Fernando Henrique Carlos de Souza Redução da reserva ovariana em pacientes adultas com dermatomiosite Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências Programa de Ciências Médicas Área de Concentração: Processos Imunes e Infecciosos Orientador: Prof. Dr. Samuel Katsuyuki Shinjo Coorientador: Prof. Dr. Clovis Artur Almeida da Silva SÃO PAULO 2015 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Preparada pela Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo reprodução autorizada pelo autor Souza, Fernando Henrique Carlos de Redução da reserva ovariana em pacientes adultas com dermatomiosite / Fernando Henrique Carlos de Souza. -- São Paulo, 2015. Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Programa de Ciências Médicas. Área de concentração: Processos Imunes e Infecciosos. Orientador: Samuel Katsuyuki Shinjo. Coorientador: Clovis Artur Almeida da Silva. Descritores: 1.Hormônio antimülleriano 2.Dermatomiosite 3.Miosite 4.Fase folicular 5.Folículo ovariano USP/FM/DBD-070/15 Dedicatórias À minha amada esposa, Bianca, companheira de empreitada acadêmica que, com jeito especial de ser, conseguiu tornar minha vida mais feliz e completa. Ao meus pais, Marcos e Lore, por todos os porquês respondidos, por me ensinar a sonhar e por ter sonhado junto comigo, sempre com paciência e ternura. À minha irmã Ana, pelas risadas e companheirismo. À Janete, Ginel e Bruna, minha nova família. Aos meus filhos, Eduardo e Júlia, por darem ainda mais sentido à minha vida. Agradecimentos Ao Prof. Dr. Samuel Katsuyuki Shinjo, meu orientador e amigo, exemplo de médico e pesquisador. Por sorte ou destino, nossos caminhos se cruzaram. Seu conhecimento e percepção do mundo enriqueceram-me, fazendo com que essa caminhada fosse muito mais leve. Ao Prof. Dr. Clovis Artur Almeida da Silva, meu co-orientador, que em muito contribuiu por sua expertise nesta linha de pesquisa. À Profa. Dra. Eloisa Bonfá, pelos ensinamentos, exemplos e sugestões preciosas na confecção desta tese. Ao Dr. Lucas Shiguehara Yamakami, Dr. Daniel Brito de Araújo e Dra. Andrea Rocha de Saboia Mont’Alverne, companheiros e amigos desta jornada. À Dra. Vilma dos Santos Trindade Viana e à bióloga Elaine Pires Leon, por terem realizado as análises laboratoriais com todo primor e carinho. À equipe de enfermagem, pela ajuda desde meus primeiros momentos no Serviço de Reumatologia. Aos professores, que encontrei durante minha formação e fazem parte de mim. À todas as pacientes do ambulatório de miopatias e voluntárias, que participaram deste estudo, sem as quais nada seria possível. À minha família por tudo o que significam e por toda a alegria que me proporcionam. E à todas as outras pessoas, anônimas a este trabalho, mas não à minha vida... Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP): 2011/15609-5 para Samuel K. Shinjo e 2011/12471-2 para Clóvis A. Silva; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): 301411/2009-3 para Edmund C. Baracat e 302724/2011-7 para Clóvis A. Silva; Núcleo de Apoio à Pesquisa “Saúde da Criança e do Adolescente” da Unversidade de São Paulo (USP) (NAP-CriAd-SP) para Clóvis A. Silva. Esta tese está de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta publicação: Referências: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver). Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina. Divisão de Biblioteca e Documentação. Guia de apresentação de dissertações, teses e monografias. Elaborado por Annelise Carneiro da Cunha, Maria Julia de A.L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Aragão, Suely Campos Cardoso, Valéria Vilhena. 3ª ed. São Paulo. Divisão de Biblioteca e Documentação: 2011. Abreviaturas dos títulos dos periódicos de acordo com List of Journals Indexed in Index Medicus. SUMÁRIO Lista de Abreviaturas Lista de Tabelas Lista de Figuras Resumo Abstract 1. Introdução.................................................................................................. 1.1. Dermatomiosite..................................................................................... 1.2. Função gonadal em doenças reumáticas............................................. 1.3. Reserva ovariana em doenças reumáticas........................................... 1.4. Falência ovariana precoce em doenças reumáticas............................. 1 2 3 4 7 2. Objetivos.................................................................................................... 9 3. Pacientes e Métodos................................................................................. 10 3.1. Pacientes.............................................................................................. 