CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO LOCAL
LIZIANE VASCONCELOS TEIXEIRA LIMA
O DESAFIO DO ATENDIMENTO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
E A GESTÃO SOCIAL DAS ENTIDADES COM VISTAS À GARANTIA
DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA
Belo Horizonte
2013
2
LIZIANE VASCONCELOS TEIXEIRA LIMA
O DESAFIO DO ATENDIMENTO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
E A GESTÃO SOCIAL DAS ENTIDADES COM VISTAS À GARANTIA
DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Gestão Social, Educação e Desenvolvimento
Local do Centro Universitário UNA, como
requisito parcial á obtenção do título de
Mestre.
Área de concentração: Inovações Sociais,
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de pesquisa: Processos político-sociais:
articulações
interinstitucionais
e
desenvolvimento local
Orientador/a:
Afonso.
Belo Horizonte
2013
Drª.
Maria
Lúcia
Miranda
3
AGRADECIMENTOS
À Deus pela presença constante em minha vida.
Aos meus pais, Zoraide e Edmundo (in memorian).
Ao meu marido e companheiro de todas as horas, Sérgio.
Aos meus irmãos: Mário, Karina e Cristina.
À amiga de sempre Carminha.
À Professora Orientadora pela atenção e paciência Drª Maria Lúcia Miranda Afonso.
Aos companheiros da Associação Casa Novella.
Aos amigos da Famiglia per Accoglienza.
Aos amigos do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de
Belo Horizonte.
A todas as crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente.
4
RESUMO
Este trabalho pretendeu delinear sobre o processo de institucionalização de crianças
e adolescentes sob medida protetiva judicial e afastados temporariamente de suas
famílias, no município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais e no Brasil.
Aborda um pouco da trajetória de institucionalização em nosso país. Apresenta a
política de acolhimento institucional apresentada pelas pesquisas realizadas nos três
entes federativos. Aborda as normativas que parametrizam o serviço, em especial o
Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária; Orientações Técnicas para os
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes; Tipificação Nacional dos
Serviços Socioassistenciais (2009) e a Lei 2.010/2009. A título de conclusão
apresentamos propostas, sugestões para a melhoria dos serviços prestados com
vistas à garantia do direito à convivência família e comunitária.
Palavras-chave: Acolhimento Institucional. Crianças e Adolescentes. Gestão Social.
5
ABSTRACT
This work aims to delineate on the process of institutionalization teens under judicial
protective measure temporarily away and their families in the municipality of Belo
Horizonte, state of Minas Gerais and brazil. addresses rather the path
institutionalization in our country. presents a host policy presented by institutional
research conducted in three federal entities. addresses current regulations that
parameterize service with special the national protection and promotion of the right of
children to family and Community; Technical Guidelines for Home Services for
Children and Adolescents; National Grading Services Socioassistenciais (2009) and
Law 2.010/2009. In conclusion presents proposals, suggestions for improvement of
services in order to guarantee the right to family and community living.
KEYWORDS: Institutional Shelter. Children and Adolescents. Social Management.
6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADROS
QUADRO 1
Contextualização do Atendimento à Infância no Brasil.....................
17
QUADRO 2
Contextualização histórica do atendimento à infância e
adolescência no Brasil 1985/2006....................................................
24
QUADRO 3
Relação de pesquisas sobre o acolhimento institucional.................
57
QUADRO 4
Tipificação dos Serviços Socioassistenciais: Acolhimento
Institucional para crianças e adolescentes.......................................
62
QUADRO 5
Parâmetros de funcionamento acolhimento institucional ...............
68
QUADRO 6
Estrutura física acolhimento institucional.........................................
71
QUADRO 7
Ações e Objetivos para o Reordenamento Institucional conforme o
PNCFC...........................................................................................
96
QUADRO 8
Agenda de Compromissos................................................................
101
QUADRO 9
Estatuto da Criança e do Adolescente e o Direito à Convivência
Familiar e Comunitária......................................................................
105
FIGURA 1
Linha do tempo da política de acolhimento institucional em Belo
Horizonte..........................................................................................
55
FIGURA 2
Competências
das
entidades
segundo
a
NOBRH/SUAS..........................................................................................
67
FIGURA 3
Projeto
Político
Pedagógico
para
uma
Unidade
de
Acolhimento......................................................................................
98
FIGURA 4
Modelo de Pastas que devem estar no prontuário de cada criança
104
FIGURA 5
Exemplo
de
Genograma...................................................................
um
109
FIGURA 6
Exemplo
de
Ecomapa.......................................................................
um
110
FIGURA 7
Fluxo do Acompanhamento Familiar................................................
118
FIGURA 8
Metodologia de trabalho com as famílias........................................
126
FIGURA 9
Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos ........................................................................................
129
FIGURA 10
Objetivos PAEFI ..............................................................................
130
FIGURAS
7
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELAS
TABELA 1
Normativas que orientam o serviço prestado pelas entidades de
acolhimento.....................................................................................
58
TABELA 2
Obrigações ECA e princípios Orientações Técnicas.....................
59
TABELA 3
Acompanhamento do caso.............................................................
114
GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Cenário Nacional, Estadual e Municipal pela faixa etária por %.....
74
GRÁFICO 2 Motivo do abrigamento em Belo Horizonte, Minas Gerais e Brasil.
Dados em %.....................................................................................
77
GRÁFICO 3 Comparativo tempo de abrigamento em %, cenário Municipal,
Estadual e Nacional.........................................................................
83
GRÁFICO 4 Tempo de Abrigamento em % Belo Horizonte 2011.....................
84
8
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CIT
Comissão Intergestores Tripartite
CLT
Consolidação das Leis Trabalhistas
CMAS
Conselho Municipal de Assistência Social
CMDCA
Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente
CNAS
Conselho Nacional de Assistência Social
CNJ
Conselho Nacional de Justiça
CN
Casa Novella
CONANDA Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente
CONGEMAS Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social
CRAS
Centros de Referência da Assistência Social
CREAS
Centro de Referência Especializado da Assistência Social
CV
Central de Vagas
DNCr
Departamento Nacional da Criança
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM
Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor
FJP
Fundação João Pinheiro
FMDCA
Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
FNAS
Fundo Nacional de Assistência Social
FONSEAS
Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social
Fórum DCA Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
FUNABEM
Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
ILP
Instituições de Longa Permanência
LA
Liberdade Assistida
LBV
Legião Brasileira da Boa Vontade
LOAS
Lei Orgânica da Assistência Social
MDS
Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome
MP
Ministério Público
NOB/SUAS Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social
NOB/RH SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único
de Assistência Social
9
OIT
Organização Internacional do Trabalho
ONG
Organizações Não Governamentais
PAIF
Programa de Ação integral à Família
PAEFI
Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos
PECFC
Plano Estadual de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
PIAP
Plano Individual de Atendimento da Criança/ Adolescente e Família
PMCFC/BH Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária/ Belo
Horizonte
PNAS
Política Nacional de Assistência Social
PNBM
Política Nacional do Bem Estar do Menor
PNCFC
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária
PPP
Projeto Político Pedagógico
PSB
Proteção Social Básica
PSC
Prestação de Serviços à Comunidade
PSE
Proteção Social Especial
SAM
Serviço de Assistência ao Menor
SEDESE
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social
SGD/CA
Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
SMAAS
Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social
SUAS
Sistema Único de Assistência Social
SINIBREF
Sindicato das Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas de
Minas Gerais
SINTIBREF Sindicato dos Empregados em Instituições Beneficientes, Religiosas e
Filantrópicas de Minas Gerais
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UNICEF
Fundo das Nações Unidas para Infância
VIJ
Vara da Infância e Juventude
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................
1.
12
ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL
PARA
CRIANÇAS
E 14
ADOLESCENTES: O (IN)VISÍVEL DAS PAREDES INSTITUCIONAIS
INTRODUÇÃO..................................................................................... .
14
1.1
A Institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil: Da colônia 15
à
Constituição
Federal
de
1988.......................................................................................................
1.2
Da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção 22
Integral...................................................................................................
1.3
A Constituição Cidadã, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as 22
novas normativas ..................................................................................
1.4
1.6
A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de 26
Assistência Social .................................................................................
Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para 31
Crianças e Adolescentes: parâmetros para uma gestão eficaz.............
Lei 12.010/2009 e as alterações propostas no ECA............................. 33
1.7
O Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes......... 35
1.8
A família contemporânea no contexto da medida protetiva ..................
1.9
Gestão Social: compreendendo um novo jeito de coordenar um 41
serviço público.......................................................................................
1.5
36
1.10 Gestão Social, um fazer em construção................................................
41
1.11 A Gestão Social para acolhimento institucional questões e desafios....
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................
48
50
2.1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................
ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL
PARA
CRIANÇAS
E
ADOLESCENTES: UM QUESTIONAMENTO A PARTIR DE
PESQUISAS REALIZADAS NO BRASIL, EM MINAS GERAIS E EM
BELO HORIZONTE...............................................................................
INTRODUÇÃO ......................................................................................
Os documentos analisados e os procedimentos metodológicos...........
2.2
A
2.
gestão
das
entidades
de
entidades
de
53
53
54
acolhimento 58
institucional............................................................................................
2.2.1 Onde estão, quem são e como se organizam.............................
58
2.2.2 A gestão financeira das entidades...............................................
65
2.2.3 Quem são os trabalhadores que operacionalizam a medida 67
protetiva.................................................................................................
2.2.4 A estrutura física das entidades ................................................
71
11
2.3
Como as crianças e os adolescentes chegam as instituições...............
72
2.4
Quem são os acolhidos: quantidade, faixa etária, gênero ....................
74
2.5
Documentação dos acolhidos................................................................
76
2.6
Quais os motivos do abrigamento.........................................................
77
2.7
O trabalho social com as famílias das crianças e adolescentes 80
acolhidos................................................................................................
2.8
Tempo de acolhimento institucional......................................................
82
2.9
Atividades externas e rede de serviços.................................................
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................
87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................
89
3.1
3 - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO POSSIBILIDADE 91
CONCRETA
DE
INTERVENÇÃO
NO
ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES....................
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 91
A pesquisa: análise de dados sobre as entidades de acolhimento
92
institucional ..........................................................................................
3.2
O
reordenamento
institucional:
a
proteção
integral
em 94
movimento.............................................................................................
3.3
O Projeto Político Pedagógico como instrumento da gestão social 97
das entidades ......................................................................................
3.4
Agenda de compromissos institucionais: uma forma simples de estar 100
em dia com as obrigações inerentes a entidade....................................
3.5
Prontuário das crianças e adolescentes: registros feitos de forma 103
qualificada ...........................................................................................
3.6
Fluxo do Acompanhamento Familiar ....................................................
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................
133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................
137
12
INTRODUÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), na sequência da grande mudança
introduzida pela Constituição Federal de 1988, reafirmou as crianças e adolescentes
como sujeitos de direitos, que devem ser protegidos pelo Estado, pela família e pela
sociedade.
A presente pesquisa propõe-se a fazer um estudo sobre a institucionalização de crianças
e adolescentes no Brasil, compreendendo a mudança do paradigma da Doutrina da
Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, com vistas a construir uma
fundamentação para a análise crítica da situação contemporânea das instituições e
práticas de acolhimento institucional.
Posteriormente pretende-se debruçar sobre as pesquisas existentes. A escolha pela
análise de dados secundários justifica-se, em primeiro lugar, pela amplitude da realidade
envolvida. Em segundo lugar, pelo fato de que as referidas pesquisas engrossam o
conjunto de esforços que vêm sendo desenvolvidos para a construção, integração e
articulação da rede de serviços voltados para a criança e o adolescente em Minas Gerais
e no município de Belo Horizonte. Pode-se dizer, sem risco de exagero, que retratam
momentos significantes dessa história. Portanto, é legítimo e lógico trabalhar com os
dados já existentes, buscando alinhavar, fundamentar e sistematizar contribuições
próprias da presente análise.
Ao analisarmos os dados iremos correlacionar os mesmos com as normativas atuais que
regulam o serviço, sendo elas: Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2009);
Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes
(2009); Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009); Plano Estadual de
Promoção, Promoção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária (2009); Lei 2.010/2009 e o Plano Municipal de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária (2012).
13
Por último, teceremos sugestões para o aprimoramento da gestão social das entidades
com vistas a garantir a qualidade do atendimento bem como o direito à convivência
familiar de crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial, conforme estabelece o
Art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
14
1 – ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: O
(IN)VISÍVEL DAS PAREDES INSTITUCIONAIS
INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo é fazer uma revisão bibliográfica sobre a institucionalização de
crianças e adolescentes no Brasil, compreendendo a mudança do paradigma da Doutrina
da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral, com vistas a construir uma
fundamentação para a análise crítica da situação contemporânea das instituições e
práticas de acolhimento institucional.
Compreender e penetrar no universo do acolhimento institucional de crianças e
adolescentes é um desafio que envolve diversos profissionais de múltiplas áreas. Pensar
a mudança transcorrida ao longo de toda a história nas instituições é penetrar num
universo, supostamente conhecido por diversas pesquisas, mas que ainda tem muito a
desvendar. Assim como as paredes de um lar, as “paredes institucionais” ainda possuem
dificuldades para se abrirem para o mundo, sejam pelas suas fragilidades,
potencialidades, ou até mesmo pelo desconhecido de quem são que permeia a sua
identidade.
Como proposta, pretende-se compreender o papel da institucionalização em no país,
traçando um paralelo entre passado e presente com todas as nuances envolvidas no
acolhimento de crianças e adolescentes.
As perguntas que norteiam este estudo são: Como se dá, hoje, o processo de
acolhimento de crianças e adolescentes afastados de suas famílias? E como o
conhecimento da história da institucionalização no país pode embasar a presente análise
respondendo a perguntas como: ao longo da história, que instituições acolheram
crianças/adolescentes? Quem foi e quem são as crianças/adolescentes acolhidas e suas
famílias? Como eram as práticas de institucionalização, para que fins serviam, e como,
hoje, são propostas e orientadas?
Em 2009, o Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome (MDS) aprovou
o documento “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e
15
Adolescentes”, com a finalidade de promover uma adequação das instituições
responsáveis pelo acolhimento, estabelecendo normas sobre como devem ser
organizadas e que tipo de serviços devem oferecer. O presente trabalho questiona como
essas instituições estão conseguindo – ou mesmo resistindo – a essa adequação.
Penetrar neste universo e dar vida a esta conjuntura desencadeada pelo chamado
reordenamento institucional é colocar em movimento histórias de crianças e
adolescentes, que por muito tempo foram procrastinadas para um momento que não se
pode mais adiar.
No Brasil, o campo da história social da criança e do adolescente começou a ser mais
investigado a partir das duas últimas décadas do século XX, embora algumas obras
pioneiras sejam dignas de nota. As pesquisas, pródigas em detalhes, aprofundam-se em
aspectos diferenciados. De forma que a história se apresenta rica, mas fragmentada. É
através desses fragmentos que podemos recolher e compreender, para os fins do
presente trabalho, a história da institucionalização das crianças e adolescentes no país.
Mesmo assim, o que se procura provar pode ser plenamente constatado: a lenta, sofrida
e muitas vezes contraditória construção de um paradigma dos direitos da criança e do
adolescente que possa ter efeitos reais para aqueles que, tendo sido afastados de suas
famílias de origem, por diversas razões, precisam da proteção do Estado e da sociedade,
mantendo a sua condição de sujeitos de direitos e pessoas em desenvolvimento. Este é
o olhar que guia a presente análise.
1.1
- A Institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil: Da colônia à
Constituição Federal de 1988
Em toda a história do Brasil, desde a Colônia, as crianças pobres, ou de grupos ou
classes exploradas, sofriam na carne e na mente as vicissitudes de sua condição social,
sem qualquer consideração para com a existência de fases do desenvolvimento humano
como a infância e a adolescência. Assim, o que sabemos da história da criança e do
adolescente na Colônia brasileira é que desde uma idade muito precoce já eram
inseridos no trabalho infantil, no trabalho escravo, sujeitos à violência de patrões,
senhores e adultos em geral.
16
No que se refere à institucionalização, essa história tem raízes na Colônia e se mostra
atrelada à pobreza e a todas as mazelas da questão social, sendo fortemente marcada,
também, pelo que se pode chamar de defesa da moral e dos bons costumes.
No Brasil Colônia registra-se a inexistência de preocupação com o bem estar de crianças
e adolescentes. Ao contrário, muitos eram entregues às condições mais duras de vida e
sobrevivência, submetidos à escravidão e à exploração, incluindo a exposição a práticas
de abuso físico e sexual (RAMOS, 2006). Entretanto, datam desta época as primeiras
medidas para
a
institucionalização
de
crianças
e
adolescentes considerados
“abandonados”, no Brasil.
Conforme Venâncio (1999), as leis portuguesas já definiam o hospital e o Senado da
Câmara como as instituições que deveriam acolher meninos e meninas “abandonados”
na Colônia. Este tipo de “assistência” foi prestado pelas Câmaras desde 1694, no Rio de
Janeiro, e em 1699 em Salvador. Inicialmente, a assistência acontecia através de
famílias criadeiras, mas foi desativada devido ao alto custo do sistema. As Câmaras
passaram, então, a enviar os recursos recebidos dos benfeitores às Santas Casas de
Misericórdia, para que administrassem o atendimento aos “enjeitados”. Dessa maneira,
surgiram as Rodas ou Casas dos Expostos. Em 1726, as Santas Casas iniciaram a
assistência à infância em Salvador e, em 1738, no Rio de Janeiro.
A Roda dos Expostos era considerada uma instituição de proteção à criança e estava
associada às Santas Casas de Misericórdias, instituições ligadas à Igreja Católica e que
imprimiam um cunho de caridade cristã ao ato de receber crianças na roda, para evitar
abortos e infanticídios. Após serem “depositadas”, as crianças iam para os Asilos dos
Expostos, ou Casa dos Expostos, mantidas pelas Santas Casas. Chama a atenção o
nome Asylo dos Expostos, por considerarem que tais crianças estavam expostas por
suas famílias e deveriam ser recolhidas pelo Estado, disponíveis para serem vistas como
objetos em um museu público.
Entre 1815 e 1889 várias leis relativas aos expostos foram promulgadas, com a
finalidade de angariar rendas para as instituições, prever assistência e a liberdade para
expostos negros e a obrigatoriedade da vacinação. As leis bem como os textos escritos
pelos dirigentes das Casas expressavam a visão hegemônica sobre as crianças e suas
17
famílias. Falavam nos filhos da imoralidade e da falta de amor das mães. A classe
médica comungava dessa opinião, mas lembrava também a carência material como
uma das causas do enjeitamento.
A ineficácia e desumanidade desse sistema fica clara quando nos deparamos com as
taxas médias de mortalidade nas Rodas: entre os anos de 1758 e de 1870, em Salvador,
chegou a 645 por 1.000. Os sobreviventes enfrentavam, em sua maioria, destinos duros
como a escravidão, a exploração no trabalho ou em outros ofícios, como os militares e
outros.
É a partir do século XIX que as iniciativas de criação de um sistema de
institucionalização ligadas ao poder público tornavam-se mais consistentes. De uma
maneira lenta e conflituosa, assistimos à passagem de um paradigma da criança e
adolescente em situação irregular ao paradigma de proteção integral e cidadania da
criança e do adolescente.
O quadro abaixo, elaborado por Perez e Passone (2010), resume essa história para o
período de 1889-1985. A partir dele será feita uma análise e apontados os momentos
fundamentais para a nossa reflexão.
QUADRO 1 – Contextualização Histórica do Atendimento à Infância no Brasil
Fonte: PEREZ, José; PASSONE, Eric (2010)
18
De acordo com Perez e Passone (2010), no período de 1889 a 1930, a infância é vista
como objeto de controle do Estado e da estratégia médica-jurídica-assistencial. Nesse
sentido, os principais ordenamentos legais foram o Código Criminal do Império (1830), a
Lei do Ventre Livre (1871), O Código Penal da República (1890), e o Código de Menores
(1927). Neste texto, percebem-se os principais fatores que influenciaram a história da
institucionalização das crianças e adolescentes no país.
Todos estes ordenamentos baseavam-se no chamado paradigma da situação irregular.
Ou seja, em todos eles persistem o estereótipo da criança pobre como “perigosa” e da
família pobre como incapaz de cuidar de seus filhos; a medicalização e judicialização do
discurso sobre a infância pobre, com forte tendência para a sua institucionalização; e a
cultura asilar correcional, que muitas vezes misturava em uma mesma instituição
crianças e adolescentes em situação de abandono e aqueles que haviam cometido atos
infracionais (RIZZINI, 2009, p.48).
É importante ressaltar que, nesta situação de estigmatização das crianças pobres e
havidas fora do casamento, as crianças negras enfrentavam ainda a questão da
escravidão ou dos resquícios desta.
Por exemplo, na assim chamada Lei do Ventre Livre, promulgada em 1871, os senhores
de escravos não precisavam alimentar as crianças uma vez que estas pretensamente
nasciam “livres”. Se os senhores resolvessem alimentá-las (como de fato se tornaria
interessante para eles), elas deveriam, após os sete anos de idade e até os 21 anos,
trabalhar para esses senhores, com o argumento de que precisavam pagar pelo seu
sustento, antes de poder deixar as propriedades. A Lei ainda permitia, desde que fosse
do interesse do senhor, que a criança fosse entregue às Rodas, ou seja, ao Estado, que
então deveria pagar uma indenização ao Senhor. A institucionalização servia para
subjugar famílias e crianças que não se enquadrassem dentro da moral estabelecida.
Institucionalizar era a solução encontrada para “proteger” as estruturas de poder de uma
sociedade marcada pela desigualdade e exclusão. Perceptível que a própria legislação
faz nascer o abandono das crianças e a reclusão em instituições. Com isto o país
marcava um cenário de exclusão, afastamento e principalmente da estigmatização da
família pobre.
19
Preocupados com a dimensão que a situação tomava no país, médicos e juristas
cobravam dos governantes alguma ação.
A resposta dada pelos governantes enquadra-se em dois cenários: um para crianças
expostas e enjeitadas e outro para adolescentes “deliquentes”.
Para ambos a
institucionalização e o afastamento da sociedade. Abandonados ou frutos ilegais,
pervertidos ou agitadores, eram a escória que deveria ser enclausurada para não ser
vista.
Não se pode deixar de retratar a importância, no século XIX, dos médicos higienistas,
que clamavam, sob a influência europeia, pela extinção das Rodas dos Expostos com a
constatação dos índices de mortalidade dentro destas instituições. Os juristas, tendo o
Dr. Lemos Britto como o expoente, também aderiram a este desejo e apontavam para a
necessidade de normativas capazes de proteger a criança abandonada (MARCILIO,
2003, p.68). No campo higienista, o Dr. Moncorvo Filho aparece como o grande defensor
destas ideias e um dos fundadores do então Instituto de Proteção e Assistência à
Infância, no Rio de Janeiro em 1901.
É neste cenário que surge, em 1927, o primeiro Código de Menores, incorporando a
visão higienista. O Código trouxe com ele a extinção legal das Rodas, mas relatos
existem (MARCILIO, 2006; RIZZINI, 2009) que apenas em 1950 é que foi extinta a última
Roda.
O Código de Menores de 1927 continuava rotulando crianças e adolescentes,
principalmente as pobres, e ainda perpetuava o isolamento e confinamento destes
indivíduos em grandes asilos ou internatos. A figura dos juízes tinha um caráter
eminentemente fiscalizador e repressivo. Crianças e adolescentes pobres era um
problema de polícia e de manutenção da ordem. Muitas crianças eram retiradas das
famílias sem explicações, sendo suas famílias vistas como incapazes, inadequadas e
desestruturadas. Ou seja, já se anunciava a “doutrina da situação irregular”, sendo que a
regularidade seria o equivalente a uma normalidade idealizada.
Na ditadura militar de Vargas, foi adotada uma postura mais rígida em relação aos
chamados órfãos e abandonados. Não era permitido que transitassem sozinhos, sob o
20
risco de serem institucionalizados. A prática de internação ganha uma dimensão
assustadora e uma quantidade imensa de crianças e adolescentes, chamados então de
“menores”, é levada a grandes instituições e afastada de suas famílias. Em 1940, foi
criado o Departamento Nacional da Criança (DNCr), responsável por toda a organização
dos serviços assistenciais para crianças e adolescentes e, em 1941, o Serviço de
Assistência ao Menor (SAM). Autores (LUPPI, 1987; FREITAS, 2003; ARANTES, 2009;
MARCILIO 2009; RIZZINI, 2009) apontam o caráter nocivo do SAM, chamado “escola do
crime”. Rizzini (2009, p. 266) afirma que este órgão tinha uma estrutura ameaçadora,
muito distante de um cenário de proteção e cuidados. A fase da infância se tornava
morta nestes lugares.
Em 1942, o DNCr e o SAM se associam à Legião Brasileira da
Boa Vontade (LBV), criada em 1942.
Desta forma na Doutrina da Situação Irregular, adolescentes que cometiam suposto ato
infracional eram encaminhados a casas de correção e reformatórios nos moldes do SAM
e o menor carente ou abandonado era encaminhado a patronatos agrícolas ou escolas
de ofícios. A falta de clareza sobre qual criança/adolescente deveria ir para uma ou outra
instituição demonstra que, apesar de ser instituído para adolescentes infratores, aqueles
considerados abandonados, também poderiam ser colocados ali. Alguns dos chamados
infratores eram apreendidos à força e aqueles considerados desvalidos eram internados,
em vários casos (RIZZINI, 2004) por solicitação da própria família. As escolas de ofício
eram procuradas de forma intensa por familiares que, para além da inflamada educação
profissional, queriam um lugar para que seus filhos pudessem se alimentar de forma
satisfatória. A internação era mais cômoda para o Estado do que a implantação de
políticas públicas, o que levou a uma procura imensa pelos grandes patronatos e escolas
de ofícios.
Em 1964, o Brasil entra em nova era de Ditadura Militar. O SAM foi extinto para dar lugar
à Política Nacional do Bem Estar do Menor (PNBM), tendo como executora a Fundação
Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM), criada em 1964. Conforme Luppi (1987),
na pesquisa realizada nos documentos da FUNABEM, esta surge com o objetivo de
pesquisar métodos, testar soluções, estudar técnicas que conduzam à elaboração
científica dos princípios que devem presidir toda ação que vise à reintegração desses
menores na sociedade. No conteúdo da lei que cria a FUNABEM, a internação deveria
ser a última ação. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário. O modelo de internato
21
foi novamente fortalecido, priorizando-se o afastamento da família. A FUNABEM, que
havia substituído o SAM (destinado ao atendimento de adolescentes autores de ato
infracional) passou a receber tanto infratores quanto os chamados abandonados ou
negligenciados.
A FUNABEM representava a instância nacional, sendo que nos estados foram criadas as
Fundações Estaduais de Bem Estar do Menor (FEBEMs). Passou-se a utiliza-se da
pratica de convênios com entidades privadas para a execução do serviço e os
pagamentos eram calculados por per capita, espalhando-se por todo território nacional.
Em 10/12/1979 é promulgado um novo Código de Menores, pela Lei 6.697, adotando-se
oficialmente a doutrina da chamada situação irregular. A situação irregular é considerada
quando não existir meios de subsistência, saúde, educação, omissão dos pais, vítimas
de maus tratos, exploração e desvio de conduta. Neste período, o Estado assume a
tutela de crianças cuja família é considerada “incapaz”.
A internação continuava a ser incentivada e vista como a única saída para a situação
irregular que o menor se encontrava. Apesar de surgir com a intenção de romper com a
prática repressiva, a FUNABEM e suas congêneres não conseguiam se distanciar de
suas raízes e continuam trabalhando na lógica da repressão e do controle social. Como
as internações em escala acabavam por fragilizar ainda mais as famílias destas crianças
e adolescentes a prática ocorrida era muito distante do proposto na legislação que criará
a FUNABEM.
A década de 80, após a ditadura, inicia-se com um grave cenário de miséria e
desigualdade social. Dourado e Fernandez (1999) consideram que nesta época 48,5%
da população tinha idade inferior a 19 anos, os índices de mortalidade eram altíssimos e
a problemática ligada à falta de saneamento e educação básica levava a uma péssima
qualidade de vida. As ruas ficavam cheias de crianças e adolescentes e as denúncias
das FEBEMs repercutiam em todo o país.
