a saída de algumas pessoas aqui dentro. ... Eu encaro isso como uma oportunidade. ...Eu acho que eu posso ter uma perspectiva de crescimento maior 259 aqui porque começa a abrir espaços... começam a sair as pessoas de cima, o debaixo sobre, o outro sobe e a gente via ocupando espaços. ... Eu comecei a pensar o seguinte: eu sou separado, mas meus dois filhos moram comigo. Então, eu tenho um volume X de gastos, X por mês. Eu calculei pelo que eu ia receber, eu conseguiria ficar ainda... se não entrasse nada, talvez uns dois anos e meio a três anos aí sem precisar me preocupar.... Em dois anos e meio ou três anos, eu achei complicado. Porque qualquer coisa que eu iniciasse. ... eu achei que eu não conseguiria fazer a coisa decolar...Então foi isso. Uma coisa foi movida pela cautela, outra foi movida pela vontade de ver mais o que vai acontecer. Mais ou menos isso.” A permanência, na empresa, raramente foi relatada como estando baseada em um único motivo. Percebe-se uma composição de diversos argumentos, o que apontaria para uma decisão complexa, que envolveu não apenas a situação vigente à época mas também a avaliação de probabilidades acerca do que poderia ocorrer no futuro. Fazia parte do pensamento de muitos a idéia de que só valeria a pena sair da empresa em caso de aposentadoria. Alternativas como obter outro emprego, abrir novos negócios, ou mesmo tomar novos rumos para a vida pessoal, antes da aposentadoria, quase não surgiram nas entrevistas. Dentro desta perspectiva pode-se conjeturar que a melhor alternativa possível era o desligamento seguido de imediata aposentadoria. Esta visão pode indicar a existência de um contrato psicológico fortemente enraizado, no qual o funcionário, de sua livre vontade, só sairia se fosse para se aposentar. Além disso, pode-se considerar que pessoas que trabalharam grande parte de sua vida profissional dentro da mesma empresa e nela esperavam se aposentar não tivessem se preparado suficientemente para uma vida “fora”. Paralelamente, outra questão deve, também, ser considerada. Segundo Schirato (1999), funcionários que tivessem uma grande ligação com a empresa teriam perdido a noção de quanto valeriam no mercado, não sabendo o que “poderiam oferecer” (p.12). Esta ótica é merecedora de atenção, pois algumas pessoas, ao receberem o valor da benefício a que tinham direito em caso de adesão, consideraram aquele o valor de referência, não considerando a possibilidade de que o mercado talvez tivesse uma avaliação diferente. Poder-se-ia conjeturar que a instituição abrangia de tal forma a vida do funcionário que este desconsiderava a possibilidade de vida fora dela. Outros fatores podem também ser considerados. De acordo com DeWitt, Trevino e Mollica (1998), alguns fatores também podem influenciar a adesão a programas voluntários. Segundo os autores, há uma tendência para que as pessoas mais velhas e com mais tempo de empresa sintam maior ligação com a organização por possuírem habilidades e conhecimentos específicos à empresa. Além disso, pessoas mais velhas têm, via de regra, menor mobilidade para trocar de emprego. o que justificaria a menor intenção de sair. 260 Por fim, há que se considerar a questão das ligações afetivas que se formam ao longo de tantos anos de trabalho. Muitos consideraram a empresa uma “família” da qual seria difícil se separar. Outros encontram na empresa sua identidade, e deixar a empresa significa, entre outras questões, perder parte desta identidade. Para outros, a rotina diária confere à vida uma dignidade que se perde na ausência de emprego estável. Segundo Sennett (1999, p. 14), a estabilidade social, aí incluída a estabilidade no emprego, permite às pessoas narrarem de forma “linear” sua própria história de vida, conferindolhes “um senso de respeito próprio”. Para o autor, a forma de sobreviver na economia moderna colocaria a vida emocional das pessoas “à deriva”(p.19), pois não se poderia desenvolver uma identidade e história de vida a partir de “episódios e fragmentos” (p.27). A partir desta perspectiva, seria razoável considerar que o desligamento da empresa constitui-se uma ameaça à sobrevivência sadia da vida emocional dos funcionários. Tais considerações amparam-se não apenas na literatura crítica já citada, mas também nos depoimentos coletados acerca do comportamento de pessoas que, mesmo tendo adquirido o tempo necessário para a aposentadoria, recusam-se a abandonar a rotina diária de ida ao trabalho86. 7.1.2.5 Papel do gerente no PDI A circunstância de uma empresa recém-privatizada impôs aos gerentes a tarefa de preparar seus funcionários para o início de uma nova fase com exigências diferentes daquelas encontradas na época de estatal (Tabela 26) O papel do gerente diferiu no caso dos planos voluntários e do plano involuntário. Nos planos voluntários, por não ser a decisão de desligamento escolha do gerente, via-se este em papel acessório, com a função maior de apoio e auxílio aos funcionários. Em algumas situações, perguntado por seus empregados sobre a possibilidade de permanecer no emprego, via-se obrigado a dizer que esta garantia não poderia ser oferecida uma vez que ele, gerente, também não estava assegurado na nova empresa87. Em outros casos, servia apenas como alguém disposto a ouvir e refletir acerca da decisão a ser tomada. De forma geral, os gerentes indicavam ser a decisão de caráter pessoal podendo ser tomada apenas pelo funcionário. Em algumas situações, porém, os gerentes aproveitaram a ocasião para aconselhar às pessoas sem o perfil adequado para continuar na empresa que aderissem ao plano. 86 Dois casos podem ilustrar essa questão: ( a) a do funcionário que, mesmo tendo se aposentado, levou cerca de três meses para comunicar à esposa sua aposentadoria, tendo continuado a sair e chegar em casa no mesmo horário, como se nada tivesse acontecido e (b) a do funcionário que, após a festa de despedida, continuou a trabalhar normalmente, a ponto de o chefe ter que retirar sua mesa de trabalho. 87 Há que se refletir, nesses casos, acerca da incapacidade de compreensão da situação por parte dos funcionários: seria um mecanismo defensivo, uma alienação ou mesmo falta de preparo por parte da empresa e gerência? 261 Nestes casos, as estratégias variaram: alguns enviaram recados pela rede informal aos seus subordinados, indicando não haver “espaço” para eles dali em diante; outros conversaram diretamente com os funcionários; outros, ainda, utilizaram-se de um discurso indireto88 para esta sinalização. No caso da ServB, cujo plano foi involuntário, o papel do gerente ateve-se mais às questões da escolha dos funcionários e ao ato da demissão propriamente dito. Questões como critérios para a seleção, explicação das razões para o desligamento, comunicação da demissão propriamente dita, foram as principais preocupações dos gerentes. Viramse posteriormente, também, envolvidos com a necessidade de tranqüilizar ou “remobilizar” os empregados remanescentes89. Essas questões estão bem de acordo com Noer (1993) para quem as questões da própria insegurança no emprego e a tarefa de transmitir tranqüilidade, ao mesmo tempo em que devem fazer com que todos compreendam as novas regras, impõem aos gerentes grande sobrecarga psíquica e emocional. 7.1.2.6 Funcionários desligados Indagados sobre o destino dos desligados, os entrevistados relataram, basicamente, as seguintes situações: funcionários que exerciam cargos técnicos encontraram empregos em outras empresas, algumas das quais empreiteiras; alguns abriram negócios próprios – com casos de sucesso e casos de insucesso -; outros foram recontratados, temporariamente, com duração variada entre três meses e dois anos; outros ainda notadamente os da área administrativa – se aposentaram. No caso da ServC, alguns foram trabalhar em cooperativa de ex-funcionários. Houve ainda, casos de empregados que, não tendo encontrado emprego, tentaram voltar para a empresa (Tabela 27). 88 Como, por exemplo, indicar as exigências e habilidades profissionais exigidas no futuro, procurando, assim, sinalizar ao funcionário a baixa probabilidade de permanecer na empresa. 89 Um dos gerentes indicou que tinha que fazer ver aos empregados que, embora menores em número, eram capazes de dar conta das tarefas. Outro, por sua vez, relatou que, após o programa, os funcionários remanescentes ficaram tão aflitos com a própria segurança que se “dissesse para lavar o chão, lavava; se eu dissesse para lamber, lambia. ....Se eu dissesse ‘tem que espanar o teto, atender o telefone, correr lá fora e voltar aqui’, o cara fazia.... Daí para a frente, a pessoa estava aqui e realmente estava querendo ficar”. 262 TABELA 26 PAPEL DO GERENTE NO PDI Informar Conscientizar Conversar e ouvir Alertar que a decisão de adesão era pessoal Dar conselhos Dar tranqüilidade “Recomendar” a adesão ServA (plano voluntário) Informar sobre o que ocorria no Brasil e no mundo Conscientizar que o momento era outro (perdas de benefícios) ServB (demissões) Conscientizar Conscientizar pessoas remanescentes sobre a que o trabalho não era nova forma de trabalhar tudo na vida, era uma fase que se encerrava Alertar que as demissões seriam uma rotina; não se estava mais em uma estatal Estar aberto a ouvir histórias Mostrar que a decisão era pessoal Ouvir as histórias e os dramas pessoais Mostrar que a decisão era pessoal Alguns davam conselhos pessoais Ser um ponto de referência para o grupo, estar tranqüilo Alguns “recomendavam” a adesão Sinalizar aos “ruins” que deveriam aderir; “recomendar adesões” Sinalizar aos “bons, sem garantir emprego, que tinham perfil para continuar Posicionar as pessoas Selecionar as pessoas Explicar as razões do plano Dignidade na demissão Elevar o moral Ações de segurança ServC (plano voluntário) Selecionar as pessoas a serem desligadas Indicar que era questão de sobrevivência da empresa Motivo não era pessoal, o mundo teria mudado Tentar passar mensagem de otimismo para os demitidos Ter dignidade e respeito no ato da demissão “Remobilizar” os remanescentes Verificar e garantir que não houve represálias 263 TABELA 27 DESTINO DOS EMPREGADOS DESLIGADOS SEGUNDO RELATO DOS EMPREGADOS ServA Emprego em outras empresas Negócio próprio Aposentadoria Recontratados temporariamente Cooperativa de exfuncionários Tentativa de voltar para a empresa ServB ServC ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ ✔ 7.1.3 Após a privatização As principais questões, surgidas nos relatos dos funcionários remanescentes entrevistados acerca do período após a privatização, dizem respeito, basicamente, às novas exigências que alteraram a forma de trabalhar, às novas práticas organizacionais que influenciaram a vida profissional em seu dia-a-dia e ao contrato psicológico de trabalho, consideravelmente alterado, se comparado com aquele vigente na época de estatal. 7.1.3.1 Nova forma de trabalhar As mudanças mais relatadas, acerca da nova forma de trabalhar e acerca das exigências que a empresa privada impôs ao corpo de trabalhadores, dizem respeito a: alteração na carga de trabalho, horas prolongadas de trabalho, exigência de multifuncionalidade, maior responsabilidade e autonomia para a execução das tarefas, maior atenção para as questões de lucro e custos, maior atenção para o negócio e meio ambiente da empresa, além de maior consciência do mercado de trabalho. 7.1.3.1.1 Alteração na carga de trabalho O relato mais freqüente (Tabela 28) e, também, mais contundente dos entrevistados refere-se à alteração na carga de trabalho. Com exceção de algumas áreas da ServA que viram sua carga de trabalho diminuir em função da centralização de tarefas na holding, a grande maioria relatou aumento na quantidade de trabalho. 264 A drástica90 redução no efetivo das empresas aliada a maior cobrança por parte da diretoria implicou para os funcionários um aumento substancial na carga de trabalho. Em geral, a categoria dos gerentes foi a que mais se sentiu afetada, mas mesmo o nível operacional indicou em seus depoimentos, grande alteração na quantidade e no ritmo de trabalho91. Outros fatores contribuíram, também, para esse aumento. A prática da multifuncionalidade, por exemplo, exigiu que se executassem tarefas antes de responsabilidade de outras pessoas. No caso da ServC, o exemplo mais citado referiu-se às atividades típicas de secretárias, que passaram a ser exercidas pelos próprios gerentes. No caso da ServB, a cultura da multifuncionalidade perpassou todos os níveis hierárquicos, desde a gerência até o nível administrativo e operacional. Embora a tecnologia tenha sido citada como a grande aliada da produtividade, curiosamente, vários gerentes da ServB e da ServC indicaram que a implantação do correio eletrônico lhes havia criado uma preocupação a mais. Para responder a toda essa correspondência seriam obrigados a ficar além do expediente e até a trabalhar nos finais de semana. Parece, neste caso, que a facilidade de comunicação criou uma demanda antes obstruída pela burocracia ou pela distância física92. Kanter (1997) relata situação similar. Segundo a autora, organizações de alta atividade que valorizam o acesso à informação, geram e circulam essas informações em ritmo rápido, obrigando os funcionários a lidar com carga muito maior de correspondência, notadamente a enviada por correio eletrônico. A terceirização de atividades, por sua vez, deveria reduzir a quantidade de trabalho nas mãos de funcionários da empresa. No entanto, nos casos da ServA e da ServC, houve indicação que a contratação destes serviços teria aumentado a carga das pessoas responsáveis pela supervisão dos serviços executados. Uma das razões alegadas estaria no despreparo de parte das empresas terceirizadas em executar o serviço contratado, não atendendo às exigências de qualidade da empresa contratante. Outro fator mencionado foi o ambiente externo, mais especificamente a concorrência e as agências reguladoras que teriam imposto maior pressão à empresa e, conseqüentemente, aos seus empregados. 90 A literatura considera severas reduções que atingem mais do que 15 a 20% do pessoal. Nos três casos estudados, como já relatado, a menor redução atingiu cerca de 20% do efetivo (ServA) e a mais severa atingiu, aproximadamente, 40% do quadro de pessoal (ServC). 91 Na ServB, alguns relatos indicaram a existência de uma estrutura tão enxuta que não haveria nenhuma folga para as eventualidades, exigindo, nestes casos, esforço adicional ao já realizado. 92 É de se pensar em que medida o correio eletrônico passou a servir de meio para a comunicação de mensagens ou perguntas relevantes. Pode ser, também, que boa parte da correspondência recebida, em verdade, não agregasse valor algum ao trabalho das partes. 