10 3.2. Métodos................................................................................................ 11 3.3. Análise Estatística................................................................................ 16 4. Resultados................................................................................................. 17 5. Discussão................................................................................................... 21 6. Conclusão.................................................................................................. 23 7. Referências................................................................................................ 24 Anexos Lista de Abreviaturas DM Dermatomiosite PM Polimiosite MCI Miopatias por corpos de inclusão ELISA Ensaio de imunoadsorção ligado à enzima MII Miopatias inflamatórias idiopáticas FSH Hormônio folículo estimulante LH Hormônio luteinizante HAM Hormônio anti-mülleriano CFA Contagem de folículos antrais LES Lúpus eritematoso sistêmico Anti-CoL Anticorpo anti-corpo lúteo CFF Ciclofosfamida intravenosa CPK Creatinofosfoquinase MTX Metotrexato VHS Velocidade de hemossedimentação PCR Proteína C-reativa FOP Falência ovariana prematura MMT Manual muscle testing VAS Visual analog scale HAQ Health assessment quality Lista de Tabelas Tabela 1- Características demográficas, laboratoriais, dados da doença, características ginecológicas e tratamento medicamentoso prévio em pacientes com dermatomiosite e controles saudáveis........................................................... Tabela 2- Dados da reserva ovariana e anticorpo anti-corpo lúteo em pacientes com dermatomiosite e controles saudáveis ........ Resumo Souza FHC. Redução da reserva ovariana em pacientes adultas com dermatomiosite [Tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2015 Objetivo: Avaliar os marcadores de reserva ovariana e anticorpos anti-corpo lúteo (anti-CoL) em pacientes com dermatomiosite (DM). Métodos: Todos as 40 pacientes do sexo feminino com DM, idade entre 18 e 42 anos, foram convidadas a participar. Os critérios de exclusão foram uso de contraceptivos hormonais nos últimos seis meses (n=13), associação de neoplasia (n=3), doenças autoimunes sistêmicas sobrepostas (n=3), gravidez atual (n=2), cirurgia ginecológica (n=1) e não concordância em participar do estudo (n=2). Dezesseis pacientes com DM e 23 controles saudáveis selecionados para participar deste estudo transversal foram avaliados na fase folicular precoce do ciclo menstrual. Anti-CoL IgG (immunoblotting), hormônio folículo estimulante (FSH), estradiol, inibina B, níveis séricos do hormônio antimülleriano (HAM) (ELISA) e contagem de folículos antrais (CFA) por ultrassonografia foram determinados. Resultados: Pacientes e controles tiveram média de idade, etnia e classe socioeconômica comparáveis (P>0,05). A média de idade das pacientes foi de 29,1±4,7 anos e duração da doença de 5,6±3,2 anos. O ciclo menstrual, comorbidade e estilo de vida foram semelhantes em ambos os grupos (P> 0,05). HAM≤1ng/mL (P=0,027) e número da CFA (P=0,017) foram significativamente reduzidos em pacientes com DM quando comparados ao grupo controle, enquanto que níveis séricos de estradiol (P<0,001) foram maiores em pacientes com DM. Em contraste, os níveis de FSH no soro e inibina B, volumes de ovários, assim como a frequência de anticorpos anti-CoL foram semelhantes em ambos os grupos. Conclusão: O presente estudo foi o primeiro a identificar a reserva ovariana diminuída em pacientes com DM em idade reprodutiva. Mais estudos são necessários para avaliar os fatores envolvidos no prejuízo da reserva ovariana de pacientes com a miopatia inflamatória. Descritores: hormônio antimülleriano, folicular, folículo ovariano dermatomiosite, miosite, fase Abstract Souza FHC. Reduction of ovarian reserve in adult patients with dermatomyositis [Thesis]. São Paulo: "Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo"; 2015 Objectives: To assess ovarian reserve markers and anti-corpus luteum (anti-CoL) antibodies in dermatomyositis (DM) patients. Methods: All 40 female patients with DM, aged between 18 and 42 years, were invited to participate. Exclusion criteria were hormonal contraceptive use in the last six months (n=13), neoplasia associations (n=3), overlapped systemic autoimmune diseases (n=3), current pregnancy (n=2), gynecological surgery (n=1) and did not agree to participate of this study (n=2). Sixteen DM patients and 23 healthy controls were evaluated at early follicular phase of menstrual cycle were selected to participate in this cross-sectional study. IgG anti-CoL (immunoblotting), follicle stimulating hormone (FSH), estradiol, inhibin