No período em que diversas entidades da sociedade civil se organizavam e proliferavam,
as chamadas ONGs, Organizações Não Governamentais movimentavam-se e foi criado
o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). A mobilização
22
se fez presente em todo o país. O movimento chegou ao Congresso Nacional no
momento em que o país se preparava para uma nova Constituição.
1.2 - Da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da Proteção Integral
O surgimento da Constituição Federal de 1988 provoca o aparecimento, em 1990, do
Estatuto da Criança e do Adolescente que, ao regulamentar dispositivos constitucionais,
aborda em seus artigos três pontos principais referentes a estes indivíduos: sujeitos de
direitos, pessoas em condição de desenvolvimento e com absoluta prioridade. Para
além, convoca não apenas o Estado e a família para se responsabilizarem, mas toda a
sociedade civil. Momento histórico ao apontar-se que a discussão sai do âmbito privado
e alcança a esfera pública, em especial, a agenda política.
Uma nova doutrina surge com a intenção clara de promover a cidadania e a proteção. A
Doutrina da Proteção Integral surge com grande influência de órgãos internacionais
como o Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Pode-se citar as Regras de Beijing para Administração
da Justiça da Infância e da Juventude (1985), Convenção das Nações Unidas sobre os
Direitos da Criança (1989), Regras das Nacões Unidas para a Proteção de Jovens
Privados de Liberdade (1990) e as Diretrizes de Riad para a Prevenção da Deliquência
Juvenil (1990). Ao se tornar signatário desta Convenção, o Brasil (Decreto nº. 99.710, de
21 de novembro de 1990) entra numa nova fase e no momento propício para que a
criança e o adolescente saiam da condição de segunda classe para tomar acento na
primeira classe, podemos assim dizer.
Claro está que a ruptura com o passado não segue a mesma cronologia temporal das
novas legislações. A Doutrina da Situação Irregular, fundamentada no Código de
Menores, formou raízes profundas que precisam ser retiradas cuidadosamente para dar
lugar à nova Doutrina. As raízes agora não se fundam no poder autoritário e único, mas
numa relação em rede de garantias, na perspectiva do Estado Democrático de Direito,
com novas instâncias no cenário pautadas na descentralização, participação,
mobilização social, municipalização e intersetorialidade. Algumas instâncias novas são
Conselho Tutelar, Conselho dos Direitos, as Conferências Municipais, formação dos
fóruns e dentre outras Instâncias necessárias para promoverem o Reordenamento
23
Institucional e na prática diária transformarem a realidade. Este novo trabalho em redes
pressupõem a interdisciplinaridade, compreendido aqui como o entrelaçamento de
saberes de diversas ciências. Para Nogueira (2008) a interdisciplinaridade é uma forma
de construção do pensamento sistêmico. Ao considerar os pressupostos da abordagem
sistêmica interdisciplinar, Nogueira (2008, p. 79) aponta para a crítica as formas
convencionais do conhecimento que enfrentam os problemas de forma parcial e
segmentada, a incorporação da complexidade dos conhecimentos científicos com os
saberes populares e a primazia das indagações de natureza ética. Claro está que o autor
não desconsidera a abordagem tradicional, mas aponta para uma abordagem mais
dinâmica e articulada, também com suas fragilidades e críticas, para enfrentar tantos
fenômenos como deliquência, abandono, exploração, sofrimentos mentais e outros.
Para concatenar toda a discussão do trabalho em rede importa considerar a
promulgação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como sistema onde se
situa toda a discussão do Acolhimento Institucional de crianças e adolescentes e,
principalmente, a instituição dos parâmetros instituídos pelo Sistema de Garantia dos
Direitos da Criança e do Adolescente (SGD/CA) constante na Resolução n° 113/2006. O
esforço agora é atender direitos, ou melhor, garanti-los, na contramão do atendimento
das necessidades como então era feito.
1.3 – A Constituição Cidadã, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as novas
normativas
Surge a Constituição de 1988, chamada por todos como a Constituição cidadã por ser
considerada uma lei que defende uma concepção de cidadania e direitos humanos.
Conforme o seu Artigo 227, crianças e adolescentes passam a ser prioridade absoluta na
formulação de políticas públicas e devem ser tratados como sujeito de direitos e em fase
de desenvolvimento. Todas as ações das esferas federal, estadual e municipal devem
pautar-se neste princípio.
No quadro abaixo, Perez e Passone (2010) sintetizam o período de redemocratização e
uma série de normativas sobre a infância e a adolescência surgem à luz da Constituição.
24
QUADRO 2 – Contextualização histórica do atendimento à infância e adolescência
no Brasil 1985/2006
Períodos
Principais normatizações e legislações
Redemocratização
e
Estatuto
da
Criança
e do Adolescente
(1985 – 2006)
• Constituição da República Federativa do Brasil (1988)
• Adoção da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças (Decreto
Legislativo n. 28 de 1990)
• Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069 de 1990)
• Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.242 de
1991)
• Lei Orgânica da Saúde
• Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742 de 1993)
• Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social (Medida Provisória
n. 813 de 1995)
• Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394 de 1996)
• Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Portaria n. 458 de 2001)
• Criação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (Lei n. 10.683 de
2003)
• Criação do Programa Bolsa-Família (Lei n. 10.683 de 2003)
• Substituição do Ministério da Previdência e Assistência Social pelo Ministério
de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Lei n. 10.869 de 2004)
• Política Nacional de Assistência Social (Resolução CNAS n. 145 de 2004)
• Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social
(Resolução CNAS n. 130 de 2005)
• Lei Orgânica de Segurança Alimentar (Lei n. 11.246 de 2006)
• Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (Resolução n. 1 de
2006/Conanda)
Principais
características
• Novo padrão político,
jurídico e social;
• Institucionalização da
infância
e
da
adolescência
como
sujeito de direitos
•Descentralização,
municipalização,
controle e participação
social
Fonte: PEREZ, José; PASSONE, Eric (2010)
De acordo com Perez e Passone (2010), no período de 1985 a 2006, crianças e
adolescentes ganham o reconhecimento como sujeitos de direitos. Para o foco deste
estudo, que é a história da institucionalização, os principais ordenamentos legais foram a
Constituição Federal (1988), a adesão à Convenção Internacional dos Direitos das
Crianças (Decreto Legislativo nº 28 de 1990), o Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990) e o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006).
A nova legislação tinha que se distanciar da sua herança passada carregada de
repressão e cunho policial. A nova normativa deveria ter um caráter protetivo e integral. É
neste contexto que surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), oficializando
uma nova Doutrina. Passamos da Doutrina da Situação Irregular para a Doutrina da
Proteção Integral. Com o surgimento do ECA, o Código de Menores de 1979 é revogado.
Pautada na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, o ECA passa a
conter o que a de mais inovador no mundo no que se refere à cidadania da criança e do
adolescente.
25
Conforme Passetti (2006, p. 371) não basta ter uma lei moderna, mas torna-se
necessário que esta lei seja legitimada socialmente. É preciso sair da perspectiva
criminal para angariar de fato um caráter educativo, voltado para a cidadania como a
normativa estabelece. Com certeza o maior desafio trazido pelo ECA é considerar
crianças e adolescentes como sujeitos individuais com direitos, e claro, deveres,
respeitando a sua fase de desenvolvimento.
A criação do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)
em 1991 pela Lei 8.242, e seus congêneres estaduais e municipais criam uma nova
lógica na discussão e fomento da política. Considerados espaços de controle social,
estes órgãos são paritários, contemplando sociedade civil e governo e possuem o intuito
de trazer um novo fazer e um novo olhar para aqueles que passam a ser prioridade
absoluta. Claro que se faz necessário apreender o papel destes novos atores no cenário
nacional, compreendendo que o exercício da democracia não é algo tão fácil quanto
aparenta.
No caso específico do CONANDA, ele é deliberativo, portanto órgão de decisão, com
autoridade para intervir e propor ações. Geralmente estes Conselhos se organizam
através de um regimento interno com plenária e comissões temáticas. Neste espaço
acontece o controle social, que é o acompanhamento da sociedade civil nas decisões
públicas. Um grande desafio colocado para os atores envolvidos nos conselhos é a
representatividade e a articulação. Um bom Conselho, que consequentemente fomentará
boas políticas públicas é aquele onde existe um equilíbrio técnico na representatividade,
ou seja, sociedade civil e governo debatem num mesmo nível técnico. Infelizmente às
vezes, alguns Conselhos passam a ser mais um equipamento do executivo, perdendo o
seu caráter propositivo.
Em uma pesquisa realizada em 2010, pelo professor Leonardo Avritzer da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), “Democracia, desigualdade e políticas públicas no
Brasil”, onde dentre outras capitais estava Belo Horizonte, foi apontado que:
[...] existia uma relação clara entre o desempenho da política voltada para a
criança e o adolescente e a qualidade do conselho, medida pelo seu grau e
institucionalização, democratização interna e capacidade deliberativa.
(MENICUCCI, 2010, p.210).
26
Importa, para estes Conselhos, serem capazes de responder suas demandas, que a
representatividade não seja apenas numérica e sim em condições de provocar um
debate democrático e que as deliberações sejam voltadas para a prioridade absoluta
estabelecida pelas normativas.
Surge no cenário os Conselhos Tutelares com a função de “zelar pelo cumprimento dos
direitos da criança e do adolescente”, conforme estabelece o Artigo 131 do ECA. Dentre
suas atribuições podem ser citadas: requisitar serviços públicos em diversas políticas
setoriais, encaminhar ao Ministério Público situações de violação de direitos, encaminhar
os casos pertinentes ao judiciário, assessorar o executivo na elaboração da proposta
orçamentária. Com certeza um desafio que se faz presente e que exige deste
profissional uma formação continuada e uma assessoria permanente por parte do
Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) local, para
cumprir com propriedade suas funções.
Com o intuito de garantir os princípios da normativa surgem outras Leis, como por
exemplo, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, que prioriza também a
criança e adolescentes nas ações da Assistência Social. A partir do seu surgimento a
Assistência Social toma visibilidade enquanto política pública, inserida dentro do tripé da
Seguridade, conjuntamente com outras políticas setoriais, Educação e Previdência
Social. Desta forma é afirmado o caráter de direito do usuário independente da sua
contribuição à seguridade e reforçado o caráter de proteção social trazido pela própria
Doutrina da Proteção Especial.
Para isto a promulgação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) vem
concretizar direitos e estabelecer processos metodológicos para a implantação da
Assistência Social enquanto política pública.
1.4 – A Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência
Social
Com o intuito de materializar as diretrizes previstas na LOAS é promulgada, em 2004, a
Política Nacional de Assistência Social (PNAS) que passa a ser operacionalizada pelo
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em 2005. O SUAS é o sistema de gestão
27
da Assistência Social para todo o território nacional. Sistema público, não-contributivo,
descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da
Assistência Social no campo da proteção social brasileira. Constitui-se na regulação e
organização em todo território nacional das ações socioassistenciais. Define e organiza
os elementos essenciais e imprescindíveis à execução da política de assistência social
possibilitando a normatização dos padrões nos serviços, qualidade no atendimento,
indicadores de avaliação e resultado, nomenclatura dos serviços e da rede
socioassistencial e, ainda, os eixos estruturantes e de subsistemas conforme:
matricialidade sócio-familiar; descentralização político-administrativa e territorialização;
novas bases para a relação entre Estado e sociedade Civil; financiamento; controle
social; o desafio da participação/cidadão usuário; a política de recursos humanos; a
informação, o monitoramento e a avaliação.
São definidos níveis de complexidade da proteção social no SUAS: Proteção Social
Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE), sendo que está última se divide em
média e alta complexidade. As seguranças básicas desenhadas pelo SUAS são:
proteção em caso de calamidades, acesso à renda, acolhida (na rede de serviços),
desenvolvimento de autonomia familiar e individual e convivência familiar e comunitária.
A Proteção Social Básica tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários. Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos
locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e indivíduos, conforme a
situação apresentada. Destaca-se aqui o Programa de Ação integral à Família (PAIF). O
PAIF é entendido como porta de entrada da proteção social básica, aquela atenção
específica de antecipação às situações de risco por meio de desenvolvimento das
potencialidades e aquisições, bem como o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários. É executado dentro dos Centros de Referência da Assistência Social
(CRAS) são equipamentos estatais em territórios de vulnerabilidades e risco social da
Proteção Social Básica.
Já os serviços de Proteção Social Especial consideram os desdobramentos dos serviços
de orientação sócio-familiar, dedicados ao atendimento a indivíduos e às famílias
também, para provimento de benefícios, serviços, programas e projetos, mas com um
grau de complexidade muito maior. São serviços que requerem acompanhamento
28
individual, e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Têm estreita interface com o
Sistema de Garantia de Direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e
compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do
Executivo.
Os serviços da Média Complexidade são os que oferecem atendimentos às famílias e
indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não
foram rompidos. O equipamento público aqui é o Centro de Referência Especializado da
Assistência Social (CREAS). Divide-se nos seguintes serviços: Serviço de proteção e
atendimento especializado a famílias e indivíduos (PAEFI); Serviço de proteção social a
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço especializado para pessoas em
situação de rua.
A proteção especial de alta complexidade são aquelas que garantem proteção integral –
moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se
encontram sem referencia e, ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados de
seu núcleo familiar e, ou, comunitário. São: Serviço de Acolhimento Institucional; Serviço
de Acolhimento em Repúblicas; Serviço de proteção em situações de calamidades
públicas e emergências.
Reforçando as diretrizes da política em 2006 é lançado o Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária (PNCFC) pelo CONANDA e Conselho Nacional de Assistência Social
(CNAS). Sua origem está ligada a: Caravana da Comissão de Direitos Humanos da
Câmara dos Deputados sobre os abrigos, Colóquio Técnico sobre Rede Nacional de
Abrigos, CF, ECA, LOAS, PNAS dentre outras. No Colóquio foi constituído o Comitê
Nacional para o Reordenamento de Abrigos. Conforme apontado no PNCFC (BRASIL,
2006ª, p.28) o Comitê surgiu “com objetivo de estimular mudança nas políticas e práticas
de atendimento, efetivando uma transição para o novo paradigma legal – ECA – a
respeito do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária”. O
PNCFC torna-se um marco histórico e um grande passo para a ruptura da
institucionalização, sem critérios e necessidades reais, de crianças e adolescentes.
29
As diretrizes constantes no PNCFC (BRASIL, 2006ª, p. 77) são: centralidade da família
nas políticas públicas; primazia da responsabilidade do Estado no fomento de políticas
integradas de apoio à família; reconhecimento das competências da família na sua
organização interna e na superação de suas dificuldades; respeito à diversidade étnicocultural, à identidade e orientação sexuais, à equidade de gênero e às particularidades
das condições físicas, sensoriais e mentais; fortalecimento da autonomia da criança, do
adolescente e do jovem adulto na elaboração do seu projeto de vida; garantia dos
princípios de excepcionalidade e provisoriedade dos Programas de Famílias Acolhedoras
e de Acolhimento Institucional de crianças e de adolescentes; reordenamento dos
programas de Acolhimentos Institucional; Adoção centrada no interesse da criança e do
adolescente e controle social das políticas públicas.
Neste sentido é que Vicente (2005, p. 56) afirma que ninguém tem o direito de orfanizar a
criança pobre. Neste novo cenário as famílias não devem ser culpabilizadas pela falta de
cuidados, mas devem ser orientadas para que busquem formas de voltarem a adquirir
seu papel principal diante de seus filhos que é o papel protetor.
Segundo o proposto pelo PNCFC o Estado de Minas Gerais lança o seu Plano Estadual
de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária (PECFC) em 2009, após longo debate com diversos atores.
Trabalhando com os mesmos quatros eixos propostos pelo PNCFC o PECFC inova ao
ampliar para o quinto eixo, o eixo da sustentabilidade. Compreendendo que o quesito
financeiro exige um eixo único, pois não é possível pensar em política pública sem
financiamento.
Consoante com a discussão proposta pelo PNCFC no item pertinente ao Reordenamento
das entidades que executam o serviço de acolhimento institucional surge, através da
Resolução Conjunta nº 1, CONANDA/CNAS, o documento: “Orientações Técnicas:
serviços de Acolhimento para crianças e Adolescentes”. Simultaneamente é lançado a
“Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais”, através da Resolução nº 109, de
novembro de 2009. Ao dar corpo à metodologia de execução dos serviços, tais
documentos trazem a dimensão da compreensão de seres dentro de suas
complexidades, considerado que isto só pode ocorrer através de políticas sérias e
efetivas (MACHADO, 2010). Ambos estabelecem parâmetros para os serviços e mudam
30
o cenário nacional na medida em que cada serviço, independente de ser público ou
privado, deve seguir tal normativa e iniciar o seu processo de reordenamento
institucional. Não bastam leis avançadas, é preciso que a prática arcaica seja
abandonada e para isto é preciso parâmetros a serem seguidos, pautados na
humanização do serviço.
As instituições totais passam a ser veementemente criticadas por massificarem e
tornarem o sujeito um indivíduo incapaz de se auto fortalecer. Ele vive a imagem do
coletivo e vai, aos poucos, perdendo a sua personalidade para assumir a personalidade
do outro, daquele que detém o poder e dita às regras disciplinares que devem ser
rigorosamente seguidas. Diante disto é preciso que os serviços de acolhimento
institucional (agora com nova nomenclatura) possam minimizar o impacto danoso da
institucionalização, abrirem suas portas deixando para trás a completude para trabalhar
no viés da incompletude que só se tornará completa através da entrada de outros atores
neste novo cenário que se desdobra.
A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais valida os níveis de complexidade
do SUAS trazendo uma matriz padronizada para cada serviço que passa a ter um nome
unificado em todo o país. Reforçando a PNAS, a Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais prioriza as seguranças ali estabelecidas. Inaugura-se um período,
onde devam ser priorizados ambientes que possibilitem o efetivo desenvolvimento da
criança onde não haja espaço para ambientes adversos, sem afetos, sem
relacionamentos fortalecedores. Inaugura-se um novo olhar que traz consigo uma ação
provisória e reparadora. Reparadora de histórias, de novas construções, com foco na
autonomia e potencialidades individuais.
Ao reconhecer o direito à convivência familiar e comunitária e 30oloca-lo em prática, o
Estado assume o seu papel intrínseco de garantir um princípio básico para o
desenvolvimento que é se sentir pertencente a um grupo familiar e ter a sua identidade
pessoal e não a identidade de “ filhos do governo” como eram chamados as crianças e
adolescentes retirados de seus lares. Garantir tais direitos vai para além de um ato de
benevolência e recai na lógica do direito maior a sobrevivência. A convivência familiar é
um direito intrínseco para que o ser humano possa crescer e socializar-se. Conforme
Silva (1998, p. 191) a condição que lhes foi subtraída pela Institucionalização não
31
pertence à sociedade nem ao Estado; é a condição básica para um homem viver com um
mínimo de dignidade.
1.5 – Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes: parâmetros para uma gestão eficaz.
As Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes
passa a respaldar todo o processo de reordenamento institucional regulamentando a
organização do serviço enquanto um serviço público integrante de uma política
consolidada pelo SUAS. Em seu interior estabelece os princípios orientadores pautados
na excepcionalidade e provisoriedade do afastamento do convívio familiar, na
preservação dos vínculos familiares e comunitários, garantia de acesso e respeito à
diversidade e não discriminação, oferta de atendimento personalizado e individualizado,
garantia de liberdade de crença e religião e por último o respeito à autonomia da criança,
do adolescente e jovem.
Nesta nova lógica os serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes passam a
estar dentro de duas categorias:
Abrigo Institucional é considerado como:
Serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e adolescentes
afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de abrigo (ECA,
Art.101), em função de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontremse temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e
proteção. O abrigo deve ter aspecto semelhante ao de uma residência, sem
placas indicativas do seu caráter institucional, devendo ser localizado em áreas
residenciais, inserido na comunidade do entorno e próximo fisicamente e do
ponto de vista sócio-econômico da realidade dos seus atendidos. Seu público
alvo é constituído por crianças e adolescentes de 0 a 18 anos sob medida
protetiva de abrigo e o número máximo de usuários por equipamento não deve
ultrapassar 20 crianças e adolescentes.
A Casa Lar é:
Serviço de Acolhimento provisório oferecido em unidades residenciais, nas quais
pelo menos uma pessoa ou casal trabalha como educador/cuidador residente –
em uma casa que não é a sua- prestando cuidados a um grupo de Crianças e
adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva de
abrigo (ECA, Art.101). Deve igualmente ser localizado em áreas residenciais,
sem placas indicativas de seu caráter institucional e seguir o padrão sócioeconômico da comunidade na qual esteja inserido. Seu objetivo é propiciar um
ambiente próximo de uma rotina familiar, mais flexível e menos institucional, e
estimular um vínculo estável entre o educador residente e os atendidos,
32
favorecendo o convívio familiar e comunitário dos mesmos. O público alvo é
composto por adolescentes de 0 a 18 anos sob medida protetiva de abrigo e o
número máximo de usuário por equipamento não deve ultrapassar 10 crianças e
adolescentes (BRASIL, 2009ª, p.67-74).
Quanto aos procedimentos metodológicos, os seguintes tópicos são elencados: Estudo
Diagnóstico Prévio e Pós Acolhimento; Plano de Atendimento Individual e Familiar;
Acompanhamento da família de origem; Articulação Intersetorial. O acompanhamento
Pós Acolhimento pode ser visto como uma iniciativa importantíssima da nova legislação,
considerando que, crianças e adolescentes quando retornavam aos seus lares, eram
novamente deixados ali sem um devido acompanhamento, depois de meses
institucionalizados ou até mesmo anos, se via diante de sua família sem uma rede que a
sustentasse nos momentos de fragilidades. Na década de 90 alguns autores (SILVA,
1998; RIZZINI, 2004) já apontavam a fragilidade da desinstitucionalização. Concordando
entre si, estes autores, apontam que o processo de institucionalização prolongado
causam danos a constituição da identidade, reduz a autoestima, dentre outros males. A
falta de preparo na saída da instituição pode acarretar um aumento ou podemos dizer
uma negação de tais sentimentos reais, ocasionando danos à construção psicológica do
sujeito na sua vida adulta.
Com relação a recursos humanos para os serviços, um quadro mínimo deve ser
respeitado pelas entidades e é exatamente este ponto que sustentará o reordenamento.
Não mais apenas voluntários e caridosos nas entidades, mas profissionais capacitados e
com formação continuada para exercerem o seu papel.
A faixa etária, a ser trabalhada pelas entidades, deve ser estabelecida de forma a
ampliar a mesma, dando sempre prioridade para a não separação de grupos de irmãos.
Ponto polêmico este por demandar uma estrutura física e principalmente profissionais
capazes de lidar com várias fases de desenvolvimento. Isto só é possível quando existe
um financiamento capaz de arcar com os custos de um serviço tão peculiar. Sabe-se que
a separação de irmãos leva a rompimentos de vínculos e contraria o pressuposto básico
do direito a convivência familiar. Mas por outro lado, numa demanda crescente de vagas,
como contemplar este direito sem ferir outros, ou seja, que meninos ou meninas maiores
convivam de forma saudável dentro de um mesmo espaço com crianças em tenra idade.
33
Dois instrumentos importantes trazidos pelas Orientações Técnicas são fundamentais
para a nossa discussão nos próximos capítulos: o Plano Individual de Atendimento da
Criança/ Adolescente e Família (PIA) e o Projeto Político Pedagógico (PPP). O primeiro
deve conter objetivos, ações e estratégias de trabalho com as crianças/ adolescentes e
suas famílias e o segundo funciona como um plano de governo da entidade e direciona a
forma como deve ser conduzido as ações, respeitando a normativa, mas compreendendo
também as particularidades daquela entidade principalmente se for de cunho privado.
Tais documentos, quando bem elaborados fortalecem o papel da entidade de ser uma
local que favoreça o cuidado e a proteção. Compreendemos assim como Machado
(2011, p.160) que a entidade de acolhimento não deve ser concebida como um espaço
de exclusão, mas sim como espaço que proporcione o desenvolvimento de crianças e
adolescentes que ali permanecem, independentemente do tempo de duração da medida.
1.6 – A Lei 12.010/2009 e as alterações propostas no ECA
Em agosto de 2009, é promulgada a Lei 12.010/2009, alterando dispositivos do ECA, do
Código Civil e da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), além de incluir novos
dispositivos referentes a adoção. Popularmente conhecida como Nova Lei de Adoção, na
verdade ela é uma Lei da Convivência Familiar e vem dar respaldo legal para as
diretrizes trazidas pelas Orientações Técnicas, aperfeiçoando toda a sistemática com
vistas à garantia do direito à convivência familiar. Buscando assegurar a promoção social
da família de origem das crianças e adolescentes, a lei é taxativa em afirmar o
encaminhamento à família substituta apenas quando esgotada todas as possibilidades
de reintegração.
Com a alteração do ECA a partir da Lei 12.010/2009 questões que não eram claras e
não
tinham
prazos
estipulados
como
por
exemplo
a
entrega
de
relatórios
circunstanciados e o tempo máximo de permanência passam a fazer parte da nova
normativa. O Artigo 19, em seus parágrafos 1º e 2º, retrata isto ao apontar que a
situação da criança inserida em acolhimento, deva ser revista a cada seis meses, não
podendo permanecer mais de dois anos na instituição.
34
Apesar de ser conhecida como Nova Lei De Adoção, seu dispositivo legal vem fazer uma
ruptura definitiva com a Doutrina da Situação Irregular consolidando a Doutrina da
Proteção Integral e trazendo legalmente a discussão do direito a convivência familiar e
comunitária.
Uma alteração significativa e relevante para o nosso estudo é a modificação do Inciso I
do Artigo 92 acrescentando que as entidades devem ter como princípio a promoção da
reintegração familiar exigindo que tais entidades criem estratégias de acompanhamento
familiar que propiciem a reintegração. Significativa esta alteração, pois muda o foco da
entidade que apenas acolhe para aquela que vai para além, necessitando de ter equipe
técnica capaz de trabalhar a família. Aponta também para um forte trabalho intersetorial,
tendo em vista que não é possível a entidade sozinha realizar tal ação. Um olhar para a
gestão das entidades se torna presente pela primeira vez, de forma intensa, numa
legislação.
A lei 12.010/09 surgiu no limiar da maioridade do ECA e veio com proposta firme de
efetivar enfim o reordenamento da política de atendimento da criança e do adolescente
em vulnerabilidade social. Clareou pontos obscuros, deu fôlego a alguns dispositivos que
esmorecia na inoperância, redefiniu, desconstruiu e propôs novos conceitos, inovou no
estabelecimento de pressuposto mais condizente com as necessidades do sujeito de sua
atuação e assim deliberou quebras de paradigmas e o nascimento da cultura de proteção
à criança e ao adolescente.
Mas nem sempre a lei tem o poder de mudar a cultura. Ao contrário, muitas vezes, é ela
quem muda em razão da mudança da cultura. Então, como fazer valer os seus
preceitos? Como fazer com que os próprios atores do Judiciário, Ministério Público e
Defensoria também empreendam o seu reordenamento interno? Afinal da mesma forma
que os Conselhos Tutelares e as unidades de acolhimento funcionam 24 horas, não seria
fundamental isto por parte dos órgãos de defesa? Onde estão as varas especializadas?
Esta lei é instrumento transformador que exige dos órgãos públicos e privados
executores do serviço de acolhimento institucional que cumpram com seu dever legal de
acolher a criança, o adolescente e sua família de forma qualificada, que realize como
prioridade absoluta o acompanhamento familiar a fim de reintegrar o acolhido à sua
família ou na impossibilidade real a uma família substituta. A nova lei convoca o
Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública a garantirem a prioridade absoluta nas
35
ações que fazem parte crianças e adolescentes. Que o Conselho Tutelar busque atuar
de forma a promover e proteger, orientando e auxiliando as famílias. E por fim a toda
sociedade civil que deve buscar a adequação e implementação das disposições da Lei
nº. 12.010/2009 como atuantes do controle social e os maiores interessados na garantia
do direito à convivência familiar e comunitária das crianças e adolescentes.