265 TABELA 28 FATORES PARA O AUMENTO NA CARGA DE TRABALHO Redução de pessoal Maior cobrança Crescimento da empresa Multifuncionalidade Tecnologia Reestruturações Ambiente externo Falta de espírito de equipe Passado ServA Redução de pessoal ServB Redução de pessoal ServC Redução de pessoal Nível de exigência aumentou Crescimento da empresa Maior cobrança Maior cobrança Cultura da multifuncionalidade E-mail Novas tecnologias geravam mais trabalho no início Solicitações da matriz Empresa em fase de reorganização Contratação de serviços terceirizados aumentava trabalho do supervisor Empresa enfrentava concorrência Falta de espírito de equipe Demanda pelo serviço da empresa aumentou Cultura da multifuncionalidade E-mail Contratação de serviços terceirizados aumentava trabalho do supervisor Maior controle de órgãos externos Muitas providências deveriam ter sido tomadas no passado Com o aumento da carga de trabalho, empresa e empregado buscaram formas de aumentar a produtividade e racionalizar o trabalho (Tabela 29). A implantação de tecnologia de informática e automação de processos foram estratégias adotadas pelas três empresas pesquisadas. Curiosamente, a tecnologia foi relatada como causa e, também, como solução para a redução de pessoal. Em todas, a automação permitiu a dispensa de empregados e, em todas, auxiliou os que ficaram a otimizar o trabalho. As empresas ServB e ServC, por não terem cultura de informática investiram pesadamente na compra de equipamentos e treinamento de pessoal. Os relatos indicam, no entanto, que muitas pessoas tiveram dificuldade em se adaptar a esta nova forma de trabalho tendo, algumas vezes, que ser deslocadas para outras funções. Na ServA não houve registro deste tipo de dificuldade, provavelmente, em função da estrutura de informática já existente na empresa. Do ponto de vista do funcionário, muitos buscaram melhorar seu próprio processo de trabalho, repensando suas atividades, verificando atividades desnecessárias, eliminando etapas ou simplesmente aprendendo a priorizar suas tarefas. Os funcionários da ServB 266 foram particularmente enfáticos em relatar que esta seria uma atitude cobrada pela própria empresa, que estaria permanentemente estimulando seus empregados a buscarem formas mais produtivas de trabalhar. Atitudes internas foram citadas como estratégias para lidar com a questão. Um empregado da ServB, por exemplo, indicou que controlar sua ansiedade seria sua forma de obter tranqüilidade para tomar melhores decisões. Outro empregado da ServC, por sua vez, apontou que teria que aprender a trabalhar sob pressão, uma vez que esta seria uma realidade dali para diante. Posturas gerenciais seriam, também, necessárias para lidar com o aumento na quantidade de trabalho. Com estruturas mais horizontais, os gerentes teriam sido obrigados a delegar mais e a exercer mais o papel de gerenciador de recursos humanos. TABELA 29 ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM O AUMENTO NA CARGA DE TRABALHO Tecnologia Terceirização ServA Implantação de tecnologia Terceirização de atividades Inteligência na forma de trabalhar ServB Ganhos de produtividade com tecnologia Automatização do trabalho Contratar serviço terceirizado Racionalizar trabalho, deixar de fazer trabalhos Aprender a priorizar o serviço ServC Implantação de tecnologia Abandonar a cultura do papel, usar modem, Notes Terceirização de atividades Repensar o trabalho para fazer de forma mais inteligente Analisar o processo e ver se pode eliminar etapas Equilíbrio pessoal Gerência Remanejamento de pessoas Contratação de pessoas Repensar o serviço Organizar o trabalho Melhorar a ansiedade Aprender a trabalhar para ter mais equilíbrio sob pressão nas decisões Aprender a delegar Redistribuindo melhor as tarefas e premiando 267 Os principais fatores contributivos, portanto, para o aumento das horas de trabalho estariam no aumento da carga de trabalho, notadamente por força da redução de pessoal, no medo de ser mandado embora, o que implicaria em horas adicionais de trabalho, além de uma postura pró-ativa, segundo a qual, atividades seriam iniciadas tendo em vista melhorar o desempenho da empresa (Tabela 30). TABELA 30 FATORES PARA O AUMENTO DAS HORAS DE TRABALHO, SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS Aumento na carga de trabalho Medo de ser mandado embora Postura pró-ativa ServA ServB Aumento na carga de Aumento na carga de trabalho trabalho Cumpria-se horário e ficava-se até mais tarde Matriz trabalhava até meia-noite. Postura pró-ativa: o trabalho devia ser feito ServC Aumento na carga de trabalho Medo de ser mandado embora Diretor da área ficava até as 11 h da noite e chegava às 7 h da manhã Postura pró-ativa: o trabalho devia ser feito 7.1.3.1.2 Implicações do aumento na carga de trabalho no horário, na vida pessoal e na vida familiar Não obstante, as estratégias utilizadas por gerentes e funcionários para otimizar o trabalho, ainda assim grande parte dos empregados aumentou o número de horas trabalhadas Essa modificação no horário de cada um, com jornadas mais longas, trabalho nos finais de semana, trabalho levado para casa, ausência de férias, impossibilidade de programação dos feriados, disponibilidade para a empresa, mesmo estando em casa, teve efeito sobre a vida diária e familiar de cada um. Os relatos mais comum, conforme Tabela 31, fazem referência ao cansaço físico e ao estresse. Alguns funcionários, notadamente na ServB, indicaram estarem tão cansados nos finais de semana e nas folgas que lhes faltaria forças para o lazer com a família. Esta situação teria exigido da família maior compreensão, pois, muitas vezes, o passeio programada não poderia ser realizado. Lidar com a pressão, com a decepção familiar por causa da ausência e ainda com a própria culpa seriam questões enfrentadas por aqueles com jornadas mais longas. Alguns registraram, também, preocupações com a saúde no presente e no futuro. 268 Alterações, na rotina diária e familiar teriam sido necessárias como forma de permitir as horas adicionais no trabalho. Funcionários com filhos pequenos teriam abdicado de algumas tarefas, como apanhar os filhos na escola, tendo sido obrigados a repassá-las a outras pessoas. Alguns registraram, ainda, que atividades paralelas, como um curso ou um hobby, tiveram que reduzir ou cancelar o tempo a elas dedicado. As muitas horas de trabalho teriam como conseqüência, também, um estresse derivado do fato de a pessoa não conseguir se desligar dos problemas da empresa. Na ServB, por exemplo, algumas pessoas, por força de suas atividades, tinham aparelho celular cedido pela empresa e estavam sempre à disposição, mesmo nos finais de semana e de madrugada. Haveria assuntos urgentes que obrigariam a interrupção da folga e mesmo do sono. As questões relativas à tensão entre família e trabalho foram abordadas por vários autores (Barling e Sorensen, 1995; Hage, 1995; Kanter, 1997, Osterman, 1997). Para Kanter (1997), teria havido uma “invasão” (p.292) na vida pessoal que poderia ameaçar os relacionamentos familiares. A questão não se referiria apenas à quantidade de horas, mas também à energia emocional dedicada ao trabalho, correndo o risco de o mesmo tornar-se o “centro da vida emocional” (p.287). A multifuncionalidade, a ênfase no trabalho em equipe, o encorajamento à inovação e ao comprometimento com as metas empresariais teriam contribuído para essa dedicação emocional. A questão da vida emocional dedicada à empresa pode ter uma análise diferente no caso brasileiro. Os registros de funcionários resistentes à aposentadoria indicam, entre outras coisas, que parte da vida social do funcionário se construía dentro da empresa com seus colegas. A postura paternalista da empresa estatal incentivou o simbolismo de uma “grande família” sendo natural, então, que, neste ambiente, grande parte da vida social e emocional do funcionário aí se tivesse desenrolado. Acresce-se, ainda, a natureza relacional de nossa sociedade, que pode ter contribuído para que as relações pessoais desenvolvidas na empresa adquirissem caráter de maior importância. Não se pode esquecer, ainda, nos casos da ServB e da ServC, os registros de famílias inteiras – pais, irmãos e tios - trabalhando para a mesma empresa. Por conseqüência, vida familiar e vida empresarial, possivelmente, se confundiram. De outro lado, a empresa privada alterou sobremaneira a estabilidade do emprego. Assim, o medo de perder o emprego e a ansiedade com a precariedade da situação, relatados com ênfase e freqüência nesta pesquisa, passaram a ser uma constante na vida dos funcionários. Assim, pressões se fizeram no sentido da necessidade de provar a relevância de sua contribuição93. Portanto, parece razoável supor que a mudança de estatal para privada tenha contribuído para o consumo adicional da energia emocional do empregado. 93 A necessidade de provar que o trabalho agrega valor é também levantada por Kanter (1997) em relação ao que denomina de o “local de trabalho pós-empresarial” (p.273). 269 TABELA 31 CONSEQÜÊNCIAS DAS HORAS PROLONGADAS DE TRABALHO NA VIDA PESSOAL E FAMILIAR Saúde e estresse físico Estresse mental Família ServA Cansaço físico. Excesso de trabalho poderia causar problemas de saúde no futuro Sem tempo para atividade física, nem para caminhar Não conseguir se desligar do trabalho Muita pressão: preferível perder o emprego a morrer Falta de tempo para lazer com a família Filhos em casa sem assistência. Outros Falta tempo para estudar. ServB Cansaço físico; ServC Cansaço físico Sem forças físicas no fim de semana para outras atividades Medo de errar por fadiga Medo de ter um enfarte Estar sempre pensando no trabalho Poder ser chamado ao trabalho a qualquer hora, à noite, de madrugada e nos fins de semana Sem tempo para lazer com a família nos finais de semana; Outras pessoas tinham que dar assistência aos filhos Decepção da família quando se trabalhava na folga Família tinha que ter mais compreensão Nervosismo descontado na família Trabalho nos fins de semana – menos lazer com a família Família ficava de lado Outras atividades particulares bandonadas 270 7.1.3.1.3 Outras exigências O aumento das horas de trabalho foi apenas uma das mudanças enfrentadas pelos funcionários remanescentes. Um estudo da Tabela 32 indica que outras modificações ocorreram na forma de os empregados trabalharem. Sem uma regra seguida igualmente por todas as empresas, observa-se, no entanto, que escopo e conteúdo do trabalho aumentaram, significativamente, para grande parte dos funcionários. Na ServB e na ServC os funcionários passaram a trabalhar com uma gama maior de tarefas. Na ServB, a prática institucionalizou-se em todos os níveis organizacionais, desde a base até a alta gerência. Na base, os operários relataram que, além de suas tarefas normais, podiam fazer pequenas reformas em seus ambientes de trabalho. No nível administrativo, os funcionários relataram dominar tarefas antes da responsabilidade de duas ou três outras pessoas. Mesmo no nível gerencial, aboliram-se as secretárias e os gerentes passaram a cuidar de sua própria correspondência e telefonemas. Na ServC, por sua vez, duas mudanças foram relatadas nas entrevistas realizadas: a descentralização das atividades da área de Recursos Humanos, e a dispensa de mensageiros e secretárias. Assim, cada área passou a realizar as tarefas típicas de seleção, contratação etc. Engenheiros e gerentes tiveram, também, que passar a se responsabilizar por seus arquivos, correspondência e telefonemas. Na ServA, por sua vez, não houve registro deste tipo de mudança. Uma semana de entrevistas e visitas, aos várias locais de trabalho da empresa, revelou uma estrutura mais tradicional de operação, com secretárias atendendo as gerências e contínuos realizando serviços de entrega. De uma outra perspectiva, pode-se supor, ainda, que a prática da multifuncionalidade tenha sido adotada, também, por outras razões além daquelas anteriormente citadas. Tanto a ServB quanto a ServC realizaram enxugamento da ordem de 35% a 40% de seu quadro. Seria natural que, com este nível de redução, sobrasse mais trabalho para os remanescentes. Outra questão pode, ainda, ser levantada. Se, de um lado, a ampliação do escopo e conteúdo do trabalho se alteraram como conseqüência de uma ação empresarial – a redução de pessoal – houve, por outro lado, um movimento de aceitação deste novo estado de coisas pelo próprio funcionário. Pode-se conjeturar que a insegurança e o medo da dispensa tivessem contribuído para que os empregados aceitassem novas funções, procurando, desta forma, tornar-se mais indispensáveis aos olhos da empresa94. 94 Um depoimento de um gerente da ServB pode ilustrar essa questão: “A gente percebe que as pessoas começaram a querer fazer cada vez mais. Então, quem era dono de um processo quis virar dono de dois ou três processos. Por quê? Aí o tempo ficava preenchido. A pessoa, de certa forma, era uma forma de se segurar dentro da companhia”. 271 A alteração, no grau de responsabilidade e autonomia, foi relatado em todos os três casos estudados. Na ServB e na ServC, os registros apontaram para o aumento de responsabilidade, com maior autonomia de ação para os empregados. Assim, resultados teriam que ser mostrados. No caso da ServB, particularmente, os empregados relataram que as soluções para os problemas deveriam ser criadas por eles mesmo e não adiantaria pedir para o chefe dar a solução. No caso da ServA, naquelas áreas responsáveis por decisões mais estratégicas, os relatos apontam para uma diminuição da autonomia, uma vez que muitas decisões passaram a ser tomadas pela holding. A palavra comprometimento foi, também, bastante citada pelos funcionários da ServB e da ServC. Embora com interpretações diferentes por parte de cada empregado, significava, via de regra, empenho no atingimento das metas empresariais. Comparando-se as três empresas pesquisadas, observa-se que na ServB, a questão tinha maior destaque. Faziam parte do discurso dos funcionários o empenho, a dedicação e o comprometimento. Algumas questões devem ser comentadas. É possível que o comprometimento relatado se relacionasse com a cobrança de resultados realizada nas empresas. Na ServB, como já relatado, o atingimento de metas da empresa e de cada departamento e seção era divulgado publicamente e acompanhado diariamente. Assim, o comprometimento mais enfaticamente relatado na ServB pode ter derivado de uma cultura mais agressiva em termos de cobrança e atingimento de desempenho. Receita, custos e lucros passaram, da mesma forma, a ser foco de atenção dos empregados das três empresas, com maior destaque, porém para a ServA e a ServB. O cuidado com o custo apresentou-se nos relatos de funcionários da ServA, sendo que algumas despesas passaram a ter que ser autorizadas pela matriz. No caso da ServB, os relatos indicam preocupação com a geração de receita, uma das principais finalidades da empresa privada, segundo os funcionários. A preocupação com o meio ambiente evidenciou-se nas entrevistas realizadas na ServA. Nesta empresa, grande parte dos funcionários remanescentes realçou a importância de se prestar atenção à imagem da empresa, aos clientes e à concorrência. Como já relatado, a ServA, antes monopolista no setor, estava, à época desta pesquisa, entrando em mercado altamente competitivo, tendo que lutar para manter e mesmo aumentar sua base de clientes e garantir sua rentabilidade. A ServB e a ServC não enfrentavam este tipo de problema, sendo natural, portanto, que a preocupação com fatores ambientais não estivessem presentes nos relatos coletados. 272 TABELA 32 OUTRAS ALTERAÇÕES NA FORMA DE TRABALHAR, CONFORME PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS ServA Multifuncionalidade Responsabilidade e autonomia Algumas área sentiam perda de autonomia, pois parte das decisões passou para a holding Pressa das chefias com trabalho reduziu autonomia do empregado Cobrança aumentou a responsabilidade Comprometimento Maior atenção para receitas, custos e Custo era fundamental para enfrentar a concorrência ServB Multifuncionalidade nos níveis operacional, administrativo e gerencial Não existia definição clara do que cada um faz Atribuições e responsabilidades muito maiores A consciência profissional indicava que se devia terminar o trabalho Negociado o prazo era da responsabilidade de cada um cumpri-lo Não adiantava pedir para o chefe dar a solução Achatamento hierárquico dava mais autonomia e responsabilidade às pessoas Funcionário não demitidos sentiram-se privilegiadas e se comprometeram com a empresa Desejo que a empresa desse certo criava comprometimento Comprometer-se significava trabalhar muito, estar empenhado em atingir resultados, gerar lucros e cuidar da imagem da empresa Empresa privada sem lucro fecharia ServC Multifuncionalidade nos níveis administrativo e gerencial Maior autonomia para o nível gerencial e para o nível técnico Princípio da autoridade por responsabilidade Medo de perder o emprego fez com que as pessoas se envolvessem e se comprometessem com os resultados 273 lucros Maior atenção o negócio da empresa Maior atenção para a concorrência Maior atenção para o cliente Não se podia mais fazer estoque, O fornecedor trazia na medida em que se pedisse era preciso cuidar da receita Gastos eram medidos e calculados Devia-se respeitar o orçamento A parte social era importante, mas não se podia ter prejuízo Empregado tinha que entender do negócio da empresa Todo empregado era responsável pela imagem da empresa Empregado tinha que saber dar informação Tinha-se que estar preparado para a competição como se fosse diária Concorrente novo no mercado não tinha custo de pessoal Para dar lucro tinha que ter cliente e gastar pouco Falava-se muito de lucro na empresa Custo era analisado sempre Trabalhava-se com orçamento rígido Quem fosse o mais rápido e mais ágil iria sobreviver Ë bom competir. Cliente tinha ser tornado mais exigente Cliente tinha ser tornado mais exigente Com a concorrência , tinha que oferecer serviço com qualidade melhor, senão perdia o cliente Com a concorrência, o cliente tinha alternativas e não precisava ficar preso à ServA Trabalhava-se com orçamento Cliente estava mais ciente dos seus direitos Cliente influenciava a imagem da empresa 274 De forma geral, pode-se dizer que as modificações que foram introduzidas na forma de trabalhar nas três empresas estudadas apontam para a mesma direção que as indicadas em pesquisas realizadas nos Estados Unidos (Kanter, 1997; Mohrman e Cohen, 1995) Kanter (1997), por exemplo, indica que, em organizações pós-empresariais, as mudanças mais comuns foram: a criação de estruturas horizontais enxutas, funcionários com múltiplas habilidades, aumento das responsabilidades individuais e configurações de equipes. Nesta pesquisa, a questão do trabalho em equipe foi o única que não surgiu nas entrevistas. 7.1.3.2 Novas práticas organizacionais As novas práticas organizacionais dizem respeito, principalmente, à intensa cobrança de resultados, à contratação de novos funcionários, à política de valorização dos empregados, à mudança na comunicação no processo decisório e, também, à aquisição de novas tecnologias. 