1.7 – O Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes
Resultado de uma discussão de vários movimentos sociais, em 1999, na Conferência
Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, organizada pelo CONANDA, entrou em
pauta a necessidade de institucionalização e fortalecimento de um sistema, que passou a
ser amplamente conhecido como “sistema de garantia de direitos da criança e do
adolescente” (NETO, 2005). Batizado com o nome de Sistema de Garantia dos Direitos
de Crianças e Adolescentes (SGD/CA) é considerado o conjunto articulado de pessoas e
instituições que atuam para efetivar os direitos infanto-juvenis. Desta forma intregram o
SGD C/A, a família, as organizações da sociedade civil, os Conselhos de Direitos,
Conselhos tutelares e diversas instâncias do poder público tais como: Ministério Público,
Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública e Secretaria de Segurança
Pública.
Conforme a Resolução nº 113 de 19 de abril de 2006, da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos e CONANDA, o SGD C/A constitui-se na articulação e integração das
instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos
normativos e no funcionamento dos mecanismos de proteção e controle, para efetivação
dos direitos das crianças e adolescentes.
Desta forma o SGD C/A possui três eixos estratégicos de ação: defesa de direitos
humanos, promoção de direitos e controle e efetivação dos direitos humanos. Conforme
Neto (2005, p.15) o SGD C/A operacionaliza como um “sistema estratégico” e por isso
tem um papel de potencializar estrategicamente a promoção e proteção dos direitos da
infância/adolescência, no campo de todas as políticas.
36
No primeiro eixo, temos a presença dos seguintes órgãos públicos: Judiciário,
Promotorias, Defensorias, Advocavia Geral da União, Polícia Civil Judiciária, inclusive a
Polícia Técnica, Polícia Militar, Conselhos Tutelares e Ouvidorias. Já o segundo eixo de
Promoção desenvolve-se de maneira transversal e intersertorial, articulando diversas
políticas públicas. O que, com certeza, é um grande desafio posto para todos os atores.
A política de atendimento está prevista no Artigo 86 do ECA. Tal política implica em:
satisfação das necessidades básicas de crianças e adolescentes, na participação da
população, na descentralização política administrativa, no controle social e institucional.
Organiza-se em três tipos de programas, serviços e ações públicas: serviços e
programas das políticas públicas, de execução de medidas de proteção e de medidas
socioeducativas.
O último eixo trata do controle das ações públicas de promoção e defesa e ocorre
através das instâncias públicas colegiadas próprias, onde é assegurado a paridade de
participação governamental e nao governamental. Nestes espaços estão os Conselhos
de Direitos de Crianças e Adolescentes, conselhos setoriais de formulação e controle de
políticas públicas e os órgãos de controle interno e externo. Importante frizar que o
controle social, conforme a resolução " é exercido soberanamente pela sociedade civil,
através de suas organizações e articulaçoes representativas.
O grande desafio é de fato a intersetorialidade, o trabalho em rede e ações que se
articulem sem sobreposição. Principalmente é preciso considerar que as instâncias que
compreendem este sistema devem ser alavancadoras e facilitadoras (NETO, 2005) de
forma a incluir prioritariamente o público que dele necessita. O trabalho autônomo e
isolado deve aqui ser desconsiderado ao se pensar em um sistema que funcione pela
completude de uma instância com o fazer da outra. Estar neste sistema é pactuar com
um novo compromisso que culmina na Proteção Integral, sem que seja permitido
proteger por partes, fragmentadamente.
1.8 - A família contemporânea no contexto da medida protetiva
A organização familiar brasileira constitui um objeto importante para a análise das
estruturas sociais que compõem seu aparato cultural. A família que se encontra no final
37
do século XX e nos dias atuais, refletida na Constituição Federal de 1988 e no Novo
Código Civil de 2002, é uma família bastante diferente daquela que o antigo Código Civil
vinha regular. Em seu Artigo 226, a Constituição Federal considera a família a base da
sociedade, tendo especial proteção do Estado, entendendo a entidade familiar como a
comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes.
Não há mais um tipo de família, mas diversas. A família torna-se plural, com várias
configurações possíveis. Há toda uma alteração na escala de valores, decorrente das
transformações culturais. Fica vedada pela Constituição Federal, qualquer discriminação
entre os filhos, sejam eles oriundos ou não do casamento, adotivos ou naturais, também
sendo vedado que se conste denominações pejorativas em seus registros. O PNCFC
considera “a família como grupo de pessoas unidas não apenas por laços de
consaguinidade, mas também por outros vínculos que implicam, na cultura, obrigações
mútuas, apoio e compartilhamento”. Moreira; Bedran; Carellos (2011) corroboram que
com o advento da Constituição Federal de 1988, homem e mulher são tidos como
colaboradores de um projeto familiar comum, tomando decisões em comum, dividindo
responsabilidades e direitos. Independente da configuração que a família tenha, ela deve
se organizar de forma a proteger os seus membros, sem que ocorra violação de direitos.
Existem filhos destes diferentes e complexos arranjos familiares, que de alguma forma,
se tornam os “usuários” do serviço de acolhimento institucional e consequentemente
estão sob medida protetiva judicial. A legislação deixa claro que são indivíduos que
precisam, provisoriamente, de serem afastados de suas famílias para serem protegidos.
Estes indivíduos que precisam de proteção do Estado sofreram algum tipo de violência
doméstica, ou por algum outro motivo, como doença dos genitores e sem referência
familiar, precisam ser institucionalizados. Por algum fator, ou diversos fatores somados,
estas famílias violaram direitos, ou melhor, será que elas mesmas não tiveram seus
direitos violados?
Indispensável dizer que a família é a base de solidificação do desenvolvimento infanto
juvenil e desta forma não se pode pensar em políticas para a infância sem pensar nas
famílias e todas as suas nuances, arranjos, da década atual. Azor e Vectore (2008)
refletem sobre a necessidade das práticas institucionais estarem atentas à importância
da família para o desenvolvimento, considerando, principalmente, que, em alguns casos,
é inevitável o afastamento para que não haja mais danos.
Apontam assim para a
38
necessidade das entidades terem uma estrutura capaz de propiciar condições
promotoras de adequado acolhimento. Na pesquisa1 realizada pelas autoras com cinco
famílias de crianças institucionalizadas apontou-se para um baixo nível socioeconômico
como deflagrador da institucionalização. Tal fato estava acoplado com outros fatores
como maus tratos, maternidade precoce, número elevado de filhos e, por último, história
de vida dos genitores (AZOR e VECTORE, 2008, p. 85). Segundo o estudo, quando seus
filhos são retirados, deflagra ainda mais a sensação das famílias de incapacidade. A
maioria das famílias pesquisadas apontaram para uma vigilância extrema da entidade e
poucas oportunidades de estarem com as crianças, bem como uma certa desconfiança
na relação por parte dos profissionais. Outro fator relevante é a dificuldade apontada
para as famílias quando do retorno da criança. Em grande parte as dificuldades estavam
relacionadas a questões financeiras que ainda permaneciam e que não haviam mudado
significativamente a ponto de darem melhores condições para os seus filhos ou para elas
mesmas.
É importante refletir que quando o Estado entra na vida privada, em função de uma
violência, que se torna explicita ou não, ele consequentemente corre o risco de reforçar
uma fragilização da autoridade parental (MOREIRA; BEDRAN; CARELLOS, 2011).
Muitas vezes esta ação, se não realizada com muito critério e via um diagnóstico claro da
sua real necessidade, pode romper mais vínculos até entre os próprios adultos que ali
habitam. A família é exposta não apenas para si mesma, mas para toda a sua rede de
relacionamentos, independente do nível, e para toda uma sociedade.
As autoras apontam para uma reflexão importante relacionada ao cuidado que se torna
necessário antes da aplicação da medida judicial, para que não ocorra um afastamento
pautado em dados insuficientes ou prematuros, fragilizando mais ainda o núcleo familiar.
Vão mais adiante salientando que a família atual é dinâmica e não pode ser padronizada
por modelos ditados por diversos especialistas seja do campo do direito ou do campo
das ciências sociais e humanas. Cientes da necessidade de uma decisão rápida, ainda
mais advindo os prazos estabelecidos pela nova normativa, não se pode deixar de
considerar (MOREIRA; BEDRAN; CARELLOS, 2011) as relações afetivas entre os
membros daquele núcleo familiar. Destacam que as famílias, que hoje são coadjuvantes,
1
Abrigar/desabrigar: conhecendo o papel das famílias neste processo.
39
do processo precisam ser protagonistas de novas relações pautadas em um reaprender
a cuidar. Afinal, as famílias, em sua maioria, não são sempre negligentes, existe uma
sazonalidade no ciclo de vida que é pautado, fortemente, pelo ciclo econômico do país,
pelas altas e baixas de taxas de desemprego e inflação.
As famílias de origem destas crianças ainda carregam o estigma de incapazes, de
desestruturas em paralelo à constatação de muitas delas vivem em situação de extrema
pobreza. Garantir o que está posto no Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é um
desafio para os diversos agentes e operadores da política. Desafio este que também é
apontado por autores como Azôr e Vectore (2008); Brandão e Willians (2009); Machado
(2011); ROSSETTI-FERREIRA et al (2012).
Geralmente as famílias de crianças institucionalizadas são marcadas por conflitos que
são gerados pelo ambiente externo, somados com os conflitos internos de cada indivíduo
que ali habita. A violência na infância tem sido amplamente discutida (MARGOLIN e
GORDES, 2000; AZEVEDO e GUERRA, 2005; HUTZ, 2005) por diversos autores. O que
se percebe é que a grande maioria destes autores trata da violência ocorrida nas famílias
pobres. Torna-se necessário descontruir que a violência ocorre apenas nas famílias
pobres, mas importa considerar que ela existe em todos os estratos sociais e que ela não
é causada apenas por um fato, mas por diversos fatores coligados que devem ser
contextualizados. Ao desconstruir isto chama-se a atenção dos operadores do SGD C/A
para as crianças e adolescentes que hoje são esquecidos pela política, considerando
que alguém precisa olhar por elas e que hoje elas precisam de alguém que lhes dê voz.
As questões de violência intrafamiliar devem ser vistas como uma patologia das
relações, que envolvem todo o sistema familiar e social. Faz-se preciso ler nas
entrelinhas no subjetivo a violência psicológica que está oculta em todas as modalidades
de violência doméstica e que segundo Perry (1995) não quebra ossos, quebra mentes. A
violência emocional não resulta na morte do corpo, mas resulta na morte da alma.
Ainda segundo Margolin (MARGOLIN e GORDES, 2000, p.445) a violência doméstica
afeta diretamente o processo de construção da identidade da criança e do adolescente
assim como os seus conceitos sobre si mesmos e o mundo, suas ideias acerca dos
objetivos da vida, suas expectativas sobre o futuro e seu desenvolvimento moral. Esta
afirmativa das autoras no leva a questionamentos sobre a rotulação que sofrem crianças
40
e adolescentes que sofreram violência. É como se sobre elas uma constante nuvem
pairasse impossibilitando os mesmos de terem uma vida saudável. Sabe-se que a
violência deixa sim marcas, mas acredita-se que tais marcas podem e serão sanadas
com cuidados reparadores que estas crianças encontrarem no decorrer de suas vidas.
Levanta-se aqui a provocação que o acolhimento pode e deve ser sim o lugar para que
estas crianças encontrem o porto seguro e reconstruam suas vidas.
Nesta tensão diária, Moreira, Bedran e Carellos (2011), são assertivos em dizer que
devido a tantos fatores, algumas mães entregam seus filhos no “colo” do Estado. Muitas
delas perdem o chamado poder familiar e as crianças são colocadas em famílias
substitutas. Outros autores (ROSETTI-FERREIRA et al, 2011) corroboram em afirmar
que muitas determinações judiciais favoráveis às adoções são pautadas na ausência de
políticas públicas e consequente ausência, ou insuficiência, de recursos materiais da
família biológica, ressaltando que tal prática se respalda no Código de Menores e é
negada no ECA, mas ocorre na prática diária.
Para Fonseca (2002), o Estado cobra das famílias uma responsabilidade incompatível
com a efetiva oferta de serviços públicos que resgatem a potencialidade protetora das
famílias, mesmo tendo como responsabilidade intrínseca prover o mínimo necessário de
forma a proteger e apoiar as famílias em especial aquelas em vulnerabilidade.
Assim como Maricondi e Soares (2010) reforça-se aqui a necessidade de se olhar para
família como ela é, dentro da sua realidade, desistindo da ideia de um modelo único,
idealizado. Corroborando com as autoras, passa-se a enxergar esta família como uma
rede de relações, abri-se para um universo novo de possibilidades de trabalho. Nesta
vertente, enfatiza-se o conceito de rede social da família trazido por Sanicola (1996)
quando considerou que a família constitui-se por um conjunto de relações interpessoais
onde a família mantém a sua própria identidade social.
Ao trazer o conceito de uma rede de solidariedade, Sanicola (1996) aponta para o fato de
que as famílias se apoiam entre si em momentos de tranquilidade e de dificuldade.
Reforçar ou manter esta rede de solidariedade implicaria em encontrar respostas mais
satisfatórias antes do afastamento de uma criança do seu lar. Trabalhar neste sentido é
voltar o olhar para a própria comunidade onde esta inserida aquela família.
41
Complementando ainda com o apontado por Maricondi e Soares (2010) que este novo
olhar é centrado no que a família tem de recurso, e não naquilo que falta. Ao considerar
o patrimônio pessoal de cada membro familiar passa-se a um patamar que favorece o
adentrar neste espaço privado, identificando-a e compreendendo-a. Na dinâmica das
relações familiares é preciso se ter a clareza que os valores antigos se misturam aos
novos e com grandes chances de gerar conflitos e contradições que devem ser
percebidas pelos profissionais quando em atendimento a estas famílias. As famílias
precisam ser olhadas e não condenadas.
Claro está que a situação de exclusão social e vulnerabilidade muitas vezes contribui
para fragmentar as relações nas famílias. Em certa medida, pode atingir a sua
capacidade protetiva e a socialização das crianças. Assim, há que se refletir sobre a
ética do atendimento a essas famílias e na construção de condições socioculturais e
referências para um processo de transformação. Para isto é necessário pensar como se
dá a gestão social dos serviços de acolhimento institucional de forma a responderem a
sua missão de lugar de proteção e de acolhida, não apenas para a criança e
adolescente, mas para a sua família de origem, de forma ética e profissional.
1.9 - Gestão Social: compreendendo um novo jeito de coordenar um serviço
público
A palavra gestão vem do latim, gestio, e está ligada a uma ação que deve ser gerida ou
administrada. Toda ação tem uma intencionalidade. Especificamente no campo da
gestão social, ela tem um caráter de interação social, sem fins lucrativos, mas com
resultados pautados no bem estar social de um determinado público. Desta forma a
gestão social entra aqui como um jeito humanizado de alocar instrumentos e ferramentas
até então utilizadas no mundo empresarial. Instrumentos estes, que a luz de um olhar
humanizado, busca não apenas considerar os processos necessários, mas o cuidado e
acolhida necessária na efetivação dos processos de trabalho.
1.10 - Gestão Social, um fazer em construção
Tratamos nesta pesquisa de um serviço da política pública, portanto situar e buscar uma
compreensão do que é a Gestão Social faz parte desta discussão. Não se pode afirmar
42
que existe um conceito claro de Gestão Social. Apesar de ser um termo amplamente
utilizado, a sua conceituação é cheia de convergências e divergências. Com uma
herança forte da Administração de Empresas percebe-se que a chamada gestão social
passar por uma nova remodelagem, ou, melhor dizendo, incorpora valores de várias
disciplinas, sem parar em nenhuma delas.
Ckagnazaroff (2004) registra que a gestão social situa em um campo interdisciplinar e
intersetorial, de forma a dar suporte para ações públicas, buscando auxiliar gestores a
superar um dos principais desafios que é a implementação de políticas sociais. Para o
autor a gestão social necessita de ferramentas que auxiliem a alcançar aos objetivos e
metas propostos. Salienta a importância dos instrumentos de análise, desenho,
implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas.
Para este autor a gestão social é considerada uma gestão estratégica que é uma forma
de adaptação às mudanças externas e internas e necessariamente envolve diversos
atores.
Alguns
conceitos
entram
nesta
discussão
como
descentralização,
intersetorialidade, parceria e participação.
Carvalho (1999, p. 19) se aproxima do Ckagnazaroff (2004) ao pontuar que “a gestão
social é, em realidade, a gestão das demandas dos cidadãos”. Esta gestão deve estar
relacionada com ações públicas. Para a autora as ações devem vir pelo processo de
participação, nascendo às demandas da sociedade civil. Neste cenário Carvalho (1999)
visualiza algumas tensões: uma entre a eficiência e a equidade e outra entre a lógica da
tutela ou compaixão em contraponto a lógica dos direitos. Corre-se o risco de
filantropização dos serviços de direito dos cidadãos impedindo o avanço da equidade
social (Carvalho, 1999, p. 25). A descentralização e a intersetorialidade é citada por
ambos os autores e merece toda atenção.
Na contextualização feita por Corrêa (2003), referente ao município de Belo Horizonte,
traz um resgate de alguns modelos importante a serem citados: inicialmente o modelo
managerialism, entendido como a adoção de práticas gerenciais privadas no Estado;
após o modelo consumerism, que tinha como princípios a efetividade e a qualidade e
tratava o usuário como cliente/consumidor e por ultimo o modelo Public Service
43
Orientation, que incorpora conceito de accountability, traduzido em transparência e
responsabilização da Administração Pública.
No meio deste cenário, o termo descentralização surge como uma alternativa para
economicamente construir um Estado mais ágil e eficaz e pelo viés da dimensão política
surge como um processo de consolidação da democracia. Lima (2003, p. 94) considera a
questão política da descentralização pautada no processo de democratização, sendo a
democracia entendida como uma relação entre diversos atores sociais e o Estado, na
qual cada ator tem um peso e as decisões são tomadas através negociação política.
Mas, para além destas duas variáveis, existe outra que considera a descentralização
como um processo de distribuição do poder, ou seja, deslocamento de ações até então
centralizadas nas mãos de poucos, para diversas regiões de um espaço geográfico. Para
uma efetiva descentralização é preciso que mais de uma ação de governança esteja
acoplada.
Desta forma a descentralização necessita de um nível central com importância
estratégica na direção, coordenação, formulação e aprovação de políticas setoriais.
Assim, o governo federal funciona segundo Lima (2003) como um “agente indutor”. Para
a autora, outro aspecto fundamental da descentralização diz respeito a alguns princípios
que
mereceriam especial atenção. Princípios
como: flexibilidade,
gradualismo,
transparência no processo decisório e criação de mecanismos de controle público.
A flexibilização é entendida aqui como reconhecimento das diferenças e das respostas
às mesmas. O gradualismo complementa a flexibilidade e deve ser compreendida como
a compatibilização da descentralização a um determinado complexo tempo/espaço. A
transparência no processo decisório é fundamental, pois se a descentralização tem como
principio redirecionar núcleos de poder, é preciso que as ações sejam claras e
transparentes. Por último a criação de mecanismos de controle público remete a
democracia, a participação da sociedade civil. Pode-se, portanto entender o termo
descentralização como uma forma de tratar assuntos regionais de forma regional,
considerando toda a sua especificidade. Yasbek (2004) salienta que a descentralização
político-administrativa na gestão da Assistência Social, como forma de ampliar os
espaços de participação democrática, reconfigura esta política em um novo patamar no
44
âmbito municipal, para contribuir para a inclusão social nas esferas locais, sem perder de
vista a integração nacional.
Outra questão importante é a intersetorialidade. Menicucci (2002) considera a
intersetorialidade como uma nova maneira de abordar os problemas sociais, enxergando
o cidadão em sua totalidade e estabelecendo uma nova lógica para o que a autora
chama de gestão da cidade, superando a forma segmentada e desarticulada da maioria
das ações públicas. A intersetorialidade é ainda a articulação de experiências visando o
planejamento, para a realização de avaliação de políticas, programas e projetos, tendo
como objetivo maior alcançar resultados mais eficazes e pontuais nas ações das
políticas públicas.
Possível considerar então que a intersetorialidade torna-se um grande aliado para uma
ação articulada e a base territorial é o espaço para a articulação intersetorial de
necessidades e conhecimentos, conforme traz Sposati (2004). Descentralização e
intersetorialidade caminham juntas com a territorialidade. Característica contemporânea
da busca de um novo modelo de desenvolvimento e tem como conceito a sua relação
direta com a realidade local. Na construção da cidadania social no campo das políticas
sociais, é preciso adotar processos não só de gestão de serviços, programas e recursos,
mas também de definição de metas e estratégias coletivas. A construção de um sistema
de proteção social proativo requer uma “política dos cidadãos”, operando para além das
determinações macroeconômicas e gerando espaços para que as capacidades humanas
possam ter plena expressão, notadamente a autonomia frente ao Estado. Trata-se de
construir garantias concretas para a minimização dos impactos dos ciclos econômicos e
respectivos ajustes das economias dependentes, voltando-se para o objetivo maior de
atingir uma efetiva qualidade de vida dos indivíduos.
Voltando a conceituação de Gestão Social podemos trazer Schommer e Filho (2006, p.
68), ao registrar a Gestão Social ao modo de gestão próprio das organizações que atuam
num circuito que não é, originariamente, aquele do mercado e do Estado. Este é o
espaço da chamada sociedade civil, uma esfera pública de ação que não é estatal. Para
ambos existe uma dimensão política na gestão social que é atuarem num espaço público
que passa a ser compartilhado. A lógica mercantilista aqui é invertida por tratar-se de
uma ação voltada para a melhoria de vida dos usuários destinatários daquela política.
45
Uma postura de transferência e prestação de contas deve ser adotada por gestores
sociais.
Compreende-se que a Gestão Social traz um novo fazer para as ações de caráter
público, executadas em sua maioria por entidades privadas. Desloca a prática amadora
das chamadas entidades do terceiro setor para um viés onde práticas gerenciais de
planejamento, monitoramento e avaliação, com uma nova roupagem passam a fazer
parte do dia a dia das entidades. Trata-se de executar um serviço público com princípios
de gestão com foco no impacto social do serviço para as famílias e indivíduos que dele
necessitam.
1.11 – A Gestão Social para acolhimento institucional questões e desafios
Ao trazer a discussão da gestão social das entidades quer-se penetrar na seara do
chamado planejamento institucional. Para além da compreensão de que é preciso toda
uma ação intersetorial para que a medida protetiva seja efetiva, aqui faz-se um recorte
na gestão propriamente dita das entidades. Claro está que não se quer desconsiderar a
urgência da melhoria dos processos de diversos atores do SGD C/A, mas reforçar, dar
mais solidez a própria instituição, compreendo que se trata de entidades privadas, com
personalidade jurídica e devem ser interpretadas sob está ótica. Ao pensar-se na
terminologia da gestão social aponta-se para uma ação com uma intenção. Não uma
ação solta sem destino apropriado. Gerencia-se para alcançar determinas metas. Metas
estas, que numa gestão social, implicam em mudança de vida dos usuários a que o
serviço se destina. Braun (2009) considera a divisão da gestão em três dimensões:
administrativa, técnica e política. A primeira está realizada a chamada burocracia da
gestão, a segunda ao serviço prestado e a última a sua intencionalidade.
Ao se fazer esta divisão chega-se ao ponto que se considera crucial para esta discussão:
a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) institucional referendado pelas
Orientações Técnicas CONANDA/CNAS e já tratado nesta pesquisa. Ao fazer este
recorte se quer validar a importância deste documento para a gestão das entidades e
seu caráter eminentemente propositivo e direcionador das ações dentro de uma
instituição. Considerar o PPP como instrumento da gestão é dar-lhe uma visibilidade de
fato.
46
Numa revisão bibliográfica feita de 2009 até a presente data, foi constatado a
inexistência de artigos que pudessem focar o PPP. Tal fato traz uma preocupação de
imensas proporções. Como falar em melhoria da qualidade do serviço prestado,
considerando que não se fala, ou fala se pouco, sobre tal instrumento. O PPP não é
apenas mais um documento, mas é o documento que dá corpo à instituição que diz que
ela é, o que pretende, como pretende e para aonde vai. Sem o autoconhecimento, pelas
instituições, de quem elas são, ser qualquer coisa é suficiente e seguir para um caminho
que não se sabe aonde se quer chegar, faz a vida ir levando num ritmo de plantão 24
horas. E assim como o SAMU, tentando salvar vidas, sem olhar nos olhos destas
crianças e adolescentes.
Validando-se as três dimensões trazidas por Braun (2009) quer-se afirmar o
amadurecimento
necessário
para
enfrentar
as
novas
responsabilidades
e
consequentemente cumprir o papel protetor intrínseco a estas entidades. Se as
pesquisas apontam que a maioria das entidades foram criadas após o ECA como
compreender o papel da existência ou inexistência de gestão na distância observada
entre as proposições e a prática?
Estabelecer uma instituição que ofereça determinado serviço específico é fácil, o
difícil é organizar a rede intersetorial de maneira bem articulada. É muito
importante lembrar que para o usuário dos serviços a realidade não é fatiada em
setores e que sua qualidade de vida deve se vista e abordada de maneira
integral. O que fará a diferença na gestão é justamente essa articulação, em
oposição às sobreposições de ações (BRAUN, 2009, p.18).
Ao tornar-se um marco na definição dos parâmetros para as instituições de acolhimento
as Orientações Técnicas, através do PIA e do PPP afirmam a necessidade do
planejamento participativo entre os atores internos e os externos ao serviço. Tal
participação inverte as decisões tomadas de forma vertical para a horizontalidade das
decisões, o que necessariamente inclui a distribuição do poder. Além do caráter
participativo do planejamento ele se expande para o caráter estratégico. Para Braun
(2009) esse modelo de planejamento viabiliza o crescimento coletivo e pessoal, une a
criatividade dos sujeitos envolvidos com o potencial técnico dos profissionais e mais leva
a uma permanente reflexão do fazer diário.
47
Ao considerar o planejamento em dois níveis: macroestrutural, enquanto atribuição do
Estado e microestrutural como atribuição institucional, Braun (2009) dilata a dimensão de
um ser privado que executa um serviço de caráter público inserido dentro de um sistema,
o SUAS. O que norteia que toda a definição do serviço é pautada em um documento
claro que tipificou o serviço dando diretrizes para o mesmo. A convergência dos dois
níveis é o melhor atendimento à criança e ao adolescente bem como as suas famílias.
Desta forma o PIA e o PPP ao estabelecerem um processo metodológico, confirmam a
necessidade de planejamento considerando-se os dois níveis acima apontados.
Instrumentos estes, quando colocados em prática, ampliam a discussão conceitual do
reordenamento para uma fase mais avançada que é a implementação dos mesmos.
48
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um primeiro ponto a se ressaltar é que o reordenamento institucional não é algo para
amanhã. Ele é para hoje, pois o tempo da criança e adolescente institucionalizado é hoje,
exatamente agora, sem mais delongas ou justificativas. Todo o arcabouço de parâmetros
metodológicos, até então não clareados pelo ECA, PNCFC, PECFC, se materializou nas
Orientações Técnicas e na Tipificação. Fica claro também que o acolhimento
institucional, apesar de caminhar para uma estrutura aproximada de uma família, não é
uma família. Entender isto é fundamental para sair do lugar somente da caridade para
aportar num lugar seguro, onde a gestão funcione pautada em uso de ferramentas
fundamentais para implantar os procedimentos metodológicos trazidos pelas Orientações
Técnicas para os serviços de acolhimento.
O acolhimento deve direcionar-se a ser um lugar reparador e que dê suporte para que
crianças e adolescentes possam se desenvolver. De uma forma prática, devem cumprir
com os princípios basilares trazidos pelo ECA: sujeito de direitos, em desenvolvimento e
com prioridade absoluta. Ao colocar em prática o PPP e o PIA, as entidades caminham
para contemplar esta prioridade absoluta, não de forma isolada, mas articulada com toda
a sociedade. A partir do momento em que os órgãos de defesa compreenderem que
estes documentos não são meros papéis a somarem-se ao processo, que não são
construídos de um dia para o outro, mas sim após um trabalho minucioso com as
crianças e famílias, poder-se-á
sim proceder ao reordenamento institucional. Sim!