7.1.3.2.1 Cobrança de resultados O registro mais enfático por parte dos entrevistados, referiu-se à forte cobrança de resultados que passou a haver depois da privatização (Tabela 33). Percebiam essa cobrança através da necessidade de prolongamento do horário, da necessidade de execução de atividades paralelas, na forma como o atingimento de metas passou a ser cobrado, na necessidade de cumprimento do prazos, na demanda por maior quantidade de tarefas, nos questionamentos dos trabalhos realizados, na menor tolerância com erro e no sentimento de estar sendo permanentemente avaliado. As reações a essa cobrança manifestaram-se de formas variadas: sentimento de falta de sensibilidade da gerência nos casos de prazos exíguos, vigília sobre o próprio trabalho, sentimento de sobrecarga e, principalmente, estresse. Em algumas situações, notadamente na ServB, empregados indicaram suas posturas frentes às necessidades do trabalho eram tal que fariam tudo que fosse necessário sem que alguém necessitasse ficar cobrando. Dentro de uma postura crítica, poder-se-ia dizer que boa parte desses funcionários, em verdade, internalizou uma cobrança existente ao nível empresarial. 275 TABELA 33 CONCEITO DE COBRANÇA SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS ServA ServB ServC Horário Atividades particulares Respeitar horário de devem ser realizadas entrada fora do horário de trabalho Ficar depois do horário Ficar depois do horário Ficar, muitas vezes, depois do horário Atividades Fazer atividades Fazer atividades Fazer atividades paralelas paralelas, fora de sua paralelas, fora de sua paralelas, fora de sua área de atuação área de atuação área de atuação Metas Trabalhar com metas Trabalhar com metas Trabalhar com metas explícitas e explícitas e quantificadas quantificadas Cumprimento de Fazer as coisas mais Exigência de Prazos menores para prazos rápido e com mais cumprimento dos cumprir pressa prazos estabelecidos Produção Maior quantidade de Maior quantidade de Maior quantidade de serviço serviço serviço Insensibilidade - fazer o trabalho de uma semana em um dia Ganha oito horas e trabalha mais uma ou duas de graça. Responsabilidade Mais responsabilidade Mais responsabilidade. Mais responsabilidade. e atitude próativa Dar sugestões Ter iniciativa; ser mais pró-ativo Questionamento Atividades realizadas devem ser justificadas Qualidade no trabalho Menor tolerância Menor tolerância com o com o erro erro Crescer Permanente avaliação Seguir regulamentos Exigência de qualidade Exigência de qualidade Menor tolerância com o erro É necessário crescer É necessário crescer Avaliação permanente Padrões e regulamentos operacionais devem ser seguidos 276 7.1.3.2.2 Outras novas práticas organizacionais Outras alterações em práticas organizacionais foram relatadas pelos entrevistados: a contratação de novos empregados, a política de valorização do funcionário, comunicação mais ágil e mais aberta e investimento em novas tecnologias (Tabela 34). A contratação de novos funcionários foi assunto relevante, embora por razões diferentes, nas empresas ServB e ServC. No caso da ServB, grande parte dos entrevistados fez referência ao programa de trainees. Inicialmente visto pela alta gerência como “salvação da pátria”, fez com que, em um primeiro momento, funcionários remanescentes tivessem a sensação de formação de uma casta privilegiada de empregados. Assim, os trainees constituíram-se, na percepção dos remanescentes, em grande ameaça, uma vez teriam entrado para assumir todas as posições principais. Na época da realização desta pesquisa, esse sentimento não havia ainda de todo desaparecido e parte dos entrevistados acreditava que futuras posições gerenciais estariam reservadas para eles. Para alguns dos entrevistados, porém, as promoções deixariam de privilegiar os novos funcionários e passariam a ser decididas com base no mérito. Na ServC, por sua vez, a questão de contratação de novos empregados, em verdade, servia para ressaltar a questão da idade de seus funcionários. Na opinião de alguns, haveria necessidade de oxigenação, e a entrada de novos seria, neste sentido, muito bem vinda. Na ServA, por fim, esta questão não surgiu nas entrevistas, provavelmente em função do baixo volume de contratação realizado pela empresa95. Outra questão levantada pelos empregados referiu-se ao reconhecimento e à valorização dos empregados. Este assunto foi positivamente abordado apenas pelos funcionários da ServB. Estes sentiam haver uma grande diferença neste aspecto em relação à prática da estatal. Em um dos locais visitados, entretanto, o sentimento era inverso: trabalhava-se muito e nunca se recebia sequer um elogio. Isto pode apontar para uma diversidade de estilo gerencial dentro da empresa. Assim, embora a maior parte indique melhoria neste sentido, algumas áreas podem ter tido prática diversa. Na ServA, como alguns benefícios foram reduzidos ou até retirados96, a sensação de perda estava presente do depoimento dos entrevistados. Ainda assim, havia uma expectativa de que a seqüência de cortes destes benefícios viesse a ser compensada por uma nova política de valorização dos funcionários. De forma geral os empregados estavam cientes de que futuras promoções ou aumentos seriam concedidos em função do desempenho individual, sem influência de amizade ou parentesco. De forma similar, na ServC, a privatização trouxe uma expectativa de reconhecimento do trabalho que, segundo alguns entrevistados, não havia, ainda, se concretizado. 95 Com a exceção, conforme já relatado, de área novas como telemarketing, que exigiu a admissão de um grande volume de novos funcionários. 96 Como por exemplo: redução da gratificação de férias de 70% para 30% e retirada do anuênio. 277 A questão da comunicação e agilidade do processo decisório foi assunto relevante no caso da ServB. Segundo os entrevistados, a empresa teria se alterado muito nesta parte. Fisicamente, teria havido mudança no leiaute de forma a haver menos paredes e obstruções no campo visual. O acesso aos níveis superiores da empresa teria sido facilitado e a circulação de informações intensificada e estimulada. Reuniões periódicas com empregados seriam realizadas em todos os níveis, sendo que pessoas de todas as localidades eram às vezes chamadas para encontros no prédio sede da empresa. Todas essas modificações foram consideradas radicais se comparadas com a empresa estatal, na qual o acesso aos níveis superiores era regido, segundo percepção dos funcionários, por intensa cultura hierárquica. Na ServC, houve, igualmente, registro de intensificação da comunicação na empresa, sendo que seriam mais freqüentes reuniões com gerentes e o acesso aos níveis superiores da empresa teria sido facilitado. Algumas pessoas indicaram, também, que o maior fluxo de informação e maior contato com outras pessoas teria permitido que se conhecesse outros funcionários da empresa. Esse registro de mudança parece natural considerando-se as novas admissões e a implantação de sistema de correio eletrônico. Na ServA, não houve registro relevante de alteração no processo de comunicação. O processo decisório foi percebido como tendo se tornado mais moroso em função de perda de poder decisório para a matriz. Como já relatado, grande parte do corpo gerencial da empresa permaneceu o mesmo. Além disso, como pessoas novas não foram contratadas, e o sistema de informações da empresa já estava em operação desde o tempo de estatal, é razoável supor que a dinâmica da organização pouco tenha se alterado neste aspecto. Por fim, a questão de novas tecnologias foi, também, objeto de comentários por parte dos entrevistados. Com exceção da ServA, as empresas ServB e ServC vieram de administrações com pouco investimento em tecnologia. Assim que foram privatizadas, receberam grande aporte de capital para investimento tanto em equipamentos e software de informática quanto para equipamentos de automação do processo de produção de seus serviços. Esse investimento teria causado grande procura por cursos de informática e treinamento nos software específicos da empresa. 278 TABELA 34 OUTRAS NOVAS PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS ServA Contratação de Contratações eram realizadas, novos funcionários parcimoniosamente, com exceção daquelas realizadas para áreas novas. Valorização do funcionário ServB No início, trainees eram vistos pela alta gerência como os “salvadores da pátria” Sem perspectiva de crescimento do quadro Alguns trainees conseguiram espaço dentro da empresa, outros saíram Trainees estavam sendo preparados para serem os próximos gerentes, mas tinham que concorrer com os funcionários antigos Trainees eram inexperientes na área de negócios da empresa O trainee devia ao empregado antigo grande parte do que sabia sobre a empresa Pessoas ficavam com medo do trainee tirar seu lugar Entre um funcionário novo e um antigo, o funcionário novo era o promovido Com os trainees havia oxigenação na empresa e também troca de informações Expectativa de política de valorização e Em geral, os funcionários sentiam-se reconhecimento valorizados Em pelo menos uma das áreas, pessoas sentiam falta do reconhecimento de seu esforço Quem demonstrava maior interesse era mais reconhecido Pessoas eram ouvidas e respeitadas em suas colocações ServC Foram contratados 1350 funcionários no biênio 97/98 – cerca de 20% do quadro médio – em todos os níveis organizacionais Pessoas novas traziam novos conhecimentos e oxigenavam a empresa A privatização gerou expectativas que não foram atendidas 279 Comunicação e processo decisório Pessoas passariam a ser avaliadas por seu resultado Valorização na empresa privada não dependia de amizade ou parentesco Processo menos ágil; algumas decisões tinham que passar pela holding Política de meritocracia: era-se avaliado pelo retorno que se dava Processo decisório ágil Em caso de necessidade de alguma decisão, bastava ligar para o superior Acesso à diretoria era imediato Presidente da empresa circula e conversa com funcionários Diálogo era estimulado Novas tecnologias Reuniões periódicas na sede com empregados de toda a empresa Reuniões de 5 a 10 min no nível operacional Cada setor tinha seu desempenho divulgado em painéis de fácil visibilidade Houve um grande investimento em tecnologia Implantação de correio eletrônico Implantação do SAP em várias áreas da empresa Modernização de equipamentos Processo decisório ficou mais ágil Acesso mais fácil à diretoria Mais agilidade nas questões administrativas Maior interação com os gerentes As pessoas ficavam mais conhecidas dentro da empresa Reuniões com as chefias eram constantes Houve um grande investimento em tecnologia Implantação de correio eletrônico Implantação do SAP em várias áreas da empresa Modernização de equipamentos 280 7.1.3.3 Alteração no contrato psicológico Sem dúvida, uma importante questão enfrentada pelos remanescentes foi a alteração do contrato psicológico. Na estatal, dois fatores geravam tranqüilidade aos empregados: a quase certeza da estabilidade no emprego e a expectativa de complementação de aposentaria pela fundação de seguridade associada à estatal. Assim, empregados de empresas estatais trabalhavam com a perspectiva de continuidade dentro da empresa até, pelo menos, a data da aposentadoria. Com a passagem para a empresa privada através do processo de privatização, esses empregados viram-se, em curto espaço de tempo, sem a estabilidade do emprego e, conseqüentemente, com a complementação de aposentaria ameaçada. A precariedade do emprego e o sentimento de vulnerabilidade puderam ser constatados nas entrevistas das três empresas pesquisadas (Tabela 35). Algumas questões abordadas mostraram-se comuns a todas as três empresas. A primeira diz respeito ao temor da possibilidade de novas reduções em função da reestruturações organizacionais sejam elas centralizações, descentralizações ou terceirizações. Em verdade, este temor é plenamente justificado, uma vez que as pesquisas indicam que empresas que realizaram programas de enxugamento têm maior probabilidade de realizar novas demissões no futuro. O segundo aspecto faz referência aos salários recebidos. Alguns entrevistados relataram preocupação com seus salários pois a empresa poderia contratar outros profissionais no mercado com remuneração bem menor. Esta preocupação procede. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos (Downsizing of America, 1996) indicam que a proporção de pessoas desligadas, com salários mais altos, aumentou muito desde a década de oitenta. A terceira questão relaciona-se com a qualificação e a formação. Para os remanescentes da ServA e da ServB, as preocupações relacionaram-se com a falta de qualificação para atender às exigências futuras da empresa. Tal temor teria gerado intensa procura por cursos de línguas e informática. No caso da ServB, a questão da qualificação se apresentou de forma diferente. Neste caso, alguns funcionários demonstraram preocupação com a boa formação dos novos contratados, muitos dos quais fizeram cursos de especialização e de pós-graduação, oportunidades essas, em geral, não disponíveis àqueles oriundos da estatal. Embora não se possa medir o grau de segurança/insegurança das empresas, pode-se, a partir das entrevistas realizadas, inferir o grau de preocupação em cada empresa. No caso da ServA, as pessoas entendiam que o contrato tinha se alterado e demissões poderiam ocorrer por necessidade de reestruturação da empresa. É possível que, no caso da ServA, parte da insegurança decorresse por terem as decisões estratégicas passado 281 para a holding. Além disso, muitos funcionários da empresa foram transferidos para outras regiões, o que pode ter aguçado o sentimento de vulnerabilidade. Na ServB, pode-se inferir a partir das entrevistas, um sentimento de insegurança mais agudo, uma vez que a empresa tem realizado ajustes com certa freqüência, muitos deles envolvendo um grande número de pessoas. Por outro lado, é exatamente na ServB que os empregados relataram maior crescimento profissional e maior esforço de valorização do empregado. Assim, muitos entrevistados, ao mesmo tempo que indicaram a possibilidade de serem mandados embora a qualquer instante, afirmaram, também, que procuram não pensar nisso por estarem envolvidos com os desafios diários de seus trabalhos. Outra questão bastante presente nos depoimentos dos entrevistados referiu-se à ameaça que os trainees representavam para os remanescentes. Junte-se a isso, ainda, a sensação de sentirem-se estigmatizados por terem vindo de uma empresa estatal. Na ServC, houve, também, a consciência de um contrato que se modificou. Mas de forma geral, a insegurança maior estaria, segundo os depoimentos, mais ligada à idade das pessoas. Assim, pessoas perto dos 50 anos sabiam que o convite à antecipação da aposentadoria se aproximava. Quais os requisitos, então, para a permanência no emprego? Como se poderia lidar com questão da precariedade do contrato de trabalho? De forma geral, os entrevistados relataram que os novos requisitos incluiam a aceitação de novos trabalhos, de novas habilidades relativas à empresa, de jornadas mais longas, de agregação de valor. Acresce-se, ainda, a necessidade de comprometimento no sentido de estar envolvido com as metas da empresa, alinhado com seus objetivos, contribuindo constantemente para o seu sucesso (Tabela 36). Além disso, percebia-se a necessidade de um esforço no sentido de desenvolver-se profissionalmente com novos cursos, estar informado da situação da empresa e, também, ser capaz de perceber as mudanças de rumo que ocorressem dentro da empresa. Assim, o empregado teria que perceber os novos requisitos exigidos para não ser surpreendido com um perfil defasado daquele desejado pela empresa. Estas questões convidavam à reflexão, pois, tratava-se, segundo os relatos, muitas vezes, de qualificações não exigidas no tempo de empresa estatal. Os empregados, pode-se inferir, foram, portanto, obrigados a incorporar novas habilidades, novos conhecimentos e novas atitudes em curto espaço de tempo. Pode-se perguntar, por exemplo, o quanto as pessoas, em seu passado recente, tinham a percepção da necessidade destas mudanças. É motivo para reflexão o seguinte depoimento de um dos entrevistados: “Porque o ser humano, a pessoa que está aqui há 24 anos, 25 anos, ela não tem culpa de hoje eles descobrirem que ele é um mau profissional. Foram descobrir depois de 25, 26 anos?” 282 TABELA 35 SENTIMENTO DE VULNERABILIDADE DO EMPREGO SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS REMANESCENTES Grau de insegurança Reestruturações Salários altos Qualificação profissional e formação Demissão a qualquer hora Desligamentos causavam intranqüilidade Estigma de ter sido da estatal ServA Garantia do emprego estava perdida, mas não era intenção da empresa fazer o funcionário sentir-se descartável Uma reestruturação da empresa podia causar demissão Uma área podia ser terceirizada e as pessoas podiam perder o emprego Salários mais altos assustavam pois havia pessoas dispostas a trabalhar o mesmo por menos Preocupação com a qualificação e a formação frente às novas necessidades da empresa Não se sabia o que se passa na cabeça das pessoas ServB Ninguém podia se sentir imune; muita gente nova já tinha ido embora ServC A média de insegurança na empresa era baixa A atividade podia acabar, podia deixar de A empresa podia fazer o que ela quisesse: existir podia terceirizar, podia descentralizar, podia reduzir Alguns funcionários estavam com altos salários Com o salário de um, podia-se contratar dois ou três no mercado Novos contratados vinham com boa formação Temor de não ter a qualificação exigida O perfil adequado para a empresa