Ambos trazem uma dimensão de trabalho intersetorial e multidisciplinar. Eles não são
instrumentos apenas da entidade, mas de todo o SGD C/A.
Quando o acolhimento compreender que não se deve preencher a falta da família, mas
fazer daquela estada promotora de vínculos novos e saudáveis, que não devem
substituir, mas levar a criança e o adolescente a ampliarem os seus laços, empoderando
estes sujeitos, a instituição será efetivamente aquilo para que existe: medida de
proteção. Proteger é cuidar, garantir direitos, e não enjaular. Considerar a necessidade
da participação proativa destes indivíduos é fundamental dentro de uma medida de
proteção. Eliminar o “coitado”, “vítima” e “abandonado” é fundamental para construir uma
nova história pautada no respeito e na participação. Exatamente por estes conceitos
49
estarem tão enraizados na prática diária que o PPP e o PIA ainda não são vistos,
apreendidos, em toda a sua dimensão. Dar voz àqueles que “nunca a tiveram” não é algo
tão lógico e tão fácil.
Assim como a criança busca explorar o novo é preciso que, os adultos dentro do
acolhimento explorem com toda intensidade este novo cenário que se faz presente para
as entidades. Mesmo que o novo assuste, as portas devem ser abertas para que ele
entre e, assim, as entidades de acolhimento institucional compreendam que são o lugar
de acolher diferentes, respeitando a sua singularidade, proporcionando à criança e ao
adolescente a certeza de que eles precisam continuar escrevendo a sua história, sem
medos ou restrições de saberem quem são de onde vieram e porque ali estão. Ser, na
concretude, um lugar de proteção.
50
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53
2 - ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: UM
QUESTIONAMENTO A PARTIR DE PESQUISAS REALIZADAS NO BRASIL, EM
MINAS GERAIS E EM BELO HORIZONTE
INTRODUÇÃO
A partir do Estatuto da Criança e Adolescente, aprovado em 1990, novas políticas
públicas e normativas foram elaboradas para o atendimento de crianças e adolescentes,
sob a nova ótica da Doutrina da Proteção Integral. Dentre estas normativas, encontramse aquelas que definem as diretrizes para o acolhimento institucional. Este artigo
pretende fazer uma discussão das condições de atendimento das entidades de
acolhimento institucional2 no Brasil, em Minas Gerais e no município de Belo Horizonte, a
partir de dados das pesquisas existentes, visando compreender como ocorre a gestão
social das entidades e como elas vêm se adequando às novas diretrizes, com vistas à
garantia do direito à convivência familiar e comunitária.
Debruçar sobre estas pesquisas é uma forma de dar vida às mesmas, no sentido de
servir de ponto de partida para uma maior compreensão da prática das entidades. A
escolha pela análise de dados secundários justifica-se, em primeiro lugar, pela amplitude
da realidade envolvida. Em segundo lugar, pelo fato de que as referidas pesquisas
engrossam o conjunto de esforços que vêm sendo desenvolvidos para a construção,
integração e articulação da rede de serviços voltados para a criança e o adolescente em
Minas Gerais e no município de Belo Horizonte. Pode-se dizer, sem risco de exagero,
que retratam momentos significantes dessa história. Portanto, é legítimo e lógico
trabalhar com os dados já existentes, buscando alinhavar, fundamentar e sistematizar
contribuições próprias da presente análise.
Ao analisar os dados ir-se-á correlacionar os mesmos com as normativas atuais que
regulam o serviço, sendo elas: Plano Nacional de Promoção Proteção e Defesa do
Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2009);
Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes
2
Conceito de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes conforme a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais,
Resolução nº109, de 11 de novembro de 2009: Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes em ambos os
sexos, inclusive crianças e adolescentes com deficiência, sob medida de proteção (Art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente)
e em situação de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir
sua função de cuidado e proteção.
54
(2009); Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2009); Plano Estadual de
Promoção, Promoção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária (2009); Lei 2.010/2009 e o Plano Municipal de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária (2012).
2.1 - Os documentos analisados e os procedimentos metodológicos
É muito recente a preocupação em realizar pesquisas ou censos que tragam à tona o
perfil das entidades de acolhimento institucional e das crianças e adolescentes acolhidos
e sob medida de proteção3. A primeira grande pesquisa nacional foi realizada apenas
em 2004 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sendo intitulado
Levantamento Nacional dos Abrigos para Crianças e Adolescentes da Rede SAC. A
pesquisa abrangeu os abrigos da Rede de Atendimento Continuada SAC/ABRIGOS, que
recebem recursos federais. Note-se que esta rede não representava o universo de 100%
dos abrigos existentes no país. As outras entidades fora da Rede SAC, executantes do
serviço, o faziam e fazem ainda hoje, com doações e caridade da sociedade, via pessoas
físicas ou jurídicas, o que fragiliza o serviço, que fica refém de doações de pessoas
externas a entidade, sem normatização ou planejamento.
No cenário estadual, a primeira pesquisa sobre o acolhimento institucional ocorreu em
2005, com o projeto Filhos do Coração, realizado por meio de uma parceria entre
Ministério Público do Estado de Minas Gerais (através do Centro de Apoio Operacional
às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude), o Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais, a Fundação CDL Pró Criança e a PUC Minas Unidade São Gabriel. Esta
pesquisa não abrangeu todo o estado e, buscando suprir informações para todos os
municípios, o Estado de Minas Gerais produz, em 2009, o “Diagnóstico das Instituições
de acolhimento a crianças e adolescentes no Estado de Minas Gerais”. Tal diagnóstico
foi encomendado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) e
elaborado pela Fundação João Pinheiro (FJP). O público alvo da pesquisa foram todas
as unidades de abrigo existentes no estado (FJP, 2009).
3
A medida de proteção de acolhimento institucional encontra-se no ART. 101, VII sendo de caráter provisório e excepcional, devendo
ser utilizada como forma de transição para reintegração familiar e quando não seja possível para família substituta .
55
No município de Belo Horizonte, o primeiro diagnóstico municipal sobre crianças e
adolescentes abrigados foi realizado em 1997, sete anos após a promulgação do ECA, o
que demonstra que já existia uma preocupação municipal com a questão do acolhimento
institucional. Uma linha do tempo demonstra este cenário municipal:
FIGURA 1- Linha do tempo da política de acolhimento institucional em Belo
Horizonte.
Fonte: CMDCA/BH, 1997; GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2000. Elaborado pela autora.
É perceptível que, na década de 1990 até 2000, ocorreu um intenso investimento do
poder público municipal na política para a criança e o adolescente. Pode-se considerar
este movimento como um momento de consolidação e articulação política intensa.
Em 1995, a Comissão de Estudo e Implantação do Programa de Abrigo 4, criada dentro
do Conselho Municipal Dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) foi
responsável pela elaboração do documento Projeto de Implantação de Abrigos, que
4
O Programa de Abrigos surge em 1995, dentro da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) com um projeto político
pedagógico próprio e com objetivo principal de reinserção familiar e qualidade do atendimento dos abrigos.
56
resultou na Resolução 19/95, que dispõe sobre os indicadores de qualidade para
instituições de atendimento, defesa e promoção de crianças e adolescentes no
município.
Em 1997, um documento do CMDCA/BH (1997) aponta que muitas dificuldades surgiram
impedindo a efetivação do Projeto, embora não deixe claras as dificuldades encontradas.
Naquele contexto, foi deliberada a necessidade de um diagnóstico da situação das
entidades de abrigamento e também de criação de um espaço de interlocução entre os
diversos atores envolvidos com a medida protetiva de acolhimento institucional. Surge,
então, o Fórum Municipal de Entidades de Abrigo.
De acordo com o documento Diagnóstico da realidade do atendimento em abrigos, não
governamentais do município de Belo Horizonte (CMDCA/BH, 1997), o Fórum Municipal
de Entidades de Abrigo foi criado para responder a uma deliberação da Resolução 31/97,
que determina que os órgãos governamentais e as ONGs teriam doze meses para se
adequarem às diretrizes estabelecidas em 1995. O Fórum seria fundamental para
articular os atores e desenvolver o processo de mudança, discutindo e orientando as
entidades sobre as diretrizes da política de Abrigo estabelecidas pelo ECA e pelo
município.
Em 1999, a plenária do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) determina a
realização de um diagnóstico das entidades de abrigo, que seria realizado em 2000, pela
Fundação João Pinheiro. O diagnóstico, intitulado “Projeto Rede de Abrigo de Belo
Horizonte”. Segundo a Fundação João Pinheiro (GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2000,
p. 4), a pesquisa teve como objetivo “contribuir para o reordenamento das instituições,
correção das distorções no repasse de recursos, unificação dos termos de convênio, a
agilização do processo de reinserção familiar das crianças/adolescentes e a melhoria na
qualidade do serviço prestado”.
Durante o período de 1999 a 2010, o município de Belo Horizonte, em resposta aos
dados encontrados em 1997 e 1999 inicia um processo de reordenamento como foi
registrado na linha do tempo anterior. É neste período que se inicia a construção do
Projeto Político Educativo para as entidades, a formação continuada, a implantação de
57
uma equipe para acompanhamento das ações de reintegração e implantação da Central
de Vagas em 2010.
No ano de 2010, a então Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS)
apresentou ao CMDCA uma demanda de sistematização de informações relativas ao
perfil das crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente no município. A proposta
foi aprovada e financiada pelo Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
(FMDCA). Foi realizado um chamamento público nº02/2010 para realização de pesquisa,
e a entidade deferida foi a Associação Casa Novella.
A pesquisa, diferentemente das outras até então realizadas em Belo Horizonte, tratou do
estudo de caso de todas as crianças e adolescentes acolhidos no período de 23 de maio
a 15 de setembro de 2011. As entidades foram divididas em três grupos: três unidades
de acolhimento institucional para crianças e adolescentes portadores de necessidades
especiais, quatro unidades de usuários com trajetória de vida nas ruas e por último as
quarenta e duas entidades de abrigos institucionais convencionais.
Para facilitar o entendimento a tabela abaixo sintetiza as pesquisas e a partir deste
ponto, elas serão apresentadas pela sigla
QUADRO 3 - Relação de pesquisas sobre o acolhimento institucional
PROPONENTE
EXECUTOR
Conselho Municipal dos
Conselho Municipal
Direitos da Criança e do
dos Direitos da Criança
Adolescente
e do Adolescente
(CMDCA)
(CMDCA)
Conselho Municipal de
Fundação João
Assistência Social (CMAS)
Pinheiro
Secretaria Especial de
Instituto de Pesquisa
Direitos Humanos e Conselho Econômica Aplicada
Nacional dos Direitos da
(IPEA)
Criança e do Adolescente
(CONANDA)
Fundação CDL Pró Criança,
Fundação CDL e PUC
Ministério Público e Tribunal
Minas
de Justiça de Minas Gerais
Secretaria de Estado de
Fundação João
Desenvolvimento Social
Pinheiro (FJP)
(SEDESE)
Secretaria Municipal Adjunta
Associação Casa
de Assistência Social
Novella (CN)
Fonte: Elaborado pela autora.
DATA
1997
ÂMBITO
Municipal
SIGLA
CMDCA (1997)
2000
Municipal
FJP (2000)
2004
Nacional
IPEA (2004)
2005
Estadual
Fundação CDL
(2005)
2009
Estadual
FJP (2009)
2011
Municipal
CN (2011)
58
Ao estudar as pesquisas indicadas, procurar-se-á interpretar e analisar os dados, de
forma a responder duas perguntas principais: quais as dificuldades as entidades de
acolhimento institucionais estão encontrando para se adaptar às novas normativas?
Como contribuir para melhorar a gestão social das entidades?
2.2 - A gestão das entidades de entidades de acolhimento institucional
Conhecer a forma como as entidades de acolhimento organizam-se é fundamental para
entender como a gestão das mesmas promovem ações que transforme a sociedade,
bem como os usuários demandatários do serviço. Neste sentido, alguns pontos das
pesquisas, passam a serem abordados daqui para frente.
2.2.1 - Onde estão, quem são e como se organizam.
As normativas (representadas na tabela abaixo) compartilham entre si a necessidade das
entidades de acolhimento institucional estar próximas a uma comunidade, seja urbana ou
rural, e serem estruturadas de acordo com os princípios que dispõe o ECA. Para iniciar o
atendimento, as entidades governamentais ou não governamentais, devem ter seus
programas inscritos junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA) que deverá realizar reavaliado 5 o programa a cada dois anos,
informando as alterações existentes ao Conselho Tutelar.
TABELA 1: Normativas que orientam o serviço prestado pelas entidades de acolhimento.
Normativa
Órgão
Plano
Nacional
de
Promoção,
Proteção
e
Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à
Convivência
Familiar e
Comunitária
Orientações
Técnicas:
Serviços de Acolhimento
para
Crianças
e
Ministério
do 2006 PNCFC (2006)
Desenvolvimento
Social e Combate à
Fome/
Secretária
Especial dos Direitos
Humanos
Conselho Nacional 2009 ORIENTAÇÕES
dos
Direitos
da
TÉCNICAS
Criança
e
do
(2009)
5
Ano
Sigla
As condições para renovação de registro trazida pela Lei 12.010/2009 em seu Art. 90 § 3º são: qualidade e eficiência do trabalho
desenvolvido, atestado pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e pela Justiça da Infância e da Juventude; índices de sucesso
na reintegração familiar ou de adaptação à família substituta, conforme o caso.
59
Adolescentes
/Resolução Adolescente/
Conjunta nº1/2009
Conselho Nacional
de Assistência Social
Tipificação Nacional dos Conselho Nacional
Serviços Socioassistenciais de Assistência Social
/ Resolução nº 109/2009
Plano
Estadual
de Conselho Estadual
Promoção,
Proteção
e dos
Direitos
da
Defesa do Direito de Criança
e
do
Crianças e Adolescentes à Adolescente/
Convivência
Familiar e Conselho Estadual
Comunitária
de Assistência Social
Lei 12.010/2009
Congresso Nacional
Plano
Municipal
de Conselho Municipal
Promoção,
Proteção
e dos
Direitos
da
Defesa do Direito de Criança
e
do
Crianças e Adolescentes à Adolescente/
Convivência
Familiar e Conselho Municipal
Comunitária
de Assistência Social
2009 TIPIFICAÇÃO
(2009)
2009 PECFC (2009)
2009 ECA (2009)
2012 PMCFC (2012)
Fonte: Elaborado pela autora.
A gestão destas entidades, além de seguirem postulados aplicáveis à contabilidade do
terceiro setor, devem guiar por obrigações estabelecidas no Artigo 90 do ECA e
princípios das Orientações Técnicas (BRASIL, 2009a) que contemplam:
TABELA 02: Obrigações ECA e princípios Orientações Técnicas
Estatuto da Observar os direitos e garantias de que são titulares as crianças e os
Criança
do
e adolescentes; oferecer atendimento personalizado em pequenas
unidades e grupos reduzidos; preservar a identidade e oferecer
Adolescente ambiente de respeito e dignidade a cada criança e adolescente;
diligenciar no sentido de restabelecimento dos vínculos familiares;
comunicar a autoridade judiciária os casos; oferecer instalações
físicas em condições de habitabilidade; oferecer cuidados médicos,
psicológicos, odontológicos e farmacêuticos; propiciar escolarização
e profissionalização; propiciar atividades culturais, esportivas e de
lazer; propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de
acordo com suas crenças; reavaliar cada caso no intervalo de seis
meses; comunicar às autoridades competentes todos os casos de
60
crianças e adolescentes portadores de moléstias infecto-contagiosas;
manter programas destinados ao apoio e acompanhamento dos
egressos; providenciar documentos necessários ao exercício da
cidadania e manter arquivo de cada criança e adolescente.
Orientações
Excepcionalidade
do
afastamento
do
convívio
familiar;
Técnicas
provisoriedade do afastamento do convívio familiar; preservação e
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários; garantia de
acesso e respeito à diversidade e não discriminação; oferta de
atendimento personalizado e individualizado, garantia de liberdade
de crença e religião; respeito à autonomia da criança, do adolescente
e do jovem.
Fonte: Brasil, 2009a; Brasil, 2009c. Elaborado pela autora.
O IPEA(2004) encontrou aproximadamente vinte mil crianças nos abrigos 6, no universo
de 626 unidades que estavam vinculadas a 560 instituições. Neste universo a regional
sudeste representou 49,1% dos abrigos, sendo São Paulo o Estado com maior número
de acolhidos.
Um percentual de 68,3% são entidades não governamentais, ou entidades sem fins
lucrativos, consideradas do terceiro setor. A referência sobre o tempo de funcionamento
mostra um pouco do traçado histórico percorrido pelas entidades, até para
compreendermos sobre qual marco regulatório e normativo estas entidades se situaram.
Um percentual de 58,60% surgiram após o advento do ECA e 41,40% já existiam. Surge
a seguinte indagação: as entidades que surgiram após o ECA conseguiram seguir a
normativa? As autoras (SILVA e MELLO, 2004) registram que a maioria dos dirigentes
não conheciam a normativa. Pode-se considerar portanto, que a visão filantrópica e
caritativa ainda permeava o serviço prestado que era composto por entidades com uma
visão tradicional e àquelas que tinham uma visão progressista, buscando seguir o
aparato legal.
6
A definição de abrigo utilizada pela pesquisa é a constante no ECA como uma medida de proteção, ou seja, lugar onde crianças e
adolescentes são acolhidos, quando há uma medida de proteção judicial, aplicada quando ocorre uma violência doméstica, ou uma
orfandade e a criança/adolescente não pode permanecer em sua família biológica e não existe outro membro da família extensa, que
poderia cuidar dela.
61
Tais reflexões podem encontrar subsídio quando observamos os motivos e a
vinculação/orientação religiosa das entidades e consequentemente dos seus dirigentes.
Católica 56,7, Evangélica 18,4, Espírita 11,3, Ecumênica 8,3 e Mais de uma vinculação
5,3%. Seguindo a lógica histórica, a religião tem papel preponderante na execução de
serviços públicos e a Igreja Católica, mesmo tendo diminuído a sua participação, e
adentrando neste cenário outras crenças vocacionais, ainda é a religião mais presente.
A FJP (2009) encontrou um total de 362 abrigos em 179 municípios do total de 883
municípios pertencentes ao Estado de Minas Gerais, sendo 75,3% criada após o ECA. A
capital Belo Horizonte apresentou o maior percentual (17,2%) com 61 unidades de
acolhimento institucional. Apesar de ter chegado a este número a FJP (2009) apontou
que a identificação dos abrigos foi algo difícil de ser feito, pois muitos municípios
contatados não responderam a solicitação de informação sobre a existência ou não de
entidades de abrigamento. Muitos não sabiam responder. Significativa esta ponderação
da FJP (2009), tendo em vista que se pensar em pleno ano de 2008, os municípios não
tiveram a relação das entidades que prestavam um serviço inserido dentro da Alta
Complexidade no Sistema Único de Assistência Social.
Interessante notar que as regiões consideradas mais pobres do estado, como Araçuai,
Almenara, Norte de Minas (Montes Claros), apresentaram poucas unidades. Do universo
de 362 abrigos, 55,90% foram considerados “abrigo comum”, seguido de casas-lares,
26,60% e casas transitórias e de passagem, 13,80%. A modalidade de aldeia
representou apenas 1,70% e repúblicas 0,60%.
No Brasil e no Estado de Minas Gerais a presença de Repúblicas para jovens é quase
nula o que alerta para um vazio nos casos de adolescentes que contemplam a maior
idade dentro das entidades, que pode ser explicado pelo histórico que se carrega de
frágeis políticas para jovens.
Com referência à capacidade máxima de abrigamento, no Estado, por ano de fundação é
apontado que entidades fundadas recentemente, pós 2000 até 2008, concentram-se em
pequenos grupos de 1-15 crianças e adolescentes, representando um universo de 57%
destas entidades, outras (39,4%) ficam entre 16 a 50 usuários e apenas 11% encaixam
na capacidade de 51-100. Somente nas entidades fundadas entre 1911 a 1980
encontrou-se capacidade superior a 100. O que pode significar que estas últimas, ainda
62
possuem
dificuldades
de
compreenderem
as
mudanças
necessárias
para
o
reordenamento e ainda trabalham no viés da completude institucional, ou seja,
compreendem que o atendimento deve ser dado de forma integral, em seu próprio
espaço físico, evitando a convivência externa. Estas instituições tinham em seu interior,
todo um aparato de saúde, educação e esportes, de forma que a criança e o
adolescente, não tinham convivência além dos muros.
Mantendo a perspectiva nacional e estadual, as pesquisas CMDCA (1997) e FJP (2000)
realizadas no município de Belo Horizonte apontam para entidades filantrópicas e de
cunho religioso. A FJP (2000) apresenta que 37,5% das entidades tinham mais de nove
anos de existência, sendo fundadas antes da vigência do ECA e um percentual de 62,5%
surgiram após a promulgação da Lei.
A capacidade de atendimento, exatamente por existir uma resolução do CMDCA/BH
norteando este item, encontrava-se dentro do estabelecido, que era o número máximo de
15 vagas. Interessante notar que mesmo sem parâmetros claros e bem definidos em
nível nacional e estadual, o município de Belo Horizonte adotou seus próprios
parâmetros, articulou-se politicamente para provocar uma boa discussão que, com
certeza, repercutiu nacionalmente. Pensando do ponto de vista de legalidade do serviço,
através de normativas municipais, é evidente o avanço belorizontino.
QUADRO 4: Tipificação dos Serviços Socioassistenciais: Acolhimento Institucional
para crianças e adolescentes
DESCRIÇÃO
GERAL
DESCRIÇÃO
ESPECÍFICA
Acolhimento em diferentes tipos de equipamentos, destinado a
famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou
fragilizados, a fim de garantir a proteção integral. O atendimento
prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos e favorecer
o convívio familiar e comunitário, bem como a utilização dos
equipamentos e serviços disponíveis na comunidade local. As regras
de gestão e de convivência deverão ser construídas de forma
participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia dos usuários,
conforme perfis. Deve funcionar em unidade inserida na comunidade
com características residenciais, ambiente acolhedor e estrutura
física adequada, visando o desenvolvimento de relações mais
próximas do ambiente familiar.
Acolhimento provisório e excepcional para crianças e adolescentes
de ambos os sexos, inclusive crianças e adolescentes com
63
MODALIDADES
OBJETIVOS
GERAIS
OBJETIVOS
ESPECÍFICOS
TRABALHO
SOCIAL
ESSENCIAL AO
SERVIÇO
deficiência, sob medida de proteção (Art. 98 do ECA) e em situação
de risco pessoal e social, cujas famílias ou responsáveis encontremse temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de
cuidados e proteção. Não devem distanciar-se da comunidade de
origem das crianças e adolescentes atendidos. Grupos de crianças e
adolescentes com vínculos de parentesco devem ser atendidos na
mesma unidade. O acolhimento será feito até que seja possível o
retorno à família de origem (nuclear ou extensa) ou colocação em
família substituta.
1) Atendimento em unidade residencial onde uma pessoa ou casal
trabalha como educador/cuidador residente, prestando cuidados a
um grupo de até 10 crianças e/ou adolescentes.
2) Atendimento em unidade institucional semelhante a uma
residência, destinada ao atendimento de grupos de até 20 crianças
e/ou adolescentes. Nessa unidade é indicado que os
educadores/cuidadores trabalhem em turnos fixos diários, a fim de
garantir estabilidade das tarefas de rotina diárias, referência e
previsibilidade no contato com as crianças e adolescentes.
Acolher e garantir a proteção integral; contribuir para a prevenção do
agravamento de situações de negligência, violência e ruptura de
vínculos; restabelecer vínculos famílias e/ou sociais; possibilitar a
convivência comunitária; promover o acesso à rede socioassistencial,
aos demais órgãos do SGD e às demais políticas públicas setoriais;
favorecer o surgimento e o desenvolvimento de aptidões,
capacidades e oportunidades para que os indivíduos façam escolhas
com autonomia; promover o acesso a programações culturais, de
lazer, de esporte e ocupacionais internas e externas, relacionando-as
a interesses, vivências, desejos e possibilidades do público.
Preservar vínculos com a família de origem, salvo determinação
judicial em contrário; desenvolver com os adolescentes condições
para a independência e o auto-cuidado.
acolhida/recepção; escuta; desenvolvimento do convívio familiar,
grupal e social; estudo social; apoio à família na sua função protetiva;
cuidados pessoais; orientação e encaminhamento sobre/para a rede
de serviços locais com resolutividade; construção do plano individual
e/ou familiar de atendimento; orientação sociofamiliar; protocolos;
acompanhamento e monitoramento dos encaminhamentos
realizados; referência e contra-referência; elaboração de relatórios
e/ou
prontuários;
trabalho
interdisciplinar;
diagnóstico
socioeconômico; informação; comunicação e defesa de direitos;
orientação para acesso à documentação pessoal; atividades de
convívio e de organização da vida cotidiana; inserção em
projetos/programas de capacitação e preparo para o trabalho;
estímulo ao convívio familiar, grupal e social; mobilização,
identificação da família extensa ou ampliada; mobilização para o
exercício da cidadania; articulação da rede de serviços
socioassistenciais; articulação com os serviços de outras políticas
públicas setoriais e de defesa de direitos; monitoramento e avaliação
do serviço; organização de banco de dados e informações sobre o
64
AQUISIÇÃO DOS
USUÁRIOS
CONDIÇÕES E
FORMA DE
ACESSO
UNIDADE
PERÍODO DE
FUNCIONAMENTO
ABRANGÊNCIA
ARTICULAÇÃO
EM REDE
IMPACTO SOCIAL
ESPERADO
serviço, sobre organizações governamentais e não governamentais e
sobre o SGD.
Segurança de acolhida: ter ambiente e condições favoráveis ao
processo de desenvolvimento peculiar da criança e do adolescente
Segurança de convívio ou vivência familiar, comunitária e social:
ter
acesso
a
benefícios,
programas,
outros
serviços
socioassistenciais e demais serviços públicos; ter assegurado o
convívio familiar, comunitário e/ou social.
Garantir a colocação em família substituta, sempre que houver a
impossibilidade do reestabelecimento e/ou preservação e vínculos
com a família de origem.
Por determinação do Poder Judiciário; por requisição do conselho
tutelar, que deverá comunicar a autoridade competente conforme Art.
93 do ECA
Casa lar e Abrigo Institucional
24 horas
Municipal. Podendo ser regionalizado seguindo os critérios para tal.
Demais serviços socioassistenciais e serviços de políticas públicas
setoriais; programas e projetos de formação para o trabalho, de
profissionalização e de inclusão produtiva; serviços, programas e
projetos de instituições não governamentais e comunitárias; demais
órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.
Contribuir para a redução das violações dos direitos
socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; redução da
presença de pessoas em situação de rua e de abandono; indivíduos
e famílias protegidas; construção de autonomia; indivíduos e famílias
incluídas em serviços e com acesso a oportunidades; rompimento do
ciclo da violência doméstica e família.
Fonte: BRASIL, 2009b. Elaborado pela autora.
Observa-se que as mudanças trazidas pelos documentos normativos, em especifico o
demonstrado no Quadro 4 precisam de maturação para ser de fato projetadas nas
práticas das entidades. Ao normatizar a política de atendimento à infância e juventude
traz a discussão da efetivação, dentre outros, dos direitos sociais. A efetivação de
direitos perpassa por vontade política e decisões dos entes governamentais e de uma
sociedade civil organizada que exerça o seu controle social, mudando principalmente a
cultura vigente e não apenas processos.
Para efetivação da política é preciso o
supervisionamento da mesma para que sejam trabalhadas as diretrizes propostas pela
Orientações Técnicas (Brasil, 2009a) colocando o acolhimento institucional no seu
verdadeiro lugar que é o de operacionalizar a medida protetiva judicial em todas as suas
nuances.
2.2.2 - A gestão financeira das entidades
65
O financiamento do serviço de acolhimento institucional é ponto crucial. Afinal, como
fazer política pública com qualidade e eficiência sem financiamento? Como estabelecer
princípios, diretrizes, metodologia e obrigações para as entidades sem que as mesmas
não tenham condições de executarem o serviço?