podia sofrer modificações Mesmo sendo bom podia-se ser mandado embora Não se parava de demitir A demissão podia ocorrer em 10 anos, em 10 meses, em 10 minutos Não se sabia se se estaria empregado no dia seguinte Sucessivos programas de incentivo à aposentadoria causavam desconforto Grandes turmas foram mandadas embora (500, 700 pessoas) Quem veio da estatal era mais vulnerável, estava sempre preocupado Sentimento de que se tinha um “carimbo” na testa 283 Idade e tempo de empresa Quebra no contrato O que mais assustava era a quebra do psicológico relacionamento Mais cedo ou mais tarde não iria ficar um Não se queria nenhum traço do passado na nova empresa A idéia era colocar gente nova A empresa procurava empregados mais novos Idade era um fator de preocupação Ter muito tempo de empresa era um fator negativo A carta (de convite à aposentadoria) devia estar a caminho 284 TABELA 36 REQUISITOS PARA PERMANECER NO EMPREGO, SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS REMANESCENTES Multifuncionalidade ServA Saber fazer mais coisas na empresa Não pode ser especialista de uma coisa só Aceitar mais trabalho Agregar valor Apresentar resultados Comprometimento e dedicação Aceitar trabalhar na folga era imperioso Se trabalhar só oito horas ao invés de doze ou treze podia ser mandado embora Contribuir, agregar valor Ou a pessoa dava resultado ou estava fora Necessidade de maior dedicação Envolvimento com as metas Motivação Competência Autodesenvolvi mento Trabalhar com competência Necessidade de autodesenvolvimento Fazer cursos para aprender mais Adaptabilidade Ser bem informado ServB Ser responsável por mais processos ServC Ficar trabalhando até mais tarde Tornar-se indispensável Se não “desse conta do recado” era mandado embora Cumprir metas Necessidade de incorporar o “espírito da privatização” Envolvimento com as metas Alinhamento com os objetivos da empresa Sem dúvidas sobre o sucesso da empresa Aprendizado contínuo sobre o trabalho Desenvolver-se Necessidade de melhor desempenho no trabalho Contribuição ao trabalho Garantia aumenta com competência Completar educação básica (segundo grau) Treinamento em informátiva Ter percepção aguçada das mudanças Ir se adaptando Acompanhar a evolução do mundo As estratégias para lidar com a insegurança no trabalho incluem modificações na forma de pensar e sentir, ações de desenvolvimento profissional, maior esforço de trabalho e procura de alternativas fora da empresa (Tabela 37) 285 Várias formas de se lidar com o aspecto cognitivo da situação foram apresentadas. Uma delas referiu-se à estratégia de não ficar pensando no assunto a toda hora ou, então, procurar esquecer o problema, reunindo-se e brincando com colegas na mesma situação. Desconsiderar a possibilidade de a demissão acontecer seria, também uma estratégia similar. Assim, mecanismos de negação e fuga podiam servir ao intento de lidar com o sentimento de insegurança. Lidar com sua própria emoção seria, segundo relato de um entrevistado, outra forma de enfrentar a situação. Segundo vários depoimentos, grande parte dos funcionários da estatal tinha com ela forte ligação afetiva. Na nova ordem, seria necessário, então, “deixar o coração de lado” e usar mais a razão. Dentro desta perspectiva, não haveria espaço na empresa privatizada, para sentimentos e emoções. Racionalizações, também, foram utilizadas. Assim, uma das lógicas seguidas dizia respeito ao fato de que, se o empregado precisava da empresa, esta por sua vez, precisava dele. Não haveria, portanto, em sendo um bom funcionário, porque temer a demissão. Pensar em situações familiares confortáveis, como ser solteiro ou não ter filhos, também traria mais tranqüilidade. Ações práticas seriam, também, uma forma de enfrentar a insegurança. Estas poderiam ser direcionadas a atender necessidades da empresa como, por exemplo, trabalhar mais e ter a certeza de agregar valor. As pesquisas indicam que esta tem sido uma estratégia comum adotada pelos trabalhadores nos Estados Unidos, que estariam dispostos a trabalhar mais horas, tirar menos férias e mesmo aceitar menos benefícios com o objetivo de manter seus empregos (Downsizing of America, 1996). Pensar em alternativas fora da empresa seria, do mesmo modo, uma forma de buscar segurança. Assim, opções de emprego ou ocupações alternativas foram cogitadas pelos entrevistados. Observe-se que as opções, fora da empresa, foram tratadas ou com pouca ênfase ou antecipando muitas dificuldades. Por exemplo, viver de atividades de consultoria ou abrir seu próprio negócio foram vistos como alternativas arriscadas, uma vez que alguns colegas já as haviam tentado, sem grande êxito. Por fim, para algumas pessoas, não haveria muito o que fazer a não ser continuar trabalhando, pois o desligamento viria em pouco tempo. Na visão de um dos entrevistados, seria como a morte, que viria não se sabe quando. As questões relativas às necessidades do novo local de trabalho foram abordadas por Kanter (1997). Para a pesquisadora, as oportunidades que se apresentam aos empregados são múltiplas e “sedutoras”, mas viriam com o que denomina de “etiqueta de preço” (p.273). Assim, para se avaliar o quanto de trabalho e esforço seria suficiente, o padrão seria, segundo a autora, o “limite da resistência humana” (p.274). 286 A questão da motivação para o trabalho árduo não estaria ligada a um problema psicológico, denominado vício no trabalho – workaholism – ou a uma dependência criada, em que empregados necessitados do emprego, de sua remuneração e recompensas estariam dispostos a trabalhar tudo o que pudessem. A principal questão estaria ligada à sedução e ao envolvimento resultantes dos desafios e oportunidades do ambiente de trabalho. Segundo a autora, “quando o trabalho é mais excitante, as pessoas querem realizá-lo por mais tempo” (p.278). No caso das três empresas pesquisadas, entretanto, os depoimentos pouco apontam para esse envolvimento de sedução. Maior coerência parece haver com a pesquisa de Brockner (1992), para quem, em empresas que passaram por enxugamentos, o esforço associado ao trabalho se relacionaria com a percepção de insegurança no trabalho, especialmente nos casos em que o funcionário fosse o principal provedor de sua família. Esse relacionamento teria a forma de uma curva em U invertido. Nos casos de baixa insegurança percebida, não haveria razões para grande esforço no trabalho por razões óbvias. Nos casos de alta insegurança, o empregado interpretaria que qualquer esforço seu seria insuficiente para evitar uma futura demissão. Quando houvesse percepção de moderada insegurança, o empregado empreenderia maior esforço por achar que essa ação poderia alterar sua probabilidade de ser demitido. O resultado da pesquisa de Brockner (1998) parece se relacionar, ao menos parcialmente, com as variações de estratégias adotadas para lidar com a insegurança e a vulnerabilidade do emprego nos casos da ServA, ServB e ServC. Adicione-se, ainda, o fato de que quase todas as pessoas entrevistadas relataram sentir-se responsáveis por suas famílias. Uma das pessoas entrevistadas, na ServA, porém, indicou não estar disposta a assumir compromissos adicionais no trabalho por medo de sacrificar o tempo dedicado à família. Como essa pessoa relatou claramente não ser o principal provedor familiar, este fato estaria, também, em conformidade com a teoria de Brockner (1998), que indicou não haver relações significativas entre insegurança do emprego em empresas que passaram por downsizing e esforço para o trabalho para remanescentes que não fossem o principal provedor familiar. 287 TABELA 37 ESTRATÉGIAS PARA SE LIDAR COM A INSEGURANÇA Lidar com o pensamento Mais razão, menos emoção ServA Não ficar imaginando isso toda manhã ServB ServC Não ficar pensando que Esquecer “outras pode ser mandado coisas” e sair para embora almoçar; “aproveitar” Desconsiderar a possibilidade de ser mandado embora Colocar o coração de lado, colocar a razão acima de tudo Empresa também precisa do empregado Confiar em si Trabalhar mais Agregar valor Procurar de desenvolver Empresa precisa do empregado e empregado precisa da empresa Ter certeza da própria capacidade de trabalho Fazer o trabalho de duas ou três pessoas Trabalhar e mostrar para outras pessoas Importante ésentir que está sendo produtivo Procurar fazer cursos Planejar para o futuro Alternativas fora Montar um restaurante da empresa Condições familiares Ausência de alternativas Não ter filhos dava mais tranqüilidade Mesmo trabalhando, a demissão viria em poucos anos. Estar seguro de sua capacidade profissional Fazer o trabalho de Trabalhar mais duas ou três pessoas Continuar trabalhando Aprender cada vez mais Aprender coisas novas sobre tudo para garantir emprego fora Preparar para sair ou para se aposentar Ter planejamento “interno” e “externo” Dar aula Ir trabalhar no concorrente, em outra empresa Ser solteiro Continuar trabalhando, Só se tinha emprego pois a demissão viria de para mais dois ou três uma forma ou de outra. anos. 288 7.1.4 Construção do futuro Se perguntados acerca de seu futuro, as respostas dos entrevistados enquadraram-se em duas grandes categorias: estratégias ativas e estratégias passivas97 (Tabela 38). Pode-se dizer que as estratégias ativas estiveram mais presentes do que as passivas. Dentre as estratégias ativas relatadas, encontraram-se intenções de comportamento de competência, desejo de investir no crescimento profissional e pessoal, procura de novas oportunidades em outras áreas dentro da empresa. Havia, ainda, o desejo de alguns de conseguir estruturar seu trabalho de tal forma que houvesse, no futuro, maior tempo para o lazer e para a vida pessoal e familiar. As estratégias passivas declaradas pelos entrevistados incluem: esperar pela aposentadoria, aguardar por decisões da empresa para o futuro ou, ainda, continuar trabalhando sem previsão de ação especial. TABELA 38 CONSTRUÇÃO DO FUTURO Estratégias ativas ServA Investir no crescimento, procurar se aprimorar Contribuir, ser competente Procurar oportunidades em outras áreas da empresa Ir embora na primeira oportunidade Voltar a estudar para acompanhar as mudanças Estratégias passivas ServB Querer ascender profissionalmente dentro da empresa Alcançar cargo de gerência Completar conhecimento da empresa (outras áreas) Procurar outras oportunidades fora Investir em treinamento (terminar faculdade) Mais tempo para lazer e família no futuro Esperar a aposentadoria Só sair, se for mandado embora (gosta da empresa e do que faz) Esperar mais dois anos para se aposentar; depois pensar em outra coisa Continuar (mas com medo da idade) Acomodação, sem querer abdicar da vida pessoal Aguardar a empresa investir no empregado Esperar pela demissão 97 ServC Ascender em três anos; crescer dentro da empresa Continuar a trabalhar sem esperanças de ser promovido Estratégias ativas são aquelas em que as pessoas procuram se antecipar aos eventos futuros, por meio de ações que as coloque em melhores condições. Neste caso, a pessoas tenta, ativamente, influenciar e moldar seu futuro. Estratégias passivas são aquelas em que apenas se aguarda a chegada do futuro, adotando uma postura reativa, se necessário, ao desenrolar dos acontecimentos. Nesse caso, as pessoas não acreditam que podem – ou não têm vontade – de alterar o curso dos eventos em seu próprio benefício. 289 7.2 Metáforas e Emoções Associadas ao Processo de Downsizing no Contexto da Privatização Este subitem apresenta duas análises decorrentes de “cortes transversais” nos dados. A primeira diz respeito ao simbolismo dos eventos no processo de privatização e downsizing e a segunda relaciona-se com as emoções e sentimentos que se associam ao fenômeno. 7.2.1 A história da privatização e do downsizing contada por metáforas Metáforas são uma forma simbólica e concisa de se expressar a respeito de eventos e situações. Segundo Morgan (1996), seria um “modo de pensar e uma forma de ver” (p.16)98 as várias experiências que vivemos no mundo. Usar a metáfora, prossegue o autor, significa que tentamos “compreender um elemento da experiência em face de outro”(p. 16). Implicaria ressaltar, por força da comparação, determinados aspectos em detrimento de outros. Assim, a compreensão mais ampla de um fenômeno demandaria a habilidade de reconhecer os várias aspectos que poderiam existir de “forma complementar ou até mesmo paradoxal” (p.17). Ao longo das entrevistas realizadas para esta pesquisa, as imagens e metáforas foram naturalmente surgindo. Emergiram como um atalho comunicativo, uma tentativa de ilustrar uma situação ou um sentimento. Coletadas e analisadas verificou-se que contavam a história da privatização e do downsizing pela ótica subjetiva dos atores. A história por metáforas difere, assim, pelo denso conteúdo simbólico, capaz de expressar sentimentos e emoções que a racionalidade empresarial provavelmente embota e, mesmo, obstrui (Figura 7.1). Uma visão geral da história por metáforas A história da empresas pesquisadas pode ser sucintamente narrada da seguinte forma: “Vivia-se em família, em um mundo de paz e tranqüilidade, quando surgiram as primeiras ameaças de privatização. Ficou-se com o mesmo medo que se tem de doenças mortais, ainda sem cura, ou de monstros e fantasmas contra os quais não se sabe como lutar. 98 Grifo do autor 290 FIGURA 12 A HISTÓRIA DA PRIVATIZAÇÃO E DO DOWNSIZING CONTADA POR METÁFORAS Privatização com desligamento voluntário (sobre o relacionamento) Estatal Aproximação privatização da “casamento desfeito” “namorada perdida” Empresa privada Privatização com demissão “mãe” “família” “casa” “Éden” “Ilha da Fantasia” “câncer” “AIDS” “monstro” “fantasma” (sobre a 1a demissão) “terremoto que passou” “guilhotina” Mundo real vs “ilha da fantasia” “outro mundo” “não é família” (sobre as demais ondas de demissão) “guerra, com morto depois de morto” (sobre o relacionamento) “divórcio” “não é uma ilha” “é que nem a morte: sabe que vem, mas não sabe a hora” 291 Encerrada a privatização, aqueles que permaneceram na empresa que implantou um programa de desligamento incentivado, sentiram como se um longo relacionamento amoroso tivesse se encerrado. Os remanescentes da empresa que implantou o programa de demissão, por sua vez, relataram a passagem de uma grande guilhotina ou, talvez, de um terremoto que deixou em seu rastro um grande número de mortos. Estabelecidos na empresa privada, reconheceram terem vivido por muito tempo em um ‘mundo irreal’, um ‘outro mundo’, que lhes fez crer ser a empresa uma mãe e uma família. Nada disso. Acordados deste ‘sonho’, compreenderam que vivem, hoje, em um mundo competitivo, no qual cada um deve cuidar de si, sem tutela nem amparo.”. Mãe, família, “casa” e “rua” Imagens sobre mãe e família são, geralmente, poderosas para o ser humano. Mãe é aquela que, nos primeiros meses de vida, assegura a sobrevivência do bebê e durante parte da vida do ser humano, via de regra, cuida da alimentação, da higiene, do vestuário e da medicação em caso de doença. A família, por sua vez, é o espaço mais amplo, além da mãe, na qual a criança cresce, encontra seu ponto de referência e forma seus primeiros valores. Mãe e família são, portanto, metáforas de uma estatal zelosa que, em casos de apertos financeiros, dava um jeitinho e adiantava alguma coisa, providenciava treinamento e, se necessário, pagava psicólogas para os filhos. Mesmo o poder punitivo era suavizado e advertências tornavam-se meras admoestações. “Eu acho que a gente não acostumou com isso até hoje. ... Você está apertado, está sem dinheiro, vai ter um jeitinho. ... Porque a ServA sempre dava um jeitinho.” “Eu acho que a empresa foi muito paternalista, muito mãezona nisso aí. Então, ela pegava o empregado, punha na sala de aula e pagava psicólogos e profissionais dessas área.” “E ficava por isso mesmo. Aí falavam: ‘Da próxima vez você faz melhor’. Coisas de mãe.” Mas o conceito de família não pode ser analisado isoladamente, fora do contexto cultural em que se insere. Cabe, portanto, falar um pouco da família brasileira. Esta tem a peculiaridade das sociedades coletivistas, com extensões que incluem não apenas pai, mãe e filhos, mas também avós, tios, primos, compadres, serviçais e agregados. 