O deslocamento da visão tradicional da institucionalização para a visão progressista
(pautada no direito à convivência familiar e comunitária) só pode ser efetivada com
capacidade financeira, ou seja, recursos necessários para garantir a execução dos
serviços e consequentemente, a boa gestão. Claro está que a gestão é estreitamente
vinculada ao uso de ferramentas adequadas para determinado processo.
Somente com o surgimento da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) em 1993, os
recursos passam a ser repassados aos Estados e Municípios através do Fundo Nacional
de Assistência Social (FNAS). Mas, somente em 2005, a Portaria N° 440 do MDS, passa
a regulamentar os pisos da proteção especial estabelecidos pela Norma Operacional
Básica (NOB/SUAS), especificamente o Artigo 6º aponta para os serviços de
Acolhimento Institucional e Familiar. Os critérios do co-financiamento são pactuados na
Comissão Intergestores Tripartite – CIT e deliberadas pelo Conselho Nacional de
Assistência Social - CNAS. A CIT é formada pelo Governo Federal, através do MDS,
pelos Estados através do Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência
Social (FONSEAS), pelos municípios que são representados pelo Colegiado Nacional de
Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS).
Percebe-se, portanto, que somente quinze anos após ECA o piso seria regulamentado.
Tal consideração leva a reflexão da contradição existente entre uma normativa que
estabelece o que precisa ser feito, mas a inexistência de recursos para tal.
O IPEA (2004) registra a sobrevivência das entidades da seguinte forma: 41,47% de
recursos públicos, 33,6% privados e 24,93% de receita própria. Os recursos públicos
foram divididos da seguinte forma: 7,47% federal; 15,90% estadual e municipal situado
em 18,09%. Inferi-se que a entidade ainda precisa captar um percentual de quase 60%
para conseguir sobreviver. O que pode levar as entidades a gastarem tempo com a
busca pela captação de recursos, muitas vezes, em detrimento da execução do serviço.
66
Outro ponto importante é o trazido por Silva e Mello (2004) ao considerarem que a Rede
SAC/Abrigos é tratada como herança histórica sem nenhum tipo de estudo técnico para
definição de financiamento, sendo seguida a lógica das creches e dos asilos de idosos
(hoje Instituições de Longa Permanência- ILP) sem considerar as particularidades do
serviço efetivado pelos chamados abrigos. Aferir o custo total do serviço é um desafio e o
primeiro passo para obter-se um repasse condizente com as ações a serem realizadas
pela entidade.
Indiscutível a responsabilidade dos entes federados no financiamento da política pública
em especial àquela destinada a indivíduos afastados de suas famílias e, diga-se de
passagem, famílias pobres, em sua maioria sem acesso políticas públicas estruturais.
O CMDCA/BH (1997) registrou que em 46% das entidades pesquisadas a principal fonte
de recursos vem da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, sendo complementada por
doações diversas. Nas outras pesquisas o dado financeiro não é trabalhado. Já a FJP
(2000) considera que das trinta e duas entidades, nove não tinha convênio. Conforme
apontado pela FJP (2000) um grande entrave para a execução dos serviços é o
financiamento:
[...] não vem recebendo aporte de recursos suficientes de outras esferas de
governo para implantação das políticas sociais que os diagnósticos apontam
como necessários. Além disso, a dívida social acumulada nessa área é muito
grande. A maior parte dos recursos aplicados na assistência social provêm do
Tesouro Municipal (78%) (GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2000, p.31).
Não se pode deixar de lembrar, que mesmo diante do exposto anteriormente, o
financiamento da Seguridade Social, da qual a Assistência Social faz parte, está previsto
no Art. 195 da Constituição Federal, na LOAS e no Decreto nº 1605/95 que regulamenta
o Fundo Nacional de Assistência Social.
2.2.3 - Quem são os trabalhadores que operacionalizam a medida protetiva?
A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência
Social (NOB-RH/SUAS) foi o primeiro documento normativo a trazer a dimensão da
gestão do trabalho pautado em quatro dimensões: conhecer os profissionais que atuam
na Assistência Social caracterizando suas expectativas de formação e capacitação;
67
propor estímulos e valorização destes trabalhadores; identificar pactos necessários entre
gestores, servidores, trabalhadores da rede socioassistencial e por último, política de
gestão do trabalho que privilegie a qualificação técnico-política desses agentes.
Considerando um serviço da política pública, cabe ao gestor do acolhimento institucional
considerar os pressupostos deste documento, que posteriormente, foram reforçados com
as Orientações Técnicas. Em sintonia com a NOB-RH/SUAS compete às entidades
considerarem as seguintes diretrizes:
FIGURA 2: Competências das entidades segundo a NOB-RH/SUAS
Fonte: BRASIL, 2006b. Elaborado pela autora.
Estas diretrizes trazem uma dimensão efetiva de política social e estabelecem até a
forma como deve ser calculado o custo de recursos humanos das entidades de
acolhimento, considerando o “tratamento salarial isonômico” proposto.
68
O quadro abaixo apresenta quem são os profissionais e qual o número mínimo proposto
para atender cada modalidade dentro do serviço de acolhimento institucional.
QUADRO 5: Paramêtros de funcionamento acolhimento institucional
Modalidad
e
ABRIGOS
INSTITUCION
AIS
CASASLARES
Público
alvo
Número
Máximo de
Usuários por
Equipamento
Crianças e
adolescente
s de 0 a 18
anos sob
medida
protetiva de
abrigos.
20 crianças e
adolescentes
Crianças e
adolescente
s de 0 a 18
anos sob
medida
protetiva de
abrigo.
10 crianças e
adolescentes
Equipe Profissional Mínima
 Coordenador: 01 profissional de
nível superior (formação mínima),
experiência em função congênere;
 Equipe técnica: 02 profissionais de
nível superior (formação mínima) e
experiência no atendimento a
crianças, adolescentes e famílias em
situação de risco para atendimento a
até 20 crianças e adolescentes;
 Educador/cuidador: 01 profissional
de nível médio (formação mínima) e
capacitação específica para até 10
usuários, por turno.
 Auxiliar de educador/cuidador: 01
profissional de nível fundamental
(formação mínima) e capacitação
específica para até 10 usuários, por
turno.
 Coordenador: 01 profissional de
nível superior (formação mínima) para
atendimento a até 20 crianças e
adolescentes em até 3 casas-lares;
 Equipe técnica: 02 profissionais de
nível superior (formação mínima) e
experiência no atendimento a
crianças, adolescentes e famílias em
situação de risco para atendimento a
até 20 crianças e adolescentes
acolhidos em até 3 casas-lares;
 Educador/cuidador residente: 01
profissional de nível médio e
capacitação específica para até 10
usuários.
69
REPÚBLICAS
Geral
6 (seis) jovens
 Auxiliar de educador/cuidador
residente: 01 profissional de nível
fundamental (formação mínima) e
capacitação específica para até 10
usuários, por turno.
 Coordenador: 01 profissional de
nível superior (formação mínima),
experiência em função congênere;
 Equipe técnica: 02 profissionais de
nível superior (formação mínima) e
experiência no atendimento a
crianças, adolescentes e famílias em
situação de risco para atendimento a
até 24 jovens (em até quatro
diferentes unidades).
Fonte: Brasil, 2009a. Elaborado pela autora.
Considerando as pesquisas, o IPEA (2004) ao aprofundar o quadro de recursos
humanos encontrou a predominância de alguns grupos. Com relação aos profissionais
enquadrados no grupo de cuidados diretos, estavam aqueles com a responsabilidade de
cuidar diariamente das crianças e adolescentes, somados aos integrantes do grupo de
apoio operacional responsável pelos serviços gerais, cozinheiros, motoristas, seguranças
e vigias. Observa-se aqui a presença de segurança e vigias, algo questionável em um
acolhimento
institucional
e
geralmente
uma
figura
presente
nas
entidades
socioeducativas de internação.
Os outros três grupos apontados dizem respeito a profissionais adicionais, como um plus
para as entidades como por exemplo, médicos. No grupo pertinente a administração
institucional são secretárias, administradores, e demais profissionais ligados à gestão
administrativa e financeira da entidade, estes fundamentais para que a mesma funcione
de forma eficiente.
No universo destes grupos, 59,2% são funcionários próprios e o restante voluntários,
dividindo-se em 6,1% de trabalhadores do apoio operacional, 6,8% ligados a cuidados
diretos e 25,2% da equipe técnica. Um paralelo pode ser feito aqui com a longa
permanência das crianças e adolescentes nas entidades apontadas pelo IPEA (2004). A
equipe técnica possui como principal função a realização de estudos de casos e
70
elaboração de relatórios. Sem uma equipe própria, com horários de trabalho,
compromissos vinculados efetivamente a entidade, não é possível a realização de estudo
de caso de maneira pontual e sistemática o que leva a conclusão de que crianças e
adolescentes são “depositados” e “esquecidos” nas entidades, não sendo feita uma
busca cuidadosa e minuciosa da sua família de origem e extensa como forma de intervir
para que o motivo do abrigamento seja minimizado e que, principalmente, durante a
medida protetiva, os vínculos, mesmo que frágeis, sejam mantidos.
Para a FJP (2009) encontra-se nos abrigos mineiros uma heterogeneidade significativa
na quantidade, qualificação, estabilidade e tipos de vínculos profissionais. Não é possível
fazer uma correlação com a pesquisa IPEA, tendo em vista que a FJP contabilizou a
média de crianças abrigadas para cada profissional independente se o profissional era
funcionário fixo, prestador de serviços, estagiário ou voluntário.
O perfil dos funcionários encontrados pelo CMDCA (1997) aponta para cinco áreas:
educação, aqueles que lidam diretamente com as crianças; saúde, administração,
direção e serviço geral. Um número expressivo é voluntário, perfazendo um total de 25%.
Não é apontada a presença de técnicos, o que demonstra a não existência da prática
neste período de estudo de caso.
Não foi registrada a formação continuada dos
profissionais. Já a FJP (2000) registrou que menos da metade das entidades tinham o
quadro mínimo estabelecido pelo próprio município através do documento Critérios de
Qualidade do Atendimento em Abrigos/SMAAS. Neste período também foi apontado que
mais de 65% das entidades trabalhavam com a figura do pai ou mãe social (hoje
educador residente). No estudo de caso de 2010 esta categoria não foi trabalhada, pois o
foco eram os estudos de casos.
Considerando a gestão social das entidades, aqui entendida como um conjunto de
práticas necessárias para a humanização do serviço, a questão dos recursos humanos é
relevante. Assim como não se pode pensar a entidade sem processos claros, não é
possível pensar a rotina diária sem funcionários preparados para a sua função e em
número suficiente. Ambos, processos e recursos humanos, estão interligados.
71
2.2.4 - A estrutura física das entidades
Dentre todos os documentos das normativas o que clareia a estrutura física é a
Orientações Técnicas. Independente da modalidade, as entidades de acolhimento
institucional
devem
se
assimilar
a
uma
residência
familiar,
sem
distanciar
arquitetonicamente das residências da comunidade e não devem ser instaladas placas
indicativas. Importante que, fugindo da visão tradicional, as entidades não criem espaços
internos de lazer como no passado, mas utilizem os da comunidade, sejam eles quadras,
piscinas, playgrounds, dentre outros. Abaixo um comparativo entre as duas modalidades:
QUADRO 6: Estrutura física acolhimento institucional
CÔMODO
CASA LAR
ABRIGO
INSTITUCIONAL
Quartos
Metragem 2,25 m2 por Metragem 2,25 m2 por
ocupante. Máximo de 4 ocupante. Máximo de 4
acolhidos
acolhidos,
excepcionalmente 6.
Quarto para educador Com
residente
metragem
para Não existe
acomodar um educador ou
um casal residente
Sala de estar
1.00 m2 por ocupante.
Sala de Jantar/ Copa
1.00 m2 por ocupante.
Ambiente para estudo
Exclusivo ou no quarto dependendo da faixa etária
Banheiro
Cozinha
Área de serviço
Área externa
1 banheiro para cada 6 acolhidos/1 banheiro para os
funcionários
Espaço
suficiente
para
acomodar
utensílios
e
suficiente
para
acomodar
utensílios
e
mobiliário
Espaço
mobiliário
Espaço para brincadeiras e convivência.
Fonte: BRASIL, 2009a. Elaborado pela autora.
72
Alguns espaços, como sala para equipe técnica, sala de coordenação, atividades
administrativas e sala de reuniões devem, preferencialmente, estarem localizadas
externamente à moradia das crianças e adolescentes.
Ao reportar-se às pesquisas, o IPEA (2004) abordou um capítulo para o espaço físico
das entidades. Relativo à infraestrutura considerou-se que a maioria das entidades
estava em boa situação e que algumas delas necessitavam de adequações. Um
ambiente adequado e acolhedor são fundamentais para o desenvolvimento do processo
de construção da identidade das crianças e adolescentes.
Para a FJP (2009) a maioria das entidades possuem boa diversidade de instalações,
mas isto não significa que elas tenham qualidade. Construímos ao longo da história do
acolhimento, um perfil de estrutura física ligada a grandes internatos, a espaços amplos
que contemplassem o número de usuários e não qualidade. Sendo assim sobre a
estrutura física deve-se ter um olhar social, voltado para o bem estar dos atendidos.
No município de Belo Horizonte, a pesquisa de 2000 foi a que categorizou a
infraestrutura das entidades. Toda a análise desta categoria foi feita pela FJP(2000)
considerando o documento de Critérios de Qualidade do município. Para os
pesquisadores as entidades respondiam um ou outro ponto, mas em todos alguns
quesitos não foram respondidos e ainda se encontravam entidades com algumas
fragilidades na estrutura física, apontando para a necessidade de melhorias.
2.3 - Como as crianças e os adolescentes chegam as instituições
Ao se considerar as normativas, todas elas apontam para o público do acolhimento:
crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial, aplicada pela autoridade
competente, no caso o juiz, exceto em casos emergenciais, que a mesma poderá ser
aplicada pelo conselho tutelar e comunicada em 24 horas a autoridade competente.
Ao analisar como as crianças e adolescentes chegam às instituições, encontra-se a
informação de que o IPEA (2004) aponta
os dois órgãos que mais encaminharam
crianças e adolescentes foram os Conselhos Tutelares e as Varas da Infância e da
Juventude, representando respectivamente 88% e 85,6%. Curiosamente registrou-se que
apenas metade das crianças e adolescentes tinha processo, o que se pode concluir, que
73
mesmo sendo aplicada pelos órgãos competentes não existia a formalidade devida. A
falta da formalidade na entrada da criança ou adolescente na entidade, incide em uma
sequência de equívocos, dentre eles o registro oficial da data da entrada e até mesmo os
motivos reais do abrigamento. Somente com a mudança do ECA, em 2009 pela Lei
12.010, este ponto foi observado e tornou-se obrigatório a emissão da Guia de
Acolhimento, não significando que o mesmo será efetivado.
Para a FJP (2009) 65% das crianças e adolescentes chegam via Conselho Tutelar.
Reproduzindo o Brasil, no Estado de Minas Gerais a maioria das entidades (80,2%)
recebe de maneira informal estes usuários, sem nenhum tipo de formalidade ou sem
convênio firmado.
O CMDCA/BH (1997) aponta a fala das mães de que as crianças eram entregues pelos
familiares: “em casa a barriga dói de fome”, “permanecer para continuar estudando”, “ter
onde nadar no final de semana”, “ter onde comer”, permanecer até os 15 ou 18 anos e
sair depois para trabalhar” e por último “até morrer” (1997, p.62). Registros demonstram
que algumas famílias pensam e sentem o abrigo como local para viver de forma digna.
Ressalta-se que historicamente as famílias deixavam suas crianças nas instituições
compreendendo que ali era o melhor lugar para elas. Fica evidente que a mudança de
cultura não se dá de forma tão linear e rápida, ela faz parte de uma mobilização, de
informação e publicização da própria política pública. Em 2011 foi apontado pela CN,
que as crianças e adolescentes (86,56%) chegaram encaminhadas pelo Conselho
Tutelar e Vara da Infância e Juventude. Lógica esta do reordenamento institucional.
2.4 - Quem são os acolhidos: quantidade, faixa etária, gênero
A faixa etária nacional correspondente a 64,7% entre 7 a 12 anos. Silva (2004) considera
que esta concentração pode refletir as possíveis dificuldades encontradas pelas famílias
de acessar os equipamentos públicos.
Ao referir-se a gênero e cor, os números expressaram uma presença de meninos de
58,5% e de meninas de 41,5%, sendo que 63% são da raça negra. No percurso histórico
74
que se fez é bastante claro que a medida protetiva tem sido utilizada em larga escala
para famílias em situação de vulnerabilidade social, digam-se famílias pobres. Famílias
estas que se encontram excluídas do crescimento econômico, vivenciando todas as
formas de dificuldades, aumentando assim o risco de fragilidades nas relações.
No perfil dos abrigados no estado, o universo de meninos é maior do que de meninas.
Seguindo a sequência do país, os meninos chegam mais aos abrigos. No gráfico abaixo
pode-se visualizar uma comparação entre a faixa etária nacionalmente encontrada e a
apontado no Estado de Minas Gerais e em Belo Horizonte.
GRÁFICO
1:
Cenário
Nacional,
Estadual
e
Municipal
pela
faixa
etária
por
%.
Fonte: Ipea (2004), FJP (2009), PBH/CN (2011). Elaborado pela pesquisadora.
O Estado de Minas Gerais apresenta um número maior de crianças na faixa etária de 0 a
3 anos em acolhimento, mas se aproxima dos dados nacionais nas outras faixas etárias.
Na pesquisa municipal de 1997, a faixa etária mais expressiva é de 7 a 12 anos.
Interessante notar que novamente o cenário se assimila às pesquisas realizadas no
âmbito estadual e nacional, com relação a maior preponderância da faixa etária de 7 a 12
anos. Diferente das outras pesquisas o CMDCA aponta uma possível explicação para
este fenômeno:
É nesta faixa etária que a criança/adolescente inicia a busca de maior autonomia,
a socialização em pequenos grupos de amigos, o conhecimento de seus limites,
75
o confronto com as regras e a curiosidade por encontrar novas estimulações.
Tantas mudanças também geram conflitos e incompreensão que, por diversos
fatores são, muitas vezes, difíceis para a família administrar (CMDCA/BH, 1997,
p. 19).
O que se sabe é que de alguma forma esta faixa etária tem tido uma incidência em todos
os entes federados nas entidades de acolhimento.
O porquê desta incidência
demandaria uma pesquisa detalhada, uma amostra de casos para apreender-se se o
motivo que gerou o abrigamento destas crianças/adolescentes nesta faixa etária se
assimilam, e o que poder-se-ia ser feito para amenizar este fenômeno.
Certo está que foram encontrados de maneira ostensiva meninos transitando da fase
infantil para a adolescência. O que leva a certeza de que as famílias estão, de alguma
forma, encontrando dificuldades, seja de ordem financeira, materiais, até aquelas ligadas
a própria fase de desenvolvimento e suas nuances. Aponta para a necessidade de maior
parceria entre o poder público e estas famílias nesta fase de desenvolvimento infantojuvenil.
A pesquisa de 2000, em Belo Horizonte, novamente aponta para mais meninos
acolhidos. Não se resta dúvida da necessidade de explorar tal dado para buscar meios
de compreender o porquê deste fenômeno ao longo dos anos, em todos os entes
federados. No município este dado apresenta uma diferença mais expressiva entre os
gêneros.
Ainda em Belo Horizonte, sem discussão alguma, os meninos e meninas da raça parda
(50%) e preta (21%) continuam sendo o público que mais adentra as unidades de
acolhimento. Ainda se está distante de um desenvolvimento econômico acoplado ao
desenvolvimento humano em especial para aqueles marginalizados e que carregam
consigo ainda as marcas da colonização brasileira.
2.5 - Documentação dos acolhidos
A documentação apresentada no ato do abrigamento, registrada pelo IPEA (2004)
aponta para um universo de 52,4% que confirma o recebimento de pelo menos termo de
abrigamento, certidão e quando criança pequena, cartão de vacina. Mas 38,1% afirmam
76
não ter recebido nenhum documento no ato da chegada da criança. Como apontado pela
própria FJP (2009) a falta de documentos, em especial de relatório do caso, apontado
em 48,4% das entidades, reflete a pouca institucionalização da política.
Sem dados básicos dos acolhidos (documentos e relatório informando o motivo do
acolhimento), pode-se acreditar que aquela criança não passou por nenhuma outra das
medidas que antecipam ao abrigamento estabelecidas pelo ECA, ou então não houve
registro dos atendimentos, demonstrando que existe um vazio entre a primeira medida a
ser aplicada até chegar no abrigo. A medida protetiva nesta lógica, sem se julgar aqui os
motivos, acaba sendo a primeira a ser tomada. O que leva a uma discussão de como a
rede do SGD/CA vem trabalhando a prevenção para evitar que crianças e adolescentes
cheguem à medida de acolhimento, sem que seus familiares tenham sido referenciados
em equipamentos da política pública. Precisa-se reforçar e validar o que foi trazido pelo
PNCFC, bem como o PECFC, que o direito à convivência familiar e comunitária se faz
pelo conjunto articulado de ações das políticas setoriais, considerando que uma situação
de vulnerabilidade não vem sozinha, mas acoplada a fatores sócioeconômicos que levam
a momentos de fragilidade vividos pelas famílias.
A CN(2011) apontou que as crianças e adolescentes ainda não chegam às entidades
com a Guia de Acolhimento, sendo que este documento foi trazido pela Lei 12.010. Esta
guia é de grande importância pois nela consta uma prévia do caso, medidas aplicadas
antes da medida de acolhimento institucional. Interpreta-se que, como a mesma é
preenchida de forma eletrônica com campos diversos obrigatórios, ela remete a ter sido
feito um mínimo de estudo de caso antes da aplicação da medida, e ao ser finalizado
gera um número processual e esta criança e adolescente adentra no cadastro nacional
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tal procedimento leva a uma constante
atualização nacional do número de crianças que entram e que saem (existe também a
guia de desligamento) passando a contar o tempo do abrigamento.
Torna-se urgente e necessário que nacionalmente todas as crianças e adolescentes
cheguem às entidades com esta guia de acolhimento, eliminando assim o então termo de
abrigamento que deverá ser usado apenas na excepcionalidade. Supõe-se que a justiça
seja o primeiro órgão a se adequar nas alterações como da Lei 12.010, neste sentido
77
faz-se necessário envidar esforços, principalmente para que as Varas da Infância e
Juventude em todo país estejam organizadas para tal.
2.6 - Quais os motivos do abrigamento
Ao analisar os dados nacional, estaduais e do município de Belo Horizonte referentes
aos motivos do abrigamento, percebe-se uma série de questões: a pouca clareza na
compreensão do conceito de violência doméstica que faz com que algumas categorias
fiquem isoladas; a diversidade de motivos; motivos que vão desde aqueles referente à
violência sofrida pela criança e adolescente e também por sua família; questões de
saúde pública e de cunho sócio.
No
gráfico
abaixo
a
representação
da
junção das três esferas e os motivos em valores percentuais.
GRÁFICO 2: Motivo do abrigamento em Belo Horizonte, Minas Gerais e Brasil.
Dados em %.
Fonte: IPEA,2004; GOVERNO DE MINAS GERAIS, 2009ª; CASA NOVELLA, 2011.
Elaborado pela pesquisadora
78
Algumas reflexões podem ser feitas a partir destes dados. Primeiramente, na esfera
nacional, as pesquisadoras colocam o abuso sexual fora da categoria de violência
doméstica, assim como o abandono. Considerando na mesma categoria, a violência
sexual, física, psicológica e abandono/negligência (AZEVEDO e GUERRA, 2005; HUTZ,
2005; ASSIS, 2005; BENETTI,et al, 2005), ter-se-á um percentual total de violência
doméstica na ordem de 33,7%. Sem fechar a discussão, compreende-se que isto muda a
avaliação dos dados relativos aos motivos do abrigamento.
Este novo olhar direciona para duas vertentes de reflexão: primeira, a necessidade de
aprofundamento nas pesquisas e estudos sobre a temática violência doméstica do ponto
de vista de conceituação da mesma; segunda, a própria discussão da implementação de
políticas públicas, que para além da transferência de renda devem ter em seu conteúdo
mecanismos capazes de enfrentar as fragilidades e os esfacelamentos que ocorrem com
as famílias, em determinados ciclos de vida.
Conforme Gueiros (2007, p.163) o esgarçamento de laços sociofamiliares contribuem
para o desenraizamento social. Para a autora o enraizamento social, sentimento de estar
localizado em um espaço social e dele fazer parte, é uma das bases para a garantia do
direito à convivência familiar.
As autoras Maia e Willians (2005) apud Barnett (1997) enfatizam quatro fatores de risco
que estão associados à ocorrência de abuso infantil crônico e a negligência: pobreza,
história, personalidade e habilidades dos (MAIA e WILLIANS, 2005, p.92).
A desigualdade social, a fragilidade nas políticas voltadas para inclusão social, acabam
levando a um outro fato grave vivenciado no cenário do acolhimento institucional: a
categoria dependência química dos pais. Não é intuito aqui discorrer sobre esta questão,
até porque é demais. Importante ressaltar que não se pode desconsiderar um grave
problema que implica em uma ação conjunta de várias políticas sociais, em especial, da
saúde.
Desta forma, conforme preza o PMCFC/BH acredita-se que, a promoção, proteção e a
defesa do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária
requerem ações específicas, conforme a especificidade das políticas e também
79
articulações intersetoriais necessárias à sua consolidação dentro da concepção do SGD
C/A (BELO HORIZONTE, 2012, p.24).
Independente do motivo, a razão em si do abrigamento tem a ver com as próprias
representações, que ao longo da história foram sendo construídas, de que as famílias
vulneráveis não conseguem cuidar de seus filhos. A discussão, ao longo dos anos, se
voltou mais para a família que não cuida, do que para a ausência de serviços
socioassistenciais que possuem o papel intrínseco de fortalecer o caráter protetor das
famílias, em especial aquelas que demandam os serviços. Reforça-se que os Planos de
Convivência Familiar e Comunitária, quando colocados em práticas, são instrumentos
fundamentais para criarem condições de prevenir as situações que motivam o
abrigamento. Em suas diretrizes está a formação de uma rede de apoio que ocorrerá
quando existir uma articulação entre os atores do SGD/CA e os serviços prestados.
2.7 - O trabalho social com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos
Ao adentramos neste item penetramos uma seara complexa e ainda não muito clara no
universo da execução do serviço de acolhimento institucional. Questão esta que será
retomada no próximo capítulo.
Importante apontar o que as normativas falam sobre isto. O ECA (2009) ressalta a
importância da elaboração do Plano Individual de Atendimento, visando a reintegração
familiar e feito de forma compartilhada com diversos atores do SGD C/A. As Orientações
Técnicas reafirmam a importância do acompanhamento e a articulação com outros
atores das políticas setoriais. Já a Tipificação (BRASIL, 2009b) com clareza registra que
esta família deve ser referenciada no equipamento público, Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS), no Serviço de Proteção e Atendimento
Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI).
Refletindo sobre os números encontrados com relação às famílias e o trabalho realizado
com estas encontra-se algumas questões que demonstram claramente que os serviços
não trabalham de forma articulada e não referencia a família.
80
Segundo o IPEA (2004), 58,2% das crianças possuem algum tipo de vínculo, mas
apenas 41,40% das entidades permitiam visitas. Como vincular sem ter contato? Ou este
contato se dá apenas ao telefone e tratando de crianças e adolescentes maiores? Esta
resposta não foi conseguida. Mais incipiente ainda é constatar que 31,60% das entidades
encaminham as famílias para inserção em programas de auxílio/ proteção à família,
tendo em vista o perfil já traçado das famílias. Somadas todas as ações apenas 14,1%
realizam de forma cumulativa as ações.
Considerando-se a primazia da convivência familiar das crianças acolhidas, percebe-se
que as pesquisas refletem o que Gueiros (2007, p. 116) traz ao afirmar que a perspectiva
da família como unidade social e em constante mutação, não está devidamente
incorporada no tratamento que a mesma vem tendo da sociedade.