292 Da Matta (1991) indica que a família brasileira, com seu poder formador da história da sociedade brasileira, só pode ser plenamente compreendida segundo os conceitos de “casa” e “rua”. Casa seria o espaço do parentesco e dos relacionamentos pessoais, da calma, da tranqüilidade, do amor, do carinho e do consolo. A família estaria dentro da “casa”, mas a “casa” poderia, dependendo do ponto de referência, compreender mais do que a família. Poderia ser uma rua, uma organização, uma cidade e, até mesmo, um país. Estes limites móveis só seriam passíveis de serem compreendidos se comparados e contrastados com o conceito de “rua”. “Rua” seria, portanto, o espaço fora de “casa”, onde cada um estaria por si, individualizado, um “local perigoso” (p.63), onde o código seria da “letra dura da lei, da emoção disciplinada” (p.22). Neste espaço, as pessoas transformar-se-iam em indivíduos, onde tudo lhes poderia acontecer, fruto da falta de identidade e do vínculo que a “casa” oferece. (DaMatta, 1991) Com esses conceitos em mente, podemos voltar à análise das empresas estatais. Uma referência, freqüentemente encontrada nas entrevistas e indicadora da inserção da empresa no espaço da “casa”, refere-se à expressão “tempo de casa”, indicando o tempo de trabalho do funcionário na empresa. Neste mesmo sentido, surgiu, também, a expressão “pessoa da casa”, indicando a pertinência daquele funcionário à empresa, no sentido, de ser conhecido e fazer parte da “família”, e não uma pessoa vinda da “rua”, um desconhecido. “o efetivo da empresa tinha uma média, tanto de tempo de casa quanto de idade, muito elevada”. “o diretor de suporte era o diretor da casa” No espaço da “casa”, a harmonia seria imperiosa, as contradições deveriam ser banidas e manifestações de competição e conflito não seriam bem vistas. Segundo Da Matta (1991), a intensidade emocional deste espaço seria alta, pois a “emoção é englobadora, confundindo-se com o espaço social que está de acordo com ela” (p.22). “Antigamente, na ServA, você fazia trabalhos de grupo maravilhosos. Eram trabalhos de equipe que a gente saía de lá, assim, encantada. Você encontrava com a pessoa, você abraçava a pessoa no corredor, você ligava para a pessoa: ‘Que saudade de você!’. Era um espírito, assim, uma coisa fortíssima. Agora, não. É todo mundo correndo, ninguém nem vê um ao outro. Assim: ‘Você trabalha aqui ainda?’ ... ‘Quanto tempo que eu não te vejo!’ Então, assim, cada um no seu pedaço, na sua mesa, trabalhando igual louco e sem enxergar que tem um colega do lado.”. A “casa” é, também, definidora da identidade da pessoa. Segundo DaMatta é, exatamente através das relações existentes na “casa” que uma pessoa se define na sociedade brasileira. Estar despojado dessa identidade é para a pessoa um sinal de desvalimento e importância menor. Assim, não é de se estranhar que funcionários não 293 quisessem se aposentar e tivessem grande ligação afetiva com a empresa. Sair da “casa” ou dela ser convidada a sair, seria como perder um conjunto de referências que constituem a identidade da pessoa. Pessoas que fazem da empresa sua família e sua casa sentem, ao sair, dentro desta perspectiva, uma perda e uma dor legítima. “Veja o exemplo das pessoas que se aposentaram. Elas sabiam que iam se aposentar e diziam: ‘Quando eu for embora vai ser tão bom’. Na hora agá, de assinar, elas choravam copiosamente, pois a ServC foi a vida delas. Era um relacionamento mais afetivo do tipo: ‘A ServC é a minha casa’.” Por outro lado, pertencer à “casa” de uma empresa estatal prestigiosa em sua região, transfere ao empregado a respeitabilidade, ao ponto de o crachá da empresa dispensar o funcionário da apresentação de qualquer outro documento. “Então elas tinham um problema muito sério de não querer, de alguma forma, fazer uma integração com as outras empresas, porque ela vai estar deteriorando o nome dela. ‘Eu só uso meu crachá aqui ... Eu não preciso de carteira de identidade, não preciso de nada, sou ServA’.” Schirato (1999) relata situação semelhante em sua pesquisa. ao indicar que o crachá teria se tornado um instrumento de identificação, um sobrenome. Segundo a autora, este seria um grave problema, pois os limites entre empresa e funcionário se fundiriam, perdendo o empregado, com isso, a “cidadania civil” para tornar-se um “cidadão da empresa”99. Éden e ilha da fantasia A imagem do Éden, por sua vez, traz outras conotações. Éden pode ser entendido como o paraíso ou, ainda, como um “lugar de delícias” segundo o dicionário Michaelis. Aí reinaria a “tranqüilidade”, não haveria pressa nem desgaste, pois sabia-se poder ficar ali para sempre. “... andaram por aí, por vários empregos, até que descobriram o Éden, a tranqüilidade...” Ocorre, no entanto, que Adão e Eva foram expulsos do paraíso por terem comido da maçã. Seu pecado colocou-os no mundo real, cheio de incertezas e sofrimentos. E este 99 Há que se observar, no entanto, que a autora usa o termo cidadania em seu sentido sociológico mais comum, indicando que o cidadão está em pé de igualdade com os demais cidadãos, sem privilégios aos quais possa recorrer em detrimento de outrem. Seu comportamento é regido pelas leis da sociedade em que vive. Assim, segundo Schirato (1999), tornar-se cidadão da empresa é dela fazer seu ponto de referência para comportamentos e cobrança de direitos e deveres. Por outro lado, o termo cidadão no sentido antropológico proposto por DaMatta, aplica-se apenas àquele indivíduo que está na rua, despersonalizado por estar despojado de suas relações sociais. 294 sentimento de expulsão parece estar presente na metáfora do Éden, com a diferença que o convite para sair da empresa não se deu por nenhum pecado cometido. Se a empresa estatal foi obrigada a abandonar seu local no paraíso, assim ocorreu por uma situação fora do controle dela e de seus funcionários. Causas externas, como a globalização e a concorrência, obrigaram os funcionários a abandonar seu território paradisíaco para entrar no mundo dos mortais comuns. A imagem da ilha da fantasia, também, surgiu no discurso dos funcionários. Este seria um local mágico onde cada um poderia realizar seus desejos mais secretos, onde se estaria protegido das intempéries e desgraças que podem destruir o ser humano. “Antes da privatização, nós vivíamos numa ilha da fantasia. Nós passamos ao largo das crises econômicas do país... Tinha inflação alta, para nós era bom, porque todas as leis para combater a inflação eram aplicadas aqui para a gente. Então, as perdas salariais que tiveram no Plano Cruzado, no Plano Bresser, no Plano Collor, todas elas o sindicato entrava na justiça e nós recebemos. Recebemos aquela bolada toda. ... Nós recebemos tudo. Então, realmente, a gente vivia numa ilha da fantasia. ... Crise não nos abalava, desemprego não nos abalava. E agora, nós estamos à mercê do mercado. Toda a variação que tiver na Rússia, na Coréia vai refletir na gente agora. E isso algumas pessoas não conseguem enxergar e sofrem por causa disso.” A chegada da privatização A privatização foi fortemente associada com imagens negativas como doenças que corroem e destroem a imunidade do ser humano e prenunciam a morte (câncer, AIDS), com entidades desconhecidas, sem um rosto definido, mas com potência para assustar, matar e destruir (fantasma, monstro) e, por fim, com a morte propriamente dita. “Viam a privatização como um monstro. Que vai acabar com tudo, vai demitir todo mundo.” Essas imagens além de indicarem ser a privatização um prenúncio de algo ruim por acontecer, apontavam também para a demissão (morte), o que, em verdade, reforça a suposição de que privatização e downsizing formam um conjunto, um “pacote único” na imaginação dos funcionários de empresas estatais. Privatização viria, desta forma, sempre acompanhado de demissão. Silva e Vergara (2000), em pesquisa realizada em empresa estatal em fase de préprivatização, através de dinâmica de construção coletiva de imagens, relataram ter encontrado um conjunto de imagens negativas associadas às possíveis mudanças futuras. Pelo menos três delas se assemelham às metáforas desta pesquisa, conforme se pode verificar na Tabela 39 a seguir: 295 TABELA 39 IMAGENS NEGATIVAS DA MUDANÇA FUTURA EM EMPRESA EM FASE DE PRÉ-PRIVATIZAÇÃO Aspectos negativos Exemplos de imagens O rompimento de uma relação entre as pessoas Mãe que chora por não mais poder amamentar e a organização, antes sólida. seus filhos. Filhos que choram por não mais alcançarem o seio da mãe. A ameaça de rompimento de uma relação Amantes que, acorrentados, são obrigados a sólida entre as pessoas, em função da seguir por caminhos distintos. expectativa de cisão da empresa. A sensação de que a mudança está sendo Furacão, tempestade. imposta por uma grande ameaça externa. Fonte: Silva e Vergara (2000) Como pode ser observado, a imagem da mãe é bastante consistente nas duas pesquisas, sendo a empresa a grande mãe e os funcionários seus filhos de quem terá que se separar. Note-se ainda, a imagem dos filhos ainda bebês, o que pode indicar a falta de preparo dos funcionários em seguirem suas vidas de forma autônoma. Schirato (1999) faz observação semelhante. Em pesquisa em empresa brasileira de aviação, constatou que a empresa ao agir como grande mãe, gerava “filhos dependentes” (p.11) que seriam devotos à empresa, porém “imaturos para o mercado” (p.11). Há, ainda, uma peculiaridade a ser comentada. As imagens de doença, como câncer e AIDS, foram referenciadas em contexto de reprovação às pessoas que não acreditavam na privatização. Para esses, a privatização aconteceria apenas em outras empresas e não naquelas em que estavam trabalhando, indicando um comportamento de negação da realidade. “Ficou aquele negócio que o câncer só dá no vizinho, não dá aqui em casa”. “É igual a AIDS, só [se] acredita que ela existe, quando vem em alguém pertinho de mim. Até então [era]: ‘Isso é coisa da televisão. Isso não acontece aqui, perto de mim, não’. Então, com a privatização da ServC, era a mesma coisa”. Um dos gerentes da ServB relatou que a demissão, que se seguiu à privatização era mais do que esperada, mas ainda assim, teria causado surpresa, assim como a morte, que seria um fato racionalmente esperado por todos, mas emocionalmente evitado. “Desde o início da privatização, ficou claro para todos nós que, com certeza, iríamos ter pessoas desligadas. ... Estavam conscientes, não foram pegas... Quando eu digo, no início, que eles tiveram uma reação de surpresa, [é] porque é natural: as pessoas morrem, mas elas não acreditam que vão morrer um dia”. 296 Privatização com redução voluntária: o namoro desfeito Remanescentes de empresas, com programas de redução voluntária, referem-se a um relacionamento que “quebrou”, um “casamento desfeito” ou uma namorada “perdida”. Há que se observar que neste caso a relação com a empresa deixa de ser definida como relação entre mãe e filho, passando a ser vista como um relacionamento marital que se encerrou. “Vamos dizer assim: você namorou, casou e vai separar da mulher. ... O que assusta mais é esse quebra de relacionamento. ... só aquelas pessoas que não têm sangue nas veias que não sentiram. Porque eu tenho 26 anos de empresa. É a namorada que eu tenho há 26 anos”. Uma possível explicação para a redefinição do relacionamento pode estar na impossibilidade de se continuar com a metáfora materna e familiar justamente pela característica de perenidade desta relação. Mãe continua mãe para sempre. Assim, namoros e casamentos permitem que se continue referenciando uma relação afetiva ocorrida no passado, sujeita a rompimentos e separações e às conseqüentes dores da perda. A pesquisa de Silva e Vergara (2000) indica imagem semelhante no casos de pessoas que temem separar-se umas das outras em função de possível cisão futura da empresa. Embora haja diferenças nas situações específicas das duas pesquisas, o sentimento que transparece é o de quebra de relacionamento e de perda. Privatização com demissão: uma separação traumática e uma possível culpa dos que “morreram” As metáforas, no caso da privatização seguida de demissão, variam conforme o evento a que se referem. No caso da ServB, o primeiro grande plano (PDI), no qual 2.000 pessoas foram demitidas, foi retratado como um “terremoto” e uma “grande guilhotina”. São imagens, utilizadas por um gerente, que remetem a um grande volume de pessoas mortas. “Vamos dizer que um terremoto tenha passado ou uma grande guilhotina de pessoas...” Alguns pontos merecem ser comentados. Guilhotinas estão, provavelmente, associadas a mortes de pessoas que passaram por um processo de julgamento. Possivelmente, a imagem se fundamenta na história da empresa, uma vez que, na ServB, as demissões ocorreram com escolha por parte das chefias. Implícito, na metáfora, está o processo de culpabilização daqueles que saíram, “decapitados”, após julgamento que os declarou culpados. Imagem semelhante é utilizada pelo mesmo gerente ao se reunir com remanescentes: 297 “É a figura, assim, de que, quando cada um recebe seu salário, está recebendo uma fatia de um bolo. Se você tem pessoas que estão tirando a sua fatia e não estão ajudando o bolo a crescer, são pessoas que estão prejudicando a tua fatia. ... Ou seja, as pessoas que, realmente, faziam o bolo crescer é que tinham ficado. ... Isso se usou muito”. Por outro lado, terremotos, quando terminados têm como conseqüência, uma acomodação de camadas, em que aquele que estava em cima pode, ao final, estar embaixo e vice-versa. Além disso, terremotos são pouco previsíveis e podem ocorrer novamente a qualquer hora. As ondas seguintes de demissão foram retratadas como uma guerra, em que há “morto atrás de morto”. Nestas situações, seria normal perder-se a sensibilidade e a visão de tantos mortos já não causaria tanto dor e sentimento de perda. “Fazendo um comparativo, assim, bem forte. Quando você está numa guerra e começa a ver morto atrás de morto, você deixa de ter aquela sensação de perda. ... Engraçado, mas isso acontece. Então, quando aconteciam as demissões, eu ficava, assim: ‘Mais 100, mais 200, mais 50’ ... Certo que é um número extremamente significativo, mas você viu que já foram demitidos 2.000 e, agora, demitindo 500, 100 ou 50 você não vai...” A imagem contém traços do que a literatura crítica denominou de “banalidade do mal”. O termo é utilizado quando as situações ruins se repetem de tal forma que as pessoas se insensibilizam às mesmas, passando a achá-las banais. Para Déjours (1998), o sofrimento no trabalho, comum nas empresas, seria fruto desta banalização e deveria ser imputada aos objetivos econômicos das empresas. Empresa privada: o “mundo real” A maior riqueza de imagens surgiu na referência à empresa privada. Algumas pessoas referiam-se à empresa privada em contraposição à empresa estatal. Esta faria parte de um “mundo de fantasia”, de um “outro mundo”. Assim, estatal e privada seriam dois mundos completamente diferentes, e os remanescentes, embora egressos deste “outro mundo”, estariam, agora, no verdadeiro mundo, o mundo “real”. Essa mudança foi penosa para muitos, sendo que alguns ainda não teriam compreendido a nova realidade. “Ainda tem gente que não se conscientizou da mudança que a empresa está passando. O mundo está passando e [a pessoa] continuou ainda, assim, meio no mundo da fantasia. Você às vezes chama essas pessoas, conversa, tenta mostrar, olha, sacudir e mostrar: ‘Tenta ser diferente, porque daqui a pouco o trator vai estar passando em cima de você.’ Mas algumas pessoas ainda continuam meio perdidas.” 298 Passar para este novo mundo significa que se tem que acordar e descobrir ter estado sonhando, pois o mundo da fantasia não existe. Pode até ser necessário que se tenha que “sacudir” a pessoa, para que ela acorde deste estado de sono e viva em mundo mais “elétrico” . “Nós estamos nos adaptando a este momento, estamos nos adaptando a esta nova realidade. Então, esta questão de estar eletrizado faz com que haja maior desgaste pessoal. Mas, ao mesmo tempo, naquele mundo que a gente vivia, eu diria que era um mundo também irreal.” Para outros, a empresa deixara de ser a “família”, que tomava conta de seus filhos. Outro, ainda, declarou que nunca havia considerado a empresa uma família, pois os sentimentos dedicados a cada um tinham que ser de ordem diferente: “Nunca considerei que a empresa fosse família. Empresa é empresa. Família é em casa e tal.... Porque o sentimento que você tem que ter pela empresa não pode ser o mesmo que você tem pela família. Se não a família dança. ... Empresa não é família, por quê? Quando a coisa aperta na sua casa, você não põe ninguém para fora não. Você pode até apertar o orçamento ali, mas todo mundo vai continuar ali dentro. ... Então, fazendo essa analogia a gente vê claramente que empresa não é família. Empresa é diferente, o tratamento é diferente, é um tratamento de competição. Principalmente empresa grande, onde há competição.” Em consonância com esta imagem, um dos entrevistados indicou que teria que passar a “caçar o rumo” dentro da empresa. Aparentemente, estas duas imagens se completam, pois na ausência de família, há que se ir caçar, em busca do próprio alimento. Por fim, para um dos entrevistados, o destino dos remanescentes seria o da morte. Sentia que, mais cedo ou mais tarde, todos os funcionários oriundos da estatal seriam substituídos por funcionários mais novos. Sem muito o que fazer, continuaria a trabalhar esperando a sua hora: “Não tem o que fazer. Continuo trabalhando da mesma maneira, procurando sempre fazer o meu serviço o melhor possível, sempre trabalhando direitinho ali, operando para a empresa, para a empresa progredir. Não tem muito o que fazer. É que nem a morte, você sabe que uma hora vem, não sabe a hora que chega”. Observam-se, portanto, relatos que apontam para um mundo organizacional – subjetivo - além das racionalizações puramente instrumentais. Um espaço subjetivo dos atores organizacionais que funciona como um mundo paralelo ao da vida real, e encontra sua expressão no denso – e, talvez, por isso mesmo fragmentado - discurso das metáforas. 