Posto isto, o trabalho com famílias exige uma proposta metodológica clara, capaz de
abarcar as particularidades do universo familiar. Para compreender este universo são
necessárias entrevistas, visitas domiciliares, questionário sócio econômico, dentre outros
instrumentos técnicos operativos disponíveis para a coleta do máximo de informações
que possam subsidiar as decisões a serem tomadas pela equipe multidisciplinar.
A FJP (2009) afirma que, nos abrigos pesquisados, há um número expressivo de retorno
à família de origem ou extensa (75,6%). O dado, se considerando puramente, é relevante
e vai ao encontro à garantia do direito à convivência familiar. Mas curioso notar que este
dado torna-se contraditório ao se perceber que não existe um trabalho sistemático com
as famílias e que foi apontada a existência de registros em apenas 67,3% dos familiares
dos acolhidos.
Nesta linha de raciocínio, entende-se que não existem subsídios claros para efetivar as
reintegrações. Para que a mesma ocorra são necessárias intervenções que levem a
família a ter autonomia e condições de voltar a exercer o seu papel protetor. A
inconsistência de ações de proteção apresentam a distância entre a discussão teórica e
a prática no trabalho com famílias. No campo teórico existe uma ampla discussão dos
novos arranjos familiares e da matricialidade familiar, mas no campo prático ainda falta
sistematização do trabalho com famílias.
81
O CMDCA/ BH (1997) apontou como grave o fato das entidades não encaminharem as
famílias para programas de promoção, afirmando a necessidade de uma maior
articulação entre a rede de serviços. Apontou a existência de um vazio no atendimento e
falta de clareza de quem deveria fazer o acompanhamento familiar. Para os conselheiros
de direitos, ocorria um duplo esquecimento: da criança que fica na instituição e da família
em seu espaço privado. Novamente pode-se ver uma contradição ao apontar que
70,90% das crianças possuíam vínculo familiar.
A Casa Novella (2011) aponta que as atividades realizadas com as famílias ainda são
incipientes e deixam margem de dúvidas para compreender como então as crianças
ficam um tempo inferior ao máximo da lei. Poucas famílias são visitadas. A visita
domiciliar é instrumento fundamental no processo de estudo de caso e quando se pensar
em perspectivas de reintegração ou integração. Outra percepção é referente ao
atendimento individual que demonstra que poucas famílias são de fato escutadas,
conhecendo-se assim pouco da dinâmica familiar e dos próprios motivos reais que
levaram ao abrigamento.
Refletimos aqui, que o primeiro passo, para uma mudança, é considerar que a família
não pertence a entidade, mas que deve ser acompanhada por demais atores do SGD
C/A através de estudos de casos em comum e, principalmente, ações articuladas e
principalmente que deva ser referenciada no CREAS. A família não necessita da
presença, cada hora de um agente em sua casa, mas a presença de atores que se
articulem entre si. Necessário se faz que a família não seja fragmentada no SGD/CA
como um médico que se especializa em braço e outro em coração. Ela precisa de
profissionais que humanizem o atendimento e olhem para a família com um ser único.
2.8 - Tempo de acolhimento institucional
Até a promulgação da Lei 12.010/2009 não existia parâmetro relacionado ao tempo
máximo em que as crianças e os adolescentes deveriam permanecer nas instituições.
Muitas delas cresceram nestas entidades. Somente a partir do surgimento das novas
normativas legais é que incorpora ao ECA o prazo máximo de 2 anos para que estas
crianças permaneçam na instituição. Abaixo um gráfico com a junção das pesquisas.
82
Salienta-se que, ao se elaborar o gráfico, como cada pesquisa registra de forma
diferenciada, foi acoplada da melhor forma possível para tentar fazer uma comparação.
GRÁFICO
3:
Comparativo
tempo
de
abrigamento
em
%
cenário
Municipal/Estadual/Nacional
Fonte: IPEA(2004) e GOVERNO DE MINAS GERAIS (2009b), CASA NOVELLA (2011)
Elaborado pela pesquisadora.
Quando se faz a leitura deste dado pelo IPEA (2004) aponta-se que 32,9% viviam nas
instituições entre dois e cinco anos, entre seis e dez anos 13,3% e acima de 10 anos
encontrou-se 6,4%. Como pode ser visto e comprovado, a permanência longa em
instituições foi registrada com um índice bastante alto considerando-se que metade dos
acolhidos possuía algum tipo de vínculo familiar.
Não se pode deixar de ressaltar a temporalidade das pesquisas. Quando foi realizada a
pesquisa nacional, 2004, não existia parâmetro regulatório e muitas crianças eram
esquecidas nas entidades. Já em 2009, na pesquisa estadual, já se percebe uma
melhora e quando se aporta em Belo Horizonte, 2011, o cenário apresenta melhoras
significativas.
Outro fato importante é pensar no município de Belo Horizonte separadamente, tendo em
vista o recorte que é feito por modalidade. O gráfico abaixo expressa os números.
83
GRÁFICO 4: Tempo de Abrigamento em % Belo Horizonte 2011
Fonte: Sistema de Informação e Gestão de Políticas Sociais (SIGPS) Belo Horizonte
Dados coletados no período de 23 de maio a 15 de setembro de 2011.
Somente na modalidade de portador de deficiência ocorre um cenário maior no tempo de
abrigamento. Nas outras, o índice encontra-se representativamente abaixo do
estabelecido na nova normativa de no máximo dois anos. O que demonstra a
possibilidade concreta de redução do tempo de abrigamento. Aponta também, mesmo
que ainda necessitando de muitas melhoras, para uma preocupação e ações sendo
realizadas pelas diversas instâncias envolvidas com a medida protetiva.
Mais adiante pode-se tentar achar uma resposta para o tempo de abrigamento
considerando que 28% foram desligados para família substituta e apenas 13,44%
encaminhados para a família de origem ou extensa. Sendo que somando os casos de
inserção no acompanhamento familiar com vistas à reintegração, chega-se a 30%.
Praticamente um empate entre desligamento para família, seja de origem ou extensa,
com família substituta. O que reflete que a família adotiva tem tido um percentual
significativo dentro das unidades e isto se leva a pensar como ficam estas famílias
biológicas.
84
Refletiu-se que a publicação da Resolução nº 71/2011 pelo Conselho Nacional do
Ministério Público, dispondo sobre a atuação dos membros do Ministério Público na
defesa do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes em
acolhimento, fomentou a necessidade urgente de se cumprir com os novos prazos
estabelecidos pela nova alteração do ECA. Da mesma forma, o judiciário é chamado a
ser mais ágil nos processos das crianças e adolescentes sob medida de proteção.
Apesar da necessidade de muitos avanços, os números apontam para um bom caminho
ressaltando-se a necessidade de que crianças e adolescentes desligados sejam
acompanhados e referenciados em equipamentos da assistência social para que não
aconteçam novos reabrigamentos. Dado este que não foi pesquisado por nenhuma das
duas pesquisas, mas que merece um levantamento futuro. Um reabrigamento é danoso
para qualquer criança e adolescente.
2.9 - Atividades externas e rede de serviços
Da mesma forma que a estrutura física é importante, a comunidade do entorno também.
Contrário ao afastamento e segregação vivida anteriormente, quando da Doutrina da
Situação Irregular, a discussão é da convivência comunitária, para além dos muros
institucionais. Entidades abertas, para que crianças e adolescentes circulem e façam
novas amizades. Afinal, elas não estão sob medida de privação de liberdade e sim de
proteção. Percentualmente, encontra-se nacionalmente um dado de 95,1% das
entidades inseridas na comunidade. Retrato este importante e significativo, mas que, por
si só, não significa que haja convivência comunitária 7 , mas dimensiona para esta
possibilidade, mesmo que construída gradativamente.
Em todas as pesquisas percebeu-se que a convivência comunitária ainda não é tão
discutida como a convivência familiar. Para esta discussão ser ampliada é preciso que
políticas de cultura, esporte e lazer estejam articuladas com as entidades de
acolhimento.
7
A convivência comunitária aqui é entendida como os espaços e instituições sociais mediadores das relações para a construção de
relações afetivas saudáveis, conforme abordado no PNCFC.
85
A CN (2011) aponta para a pouca realização de atividades com as crianças e
adolescentes, levando a uma ociosidade dentro das unidades que pode ter outras
consequências até mesmo voltadas para a questão dos problemas de agressividades,
falta de limites e respeito a regras. Sabe-se que crianças e adolescentes possuem muita
energia que precisam ser direcionadas e focadas em atividades saudáveis e
fundamentais para o crescimento destes indivíduos em plena fase do desenvolvimento.
A utilização de serviços públicos é fundamental para criar uma referência para estas
famílias em específico quando ocorrer o retorno familiar considerando que são famílias
que precisam de uma continuidade no atendimento para que não reincidam novamente
em situações de violência e até mesmo para que seja prevenida novas rupturas de
vínculos. Interessante notar que, mesmo sem uma cobertura tão ampla e ainda diante de
grandes desafios para executar os serviços (seja pela rotatividade dos profissionais ou
até mesmo pela falta de uma redesocioassistencial qualificada) equipamentos de base
territorial como o Centro de Referência da Assistência Social
(CRAS) já possuem
impacto na vida das famílias.
A CN (2011) apontou que 62% das crianças abrigadas em Belo Horizonte estão fora da
região de cobertura dos CRAS. O que demonstra que a falta destes equipamentos que
trabalha na lógica da prevenção e do fortalecimento na base territorial tem um impacto
danoso no município. Se pensar que relativamente o custo de uma unidade de
acolhimento é bem maior, a lógica de construção de mais entidades deveria ser revista
para o aumento proporcional da demanda de unidades de equipamentos como os CRAS.
Analisa-se que a articulação com equipamentos como CRAS e CREAS além de
fundamentais, estão previstas nas normativas, em especial a Tipificação (2009) aponta
para o referenciamento da família no CREAS. Algo ainda incipiente em alguns
municípios.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, apresentamos as normativas definidas em 2009 para o atendimento de
crianças e adolescentes em acolhimento institucional. Apresentamos também pesquisas
sobre a rede de acolhimento institucional com a finalidade de conhecer as dificuldades
para a sua adequação às normativas.
A realidade apontada pelas pesquisas registra dificuldades encontradas pelas entidades
de acolhimento institucional para adequar-se às normativas colocadas em 2009.
Podemos sintetizar estas dificuldades nos itens abaixo:
 ausência do estudo diagnóstico que antecipa a medida protetiva;
 falta de clareza no motivo do acolhimento institucional;
 inexistência de metodologia e referenciamento no trabalho social com as
famílias;
 fragmentação da rede socioassistencial e do SGD C/A;
 fragilidade nos processos e instrumentos de gestão das entidades;
 pouca sistematização das atividades realizadas;
 falta de implicação e cobertura das políticas setoriais;
 dificuldade de mudar cultura enraizada;
 recursos humanos insuficientes nas entidades;
 financiamento insuficiente;
 ausência de formação continuada.
Com certeza mudar práticas enraizadas exige coragem para propor mudanças,
conhecimento para fazê-las de forma adequada e acima de tudo financiamento para
garantir níveis satisfatórios de qualidade para cumprir com o que se preza a medida
protetiva.
87
Desta forma, reflete-se que os parâmetros já estão disponíveis. A questão que se coloca
é transformá-los em instrumento da gestão. Ou seja, acoplar os parâmetros as
ferramentas de gestão da entidade.
A gestão social, nesse sentido, deve voltar para uma visão integral e interdisciplinar as
situações. Conforme aponta Fischer (2007, s/p) o gestor social é um mediador entre o
conhecimento e a prática, estabelecendo transação entre instituições, redes e redes de
redes. Não é fazer qualquer gestão e sim gestão social que requer dinamismo,
criatividade, domínio do conhecimento e competência social.
No próximo capítulo trazemos nossas contribuições para o aprimoramento da gestão
social das entidades de Acolhimento Institucional, através de instrumentos e reflexões
que podem ser utilizados no cotidiano institucional, sempre tendo em vista a promoção e
a garantia do direito da criança e do adolescente.
88
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89
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familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília:
IPEA, 2004.
90
3 - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO POSSIBILIDADE
CONCRETA DE INTERVENÇÃO NO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
INTRODUÇÃO
A presente proposta de intervenção para as entidades de acolhimento institucional para
crianças e adolescentes surgiu após a realização de uma pesquisa no Mestrado de
Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário Una iniciado
em 2011 e concluído em 2013.
No presente texto, apresentamos a pesquisa e suas principais contribuições. A partir daí,
tecemos sugestões para o aprimoramento da gestão social das entidades com vistas a
garantir a qualidade do atendimento bem como o direito à convivência familiar de
crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial, conforme estabelece o Art. 101 do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Focaremos a presente proposta em
algumas vertentes do Projeto Político Pedagógico (PPP) das entidades: organização do
cotidiano administrativo da entidade; prontuário das crianças e adolescentes acolhidos e
uma proposta de fluxo do acompanhamento familiar desde o momento da entrada da
criança e do adolescente até a sua saída da entidade.
De acordo com Ckagnazaroff (2004) a gestão social situa em um campo interdisciplinar e
intersetorial, dando suporte para ações públicas e pode ser considerada como uma
gestão estratégica, adaptando-se com flexibilidade as mudanças internas e externas,
onde estão envolvidos diversos atores.
Sabemos que, a entidade de acolhimento precisa realizar um trabalho em rede e, sob
está ótica, alinhar a gestão social com a gestão estratégica é que nos parece mais
prudente.
Considerando que o acolhimento institucional é o lugar que acolhe, ao pensar a gestão
das entidades e criar ferramentas de trabalho, apontamos também para a maior
responsabilização dos atores envolvidos para não cairmos na armadilha da
91
desresponsabilização.
Parafraseando
Guerra
(2005)
ao
abordar
sobre
a
institucionalização de crianças na saúde mental, corremos o risco de constituir uma
instituição de encaminhamento em lugar do acolhimento.
Conforme Guerra (2005):
Acolher implica escutar, diagnosticar a situação, ampliar o campo da queixa,
buscando a implicação do sujeito, e em tomar responsavelmente a si o encargo
da condução do caso. Esse modelo rompe com uma prática desimplicada[...]
(GUERRA, p.142, 2005).
Nesta direção este texto se organiza de forma a trazer subsídios para que a entidade,
através do atendimento ofertado, possa minimizar o impacto que a medida protetiva por
si só já traz, que é o afastamento do convívio familiar e a sensação de abandono sofrido
tanto pela criança quanto pelo adolescente. Considerar o acolhimento como um lugar de
segurança e de empoderamento é a direção que se guia, não mais como um “mal
necessário”, mas como um porto seguro, como aquele que em determinados momentos
da vida, é-se direcionado para que se possa fortalecer.
O acolhimento institucional deve ser este lugar: o lugar da construção e da reconstrução
de histórias fragmentadas, da escuta, do ser criança, do ser adolescente, enfim, do ser
gente. O primeiro reordenamento a ser feito, é na compreensão de fazer com que
crianças e adolescentes, enquanto ali estiverem, pertençam àquele lugar, não apenas na
sua dimensão física, mas em especial, na sua dimensão de afetiva.
3.1 - A pesquisa: análise de dados sobre as entidades de acolhimento institucional
A pesquisa teve como metodologia a análise de dados secundários dos censos e
diagnósticos realizados, nos três níveis de governo, analisando-as e discutindo-as.
Também abrangeu uma revisão bibliográfica dos seguintes marcos regulatórios e
normativos sendo eles: Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos
das Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), Orientações
Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009),
Tipificação Nacional dos Serviços socioassistenciais (2009), Lei 12.010/2009, Plano
Estadual de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária (2009) e por último o Plano Municipal de Promoção,
92
Proteção e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária (2012).
Ao fazer a leitura das pesquisas8, foi perceptível que, apesar dos avanços, ainda há um
longo caminho a percorrer para garantir a qualidade do atendimento dos serviços das
entidades de acolhimento institucional.
O tema proposto, o impacto das políticas e normativas legais no atendimento prestado
pelas Unidades de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes sob medida de
proteção judicial, com vistas à garantia do direito à convivência familiar e comunitária,
surgiu depois de um longo caminho percorrido pela pesquisadora, através de visitas em
unidades de acolhimento institucional no Estado de Minas Gerais, no período de 2008 a
2011, com o propósito de conhecer a realidade e propor possibilidades para a melhoria
do atendimento. Estabeleceu-se como objetivo geral analisar as pesquisas existentes no
Brasil, Estado de Minas Gerais e Belo Horizonte, contrapondo-as com as novas
normativas, propondo melhoria na gestão social das entidades.
Os objetivos específicos foram assim delimitados: descrever e analisar o acolhimento
institucional, através de pesquisas existentes, no cenário nacional, do estado de Minas
Gerais e do município de Belo Horizonte; descrever e discutir as principais mudanças
introduzidas pelas normativas legais voltadas para o acolhimento de crianças e
adolescentes; elaborar uma proposta de intervenção relativa aos serviços e à construção
de fluxos internos no Acolhimento Institucional, visando à garantia do direito à
convivência familiar e comunitária.
De uma forma geral, a análise das pesquisas aponta para a fragilidade da rede de
serviços, pouca compreensão dos marcos regulatórios e de uma forma preocupante,
crianças e adolescentes, sendo institucionalizados sem clareza do motivo real do
acolhimento e principalmente do que foi feito para evitar a aplicação da medida. Percebese uma falta de metodologia clara no atendimento direto às crianças e suas famílias.
8
O material das pesquisas já havia sido trabalho em LIMA, Liziane V. T. Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes: o
(in)visível das paredes institucionais. Belo Horizonte, Una, 2013; LIMA, Liziane V. T. Acolhimento Institucional para crianças e
adolescentes: o que dizem as pesquisas no Brasil, em Minas Gerais e no município de Belo Horizonte. Belo Horizonte, Una, 2013.
93
Ainda perpetua a imagem de piedade para com a criança, de rejeição para com o
adolescente e de condenação para com a família.
Claro está que o Brasil possui todo um arcabouço de normativas no que tange ao direito
de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária, que precisam
materializar-se em ações concretas e que tenham impacto na vida de milhares de
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. As pesquisas dão vida às
entidades, na medida em que tentam dar visibilidade ao que antes estava oculto. Para
além, direcionam os profissionais a elaborarem políticas públicas pautadas em dados
concretos das situações encontradas. Olhar para estas pesquisas é dar voz a elas, para
que não sejam mais um aglomerado de papéis engavetados, mas a materialização
concreta do direito à convivência familiar e comunitária.
3.2 - O reordenamento institucional: a proteção integral em movimento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, na sequência da grande mudança introduzida
pela Constituição Federal de 1988, reafirmou crianças e adolescentes como sujeitos de
direitos, que devem ser protegidos pelo Estado, pela família e pela sociedade. Nesse
contexto, a questão das crianças e adolescentes vivendo em instituições ganhou novos
contornos.
A institucionalização se, de um lado, protege a criança de uma agressão ainda mais
grave, de outro, acaba por colaborar para o enfraquecimento do vínculo entre o acolhido
e sua família de origem, devido ao distanciamento que se impõe pelo próprio ato do
acolhimento institucional.
Ora, para garantir o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, é preciso que
as instituições trabalhem dentro de critérios mínimos de qualidade, evitando o
atendimento massificado que acarreta carência afetiva, dificuldade de estabelecimento
de vínculos, distanciamento da família de origem, atrasos no desenvolvimento, perda de
registro da história de vida, dentre outros aspectos. Para isto é preciso que ocorra o
reordenamento institucional. Ressalta-se que o reordenamento institucional tem sido
amplamente discutido nas agendas políticas dos três entes federados. Aqui compreendese o reordenamento como um conjunto de ações, estabelecidas principalmente pelos
94
Planos Nacional, Estadual e Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária.
Reordenar o atendimento significa reorientar as redes pública e privada, que
historicamente praticaram o regime de abrigamento, para se alinharem à
mudança de paradigma proposto. Este novo paradigma elege a família como a
unidade básica de ação social e não mais concede a criança e o adolescente
isolados de seu contexto familiar e comunitário (BRASIL, 2006, p.79)
Para além da entidade de acolhimento, ambos os planos estabelecem ações, em sua
maioria, voltadas para a prevenção, de forma a se evitar o afastamento de crianças e
adolescentes de seus lares. Ações estas que se pode entender, como projetos,
programas e serviços que voltem o seu olhar para a prevenção de forma a evitar
rupturas, discutindo o reordenamento sob a lógica do aumento da oferta de serviços na
base territorial, voltados para o fortalecimento da matricialidade familiar. Neste sentido
importa considerar que os planos possuem diretrizes voltadas para a garantia do direito à
convivência familiar e comunitária, pautada na urgente necessidade de garantia de
direitos de cidadania das famílias, sejam elas: centralidade da família nas políticas
públicas; primazia da responsabilidade do Estado no fomento das políticas integradas de
apoio à família; reconhecimento das competências da família na sua organização interna
e na superação de suas dificuldades; respeito à diversidade étnico-cultural, à identidade
e orientações sexuais, à equidade de gênero e às particularidades das condições físicas,
sensoriais e mentais; fortalecimento da autonomia da criança, do adolescente e do jovem
adulto na elaboração do seu projeto de vida; garantia dos princípios de excepcionalidade
e provisoriedade dos programas de famílias acolhedoras e de acolhimento institucional
de crianças e de adolescentes; reordenamento dos programas de acolhimento
institucional; adoção centrada no interesse da criança e do adolescente e controle social
das políticas públicas (BRASIL, 2006, p. 77-81).
Conforme estabelece o PNCFC o reordenamento dos serviços de acolhimento
institucional, requerem ações e objetivos que podem ser visualizados no quadro abaixo:
95
QUADRO 7: Ações e Objetivos para o Reordenamento Institucional conforme o PNCFC
AÇÕES
 Mudança na sistemática de
financiamento das entidades e
inclusão de recursos para o
trabalho com a reintegração à
família de origem;
 Qualificação dos profissionais que
trabalham nos programas de
acolhimento institucional;
 Estabelecimento de indicadores
qualitativos e quantitativos para
avaliação dos programas;
 Ênfase
na
prevenção
do
abandono e na potencialização
das competências da família,
baseados no reconhecimento da
autonomia e dos recursos da
mesma para cuidar e educar seus
filhos;
 Adequação do espaço físico e do
número
de
crianças
e
adolescentes atendidos em cada
unidade, de forma a garantir o
atendimento individualizado e em
pequenos grupos;
 Adequação do espaço físico as
normas de acessibilidade;
 Articulação das entidades de
programas de abrigo com a rede
de serviços, considerando todo o
SGD.
OBJETIVOS
 Prevenção à ruptura de vínculos,
por meio de trabalho com famílias
em situação de vulnerabilidade
social e/ou vínculos fragilizados;
 Fortalecimento dos vínculos, apoio
e acompanhamento necessário às
famílias
das
crianças
e
adolescentes abrigados para a
mudança de práticas de violação e
para a reconstrução das relações
familiares; acompanhamento das
famílias
das
crianças
e
adolescentes, durante a fase de
adaptação, no processo de
reintegração familiar; articulação
permanente entre os serviços de
acolhimento institucional e a
Justiça da Infância e Juventude,
para
o
acompanhamento
adequado de cada caso, evitandose o prolongamento desnecessário
da permanência da criança e do
adolescente na instituição;
 Excepcionalidade, nos casos de
encaminhamento para adoção
pela
autoridade
judiciária,
intervenção qualificada para a
aproximação
gradativa
e
a
preparação prévia da criança, do
adolescente e dos pretendentes,
bem como acompanhamento do
período de adaptação.
Fonte: BRASIL, 2006. Elaborado pela autora.
No aprofundamento das ações e objetivos percebemos que as entidades de acolhimento
institucional devem buscar agir de forma diferenciada, proativa, estabelecendo uma
estreita relação com outras políticas setoriais. Todo o seu fazer deve elevar as crianças,
adolescentes e suas famílias a alcançarem direitos então relegados.
96
Claro está que a assistência social tem um papel preponderante nesta discussão, mas
deve-se encontrar respaldo em outras políticas públicas, mantendo a convivência familiar
e comunitária como elemento principal na discussão da garantia de direitos. A
assistência social não é resposta sozinha para a complexidade do acolhimento
institucional, para isto, a intersetorialidade precisa se fazer presente. As outras políticas
setoriais precisam apropriar-se do lugar que lhes pertence nesta discussão. Sem a ação
efetiva, de todas as políticas, corre-se o risco do acolhimento institucional distanciar cada
vez mais crianças e adolescentes de suas famílias e ao invés de fortalecer vínculos,
fragilizá-los. Vale ressaltar que a partir do momento em que a intersetorialidade não
ocorre, corre-se o sério risco de condenar crianças e adolescentes a se afastarem
definitivamente de seus lares, caminhando para uma família substituta, sem que de fato
tenha sido garantida à família de origem, possibilidades concretas de voltar a assumir o
seu papel protetor.
3.3 - O Projeto Político Pedagógico como instrumento da gestão social das
entidades
Esta discussão dará subsídios para as entidades elaborarem alguns pontos do seu
Projeto Político Pedagógico (PPP), considerando-o como a bússola que orienta e dá
direção para o Gestor. Trazido pelas Orientações Técnicas para os serviços de
acolhimento institucional, o PPP também é validado pela Lei 12.010/2009, que deu
legalidade ao mesmo.
De alguma forma, pretende-se que as ferramentas aqui
apresentadas possam servir de alguma forma para que o respaldo legal passe a ser de
fato uma prática diária.
Desta forma o PPP ao estabelecer um processo metodológico, confirma a necessidade
de planejamento. Na figura abaixo pode-se perceber que o PPP possui uma sequência
que vai da apresentação e termina nas regras de convivência.
97
FIGURA 3: Projeto Político Pedagógico para uma unidade de acolhimento
Fonte: Elaborado pela autora.
Como pode ser visto o PPP possui vários itens demonstrando o seu caráter contributivo
para uma boa gestão, considerando que ele abarca aspectos organizacionais e
funcionais. Ao trazer o monitoramento e avaliação, aponta para a construção de
indicadores sociais que possam servir de instrumentos metodológicos capazes de
retratar de forma objetiva e padronizada, colaborando com o processo de monitoramento
do serviço. São os indicadores que vão permitir a aferição da eficiência e eficácia do
atendimento.
É perceptível a complexidade e a dimensão do PPP, o que se leva a considerar que ele é
o instrumento principal da gestão da entidade. Sem o mesmo, corre-se o risco de
continuar no passado e não se situar no presente e nem se almejar um futuro.
98
Compreendendo a gestão social das entidades como o conjunto metodológico de
práticas e ferramentas que podem, e devem ser utilizadas para garantir a prioridade
absoluta proposta pelo Estatuto da Criança e Adolescente e fazer com que crianças e
adolescentes, provisoriamente e excepcionalmente, afastados de suas famílias, façam
do período de aplicação da medida protetiva, não uma página em branco nas suas
histórias, mas uma possibilidade concreta de empoderamento. Pode-se afirmar que o
PPP é este conjunto de práticas metodológicas.
Mas para fazer com que o PPP não seja apenas algo trazido por uma normativa a
presença de recursos humanos é a mola geradora que dará vida a todo o sistema. Em
especial, a figura do coordenador da entidade.
Conforme apontado pelas pesquisas, em todos os entes federados, as entidades não
possuem Recursos Humanos conforme sugerido e previsto nas Orientações Técnicas
CONANDA e NOB/RH. O coordenador, quando existe, pela ausência de outros
profissionais, não realiza as atividades pertinentes à sua função que, de acordo com as
ORIENTAÇOES TÉCNICAS são:
 Gestão da entidade;
 Elaboração, em conjunto com a equipe técnica e demais colaboradores,
do
projeto político-pedagógico do serviço;
 Organização da seleção e contratação de pessoal e supervisão dos trabalhos
desenvolvidos;
 Articulação com a rede de serviços, articulação com o Sistema de Garantia de
Direitos. (BRASIL,2009a, p. 69)
Percebe-se que a primeira atribuição do Coordenador é a gestão da entidade. A palavra
gestão vem do latim, gestio, e está ligada a uma ação que deve ser gerida ou
administrada. O coordenador é o profissional que fará o elo com a direção da entidade,
conselho fiscal e com as demais partes envolvidas, além de órgãos de controle social,
como os conselhos, e demais integrantes do SGD C/A. Ressalta-se que ao coordenador
não cabe estar em atividades operacionais do serviço, tais como elaborar relatórios
circunstanciados e planos individuais de atendimento ou outras que competem à equipe
técnica.
99
Para Fayol (1989), coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos e todos os
esforços. É estabelecer a harmonia entre todos os atos de uma empresa de maneira a
facilitar o seu funcionamento e o seu sucesso. É, em suma, adaptar os meios ao fim, dar
às coisas e aos atos as proporções convenientes. (FAYOL, 1989, p. 26, 126- 127)
O coordenador deve buscar nas funções administrativas clássicas as ferramentas
necessárias para que possa fazer frente aos seus objetivos fins.
Para cumprir com o seu papel, o Coordenador precisa ter uma visão sistêmica. É neste
sentido que pretende-se abordar os pontos de intervenção. Compreende-se que o PPP
tem toda uma dimensão que não esgota aqui e por isso nosso foco será voltado para o
item organização do serviço de acolhimento desmembrando-o.
3.4 - Agenda de compromissos institucionais: uma forma simples de estar em dia
com as obrigações inerentes a entidade.
Parti-se daqui do pressuposto de que toda entidade tem a capacidade de se organizar de
forma a atender suas demandas. Considerando-se que, através de ferramentas simples,
mas eficazes, as entidades podem tomar as rédeas da gestão e conseguir com que os
processos internos fluam de maneira satisfatória. Muitas entidades, como apontado nas
pesquisas, ainda não se reordenaram de forma a cumprir com suas responsabilidades e,
por isso, criar estratégias de intervenção se faz necessário, como se pode depreender de
Daffre (2012):
A observação do trabalho de abrigos, contudo, mostra predominantemente uma
estrutura deficiente, condições precárias, recursos financeiros insuficientes e
educadores sem formação. Empobrecidas, abandonadas, sem respeito à
individualidade e quem os habita, essas instituições reproduzem as difíceis e
tristes situações dos bebês, crianças e adolescentes acolhidos (DAFFRE, 2012,
p. 19)
A primeira categoria que se quer abordar é a revisão necessária da documentação legal
que deve estar em dia e atualizada pela entidade e os compromissos que a mesma deva
se ater. Para isto utiliza-se a ferramenta Agenda de Compromissos. Considera-se aqui,
100
que desde a concessão e ou renovação de documentos, até a manutenção dos
pagamentos em dia, é uma responsabilidade a ser cumprida e acompanhada.
Aparentemente algo simples, mas quando não acompanhado devidamente pelas
entidades podem ocasionar consequências sérias para o bom desenvolvimento das
ações. Como um quebra cabeça, caso uma das peças não esteja devidamente em
posição, não se completa a ação. Um único item não realizado desencadeia um efeito
cascata no setor administrativo, impactando todo o desenvolvimento das funções da
entidade.
QUADRO 8: Agenda de Compromissos
Fonte: Elaborado pela autora.
101
OBRIGAÇÕES: MENSAL
Vencimento
01
02
05
05
07
OBRIGAÇÃO
Fechar o caixa do mês anterior e enviar ao tesoureiro ou contabilidade
Suprimento de caixa para despesas diárias do mês corrente.
COPASA (Conta de água)
CEMIG (Energia Eletrica)
Contabilidade Honorários
Salários referente ao mês anterior trabalhado
FGTS (fundo de Garantia sobre tempo de Serviço): incide sobre a folha de
pagamento do mês anterior.
Sintibref: Seguro (Parte Funcionários + Parte Entidade)
Sintibref: Plano Odontológico
Enviado mensalmente para despesas pequenas no abrigo.
Não recebendo até vencto, solicitar 2ª via no site da COPASA.
Não recebendo até vencto, solicitar 2ª via no site da CEMIG
Boleto e NF são enviados pela contabilidade
Pagamento até o 5º dia útil do mês corrente.
Quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.
Prestação de contas do convênio com órgão público
Enviar movimento do mês anterior para contabilidade
Valor = Nº funcionários cobertos x 3,25 (valor em 2013). CCT 2013.
Valor = Nº funcionários x 12,80 (valor em 2013). CCT 2013
Valor = Nº funcionários cobertos (ver desconto em folha) x 15,00 (valor em 2013). É pago
atráves da guia de mensalidade social enviada pelo Sintibref.
Valor = Nº funcionários cobertos (ver desconto em folha) x 25,00 (valor em 2013). É pago
atráves da guia de mensalidade social enviada pelo Sintibref.
Até o dia 20, sob risco de atrasar a parcela do convênio.
Após finalizada a prestação de contas convênio PBH.
Enviar ao Sintibref a relação empregados admitidos e/ou demitidos do AUXILIO
SAÚDE.
Informar ao SINTIBREF-MG os empregados admitidos e ou demitidos para emissão e ou
baixa do empregado no benefício de auxilio saúde. Cláusula 14º, Parágrafo 1º da CCT 2013.
Enviar ao Sintibref a relação empregados admitidos e/ou demitidos do PLANO
ODONTOLÓGICO.
Informar ao SINTIBREF-MG os empregados admitidos e ou demitidos, para emissão e ou
baixa do empregado no benefício Odontoplano Belo Dente. Cláusula 10º, Parágrafo 2º da
CCT 2013.
Sintibref: Plano de Sáude (Parte Funcionários)
10
Sintiibref: Plano de Sáude (Parte Entidade)
15
ORIENTAÇÃO
Conta Telefone Móvel
20
24
GPS/INSS: incide sobre a folha do mês anterior.
GPS - quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.
IRRF (DARF):Imposto de Renda Retido na Fonte de pessoas juridica ou fisica (ex.
funcionário).
Quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.
Conta Telefone fixo, internet, móvel
PIS (Programa de Integração Social)
25
Enviar ao Sindicato dos empregados a relação dos empregados admitidos e ou
demitidos no SEGURO DE VIDA.
Incide sobre a folha do mês anterior. Quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado,
o pagto deve ser antecipado.
Informar ao SINTIBREF-MG os empregados admitidos e ou demitidos é que deverão ser
informadas até o dia 25 de cada mês, para emissão e ou baixa do Certificado Individual do
Seguro de Vida em Grupo e/ou Acidentes Pessoais. Cláusula 15º, parágrafo 1º da CCT
2013.
Fechar o ponto e enviar a contabilidade
Carregar os cartão de Vale Transporte para utilização no mês posterior.
Cartão Cartão BHBUS: para utilização no mês posterior.
No decorrer do
Renovação periódica de documentos para habilitação juridica (para entidades
mês. De
conveniadas com a PBH): CND (Certidão Negativa de Débito) PBH (Prefeitura de
acordo com
Belo Horizonte); Certificado de regularidade do FGTS.
cada entidade.
Onde conseguir: Site da CEF (Caixa Economica Federal) e site da PBH.
Última
segunda-feira Reunião do Fórum de Abrigos
do mês.
Espaço de discussão e articulação das entidades.
OBRIGAÇÕES: ANUAL
Vencimento
Obrigação
31/01
Sinibref - Contribuição sindical urbana patronal
15/06
Relatório do Título de Utilidade Pública Federal
Sinibref - Contribuição sindical assistencial patronal
Observação
Percentual sobre o faturamento/receita bruta do ano anterior
Último dia para entrega do relatório do ano anterior e plano de ação do ano corrente ao
CMAS
Último dia para entrega do relatório do ano anterior
2% sobre o total bruto da folha de pagamento do mês de Maio de 2013.
15/10
Sinibref - Contribuição sindical assistencial patronal
2% (dois por cento) sobre o total bruto da folha de pagamento do mês de Setembro de 2013.
30/11
15/12
20/12
1ª parcela 13º salário dos funcionários
Contabilidade: honorários de balanço
2ª parcela 13º salário dos funcionários
Pagamento até 30/11
GPS 13º INSS sobre a folha do 13º salário
GPS - quando o vencto cair em sábado, domingo ou feriado, o pagto deve ser antecipado.
30/04
20/12
Vencimentos
ocorrem no
decorrer do
ano, de acordo
com cada
entidade.
Relatório e Plano de Ação CMAS
Pagamento até 20/12
Renovação periódica de documentos para habilitação juridica (para entidades
conveniadas com a PBH): Certidão Negativa de Débidos Trabalhistas - CNDT;CNPJ;
Certidão Negativa de Débidos - CND INSS; Certidão conjunta negativa; Declaração Onde conseguir: As certidões podem ser emitidas nos sites dos orgãos ou solicite a
do contador; Registro no CMAS; Registro no CMDCA; Estatuto da Entidade; contabilidade. Os documentos legais, estatuto, atas e documentos do representante, na
Declaração de Utilidade pública Municipal; Requerimento de cadastramento na entidade quando ocorrer alteração. Registros nos respectivos orgãos.
SMAAS; Requerimento de Laudo de Avaliação Técnica; Ata de Eleição e posse da
Atual Diretoria; (CPF) E (ID) do Presidente.
Renovação Registro CMDCA
Renovação Registro CMAS
Renovação Autorização para Captação de Recursos
102
A proposta acima contempla todas as obrigações pertinentes a uma entidade sem fins
lucrativos, que é o caso das entidades de acolhimento institucionais não governamentais.
Em sua maioria, elas estão ligadas ao Sindicato dos Empregados em Instituições
Beneficientes, Religiosas e Filantrópicas de Minas Gerais (SINTIBREF) e ao Sindicato
das Instituições Beneficentes, Religiosas e Filantrópicas de Minas Gerais (SINIBREF).
Como visto no quadro explicativo, muitas obrigações são pertinentes a estes dois órgãos.
Percebem-se também obrigações com os conselhos, em especial ao CMDCA e CMAS.
Estar em dia com estes conselhos é basilador para que a entidade possa funcionar e
operacionalizar as suas ações. Neste sentido, dando uma dimensão do todo, o quadro
de compromissos dá subsídios para um bom acompanhamento do que é preciso ser feito
do ponto de vista administrativo.
Conforme apontado, este é apenas um dos instrumentos que pode colaborar, sendo que
outros precisam estar acoplados, em especial os procedimentos financeiros da entidade.
3.5 - Prontuário das crianças e adolescentes: registros feitos de forma qualificada
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a obrigatoriedade das entidades
manterem prontuários atualizados e em dia de todos os acolhidos. A partir das pesquisas
examinadas, percebe-se que as entidades não conseguem ter a dimensão do que seriam
estes documentos e como organizar esta pasta chamada aqui de prontuário individual,
considerando que mesmo que a criança tenha irmãos, a individualidade deve ser
mantida.
A coleta de informações e a forma como são armazenadas são fundamentais para uma
instituição, tratando-se de um prontuário de criança e adolescente sob medida protetiva
isto ainda se torna mais relevante tendo em vista que são informações que agregam
valor à estratégia utilizada para acompanhar aquela criança e adolescente e
posteriormente
elaborar
o
Plano
Individual
de
Atendimento
e
o
Relatório
Circunstanciado9 do caso Considerando que a criança e o adolescente são o público alvo
9
Ambos os documentos foram implantados à partir da Lei 12.010/2009 através do seus Artigos 19 e 101.
103
do serviço. O prontuário é o pilar inicial e fonte para tomada de decisões e
compartilhamento de informações.
A palavra prontuário vem do latim “promptuarium” e significa “lugar onde se
guardam ou depositam as coisas de que se pode necessitar a qualquer instante”.
(MASSAD et.al, 2003)
Especificamente para o prontuário de crianças e adolescentes acolhidos
propomos uma sequência, representada na figura abaixo:
FIGURA 4: Modelo de Pastas que devem estar no prontuário de cada criança e
adolescente
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
Erro! Fonte de referência não encontrada.
 Folha de rosto: foto da criança, nome completo, data de nascimento, nome
completo dos pais ou responsáveis, endereço de origem e número do
processo na Vara da Infância e Juventude e/ou Conselho Tutelar.
 Guia de Acolhimento e Termo de desligamento: a Guia de Acolhimento
tornou-se obrigatório de acordo com o Art. 101 do ECA e conforme a
Instrução Normativa nº 03 de 03 de novembro de 2009 da Corregedoria
Nacional de Justiça (CNJ). Dentre outros itens que deve constar a guia um
se torna fundamental: os motivos da retirada ou da não reintegração ao
convívio familiar. Considerando a falta de clareza na aplicação das
104
medidas anteriores ao acolhimento, esta dimensão aponta para um
esforço que precisa ser feito para não levar crianças e adolescentes ao
acolhimento sem critérios efetivos.
A dimensão da Guia de Acolhimento remete a voltar sempre o olhar para alguns artigos
do ECA que considera-se prudente aqui colocar em um quadro para que possam servir
de orientação e clarear o entendimento. A lei só pode ser aplicada quando está presente
na rotina de forma a
lembrar-se constantemente do seu conteúdo. No decorrer do
quadro grifo foram feitos para chamar a atenção do leitor.
QUADRO 9: Estatuto da Criança e do Adolescente e o Direito à Convivência Familiar e
Comunitária
Art. 19. Toda criança tem direito a ser
criado e educador no seio da sua família
e,
excepcionalmente,
em
família
substituta, assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente livre
da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes.
•
§ 1º Toda criança ou adolescente que
estiver inserido em programa de acolhimento
familiar ou institucional terá sua situação
reavaliada, no máximo, a cada seis meses,
devendo a autoridade judiciária competente,
com base em relatório elaborado por
equipe
interprofissional
ou
multidisciplinar,
decidir
de
forma
fundamentada
pela
possibilidade
de
reintegração familiar ou colocação em família
substituta, em quaisquer das modalidades
previstas no art 28 desta lei.
•
§ 2º A permanência da criança e do
adolescente em programa de acolhimento
institucional não se prolongará por mais de
dois anos, salvo comprovada necessidade
que atenda ao seu superior interesse,
devidamente fundamentada pela autoridade
judiciária.
•
§ 3º A manutenção ou reintegração de
criança ou adolescente à sua família terá
preferência em relação a qualquer outra
providência, caso em que será esta incluída
em programas de orientação e auxílio, nos
termos do parágrafo único do art. 23.
Parágrafo único: Não existindo outro motivo
que por si só autorize a decretação da medida, a
Art. 23.
A falta ou carência de
criança ou o adolescente será mantido em sua
recursos materiais não constitui
família
de
origem,
a
qual
deverá
motivo suficiente para a perda ou a
obrigatoriamente ser incluída em programas
suspensão do poder familiar.
oficias de auxílio.
Art. 92. As entidades que desenvolvam
I. Preservação
dos
vínculos
familiares
e
105
programas de acolhimento familiar ou
institucional
deverão
adotar
os
seguintes princípios:
promoção da reintegração familiar;
II. Integração em família substituta, quando
esgotados os recursos de manutenção na
família natural ou extensa;
III. Atendimento personalizado e em pequenos
grupos;
IV. Desenvolvimento de atividades em regime
de coeducação;
V. Não desmembramento e grupos de irmãos;
VI. Evitar, sempre que possível, a transferência
para outras entidades de crianças e
adolescentes abrigados;
VII. Participação na vida da comunidade local;
VIII. Preparação gradativa para o desligamento;
IX. Participação de pessoas da comunidade no
processo educativo.
§ 1º O dirigente de entidade que desenvolve
programa de acolhimento institucional é
equiparado ao guardião, para todos os efeitos
de direito.
§ 2º Os dirigentes de entidades que
desenvolvem programas de acolhimento familiar
ou institucional remeterão à autoridade
judiciária, no máximo a cada seis meses,
relatório circunstanciado acerca da situação
de cada criança ou adolescente acolhido e sua
família, para fins da reavaliação prevista no § 1º
do art. 19 desta Lei.
§ 3º Os entes federados, por intermédio dos
Poderes Executivo e Judiciário, promoverão
conjuntamente e permanente qualificação dos
profissionais que atuam direta ou indiretamente
em programas de acolhimento institucional e
destinados à colocação familiar de crianças e
adolescentes, incluindo membros do Poder
Judiciário, Ministério Público e Conselho Tutelar.
Fonte: ECA, 2009. Elaborado pela autora.
 Documentos da criança: certidão de nascimento, cartão de vacina e no
caso de adolescentes, carteira de identidade e carteira profissional de
trabalho.
 Plano Individual de Atendimento (PIA): o PIA tornou-se obrigatório a partir
do Art. 101 parágrafo quarto. Este item será desdobrado posteriormente.
 Conselho tutelar (CT): nesta pasta deverá conter relatórios oriundos do CT
referente ao caso, com número de processo, conselheiro responsável,
106
medidas tomadas que anteciparam a medida protetiva de acolhimento
institucional.
 Relatórios enviados à Vara da Infância e Juventude (VIJ): a obrigatoriedade
dos relatórios encontra-se no Art. 19 e deve ser enviado no máximo a
cada seis meses, os mesmos devem ser protocolados no órgão da justiça
e uma via, com o devido protocolo, permanecerá no prontuário.
 Relatórios enviados ao Ministério Público (MP): de acordo com a realidade
local, pode ser solicitado pelo MP o protocolo de relatórios, em especial,
aqueles com parecer de destituição do poder familiar e colocação em
família substituta.
 Visitas domiciliares: as visitas domiciliares devem ser devidamente
registradas contendo data da visita, responsável pela realização, membros
no domicilio, diálogo realizado e percepções seja da estrutura física, da
dinâmica familiar e da comunidade do entorno.
 Visitas na Instituição: a visita de familiares na instituição de acolhimento
devem ser registradas com horários, tempo de duração da visita,
membros da família, anotações das reações significativas da criança e ou
adolescente, bem como dos familiares.
 Saúde: nesta pasta sugere-se vários dados que podem ou não serem
coletados, dependendo da faixa etária do acolhido, contemplando a saúde
de forma integral.
Os dados foram divididos em Desenvolvimento:
linguagem, alimentação, saúde física,
tiques nervosos, emoções,
relacionamentos com outras crianças e adultos; Ocorrências médicas,
Medicação; Registros de idas a centros de saúde, pronto atendimento e
hospitais, para crianças pequenas registro diários de temperatura, vômito,
diarreia, tosse e chieira no peito; cópia ou original de todos os exames
realizados e internações. No caso de adolescentes ações realizadas de
cunho informativo referente a sexualidade.
 Educação: escolaridade, escola de origem, escola atual, se houve
interrupção dos estudos e qual o motivo, considerações sobre a relação
série e aprendizagem, convivência escolar, reuniões na escola, atividades
de contra-turno, propostas de lazer, relação com a comunidade local e
com os equipamentos existentes.
107
 Apadrinhamento Afetivo: o apadrinhamento é uma possibilidade de crianças
e adolescentes com remotas possibilidades de reintegração familiar e
colocação em família substituta, possam ter direito à convivência familiar
enquanto na medida protetiva de acolhimento institucional. Ressalta-se
que só deve ocorrer quando exista possibilidade de cadastramento,
seleção, preparação e acompanhamento dos padrinhos por equipe
interprofissional em parceria com a Justiça da Infância e Juventude e
Ministério Público.
Conforme as Orientações Técnicas CONANDA/CNAS:
Os programas de apadrinhamento afetivo têm como objetivo desenvolver
estratégias e ações que possibilitem e estimulem a construção e manutenção de
vínculos afetivos individualizados e duradouros entre crianças e adolescentes
abrigados e padrinhos/madrinhas voluntários, previamente selecionados e
preparados, ampliando, assim, a rede de apoio afetivo, social e comunitário para
além do abrigo. Não se trata, portanto, de modalidade de acolhimento (BRASIL,
2009, p. 57).
Desta forma o apadrinhamento afetivo é um programa, que como tal, exige uma
metodologia detalhada e um procedimento claro de seleção das famílias.
 Ofício a outras instituições: deverá conter todos os ofícios enviados a
instituições, seja para informar algo da criança e adolescente ou para
coletar informações mais precisas.
Salienta-se a necessidade das entidades de acolhimento, terem procedimentos formais e
o hábito de oficializar outras entidades para dizerem sobre aquela criança e adolescente.
Ainda tem-se um cenário de pouca formalidade e de informações das crianças apenas
de forma oral, sem o devido registro e consequente responsabilização de cada ator em
informar os atendimentos feitos ou não quando aquela criança e sua família acessaram,
por exemplo, a saúde, educação, equipamentos da assistência social como Centros de
Referência da Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados da
Assistência Social (CREAS). A formalização leva a um maior comprometimento da rede
como um todo e fortalece o reordenamento institucional, na medida em que leva a
discussão para o âmbito de toda uma política pública e não apenas de um ente desta
esfera, ou seja, o acolhimento institucional.
108
 Genograma e Ecomapa: Ambos são instrumentos fundamentais para a
compreensão da rede da família, da criança e/ou adolescente e das
relações entre uma geração e outra.
O genograma é um instrumento gráfico, composto de diversos símbolos, de forma a
possibilitar a coleta de vários dados da família, do individuo, incluindo seu passado
hereditário. Fundamenta-se na teoria sistêmica e por ser um mapa relacional facilita a
visualização da dinâmica familiar. Ao evidenciar padrões de comportamentos ele amplia
a possibilidade do técnico realizar intervenções mais seguras (ANDOLFI, 1994;
MCGOLDRICK e GERSON,1985).
FIGURA 5: Exemplo de um Genograma
Fonte: Arquivos/Relatórios Técnicos Associação Casa Novella. Nomes fictícios.
Ecomapa: Instrumento desenvolvido por Hartman em 1975 como meio de descrever o
sistema ecológico que abrange uma família ou um indivíduo (Hartman, 1995). Tal
instrumento busca mapear a rede de relacionamentos da família (LIMA, 2012, p. 227).
109
Através das linhas e símbolos são demonstrados a intensidade das relações daquele
individuo, demonstrando a rede de relacionamento seja da criança e do adolescente
quanto dos adultos. Tal instrumento pode ser utilizado para trabalhar o fortalecimento
das relações considerando que os indivíduos precisam de uma rede de solidariedade
para, nos momentos de fragilidades, terem com quem contar.
FIGURA 6: Exemplo de um Ecomapa
Fonte: Arquivos / Relatórios Técnicos Associação Casa Novella. Nomes fictícios.
 Documento dos pais e/ou responsáveis: cópia de documentos de
identidade dos pais e da carteira de trabalho, comprovante de endereço e
atestado de nada consta da polícia civil. Este documento faz-se
110
necessário diante da complexidade dos casos e da própria medida
protetiva judicial.
Propositalmente o PIA ficou para o final para que se tornasse claro o que deve ser
incorporado e principalmente, seu objetivo maior.
 Plano: do latim planus, “achatado, nivelado”, resultou a palavra “plano” e no
ato de “planejar”. Para Padilha (2001, p.36) o plano é a apresentação
sistematizada e justificada das decisões tomadas relativas à ação a
realizar. Portanto é o produto de uma ação planejada.
 Individual deriva do latim individuus, inteiro que não foi divido. É portanto
aquilo que pertence ao individuo, inerente a ele.
 Atendimento: do verbo latino attendere significa prestar assistência,
oferecer ajuda.
Pode-se, portanto, considerar que o PIA é um instrumento de planejamento direcionado
para o individuo, e não para o coletivo, com vistas a prestar uma assistência focada nas
necessidades daquele ser.
Sendo um instrumento de planejamento ele deve conter
objetivos, estratégias e ações, conforme aponta as próprias orientações do CONANDA.
Importa salientar que as ações devem estar direcionadas a superação dos motivos que
levaram ao afastamento do convívio e o atendimento das necessidades específicas de
cada situação (BRASIL, 2009a, p. 32).
§ 6º Constarão do plano individual, dentre outros: I- os resultados da avaliação
interdisciplinar, os compromissos assumidos pelos pais ou responsáveis; e III- a
previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o
adolescente acolhido e seus pais ou responsável, com vista na reintegração
familiar ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada determinação
judicial, as providências a serem tomadas para a sua colocação em família
substituta, sob direta supervisão da autoridade judiciária (ECA, 2012, p.49-49)
O PIA incorpora a dimensão da necessidade de mobilização de recursos internos e
externos com vistas a alcançar os objetivos necessários. A formulação de estratégias
baseia-se em informações coletadas, sejam elas completas ou não. Neste viés o modelo
de prontuário tem como objetivo abarcar algumas abas, ou pastas, posteriormente dentro
do PIA.
111
Neste momento, percebe-se, que a fragilidade registrada pelas pesquisas de como as
crianças e adolescentes chegam às entidades, reflete a falta de estudo diagnóstico inicial
que embasou a aplicação da medida protetiva judicial.
Salvo em situações de caráter emergencial e de urgência, o afastamento da
criança ou do adolescente da sua família de origem deve advir de uma
recomendação técnica, a partir de um estudo diagnóstico, caso a caso,
preferencialmente realizado por equipe interdisciplinar de instituição pública, ou,
na sua falta, de outra instituição que detenha equipe técnica qualificada para tal.
A realização deste estudo diagnóstico deve ser realizada em estreita articulação
com a Justiça da Infância e da Juventude e o Ministério Público, de forma a
subsidiar tal decisão (BRASIL, 2009a, p.10).
Na pesquisa estadual, 2009, a documentação apresentada no ato do abrigamento
aponta para um universo de 52,4% que confirma o recebimento de pelo menos termo de
abrigamento, certidão e quando criança pequena, cartão de vacina. Mas 38,1% afirmam
não ter recebido nenhum documento no ato da chegada da criança. Como apontado pela
própria FJP à falta de documentos, em especial de relatório do caso, que foi apontado
apenas em 48,4% das entidades, reflete a pouca institucionalização da política. Este
cenário altera muito pouco no município de Belo Horizonte.
Conforme o CONANDA (BRASIL, 2009a, p.32) tal plano deverá partir das situações
identificadas no estudo diagnóstico. Sem o estudo diagnóstico, a entidade precisa
imediatamente à chegada da criança e/ ou adolescente elaborar o PIA. Não tendo
subsídios para fazê-lo acaba transformando este documento em apenas um documento
burocrático para cumprir o estabelecido pela normativa, sem que de fato seja instrumento
que tenha como objetivo orientar o trabalho de intervenção durante o período do
acolhimento.
As Orientações Técnicas apontam que o PIA deve contemplar os seguintes aspectos:
Motivos que levaram ao acolhimento e se já esteve acolhido neste ou em outro
serviço; configuração da dinâmica familiar, relacionamentos afetivos na família
nuclear e extensa, período do ciclo de vida familiar, dificuldades e
potencialidades da família no exercício do seu papel; condições sócioeconomicas, acesso a recursos, informações e serviços das diversas políticas;
demandas específicas da criança, do adolescente e de sua família que requeiram
encaminhamentos imediatos para a rede; rede de relacionamentos sociais e
vínculos institucionais da criança, do adolescente e sua família, compostas por
pessoas significativas na comunidade, colegas, grupos de pertencimento,
atividades coletivas que frequentam na comunidade, escola, instituições
religiosas, etc; violência e outras formas de violação de direitos na família, seus
112
significados e possível transgeracionalidade; significado do afastamento do
convívio e do serviço de acolhimento para a criança, o adolescente e a família
(BRASIL, 2009a, 33)
Considerando os aspectos acima, pode-se chegar a conclusão de que sem instrumentos
eficazes não é possível o aprofundamento que é incorporado ao PIA. Para compreender
transgeracionalidade e rede de relações daquela família, é necessário uma escuta
qualificada e o tratamento cuidadoso daquilo que foi observado durante as entrevistas,
as visitas domiciliares e institucionais. Ao lançar as informações em instrumentos como o
Ecomapa e Genograma, o profissional se distancia dos seus juízos de valores a respeito
da família e busca fazer as intervenções pautadas em leituras feitas após a elaboração
dos instrumentos e não naquilo que ela acha que pode ser.
Esta direção aponta para a direção do respeito e da ética para com a família, a criança e
adolescente, pautada em procedimentos eficazes para apontarem as intervenções na
hora e na forma correta.