299 7.2.2 Emoções: prazer e sofrimento no trabalho Percorrer a história das três empresas privatizadas significou deparar-se com discursos entrelaçados de fatos objetivos e vivências subjetivas. Vivências que se revelaram de forma entrecortada, fragmentada, presente as vezes apenas nas entrelinhas, em mãos crispadas e até em lágrimas. Por vezes revelou-se, também, na altura do tom de voz, nos pequenos gritos de entusiasmo, na fala firme da determinação e em olhares esperançosos de um futuro melhor. Estas experiências subjetivas não devem, porém, alerta Déjours (1998), ser confundidas com “fantasioso ou arbitrário” (p.50). Para o autor, relatos objetivos dos fatos e descrição subjetiva são formas diferentes de descrever a mesma organização do trabalho. Além disso, sentimentos como sofrimento, dor ou prazer não seriam visíveis e os estados afetivos não seriam mensuráveis. Nada disso, porém, legitimaria, que se lhe “negue a realidade nem que se despreze os que dela ousam falar de modo obscurantista” (Déjours, 1998, p.29). Ocorre, porém, que a descrição objetiva tende a ter preponderância nos estudos administrativos, tendo sido a vivência subjetiva relegada a disciplinas específicas como, por exemplo, a psicologia do trabalho, sem que houvesse verdadeira integração com o corpo teórico principal da Administração. Não é por outro motivo que as dimensões psíquicas e afetivas tenham sido incluídas por Chanlat (1992) como parte daquelas dimensões humanas “esquecidas” pela teoria administrativa, que tem “preferido as visões que lhe são menos incômodas” (p. 23). Assim, entrevistar os remanescentes das empresas privatizadas significou ter acesso à ante-sala deste mundo emocional, em grande parte reprimido pelo discurso formal e objetivo da organização. As forças mostraram-se presentes e se uma porta, por pequena que fosse, se abriu, então puderam emergir e assumir a verdadeira importância que mereciam. Segundo Flam (1994), quando emoções são estudadas, elas normalmente têm como foco de atenção, a satisfação, o entusiasmo para o trabalho e o sentido de atualização. Emoções negativas, como medo e culpa, não teriam recebido a atenção merecida. Assim, um dos objetivos deste “corte transversal” nos dados é, justamente, o de revelar uma faixa mais larga de sentimentos, incluindo, por exemplo, o medo e o amor. Leitmotiv: o medo Se um motivo condutor tivesse que ser escolhido para o conjunto de experiências de entrevistas – diadicamente construídas -, este motivo seria o medo. Medo que foi prontamente reconhecido, negado, subjugado, racionalizado ou projetado em outros, mas que, firmement,e surgiu como nota dominante nos relatos. Seu primeiro sinal surgiu com a notícia da privatização, vista tanto como uma ameaça à estabilidade do emprego quanto à forma “tranqüila” com que se desenrolava o trabalho 300 na empresa estatal. Como já comentado, as associações da empresa estatal com a figura da mãe e da família, justificam a esse temor. “Porque quando foi feito esse negócio [a privatização], as pessoas ficaram com medo, com muito receio.” “Então quando começou isso ... tinha gente que simplesmente tinha medo como o diabo da cruz.” “Se a gente fosse escolher um sentimento ... na minha visão, seria o medo. Insegurança com a privatização, por causa da mudança.” Pagès et al, ao estudarem uma grande empresa multinacional na França, depararam-se com um vínculo semelhante entre a empresa-mãe e os empregados-filhos. A multinacional oferecia bons salários e boas oportunidades de crescimento na carreira mas exigia, em contrapartida, adesão à sua filosofia e forma de trabalho. O filho sentiase obrigado à atender às exigências sob pena de perder o amor desejado. Nas palavras dos autores: “A organização ... está associada a uma imagem inconsciente feminina. O motor de sua dominação psicológica é a oferta de retirada de amor, bem mais que a coerção, a interdição, a castração, diriam os psicanalistas. ... Mas ele só pode ser livre ao abrigo da organização, aderindo às suas regras e à sua filosofia. Sua liberdade tem por contrapartida e por condição uma regressão mais profunda, uma dependência em relação à organização mãe; uma demanda de amor insatisfeito pela mãe, e um medo de perder seu amor, constantemente cultivado pela organização.” (p.37) No caso brasileiro, todavia, a empresa estatal exercia seu papel de mãe de forma incondicional, sem exigência de contrapartida. Assim, não havia nenhuma vinculação de dependência pelo medo. É razoável, portanto, por esta perspectiva, que esse sentimento estivesse ausente nas referências ao tempo de estatal e estivesse fortemente associado ao evento da privatização, por implicar a perda desta mãe magnânima. Posteriormente, já perto da privatização, tensão, ansiedade e medo estiveram presentes nas decisões de adesão ao plano de desligamento voluntário. Para ilustrar, houve casos de funcionários que, em tendo aderido, tentaram voltar atrás, para depois, novamente, optar pelo desligamento, indicando fortes dúvidas associadas à decisão tomada. “Às vezes a pessoa aderia, depois se arrependia e voltava atrás. Depois cismava, entrava de novo. ... Porque a ansiedade desse grupo que entra, a ansiedade é muito grande e a insegurança é muito grande.” “Eu cheguei a aderir ao plano, mas desisti depois. ... A empresa estava passando por uma fase tensa. Todos os empregados estavam numa situação que teriam que optar se sairiam, ou não, da empresa naquela ocasião.” 301 Iniciado o processo de privatização, instalou-se uma insegurança, agora associada às possibilidades de programas de enxugamento e às mudanças vindouras. Muitos medos, expressos por motivos diversos, alguns claramente definidos, outros desconhecidos, mas nem por isso, menos presentes: medo de não se adaptar, medo do despreparo para o novo, medo da falta de qualificação, medo da mudança. Nas palavras de um dos entrevistados, havia uma “ansiedade coletiva”. “Teve um grupo de pessoas que estava com medo, com medo da qualificação profissional. ... A qualificação que estava sendo demandada. ... Podiam, de uma hora para outra, não ter mais um papel importante na empresa e vir a ser demitido sem nenhum incentivo.” “A gente achava que era uma mudança assustadora, até para ser bem franco, assustadora para a gente. ... Então a gente foi vendo que não era bem aquilo; era uma coisa complicada, mas não era esse bicho de sete cabeças que todos faziam. Essa era uma coisa mais ou menos geral: todo mundo tinha muito medo.” Veja-se a similaridade destes relatos com a pesquisa de Déjours (1998, p.28), para quem haveria um “sofrimento por trás das vitrinas” dos que temiam não satisfazer e estar à altura das imposições da organização, como por exemplo, “de horário de trabalho, de ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiência, da rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e de adaptação à ‘cultura’ ou à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os particulares ou o público etc.” Já privatizada, as empresas implantaram severos programas de redução de pessoal. Nos casos dos programas voluntários, embora não houvesse o trauma do corte involuntário, acumulavam-se dúvidas e ansiedades associadas aos riscos da decisão. “Eu achava que era um risco também. Eu, amanhã, podia não querer sair no PDI, mas a empresa podia me mandar embora ... Mas é um risco que a gente corre. A gente não sabe o que está passando pela cabeça das pessoas.” “Algumas pessoas estavam literalmente apavoradas ... O medo era, inclusive, de alguém tentar [fazer ele] mudar de idéia. Por isso, esconderam a decisão até o último minuto.” Por fim, passado um tempo da privatização, os sentimentos de medo e incerteza permaneceram. Com tantos anos passados na empresa estatal, sem a experiência de trabalho na empresa privada, sem referências que servissem de orientação, muitos sentiram angústia e ansiedade na busca do comportamento “correto” na empresa privada. 302 “Você leva toda essa ansiedade para dentro da sua casa. Você não consegue se desligar, então acaba, muitas vezes, discutindo em casa ou você acaba não dando a atenção devida em casa. Porque muitas vezes, você tem que ficar ligado aqui na empresa. A ansiedade, será que eu tinha que ficar até as 7 horas, até às 8, até às 10?” A precariedade do emprego desnorteia o empregado mais simples, aquele que estava acostumado a saber que seu emprego dependia de esforço e diligência. A nova empresa trouxe uma série de exigências sem a contrapartida de requisitos mínimos que pudessem orientar o comportamento do funcionário. “Então não existe mais tranqüilidade para nós, hoje, aqui. Existiria tranqüilidade se algum deles viesse lá de recursos humanos ... e dissesse: ‘Se você é bom, está fazendo por merecer, se você está dando produção para a nossa empresa, se você está ... não tem porque te mandar embora. Temos que segurar você, porque você é bom!’ Mas por mais que o cara seja bom ...” Conscientizaram-se de não estarem sozinhos, pois esta condição seria inerente à empresa privada e todos que nela trabalhassem assim se sentiriam. Tentativas de enunciar os requisitos para a permanência do emprego mostraram que os funcionários impunham-se exigências desmesuradas, ilustradas pela frase “acompanhar a evolução do mundo em todos os sentidos”. “Acho que todo mundo hoje em iniciativa privada, acho que ninguém tem seu emprego garantido. Eu diria que ... desde que façam o seu trabalho com competência, desde que estejam acompanhando a evolução do mundo em todos os sentidos, eu acho que as pessoas têm condições de continuar trabalhando aqui dentro. ... É lógico que eu acho que ninguém tem emprego garantido. Ninguém tem ... em termos da iniciativa privada, em lugar nenhum." “Todos nós temos medo de perder o emprego. Todos nós temos.” Outros medos se somaram ao medo de poder ser mandado embora a qualquer hora. De uma forma geral, a idade tornou-se uma grande ameaça, algumas vezes diretamente sinalizada como no caso da ServC, com seus freqüentes planos de incentivo à aposentadoria, ou indiretamente sinalizada, como no caso da ServB, com prestígio concedidos aos novos em seus programas de trainees. “Então no início é um terror. ... mas para mim, pessoalmente, eu já não me sinto tão afetado. Tenho engenheiros que trabalham comigo que sentem isso. Te confesso que sentem. Mais velhos do que eu, de idade e tudo isso.” 303 “Dá medo ... essa coisa da idade é um negócio que dá medo. Até porque eu tenho 48 anos de idade, então, é óbvio, que para mim ... a coisa parece bastante próxima.” “Acho que agora eu tenho mais medo de ser mandado embora do que eu tinha na época. Não pode ser mandado embora por incompetência ou qualquer coisa assim. Porque eu acho que o momento atual da empresa está complicado, está meio difícil. ... Acho que eles vão acabar buscando muita gente lá fora para conseguir pegar de novo.” Há que se observar, ainda, como alguns discursos apresentam características esquizofrênicas, no sentido que parecem referir-se, ao mesmo tempo, a dois mundos que não se comunicam. De um lado, apresentam-se as teorizações sobre os requisitos necessários para se permanecer no mundo da segurança - desde que se faça isso e se faça aquilo - e, simultaneamente, aponta-se para a realidade de um mundo que não promete qualquer tipo de estabilidade - “em termos de iniciativa privada ninguém tem emprego garantido” -, onde a empresa pode, segundo outro entrevistado, “fazer qualquer coisa”, pouco restando ao campo de ação do empregado. Amor: desejável ou desprezível? A ligação afetiva também esteve presente nos discursos. É razoável que remanescentes com tantos anos de trabalho na empresa tenham algum tipo de ligação emocional com a organização, sentindo-se parte da mesma. Um dos entrevistados, por exemplo, manifestou sentir-se responsável, junto com sua equipe, pelo sucesso da empresa. “Eu tenho um amor muito grande por essa empresa. Eu tenho certeza que muito do que ela é, é fruto do meu trabalho com a minha equipe.” “O amor à empresa, de qualquer um que você vá conversar na parte do campo, independente da classe e da profissão, é muito forte.” “De modo geral, a experiência que eu tenho, é que as pessoas sempre tiveram muito respeito com a empresa, muito amor à camisa, mesmo.” Além de amor pela empresa, havia também aqueles funcionários que mostravam um grande apreço pelo trabalho realizado e um amor pela profissão que passaria de pai para filho. A ligação entre o funcionário e a profissão e a empresa seria tão vital, ao ponto de ser hereditária e as pessoas terem a atividade no “sangue”. Faria, assim, parte da própria natureza do funcionário, ao invés de ser o resultado de uma escolha profissionalmente orientada. “Nós temos ... [a atividade] no sangue, ... ele realmente tem amor pelo que faz. ... Meu pai faleceu, eu nem cheguei a conhecer ele. Eu tinha três anos, ele era ... isso é hereditário, isso passa de pai para filho.” 304 “Eu trabalho porque realmente eu tenho amor pelo trabalho.” “Neste momento, eu visto a camisa da empresa dia e noite e eu gosto do que faço. É uma coisa realmente, amor por aquilo que a gente faz.” O amor manifestou-se, também, na forma de gratidão. Em alguns casos pode-se perceber uma ligação decorrente de um agradecimento por ainda estar na empresa e dela prover o sustento. “Eu faço isso, mas eu faço isso com aquele amor, porque hoje é ela que me mantém.” Esta ligação afetiva pode, por outro lado, ser considerada uma patologia, um comportamento não recomendado, em um mundo onde as pessoas são avaliadas positivamente por terem posturas racionais e “profissionais’. “ Esses outros [remanescentes] têm uma ligação com a empresa, que ainda está mal resolvida. ...Estão ligadas ... Quase como se fizessem parte de uma família.” ‘A relação desse novo funcionário não é mais afetiva como nos antigos. Ela é mais profissional, com uma clareza maior para ambas as partes: empregado e empresa. Não tem mais aquela mistura.” Poderia ser de tal forma absorvente, ao ponto de a pessoa deixar de tomar decisões adequadas para si mesmo, pois a lógica estaria cega. Invertendo-se o objeto da cegueira e recorrendo-se ao dito popular “cego de amor”, poder-se-ia inferir que o amor pela empresa teria como efeito impedir o raciocínio correto. Seria, portanto, um sentimento condenável por seu caráter irracional. “Existe uma certa ligação, amor ou vínculo, qualquer nome desse, que eu acho tende a cegar um pouco a lógica. Então, pessoas que podiam tomar uma decisão mais acertada em sair, não o fazem. ... Tem gente que nem muitas férias gostava de tirar.” Orgulho e satisfação Orgulho pela empresa e satisfação com o trabalho realizado estão, também, presentes nas entrevistas. De uma forma geral, o orgulho pela empresa deriva da importância do serviço prestado à população, da consciência da importância de seu trabalho na vida diária das pessoas. “Nós ficamos esse período aí, esses dois últimos meses realmente vendendo a imagem da empresa. Eu senti, assim, orgulhosa. ... Estou vendendo a imagem da empresa em que eu trabalho com orgulho.” “Tenho orgulho de trabalhar nessa empresa.” 305 “O indivíduo que trabalha na ServC, ele é visto na sociedade de forma especial, como alguém que trabalho numa empresa que presta um serviço público, portanto presente ... todos os cantos. Tem esse sentido. ... amor próprio do trabalhador da ServC. Isso acontece muito na empresa.” A satisfação no trabalho pode ser basicamente ligada à autonomia para a realização de uma tarefa e ao sentimento de realização ao final da mesma: “Aí você chega, e você tem autonomia de dizer: ‘Não, isso não é assim. A gente quer que isso seja assim, assim e assim’. E as pessoas fazem, isso aí dá uma satisfação. Você não chega como um chefe ‘Não, eu quero isso, eu quero aquilo’. Mas você sabe uma maneira boa de falar com as pessoas. E até porque você tem autoridade de falar, as pessoas entendem. É gratificante.” Assim, medo, amor, orgulho gratidão e satisfação são alguns dos sentimentos subjacentes ao desenrolar da privatização e do downsizing. Se associados às metáforas podem em muito esclarecer sobre o mundo subjetivo dos atores. É da multiplicidade dos enfoques, das leituras do simbólico, do acesso às emoções, dos “cortes transversais” enfim, que a análise dos fenômenos organizacionais pode ganhar maior densidade e riqueza. 306 8 CONCLUSÕES E PESQUISAS FUTURAS RECOMENDAÇÕES PARA Este capítulo apresenta as conclusões da pesquisa realizada e levanta questões para pesquisas futuras. 