Outra questão é que trabalhar no viés do planejamento trazido pelo PIA, leva ao
fortalecimento do trabalho intersetorial, pois o planejamento além de flexível é feito junto
ao outro. É uma construção coletiva para o atendimento individualizado. Soma-se
conhecimento em prol do individuo. Nesta vertente a entidade precisa necessariamente
articular com outras entidades e órgãos, completando o seu fazer.
Como a rotina de acolhimento é intensa, instrumentos que sinalizem para o que está
ocorrendo (e o que está deixando de ser feito), leva o profissional a não ficar apenas na
confiança de suas memórias e ainda reflete a seriedade de que tais informações são
institucionais, e devam estar ali disponíveis não apenas para a coordenação e técnicos,
mas para órgãos do SGD C/A responsáveis pela fiscalização. Para facilitar o trabalho,
em cada prontuário pode existir um documento resumo, dando uma visão sintética de
tudo que tem sido realizado em relação aquele caso, conforme a figura abaixo.
113
TABELA 3: Acompanhamento do caso
Acompanhamento do Caso
Criança /Adolescente:
Data do Acolhimento:
Objetivo
Ação
Hipóteses
Prazo
Responsáveis
Como está?
Fonte: Elaborado pela autora.
A Tabela 3 acima pode servir como uma forma de ter sempre atualizado o que tem sido
feito e mostra um panorama geral das ações realizadas.
São apenas sugestões o que importa é que a entidade encontre meios de poder estar
constantemente refletindo sobre a sua prática e criando ferramentas para melhorar a
prestação do serviço.
3.6 - Fluxo do Acompanhamento Familiar
As normativas trazem a importância do trabalho com as famílias das crianças e
adolescentes com vistas à reintegração familiar e quando esta não for possível a
colocação em família substituta. A forma como se inicia a condução do caso é
significativa para o seu sucesso. Intervenções prematuras ou tardias podem ser
desastrosas.
Ao reportar-se às pesquisas encontra-se no cenário nacional um percentual de 58,2% do
público atendido com vínculo familiar, mas apenas 41,40% recebem visitas. Este dado
leva a uma reflexão de como é possível vincular sem ter contato, em especial, em se
tratando de crianças sob medida protetiva judicial. Refletem também a falta de clareza
quanto ao que seja vínculo familiar e as suas dimensões. Conforme aponta as
Orientações Técnicas, o distanciamento provoca o enfraquecimento de vínculos e perda
de referência (BRASIL, 2009a, 35).
Na pesquisa estadual é registrado que 67% dos acolhidos tinham registro da família,
sendo que 75% voltaram para a sua família de origem. Indicando que crianças e
adolescentes são reintegrados sem um trabalho prévio da família, considerando que não
existem dados dos mesmos.
114
Em Belo Horizonte, o cenário aponta para poucas visitas domiciliares, falta de registros
das mesmas, pouca articulação com a rede sociassistencial.
Aprender a sistematizar é fundamental neste processo. Uma melhor sistematização
ocorre quando existem processos claros e pactuados com todos os envolvidos. Em um
ambiente organizacional a melhoria dos processos é gerada a partir da melhoria dos
fluxos de informação. Para Davenport (1994), processo é simplesmente um conjunto de
atividades estruturadas e medidas destinadas a resultar num produto específico para um
determinado mercado.
A construção de fluxos, diante da medida protetiva judicial, é uma forma da entidade
conseguir cumprir com as normativas e principalmente fortalecer a rede socioassistencial
e do SGD C/A considerando que diversos atores passam a compor o fluxo.
O fluxograma, por exemplo, é uma das formas para documentar e desenvolver um
processo. Segundo Oliveira (2000) a técnica do fluxograma representa a racionalidade, a
lógica, a clareza dos procedimentos em que estão envolvidos documentos, informações
recebidas, processadas e emitidas, bem como seus respectivos responsáveis e/ou
unidades organizacionais. Ainda de acordo com Oliveira (2000), os fluxogramas auxiliam
a descobrir os pontos que, representando falhas de natureza diversas, podem responder
pelas deficiências constatadas na execução das tarefas. Um fluxograma pronto abrange
grande número de operações, em um espaço relativamente pequeno. Sintetiza, pois, um
processo.
Para Harrington (1993) o fluxograma é definido como um “método para descrever
graficamente um processo existente, ou um novo processo proposto, usando símbolos
simples, linhas e palavras de forma a apresentar graficamente as atividades e a
sequência no processo”.
Harrington (1993) afirma que bons fluxogramas destacam
aquelas áreas em que procedimentos confusos afetam a qualidade e a produtividade.
Além disso, o fluxograma facilita a comunicação entre as áreas problemáticas, em função
de sua capacidade de esclarecer processos complexos.
A função do fluxograma, de acordo com Oliveira (2000), é apresentar a circulação de
papéis e formulários entre as diversas unidades de uma organização ou entre pessoas,
ele é usado para a pesquisa de falhas na distribuição de cargos e funções nas relações
115
funcionais, na delegação de autoridade, na atribuição de responsabilidade e em outros
aspectos do funcionamento do processo administrativo.
Harrington (1993) cita que uma vantagem da elaboração do fluxograma é o fato de criar
uma disciplina mental. O autor descreve esta ação como:
Comparar um fluxograma com as atividades do processo real irá
destacar aquelas áreas em que as regras ou políticas não são
claras, ou estão sendo até desobedecidas. Começam a aparecer as
diferenças entre a forma como uma atividade deve ser executada e
como ela é executada na realidade. Depois, com apenas alguns
passos, é possível determinar como melhora a atividade
(HARRINGTON, 1993, p.104).
É neste sentido que se propõe um fluxo do acompanhamento familiar. As ações do fluxo
são propostas de maneira a ocorrer uma articulação com todas as políticas setoriais,
tendo em vista que todas elas devam voltar o olhar para a matricialidade familiar. A
criança e/ou o adolescente não estão isolados do seu contexto familiar, por estarem em
uma medida protetiva judicial. O olhar individualizado para este público não quer dizer
que deve se deslocado da sua família e da sua rede de socialização, ou seja, os amigos,
vizinhos, dentre outros.
A proposta do fluxo encontra respaldo nas normativas, anteriormente explicitadas, de
forma a compreender que todo o percurso feito pela entidade de acolhimento deve ser
norteado pela parametrização existente.
Nesta linha, pretende-se de forma sistemática e organizada, atingir o que está posto nos
objetivos da Tipificação dos Serviços socioassistenciais, sejam eles a preservação dos
vínculos com a família de origem e o desenvolvimento de atividades com os
adolescentes que levem a independência e auto cuidado (BRASIL, 2009b, p. 34).
Considerando o principio basilar da garantia do direito à convivência familiar e
comunitária, o acompanhamento familiar, não é algo pontual, mas precisa ser respaldado
pelas normativas legais e deve ser regido por instrumentais que deem sustentação a
decisão tomada. Não se toma uma decisão pautada em intervenções feitas no vazio,
116
sem justificativas claras. Desta forma o fluxo aponta para os caminhos a serem
percorridos e pontos de fragilidade que necessitem de uma atenção maior.
Consequentemente, ao seguir o fluxo, ocorre o monitoramento das ações.
Nesta linha de pensamento propõe-se um fluxo que compreenda toda a dimensão legal,
política e social da medida protetiva de acolhimento. Importa considerar que um fluxo é
algo flexível e constantemente revisado. O intuito deste fluxo é colaborar com as
entidades de acolhimento institucional e provoquem o seu reordenamento interno, na
medida em que melhorem os processos, e consequentemente provoquem a rede do
SGD C/A a fazerem parte do reordenamento institucional necessário. O acolhimento
institucional não é resposta para as demandas das famílias, pelo contrário, ele está para
a criança e o adolescente. O acompanhamento familiar, com vistas a reintegração, que
significa intervir nos motivos que levaram ao abrigamento, se faz através de uma política
articulada e intersetorial. Enquanto as intervenções forem feitas de forma desarticuladas
e apenas e unicamente pela entidade de acolhimento, o risco de futuros reabrigamentos
e até mesmo de encaminhamentos equivocados e prematuros para família substituta,
pode condenar crianças e adolescentes a serem novamente revitimizados.
Considerando a dimensão da intersetorialidade este fluxo traz, necessariamente, a
participação de atores dos três eixos do SGD C/A sejam eles: da promoção, da defesa e
do controle. Permite que etapas sejam identificadas, uma visão do conjunto e
principalmente a clareza de que existe todo um respaldo normativo, que não pode ser
desconsiderado, no atendimento a uma criança e adolescente sob medida protetiva
judicial. Ao refletirmos na questão normativa, queremos reforçar que a medida protetiva
só pode ser cumprida em sua totalidade com a articulação intersetorial.
Em particular este fluxo foi pensado e elaborado diante das particularidades do município
de Belo Horizonte, podendo ser readaptado para outros municípios. Inicia-se a partir do
momento que a criança e/ou adolescente já estão sob medida protetiva aplicada. Não é
objeto, neste momento, considerar em que meios se deu está aplicação e se ela é
realmente necessária ou não. Considera-se que deva existir outro fluxo que aponte para
isto.
117
FIGURA 7: Fluxo do Acompanhamento Familiar
118
119
120
121
122
Fonte: Elaborado pela autora com base
em arquivos Associação Casa Novella
123
Ressalta-se que a partir da chegada da criança e/ou adolescente à entidade deve ser
pautado pela acolhida, pela escuta qualificada e humanizada, feita por profissionais,
estes com profundo arcabouço teórico e prático voltado para o atendimento de crianças e
adolescentes
vítimas
de
violência
doméstica.
Conhecimentos
profundos
dos
desdobramentos da violência doméstica, as questões ligadas ao vínculo e apego tornamse uma tarefa diária para estes profissionais.
Sabe-se que o acolhimento é o lugar onde deságuam histórias diversas, carregadas de
rupturas, violência intrafamiliar e estrutural que se misturam com a história de cada um
dos trabalhadores. Desta forma, somente com formação continuada destes profissionais
e escuta dos mesmos feitos pela equipe técnica será possível fazer do acolhimento
institucional um local reparador e não vitimizador.
Os passos do fluxo direcionam o atendimento interno nas entidades para com os
familiares das crianças acolhidas, para constantemente direcionarem esforços para
alcançar o impacto social esperado para o serviço:
Redução das violações de direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou
reincidência; redução da presença de pessoas em situação de rua e de
abandono; indivíduos e famílias protegidas; construção de autonomia; indivíduos
e famílias incluídas em serviços e com acesso a oportunidades; rompimento do
ciclo de violência domestica e familiar (BRASIL, 2009b, p. 38)
O fluxo inicia-se pela Central de Vagas (CV), órgão alocado na Secretaria Municipal
Adjunta de Assistência Social (SMAAS), referendado pela Portaria nº 01/2012. Órgão
este que faz a interlocução com o CTs / VIJ (órgão aplicador da medida) e as entidades
de acolhimento de todo o município, com relação às vagas disponibilizadas na rede.
Desta forma e apontando para um avanço, as crianças e adolescentes, em sua maioria,
não chegam diretamente a entidade sem um prévio contato de técnicos alocados na
Central de Vagas.
Belo Horizonte, através do CDMCA possui a Resolução 31/97, que dentre outras
questões, estabelece o número máximo de crianças e adolescentes, bem como a
possível faixa etária das entidades, de acordo com a sua estrutura física e recursos
124
humanos disponíveis. Este critério é contemplado pela CV que de acordo com o perfil da
criança entra em contato com a entidade onde exista a vaga. Esta forma de entrada da
criança na entidade aponta para um fato de extrema importância que é a possibilidade de
preparo,
mesmo
que
rápido,
pela
equipe
técnica
da
entidade,
dos
cuidadores/educadores e das crianças que ali estão. Logo após ocorre a acolhida da
criança que deve ser compreendida na sua dor.
Com base na metodologia do processo educativo da Associação Casa Novella 10 cria-se
uma figura significativa para o cuidado no momento da acolhida:
FIGURA 8: Metodologia de trabalho com as famílias
Fonte: GULASSA (2007). Elaborado pela autora.
10
A ASSOCIAÇÃO CASA NOVELLA é uma unidade de acolhimento institucional com sede em Belo Horizonte. Mais informações site
www.casanovella.org.br
125
A metodologia proposta pela entidade e aqui transportada de uma forma linear leva todos
os profissionais a se colocarem junto ao núcleo familiar auxiliando a resgatarem aquilo
que em algum momento ficou perdido: a capacidade protetora.
Com este olhar o fluxo é seguido com duas vertentes de coleta de dados: uma pelos
técnicos e outras pelos cuidadores/educadores. Compreende-se que as entidades
precisam ter a prática de contemplarem estes profissionais. O trabalho dentro da
entidade é coletivo, em equipe. Cada membro possui sua colaboração a dar. As
expressões de sentimentos das crianças e adolescentes precisam encontrar guarida e
devem se respeitadas pelos profissionais. Este momento da acolhida é fundamental que
os profissionais controlem a ansiedade de quererem todas as respostas imediatas, e
policiem o nível de curiosidade desnecessária, mas devastadora, que às vezes faz parte
do fazer profissional. A compreensão da história é para proceder a ajuda e não por mera
curiosidade.
Percebe-se que após a coleta inicial de dados, entra-se nas pastas apontadas
anteriormente no modelo de prontuário e inicia-se a proposta de avaliações
complementares. Aqui a rede é acionada. Desta forma a rede está implicada no
cumprimento dos princípios trazidos pelo ECA. Não só neste momento, mas em várias
etapas do fluxo, a rede é contemplada e deve ser pensada de forma prioritária com a
participação dos atores nas reuniões. Tal ação tem tanta relevância que as Orientações
Técnicas trazem um item sobre a articulação intersetorial.
Assim, para fortalecer a complementariedade das ações e evitar sobreposições,
é importante que esta articulação proporcione o planejamento e o
desenvolvimento conjunto de estratégias de intervenção, sendo definido o papel
de cada instância que compõe a rede de serviços local e o Sistema de Garantia
de Direitos, na busca de um objetivo comum (BRASIL, 2009a, p. 43).
A articulação intersetorial apontada no documento é no âmbito do Sistema Único de
Assistência Social, do Sistema Único de Saúde, do Sistema Educacional e com as
demais políticas públicas e órgãos do Sistema de Garantia de Direitos.
126
Ressalta-se que um serviço do Sistema Único de Assistência Social cabe uma interface
maior com os CRAS e CREAS, compreendendo o principio da referência e contrareferência destes serviços. É preciso lembrar que a criança foi acolhida, mas a sua
família continua na base territorial e é para lá que os esforços devem ser envidados para
que a criança retorne.
Pretende-se aqui levantar uma problemática para futuras pesquisas e reflexões: os
documentos normativos não são claros em dizer a responsabilidade de quem é o
acompanhamento familiar. Neste sentido percebe-se que sobrecai para a instituição de
acolhimento uma responsabilidade maior do que é o seu papel de fato: o
referenciamento da família na entidade. Cabe ressaltar que a entidade tem como missão
preliminar o desenvolvimento das crianças e adolescentes que estão sob a sua guarda.
Algo por si só bastante complexo. O trabalho social com as famílias não pode ser de
responsabilidade apenas das entidades de acolhimento, mas é algo compartilhado com
toda a rede de proteção. Efetivamente só terá resultados satisfatórios quando for
garantido o que está posto na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais no
item pertinente ao Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos (PAEFI).
FIGURA 9: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos.
127
Fonte: BRASIL, 2009b. Elaborado pela autora.
Como pode ser analisada a entidade de acolhimento deve estar estreitamente articulada
com o PAEFI, tendo em vista que é um equipamento público capaz de ter uma
articulação com outras políticas que a entidade não tem alcance. Quando se parte para
os objetivos deste serviço e o que encontra-se respaldado no ECA, é possível visualizar
que ao PAEFI cabe operacionalizar pontos fundamentais para que a família recupere o
seu papel protetor.
FIGURA 10: Objetivos PAEFI
128
Fonte: BRASIL, 2009b. Elaborado pela autora.
Os objetivos anteriores apontam para dimensão da garantia de uma cidadania ativa,
onde usuários apropriam-se de bens socialmente criados. A garantia de direitos sociais é
fundamental para o processo de justiça social.
Os direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas reduzir os
excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo de
bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da justiça social
(CARVALHO, 2004, p. 10).
Após entramos no chamado Reunião de Percurso, considerado aqui reunião de estudo
de caso. Ao apontarmos para outro nomenclatura é no intuito de trazer a dimensão
pedagógica da ação, via percurso educativo, caminho a ser feito e a nos reportarmos que
todas as ações dentro da entidade devem ser norteadas pelo seu Projeto Político
Pedagógico.
129
Ao se ter os primeiros contatos com a família, o fluxo aponta para a clareza na
explicação da medida, os passos que serão seguidos daqui para frente e os direitos
legais da família, inclusive de procurar um defensor público. Após esta etapa inicia-se a
realização de visitas domiciliares e visitas institucionais, a elaboração do ecomapa e
genograma. Numera-se as visitas apenas para sinalizar a diferença do objetivo de uma
visita para a outra, mas a quantidade de visita dependerá do vínculo estabelecido com a
família e do tempo processual. Salienta-se que a medida protetiva possui uma interface
estreita com órgãos da justiça o que pode levar a uma agilidade nas ações a serem
realizadas que muitas vezes não refletem o ritmo da família e põe em risco todo o
trabalho que está sendo feito. Cada família responde a seu tempo e este fator com
certeza é uma das maiores pressões sofridas nas entidades: o tempo real necessário e o
tempo judicial.
Tendo em vista a particularidade, cada vez mais presente, na realidade brasileira, de
crianças e adolescentes em unidades de acolhimento, filhos de pais ou responsáveis
usuários de crack, adiciona-se ao fluxo, uma vertente que contemple as particularidades
destes casos. Lembrando que não se pode pensar em reintegração com a permanência
de algum membro, e ai não se fala apenas dos responsáveis ou pais, que utilizem
substâncias químicas.
Depois de realizadas as etapas preliminares dos seis primeiros meses, a equipe técnica
deve chegar a uma das quatro hipóteses: reintegração familiar, integração em família
extensa, encaminhamento para família substituta e por último a permanência na
instituição. Para cada uma delas, novas etapas são construídas.
Para chegar-se nestas hipóteses é preciso entender de forma clara os motivos do
acolhimento, as formas de violência e as possibilidades reais de intervenção. É preciso
que os profissionais envolvidos tenham clareza do que seja violência doméstica e qual,
ou quais violências à criança e o adolescente sofreram. Especificamente no caso de
violência sexual, caso não ocorra o afastamento do agressor, não existe a possibilidade
de retorno da criança conforme aponta o ECA.
Todo o percurso percorrido neste fluxo aponta para que os profissionais envolvidos
tenham um arcabouço de conhecimento teórico e prático capaz de dar sustentação s
130
ações. Especificamente na alta complexidade é preciso sensibilidade aliada ao
conhecimento para compreender as particularidades e tudo que envolve uma
institucionalização. É preciso ter clareza de que o serviço de acolhimento compõe uma
rede socioassistencial e um sistema de garantia de direitos e, portanto precisa introjetar o
que significa estar neste espaço e compor este sistema.
Finalmente, este fluxo pretende colaborar com o que diz o Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar, no eixo
dois, Atendimento, objetivo cinco: Reordenamento dos Serviços de Acolhimento
Institucional. Claro está que um fluxo, por si só não alcança toda a amplitude deste
objetivo, mas perpassa por algumas ações estabelecidas neste objetivo tais como:
implementar ações de reintegração familiar, adequar os programas de acolhimento as
diretrizes nacionais e instrumentalizar conselhos.
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista a complexidade do acolhimento institucional, foram apresentadas
algumas propostas de intervenção na gestão da entidade. Tais propostas pretendem
apontar caminhos possíveis para a melhoria do serviço prestado, trazendo à tona a
urgência do reordenamento, não apenas das entidades, mas de toda a política pública.
Foram colocados aqui em patamar prioritário o Projeto Político Pedagógico por
considerá-lo a grande novidade e principalmente a assertiva no caminho a ser percorrido.
Certamente que se quer entidades modelos, mas para isto, é necessária a atenção de
que não bastam recursos humanos suficientes e estrutura física ideal, sem que a
entidade tenha um bom gestor, que trabalhe pautado em processos eficazes, pois ele
simplesmente irá reproduzir a sobreposição que já acontece externamente, executando a
ação do técnico e deixando a gestão da entidade navegando em direções turbulentas.
Compreendendo o seu papel, este navegar, mesmo que em momento de turbulências,
saberá como proceder, pois estará com seus pilares de sustentação firmes e bem
direcionados.
De forma assertiva, o marco legal, ao trazer o PIA e PPP, apontou para o viés do
planejamento e da construção de estratégias. Chamou para si a necessidade das
entidades agirem de forma pensada, articulada, através de processos, distanciando a
cada dia da informalidade, da boa vontade e das relações pela troca de favores.
Ao trazer a discussão dos prontuários, agenda de compromissos, fluxos de atendimento
da criança e da família, levantaram-se questões com o intuito de contribuir para o debate
necessário referente ao aperfeiçoamento dos serviços prestados pelas entidades.
Ainda tem-se um cenário desfavorável no trabalho com famílias, em especial, quando
estas possuem membros envolvidos com o tráfico ou que fazem uso de substâncias
químicas. A rede socioassistencial ainda não é suficiente para atender todas as
demandas e o que se percebe é que crianças e adolescentes chegam às entidades sem
terem passado por nenhum outro equipamento. Assim o equipamento que deveria se
excepcional passa a ser a regra e sem um trabalho com famílias, a provisioriedade
132
também não acontece e crianças e adolescentes fazem morada “permanente” nas
entidades.
Os planos de convivência familiar e comunitária, em todas as esferas, caminham na
direção da prevenção e são respostas para muitas das demandas que as famílias
apresentam e, portanto devem ser mais divulgados e socializados. De forma articulada
eles trazem ações que devem ser feitas necessariamente pensando na base territorial e
na interface de todas as políticas sociais. Os conselhos de direitos devem, portanto, no
exercício do controle social, cobrar ativamente de todas as autarquias envolvidas o seu
cumprimento e sua operacionalização.
As crianças e adolescentes precisam não apenas ser vistas como sujeitos de direitos,
mas efetivamente serem sujeitos de direitos. Terem voz dentro das unidades de
acolhimento. Terem voz em suas vidas. Assim como as políticas públicas precisam
enxergar a família na sua potencialidade e não apenas na sua fragilidade.
133
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135
CONCLUSÃO
Os capítulos contidos nesta pesquisa apresentam questões pertinentes a normativas
oriundas da Doutrina da Proteção Integral bem como a correlação com as pesquisas
realizadas no município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais e no Brasil, sobre o
acolhimento institucional de crianças e adolescentes sob medida protetiva judicial.
Sabemos que o Estatuto da Criança e do Adolescente veio para efetivar princípios
constitucionais e afirmar crianças e adolescentes como beneficiários e destinatários da
então Doutrina da Proteção Integral.
A preocupação atual se desloca da correção, internação e do afastamento da família
para uma dimensão afetiva e de garantia do direito à convivência familiar e comunitária.
Assim como o ECA, que surge do encontro de três vertentes, sejam elas, movimento
social, representantes do jurídico e das políticas públicas, outros documentos começam
a tomar corpo de 2009 até a presente data.
As pesquisas apontam para uma mudança de cenário, mesmo que ainda lento e
necessitando de muitos avanços na prática diária. Mudar um paradigma exige
investimento, vontade política e esforço diário de todos os atores envolvidos com a
complexidade do acolhimento institucional. A situação irregular, da espaço para a
proteção integral, o aspecto filantrópico vai esvaindo e abrindo portas para a política
pública. A centralidade no judiciário abre-se para o município como ator principal para
movimentar a política e também como o executor do serviço, mesmo que este
terceirizado, a responsabilidade pelo financiamento e supervisionamento cabe ao gestor
municipal. As decisões deixam de ser centralizadas para serem participativas. Todos se
tornam partícipes desta política, em especial os atores do Sistema de Garantia de
Direitos. A formulação das políticas locais perpassa pelo Conselho Municipal dos Direitos
de Crianças e Adolescentes que são órgãos deliberativos e paritários, onde se exerce o
controle social.
O reordenamento institucional, necessário e urgente, não é exclusividade do acolhimento
institucional mas de toda uma rede. As linhas de ações da política de atendimento devem
136
ser desenvolvidas de forma transversal e intersetorial, integrando e articulando com
todas as políticas setoriais. O momento atual é pautado pela necessidade de
modificações mais profundas, de aprofundamento através de pesquisas, em especial
sobre temáticas como a gestão social das entidades de acolhimento.
O direito à convivência familiar antes de ser um direito deve ser visto como uma
necessidade vital destes seres em desenvolvimento. Não é possível que crianças, em
tenra idade, cresçam sem o convívio familiar. Para isto, é preciso que as entidades de
acolhimento, e toda a rede envolvida, compreendam que o direito máximo da criança é
estar em uma família. Neste sentido, quando todas as intervenções voltadas para a
família de origem e extensa, tenham se esgotado, faz-se necessário o encaminhamento
para a família substituta.
O Plano Nacional, Estadual e Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária possuem um forte viés de
prevenção, de trabalho social com famílias, com foco no fortalecimento de vínculos na
base comunitária, para que não ocorra o rompimento. Apontam para a articulação
intersetorial, na medida em coloca como co-responsável pelas ações várias políticas
sociais. O reordenamento institucional, previsto nos planos logo após as ações de
prevenção, propositalmente, seguindo a lógica da necessidade de ampliar a cobertura
dos serviços na proteção básica, só será efetivado quando as famílias de crianças e
adolescentes acolhidos forem referenciadas em equipamento público da assistência
social, fazendo uma interface direta com as outras políticas. Considerando que a
violência doméstica é multifacetada e que desigualdade social é um dos geradores da
mesma, somente com políticas eficazes e articuladas será possível pensar o
reordenamento.
Só podemos pensar o reordenamento institucional através de uma boa gestão, seja ela
nas entidades de acolhimento, ou nos outros serviços complementares ao acolhimento.
As pesquisas são o ponto de partida do reordenamento, e por isso agora foram
estudadas. Elas norteiam o processo apontando caminhos facilitadores e dificultadores.
O objetivo maior é a qualidade dos serviços prestados e qualidade só pode ser
mensurada com processos transparentes e com indicadores de aferição do impacto
social.
137
O presente e futuro da gestão social das entidades deve ser capaz de dirigir e regular
processos por meio da mobilização ampla de atores na tomada de decisão (agir
comunicativo) que resulte em parcerias intra e inteorganizacionais, alcançando um bem
coletivo planejado, viável e sustentável (FISCHER, 2007, s/p).
Conforme Fischer (2007) a gestão social caracteriza-se como um processo de mediação
transformador. Transformar práticas é o que pretende o reordenamento institucional. De
forma a articular múltiplas escalas de poder individual e social; trabalhar a identidade de
processos, coordenar inteorganizações eficazes; promover ação e aprendizados
coletivos; difundir resultados; prestar contas a sociedade e, finalmente, reavaliar e recriar
estratégias (FISCHER, 2007, s/p).
A proposta final de intervenção caracteriza-se pela necessidade da visão integral e
interdisciplinar da situação encontrada. O gestor, portanto, deve ser um mediador, ter
sensibilidade, comprometimento e conhecimento dos instrumentos de gestão, sabendo
aplicá-los de maneira correta. Conforme Fischer (2007) criatividade, em um polo, e
instrumentalidade, em outro, são palavras chaves na gestão relacional do século 21.
Sem esgotar aqui toda a complexidade do assunto, consideramos que faz-se premente a
necessidade de realização de outros estudos intensificando a discussão da temática para
a importância de instrumentalizar o gestor, qualificando os serviços e garantindo os
cuidados necessários para crianças e adolescentes não tenham prejuízos na sua
formação e nem sejam relegados a um segundo plano.
Finalizamos com Is 49, 15-16: “Acaso uma mulher esquece o seu neném, ou o amor ao
filho de suas entranhas? Mesmo que alguma se esqueça, eu de ti jamais me esquecerei!
Vê que escrevi teu nome na palma de minha mão...”
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LIMA, Liziane Vasconcelos Teixeira.O DESAFIO DO