8.1 Sumário A pesquisa teve por objetivo investigar a percepção dos atores no processo de downsizing em três empresas brasileiras. O fenômeno do downsizing, definido como a redução planejada de pessoal, tem sido palco de debates na mídia popular e tema de estudo na comunidade acadêmica, por seu impacto na vida empresarial e, também, na vida pessoal e familiar dos funcionários remanescentes e dos funcionários desligados. Tendo em vista a complexidade e contemporaneidade do fenômeno e o tipo de pergunta da pesquisa, optou-se pelo método do casos, utilizando como técnica de coleta de dados a entrevista em profundidade. O estudo é, quanto aos seus fins, do tipo exploratório dada a natureza recente do fenômeno e a escassez de estudos no Brasil e em outros países. É, também, do tipo descritivo, por ter relatado minuciosamente, a partir das percepções dos atores envolvidos, o processo de downsizing. Por fim, propiciou a geração de teoria por ter trazido contribuição teórica ao estudo do fenômeno em empresas brasileiras. A pesquisa foi conduzida em três empresas que realizaram importantes processos de downsizing nos anos de 1996, 1997 e 1998, sendo que duas tinham sede na Região Sudeste e uma tinha sede na Região Sul do Brasil. Por uma coincidência de pesquisa, todas haviam sido privatizadas em período imediatamente anterior à realização dos programas de redução de pessoal, o que teve influência na pesquisa e terminou por caracterizá-la como um estudo do processo de downsizing no contexto da privatização. Foram realizadas 58 entrevistas em profundidade com funcionários em todos os níveis organizacionais das empresas, incluindo executivos importantes da área de Recursos Humanos, gerentes de nível médio e do nível de supervisão, funcionários técnicos e administrativos e funcionários da base operacional. As entrevistas tiveram duração média de uma hora, gerando cerca de 58 horas de gravação e 1.200 páginas de texto transcrito. Os dados foram analisados seguindo os preceitos da Grounded Theory com auxílio de software adequado ao tratamento de dados qualitativos. A ServA, empresa do setor de serviços com sede na Região Sudeste, era tida, dentro de seu âmbito de atuação, como uma empresa modelo. Em 1996, já se preparando para a iminente privatização, ofereceu um primeiro plano de desligamento voluntário. Em 307 1998, foi vendida, e junto com outras empresas estaduais, igualmente privatizadas, passou a fazer parte de um grupo maior, cuja holding se localizava na Região Sudeste. De acordo com o edital de privatização, qualquer demissão em massa realizada nos primeiros 180 dias após a data da privatização, deveria ser feita na forma de um plano incentivado, sendo que ficaria a cargo da empresa o estabelecimento dos critérios do mesmo. A matriz optou por oferecer, então, ainda dentro dos primeiros seis meses, um plano de desligamento voluntário aberto a todos os funcionários. Na unidade pesquisada, ServA, o plano contou com a adesão de 1074 pessoas com idade média de 47 anos e média de 22 anos de trabalho na empresa. Na avaliação do diretor de Recursos Humanos, este volume de adesões foi surpreendente, pois se esperava, em função de simulações realizadas, um volume bem menor, da ordem de 700 a 800 adesões. A empresa ServB é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação na Região Sul do país. Seguindo o programa brasileiro de privatização, foi adquirida, em 1997, por um consórcio de sócios majoritariamente nacionais. Ainda como estatal e tendo em vista a preparação para a privatização, a empresa ofereceu, ao final de 1996, um plano de demissão voluntária, a todos os empregados. Dadas as restrições orçamentárias à época, estabeleceu-se uma cota para as adesões e nem todos que se inscreveram puderam participar do plano. Ao ser anunciado o ganhador do leilão em final de 1996, iniciou-se uma fase de transição, que durou cerca de dois meses, durante a qual se realizou uma administração conjunta da estatal e do consórcio adquirente. Nessa época, os novos administradores montaram uma equipe responsável pela transição, que definiu, entre outras coisas, as linhas da nova estrutura administrativa, além de um novo plano de demissão a ser imediatamente implantado. No início de 1997, a nova diretoria assumiu, realizando, logo no primeiro dia, cerca de 2.000 demissões, sendo que, ao longo de 1997 e de 1998, outras reduções substanciais foram realizadas. A ServC é uma tradicional prestadora de serviços da Região Sudeste. Em junho de 1996, foi adquirida por um consórcio formado por empresas estrangeiras e nacionais. Logo depois de privatizada, demitiu cerca de 300 empregados. Algum tempo depois, ofereceu um plano de desligamento incentivado aberto a todos os funcionários, ao qual aderiram cerca de 4.500 empregados. Outros planos de desligamento foram realizados ao longo dos anos, voltados especificamente, para os funcionários que tivessem condições de aposentar pela previdência oficial. A adesão ao plano era voluntária e aqueles que quisessem continuar trabalhando na empresa poderiam fazê-lo. No início de 1999, no entanto, ofereceu um 308 plano que, ao contrário dos anteriores, caracterizou-se pela obrigatoriedade da aposentadoria. 8.2 Conclusões De uma forma geral, a literatura específica pressupõe que planos de redução planejada de pessoal se realizem em empresas fora do contexto da privatização. O fato de o downsizing ocorrer neste contexto específico, tem implicações que ampliam e, em alguns casos, diferenciam as características e conseqüências dos programas comparativamente àqueles normalmente relatados pela literatura. 1. Os processos de downsizing em empresas recém-privatizadas, encontram-se inseridos em um processo de mudança radical da organização, caraterizado por alterações na composição acionária, na alta administração, na tecnologia, nos valores e nas práticas organizacionais. Os processos de downsizing estudados, ao inserirem no contexto da privatização, inseriram-se, também, em um conjunto de mudanças que ocasionaram a completa transformação da empresa. Em primeiro lugar, ao ser vendida, muda-se a composição acionária da empresa, que deixa de ser regida pelos interesses, normalmente políticos, do governo para ser regida pelos interesses econômicos dos novos acionistas. Como conseqüência, há, via de regra, alterações na alta administração da empresa, com representantes das empresas adquirentes. Por outro lado, normalmente as estatais realizaram em seus últimos anos, por conta da redução de gastos do governo federal, poucos investimentos na modernização de equipamentos e na tecnologia típica da empresa. Com a privatização, foi normal o aporte de novo capital e sua aplicação na modernização tecnológica, com vistas a recuperar este atraso do passado. Assim, nas empresas estudadas, particularmente na SerB e na ServC, foram grandes os investimentos na modernização dos processos administrativos e produtivos. Valores e práticas organizacionais também se alteraram. Se a empresa foi adquirida por empresa com forte cultura corporativa, esta transferiu seus valores e práticas para a nova organização, provocando alterações substanciais no dia-a-dia dos funcionários. Se a empresa foi adquirida por um consórcio em que os novos acionistas estão trabalhando juntos pela primeira vez, novos valores e práticas demoram mais a ser assimilados pelos funcionários. 309 2. Os processos de downsizing em empresas recém-privatizadas caracterizam-se por sua severidade e abrangência e por restrições governamentais. Em empresas não privatizadas os programas de downsizing têm grande variabilidade, podendo atingir apenas um local, uma fábrica, uma função terceirizada ou ainda, toda a organização (Katz, 1997; Tomasko, 1990). Os processos de downsizing estudados nesta pesquisa, porém, caracterizaram-se por ser abrangentes, incluindo todas as áreas geográficas onde a empresa estava presente, todos os níveis operacionais e todos os processos. A amplitude do plano de downsizing, no caso de empresas privatizadas, tem sua razão de ser em um quadro de pessoal excessivo, ocasionado principalmente pela administração política e pela cultura de não demissão da estatal. Assim, é razoável que a empresa adquirente optasse pela implantação de um programa de redução de pessoal que procurasse diminuir o contingente existente. Os níveis de redução praticados pelas empresas estudadas – 20% no caso menos severo e 40% no caso mais severo – indicam a intensidade deste corte. Acresce-se, ainda, que, o fato de o governo brasileiro ter, nos últimos anos, em função de contenção de gastos, limitado o número de concursos públicos, implicou um contingente de pessoal com alta idade média e próximo da aposentadoria. Assim, outro objetivo do downsizing foi o de reduzir o tempo médio de trabalho do corpo de funcionários. Em empresas não privatizadas, a data e as características do plano são de responsabilidade da própria empresa, encontrando suas principais limitações na legislação trabalhista do país onde está sendo implantado e nas questões internas à própria organização. No caso das empresas privatizadas, duas delas tiveram restrições quanto à implantação do plano impostas pelo próprio edital de privatização. Outro aspecto refere-se à população de funcionários que a empresa enfoca em seus planos de redução. Duas das empresas pesquisadas realizaram planos voluntários procurando incentivar os funcionários com mais tempo de empresa e perto da aposentadoria. Esse tipo de plano é favorecido no caso de empresas estatais, pois estas, geralmente, têm um fundo de pensão que complementa a aposentadoria concedida pelo sistema de seguridade oficial do governo. Assim, há um estímulo maior destes empregados em aderir aos planos voluntários, pois sabem que terão sua renda ao menos parcialmente garantida. Trata-se, portanto, de uma nítida vantagem das empresas estatais, em relação àquelas que não têm fundo de pensão, no atingimento das metas de redução. Assim, o fato de a redução de pessoal ocorrer no contexto de empresas recémprivatizadas se relaciona com planos severos em seu grau de redução, amplos na abrangência, limitados a eventuais regras do edital de privatização e atingindo, nos 310 casos de planos de desligamento voluntário, preferencialmente, funcionários com mais tempo de empresa. A ocorrência de um plano de redução de pessoal, com as características anteriormente relatadas, em empresa recém-privatizada implica vários aspectos dos quais os principais são: (a) percepção, por parte dos remanescentes, de que a privatização e o downsizing entrelaçam-se formando eventos que andam juntos; (b) alteração nas práticas organizacionais e na forma de trabalhar; (c) mudança no contrato psicológico e (d) alteração na construção do futuro dos remanescentes. 3. O impacto do downsizing sobre os gerentes difere daquele relatado na literatura específica de downsizing Para Wright e Barling(1998) os executores passariam por fases de culpa, sobrecarga de papéis, conflito trabalho-família, exaustão emocional, diminuição do bem-estar e por fim solidão e isolamento. Segundo esta pesquisa, as vivências de sobrecarga de papéis e conflito trabalho-família foram plenamente confirmadas. Não estavam, todavia, limitadas aos gerentes, tendo sido igualmente encontradas nos funcionários sem cargo gerencial. As vivências de exaustão emocional – no sentido de isolamento físico e emocional do ambiente de trabalho e da vida social -, diminuição do bem estar e solidão não foram encontradas nesta pesquisa. É provável que se tenha uma explicação a partir da perspectiva cultural, sendo, possivelmente, o isolamento descrito pelos autores mais típico de sociedades individualistas do que de sociedades relacionais como a brasileira. Dada à abrangência do programa de downsizing e o processo de privatização a que todos foram simultaneamente submetidos, é razoável inferir que gerentes encontraram amplo espaço e mesmo estímulo para a partilha de suas vivências. O fato de os remanescentes, gerentes ou não, terem sido colegas de trabalho, por muitos anos, na estatal, provavelmente, facilitou a troca de experiências evitando, assim, a distância social e emocional no ambiente de trabalho relatada por Wright e Barling (1998). 4. O contexto da privatização em que se inserem os planos de downsizing faz com que a privatização e o downsizing sejam percebidos como causa e efeito pelos participantes. Do ponto de vista dos atores, privatização implica demissão em massa, sendo que esses processos se entrelaçam e quase não se distinguem na percepção dos envolvidos. Em sendo aceita a hipótese de privatização, os funcionários concebem-na como sinônimo de demissão. 311 5. Por conta disso, a comunicação do plano de downsizing não cumpre o objetivo de informar, mas adquire um significado simbólico, de demarcar a mudança do contrato psicológico. A ocorrência de um plano de redução de pessoal não é surpresa, portanto, para os funcionários de estatais em que houve anúncio de privatização. O programa se antecipa no horizonte muito antes da data da privatização. Os empregados podem não acreditar na privatização, como de fato ocorreu nas três empresas pesquisadas, mas, uma vez aceita a sua inevitabilidade, a preocupação voltou-se para o “quando” e o “como” do plano a ser implantado. A comunicação do plano por parte da empresa já privatizada tem dois objetivos, um prático e outro simbólico. Do ponto de vista prático, as ações de comunicação pretendem informar as razões para o plano e as características dos mesmos. Nos casos de planos voluntários, comunicam-se as condições de adesão e os benefícios oferecidos e, no caso de plano involuntário (demissão), tem-se por finalidade informar os selecionados para o desligamento. Do ponto de vista simbólico, sinaliza a alteração de um ponto fundamental no contrato psicológico. A estabilidade, assegurada na época de estatal, deixa de existir e todos podem, daquele ponto em diante, perder seu emprego. 6. A implantação de planos de desligamento, voluntários ou involuntários, tangibiliza a mudança do contrato psicológico. A mudança de estatal para privada e o programa de downsizing modificaram, desta forma, substancialmente o contrato psicológico do empregado. Segundo Rousseau (1996) na fase de preparação para a mudança do contrato psicológico, sinais e ações simbólicas de que o velho contrato acabou são de primordial importância. Na empresa estatal, havia a certeza da não demissão e mesmo comportamentos desviantes não eram motivo suficiente para o desligamento. A cultura da empresa, as questões políticas e a pressão do sindicato eram as causas dessa prática. Com a chegada da privatização e a implantação dos planos de redução de pessoal, voluntários ou involuntários, essa certeza se desfez e o empregado passou a sentir seu emprego ameaçado. 312 7. A partir daí, identifica-se um processo de adesão à “lógica da empresa privada” presente no discurso dos participantes e nas atitudes diante das novas imposições organizacionais. Conforme as entrevistas realizadas pôde-se constatar que os remanescentes do processo de privatização e downsizing aderiram de forma bastante consistente à lógica da empresa privada. Os argumentos utilizados pelos funcionários espelham essa posição. Ao relatarem as mudanças ocorridas em seu dia-a-dia, a forma mais comum de argumentação baseava-se na contraposição das práticas da empresa estatal frente às práticas da empresa privada. Via de regra, o quadro excessivo de pessoal, a impossibilidade de demissão, a ausência de política de méritos, a burocracia na comunicação, o difícil acesso aos níveis superiores da empresa, o lento processo decisório, a falta de contato com o mundo “real” e o descuido com o cliente, foram motivos de crítica por parte dos funcionários da ServB e da ServC. Pôde-se perceber que, quanto maior a adesão à nova lógica, maior era a crítica ao passado. A exceção, como já relatado, refere-se à ServA, vista por seus funcionários remanescentes como altamente eficiente, produtiva, tecnológica e gerencialmente exemplar. As exigências da empresa privatizada que passou a operar em outro ambiente de negócios foram, portanto, incorporadas pelos funcionários. Assim, segundo seus depoimentos, uma empresa privada deve dar lucro senão fecha, deve atender bem seus clientes para poder gerar receita e não perdê-los para o concorrente, deve trabalhar com uma estrutura de pessoal enxuta, de forma a ter vantagem competitiva, deve agir e decidir rapidamente de forma a ganhar agilidade, deve dispor de um corpo de pessoal capacitado a aceitar novos desafios, deve cumprir suas metas, mesmo que para isso sejam necessárias longas horas adicionais de trabalho, deve ter boa imagem no mercado e deve estar tecnologicamente atualizada. Exigências típicas de uma empresa privada, distantes do discurso e das práticas da empresa estatal. Há que se conjeturar como foi possível a adesão a uma realidade tão diferente. A hipótese assumida neste trabalho é que a transformação do contrato psicológico foi a base fundamental para a mudança de atitude do funcionário e para sua adesão à nova lógica. Esta transformação, por sua vez, pôde ser realizada basicamente por força de três fatores: a privatização seguida do downsizing, pressões da diretoria e da nova cultura organizacional e pressões do meio ambiente específico da empresa. A privatização, plenamente anunciada e discutida publicamente e entendida como sinônimo de demissão em massa, surgiu como a primeira ameaça ao contrato vigente na estatal. Os planos de desligamento tangibilizaram a mudança nas regras do contrato. O 313 novo contrato psicológico foi sendo, então, construído e sedimentado por meio das novas regras de trabalho e pelas práticas e pressões da organização privada e de seu ambiente externo. O ambiente externo tem influência na transformação do contrato psicológico, na medida em que se constitui em alternativa para o empregado sair da empresa, caso não concorde com as mudanças em curso. Assim, via de regra, em mercados com grande oferta de mão de obra, funcionários de área administrativa, notadamente aqueles com baixo nível de escolaridade, percebem existir poucas oportunidades de encontrar um novo emprego. Da mesma forma, engenheiros e técnicos com especialização específica à empresa podem encontrar maior dificuldade de emprego caso se desliguem da empresa. Em alguns casos uma nova colocação só seria possível se se dispusessem a mudar de Estado ou mesmo de região. Assim, à medida em que o contrato psicológico foi sendo transformado, passou a haver uma adesão às novas regras de relacionamento entre empresa e empregado. 8. Ao adotar a lógica da empresa privada, a relação percebida da empresa com o ambiente se modifica, passando a ser mais permeável. Observou-se nas empresas pesquisadas maior atenção ao cliente e ao serviço prestado. Cientes de que, em ambiente competitivo, o cliente tem outras alternativas de contratação de serviço, os funcionários passaram a se preocupar com a presteza e a qualidade do serviço prestado, o que difere da postura do funcionário na época de estatal, quando esta questão tinham menos importância. A concorrência tornou-se motivo de atenção e preocupação, pois esta poderia avançar na fatia de mercado da empresa, diminuir seus lucros e, por conseqüência, ameaçar a empresa e o emprego. Algumas delas passaram, também, a ser fiscalizadas por órgãos reguladores governamentais o que lhes impôs uma pressão adicional. Funcionários de áreas tipicamente de fronteira, isto é, em contato com o ambiente externo como compras ou recrutamento e seleção sentiram algumas modificações. Se a estatal tinha impedimentos e regras rígidas na contratação de produtos, serviços e mãode-obra, o que lhes impunha um certo isolamento, as privadas, por sua vez, mantêm, comparativamente, contatos mais freqüentes com pessoas e com empresas externas. 314 9. O processo de downsizing, inserido na privatização da empresa, leva a alterações na forma de trabalhar que são aumento na carga de trabalho, maior responsabilidade e autonomia na execução das tarefas, multifuncionalidade e postura pró-ativa na resolução de problemas. Outras implicações se fazem presentes e dizem respeito à alteração na forma de trabalhar dos empregados. Uma das primeiras alterações relatadas refere-se à carga de trabalho, aumentada substancialmente em função da redução de pessoal e implicando jornadas diárias estendidas para além do horário comercial e incluindo, também, finais de semana. Outras questões contribuíram, ainda, para o aumento na quantidade de trabalho. As empresas adquirentes investiram grande volume de capital, modernizando máquinas e equipamentos e investindo fortemente em sistemas de informação, o que, no início, acarretou esforço adicional, tanto na implantação dessas tecnologias, quanto no aprendizado das ferramentas. Assim, funcionários de empresas estatais com tecnologias atrasadas foram obrigados, em curto espaço de tempo, a aprender a operar novas máquinas e a lidar com a tecnologia de informática. Novamente, o impacto sobre os remanescentes, nestes casos, difere daquele ocorrido em empresas que encerram ou terceirizam parte de suas atividades ou apenas diminuem o contingente de mão de obra. Outro ponto, ainda, contribuiu para o sentimento de sobrecarga. Muitos empregados procuraram, com a mudança na estabilidade e o medo de perder o emprego, aumentar suas próprias atividades de forma a “mostrar-se” mais atraentes para a empresa e, eventualmente, tornar-se imprescindíveis. Assim, além de fatores objetivos, interpuseram-se fatores psicológicos que contribuíram para o aumento na quantidade de trabalho dos remanescentes. A passagem de estatal para empresa privada, seguida de processo de downsizing, teve, ainda, outras implicações para os empregados. Estes viram-se com autonomia e responsabilidade significativamente aumentadas. Uma das razões decorreu do enxugamento da estrutura organizacional que, com menos chefias intermediárias, delegou mais poderes aos funcionários das camadas mais baixas, aumentando sua autonomia e responsabilidade. A empresa privada também passou a cobrar do funcionário a prática da multifuncionalidade, implicando o aprendizado e a realização de tarefas antes executadas por outros empregados. Por fim, uma postura pró-ativa na antecipação e resolução de problemas passou a ser cobrada. Tarefas e processos passaram a ser priorizados e mesmo questionados, na busca de maior produtividade e eficiência. Esta postura, parte cobrada e parte espontânea, tem sua razão de ser derivada da necessidade de se realizar maior quantidade de trabalho em menor espaço de tempo. Há que se lembrar que estes funcionários vieram de empresas com estruturas hierárquicas pesadas, com lentidão no processo decisório e rigidez na definição de cargos e tarefas. A passagem para uma filosofia de responsabilidade e autonomia, 315 postura pró-ativa e ampliação do leque de tarefas significou alteração substancial no dia-a-dia do trabalho. Acresça-se a isto a drástica redução de pessoal e as pressões por resultados típicas da empresa privada e pode-se inferir o quanto mudou o cenário de trabalho do empregado. 10. A mudança no contrato psicológico, ao gerar insegurança e simbolizar a perda da proteção “maternal” da estatal, faz com que o funcionário se torne co-responsável pelo seu autodesenvolvimento. O empregado da estatal delegava à empresa a responsabilidade pelo seu aperfeiçoamento profissional. Assim, se a empresa investisse na formação de seus empregados teria um corpo de profissionais altamente qualificado. Não fazia parte da cultura da empresa, no entanto, estimular e mesmo exigir de seus funcionários uma postura pró-ativa na própria formação. Com isso, muitos funcionários de estatal, embora com grande experiência, tinham formação incompleta e insuficiente para as demandas na empresa privada. A empresa privada, por sua vez, passou a exigir de seus funcionários maiores habilidades e conhecimentos que assustaram muitos dos funcionários remanescentes. Muitos voltaram a estudar, procurando completar sua formação básica ou mesmo aprimorar os conhecimentos já obtidos. Outros manifestaram a intenção de voltar a estudar por compreenderem que a constante atualização passara a ser uma exigência da empresa privada. 11. A entrada de novos funcionários, após a privatização e o downsizing, exacerba a distinção entre o grupo de dentro – os antigos funcionários – e o grupo de fora – os “novos” -, fazendo em alguns casos ressaltar o estigma de ter sido funcionário de estatal. A contratação de novos funcionários foi outro ponto de impacto para os funcionários egressos da estatal. Acostumados a trabalhar sempre com as mesmas pessoas tiveram que se adaptar a novos colegas e, eventualmente, a novas chefias, ao mesmo tempo que perdiam antigas lideranças e colegas de muitos anos de convivência. A entrada de novos funcionários representou ameaça ao funcionário da estatal, por questões salariais, formação, preparo e mesmo prestígio. Aqueles com salários mais altos temiam ser substituídos por profissionais com salários mais baixos. Essa é uma questão importante, pois as estatais concederam a seus funcionários uma série de aumentos e benefícios que as empresas privadas, mais pressionadas por eficiência e busca de lucro, não puderam ou não quiseram conceder. 316 Naquelas empresas onde as contratações foram mais freqüentes, criou-se uma clivagem na percepção de origem do empregado. Aqueles oriundos das estatais formaram o grupo de dentro e os recém-admitidos formaram o grupo de fora, os “novos”. Em alguns casos, o grupo de dentro, de certa forma, rejeitou o grupo de fora e sentiu-se, também, por ele rejeitado. Esta percepção pode ter se intensificado pelo sentimento de ter havido, por parte da nova administração, nos primeiros momentos da privatização, uma certa desconfiança do funcionário da estatal, estigmatizado como menos competente e menos disposto ao trabalho. 12. O processo de downsizing, por meio da redução de pessoal, é percebido como abrindo oportunidades de ascensão profissional. Por outro lado, as oportunidades também surgiram. Com reestruturações internas, algumas pessoas foram promovidas sentindo-se valorizadas pela nova administração. Muitos realizaram treinamento de informática, cursos de idiomas, treinamento técnico e gerencial. Em alguns casos a empresa privada auxiliou financeiramente o empregado em cursos superiores e cursos de especialização. Surgiram oportunidades de realizar trabalhos novos e desafiadores. Deste ponto de vista, muitos relatam terem tido um grande crescimento profissional e oportunidades de realizar trabalhos gratificantes que não seriam possíveis no tempo de estatal. É razoável que a pressão por resultados, a demanda por funcionários com maior autonomia e habilidade de decisão, o investimento em sistemas de informação e na formação de pessoal tenham resultado em um conjunto de funcionários mais qualificados. 13. As representações simbólicas da empresa estatal e da “nova empresa”(privatizada) refletem alguns conflitos, contradições e ambigüidades gerados por esta mudança. Uma gama de sentimentos pôde ser observada nos depoimentos coletados. Da paz e tranqüilidade da empresa estatal passou-se ao ritmo de constante mudança que caracteriza a empresa privada. Houve um grande salto da metáfora da mãe-empresa para a metáfora do mundo real, aquele que não é o mundo da fantasia. Essa mudança implicou, conforme já relatado na história por metáforas, “namoros e casamentos desfeitos” e sofrimentos com “guilhotinas” que deceparam a cabeça de muitos. Implícitos, nestas passagens, estão sentimentos de perda e, principalmente, de medo. 317 A vivência dos funcionários entrevistados, no momento da realização desta pesquisa, foi, então, de estarem vivendo em um mundo agora “real”, tendo sido aquele outro – o da estatal – um mundo “irreal” e da “fantasia”. Os sentimentos subjacentes a este novo estado de realidade expressam uma profunda ambigüidade na forma de ver a situação. Situações concretas de progresso e realizações profissionais no nível da organização e, no nível individual são, simultaneamente, acompanhadas por sentimentos contraditórios que expressam medo e orgulho, amor e angústia , satisfação e estresse. A empresa privada, ao mesmo tempo que traz satisfação por apresentar novos desafios de trabalho, exige do empregado uma longa jornada a ponto de interferir em sua vida pessoal e familiar. Ao mesmo tempo que promete reconhecimento e valorização com base nos resultados, amedronta pela possibilidade de poder demitir a qualquer hora. Ao mesmo tempo que propicia desenvolvimento profissional, assusta pela demanda de novos conhecimentos e novas habilidades. Ao mesmo tempo que produz orgulho pelo sucesso e metas alcançadas, estressa pelo esforço exigido. Ao mesmo tempo que seduz, também angustia e amedronta. Há que se esclarecer, ainda, que não se encontraram diferenças entre o discurso dos gerentes intermediários e o discurso dos demais funcionários. Seus relatos revelaram as mesmas satisfações, motivações, dúvidas e contradições. Em alguns casos, no entanto, pode-se dizer que os gerentes estavam submetidos a pressões maiores, pois, além de terem que lidar com a sua própria situação, sentiam-se responsáveis por seus subordinados. As contradições e ambigüidades presentes nos discursos, contrapõem-se à clivagem encontrada na literatura específica de downsizing. De forma geral, os autores assumem posições polares em que procuram mostrar que o processo ou é danoso e tem conseqüências negativas para a empresa e o empregado ou é benéfico para a empresa. Esta pesquisa avança o conhecimento existente no sentido de mostrar que o downsizing em empresas recém-privatizadas não assume um caráter único. Não é “bom” nem é “ruim”, são as suas coisas ao mesmo tempo. Assumir o viés da crítica ou do elogio seria privilegiar apenas um lado da questão. Pagès et al (1990), em sua pesquisa em multinacional na França, relatam de forma similar a existência de contradições e ambigüidades no discurso dos empregados. A partir de referências teóricas marxistas e psicológicas e de estudos de poder, concluíram que os discursos dos funcionários apenas reproduzem as contradições existentes na sociedade. Além disso, segundo os autores, os mecanismos de poder da sociedade capitalista possibilitaram a manipulação do inconsciente. A dominação seria, desta forma, o “produto de uma mescla de coerção e aceitação”, sendo que “este último elemento talvez seja o mais forte”(p.227). 318 8.3 Recomendações para Pesquisas Futuras Esta pesquisa investigou o processo de downsizing em três empresas recémprivatizadas, de grande porte e relevantes no cenário regional e mesmo no cenário nacional. A continuidade desta pesquisa, em outras empresas do mesmo porte permitiria enriquecer o entendimento do processo de downsizing em empresas de grande porte privatizadas. É possível que o processo e conseqüências, aqui apontados encontrem similaridade nesses outros casos, o que daria maior peso aos resultados desta pesquisa. É possível, também, que diferenças se evidenciem, o que traria riqueza ao quadro teórico proposto. Uma pesquisa que se realizasse em empresas de menor porte, com programas de downsizing inseridos nos processos de privatização, poderia oferecer uma perspectiva complementar a este estudo. É possível que as condições ambientais e organizacionais sejam diversas. Nesse caso, seria produtivo registrar e analisar as diferenças encontradas. A condução desta pesquisa, em empresa privatizada que não tivesse realizado, em seus primeiros anos, processo de downsizing, permitira melhor compreender as questões de da privatização e da transformação do contrato psicológico. É possível que, nestes casos, a dinâmica da transformação apresente diferenças elucidativas do processo de adesão à lógica da empresa privada. No que tange aos aspectos comportamentais, futuras pesquisas poderiam aprofundar a questão das contradições e ambigüidades, contrapondo-as com movimentos de downsizing em empresas multinacionais e empresas familiares. Dadas às características destas empresas, uma comparação entre os processo e as conseqüências do downsizing poderia adensar o corpo teórico existente. Ainda dentro do âmbito dos estudos comportamentais, seria útil o aprofundamento das questões que impedem a adaptação de alguns funcionários à forma de trabalho na empresa privada. Este estudo poderia esclarecer e, talvez, desfazer o estigma que perpassa os funcionários egressos de empresa estatal. Além disso, poderia auxiliar no planejamento de futuras privatizações e mesmo na concepção de planos de redução de pessoal, se fosse o caso. No que tange ao universo dos funcionários desligados, seria interessante a comparação das diferenças entre o bem estar de empregados desligados de empresas estatais e daqueles desligados de empresas privadas, também consideradas paternalistas. Esta pesquisa poderia ampliar a compreensão da metáfora empresa-mãe, verificando a 319 longevidade de sua proteção e comparando-a com a de outras empresas, também reconhecidamente protetoras em relação a seus funcionários. 320 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADLER, Nancy. International Dimensions of Organizational Behavior. Belmont, CA: Wadsworth Publishing Company, 1992. ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do Cpdoc. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, 1989. ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. 3a edição. São Paulo: Brasiliense, 1988. AMBROSE, Delorese. Healing the downsized organization. New York: Harmony Books, 1996. ARGENTINA quer limitar desregulamentação. 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FUTURO • Como você vê a empresa no futuro? • Como você vê o seu futuro dentro da empresa? • Existe alguma coisa importante que eu não tenha perguntado e que você gostaria de comentar? 344 ANEXO2 Roteiro de entrevista para remanescentes com cargo gerencial RAZÕES PARA O PLANO E CARACTERÍSTICAS DO PLANO • • • • Na sua percepção, quais as razões para a redução de pessoal? Quais as principais características do plano? Qual número de desligamentos se pretendia atingir? Quais os critérios adotados para a seleção das pessoas? COMUNICAÇÃO DO PLANO • Como o plano foi comunicado? • Como foi mantida a comunicação durante o processo? CLIMA • Como, na sua percepção, ficou o clima nessa época (antes/durante?) DURANTE A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO • Qual a reação de seus funcionários? • Qual foi o seu papel como gerente? • Na sua percepção quais as razões para a adesão ou não adesão ao plano? (em caso de desligamento voluntário) • Como você julga a justiça do processo? DEPOIS DO PLANO IMPLANTADO • O que aconteceu após o plano? • O trabalho mudou? Em que sentido? • Se você pudesse voltar no tempo, o que faria diferente? • Você acha que a sua relação com a empresa mudou? FUTURO • Como você vê a empresa no futuro? • Como você vê o seu futuro dentro da empresa? • Existe alguma coisa importante que eu não tenha perguntado e que você gostaria de comentar?