B, anti-müllerian hormone (AMH) serum levels (ELISA) and sonographicantral follicle count (AFC) was determined. Results: DM patients and controls had comparable mean age, ethnicity and socioeconomic class (P>0.05). DM mean age of onset was 29.1±4.7 years and disease duration of 5.6±3.2 years. The menstrual cycles, comorbidity and life style were similar in both groups (P>0.05). AMH≤1ng/mL (P=0.027) and number of the AFC (P=0.017) were significantly reduced in DM patients when compared to control groups, whereas serum estradiol level (P<0.001) was higher in DM patients compared to controls. In contrast, serum FSH and inhibin B levels, ovarian volumes, as well as the frequency of anti-CoL antibody were alike in both groups. Conclusions: The present study was the first to identify diminished ovarian reserve in DM patients of reproductive age. Further studies are necessary to assess the idiopathic inflammatory myopathyrelated factors involved in the ovarian impairment of patients. Descriptors: anti-mullerian hormone, dermatomyositis, myositis, follicular phase, ovarian follicle. Introdução 1.1. Dermatomiosite As miopatias inflamatórias idiopáticas são um grupo heterogêneo de doenças autoimunes sistêmicas associadas à alta morbidade e incapacidade funcional.1 Considerando as características epidemiológicas, clínicas e histopatológicas, as miopatias inflamatórias idiopáticas podem ser classificadas em dermatomiosite (DM), DM juvenil, polimiosite, miosite por corpos de inclusão, entre outras.1 A DM é uma caracterizada pela presença de fraqueza muscular proximal simétrica dos membros, além de lesões cutâneas típicas, como heliotrópo e pápulas / sinal de Gottron.1 A incidência anual de DM é de aproximadamente 0,5 a 8,4 casos / milhão de habitantes, acometendo predominantemente indivíduos do sexo feminino, na faixa etária de 45 a 55 anos, e nas crianças e adolescentes, entre 10 e 15 anos.1,2 A causa da DM é desconhecida, mas acredita-se ser multifatorial, envolvendo interação de fatores genéticos e ambientais. Nesse sentido, infecções (tratos respiratório e gastrointestinal), imunodeficiências e outros fatores ambientais (medicamentos, agentes biológicos - vacinas, citocinas, hormônios, exposição ocupacional) atuariam em indivíduos geneticamente predispostos, favorecendo alterações nos mecanismos imunorreguladores responsáveis pelas manifestações da DM. Além disso, a presença de linfócitos no tecido muscular da maioria dos pacientes, autoanticorpos 1 Introdução miosite-específicos ou miosite-associados na circulação ou nas células endoteliais de vasos sanguíneos, detectados nas biópsias musculares, sugerem fortemente o envolvimento de processos imunológicos na patogênese da DM comprometendo a função muscular.1,2 Embora o tecido muscular estriado esquelético seja o alvo principal na DM, sua manifestação pode se acompanhar frequentemente por comprometimento de tecidos e/ou órgãos, como resultado de processos inflamatórios sistêmicos. No caso da DM, por exemplo, dentre as manifestações extramusculares podemos encontrar acometimento cardiorrespiratório, do trato gastrointestinal, articular e/ou cutâneo. 1.2. Função gonadal em doenças reumáticas Apesar da DM acometer predominantemente mulheres não existe, até o momento, relatos de eventual comprometimento da função gonadal como consequência de mecanismos inflamatórios ligados à doença, ao regime terapêutico ou à autoimunidade. Em relação a disfunção gonadal nas doenças autoimunes sistêmicas, há várias evidências que tais pacientes sejam mais susceptíveis ao desenvolvimento de alterações menstruais e amenorréia, em decorrência de diversos fatores que incluem: atividade da doença, terapia com corticosteroides e / ou imunossupressores (particularmente ciclofosfamida e 2 Introdução clorambucil) e ainda, possivelmente, mecanismos autoimunes de agressão direta ao tecido ovariano.2-6 Assim sendo, conforme estudo prévio do nosso grupo, pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES) juvenil apresentam maior incidência de disfunção sexual, menarca atrasada e frequência maior de anormalidades menstruais em relação aos controles saudáveis pareados por idade e raça.3-6 Além disto, a amenorreia é evidenciada em aproximadamente 12% das pacientes com LES juvenil.7 Com relação às miopatias inflamatórias idiopáticas, foi observado em trabalho recente que pacientes com DM juvenil apresentam também atraso da menarca e baixa reserva folicular.8 A inexistência de estudos similares na literatura não permite, no entanto, estender esses achados às miopatias inflamatórias idiopáticas. O fato da DM afetar mulheres em idade reprodutiva aumentou a preocupação sobre o impacto desta doença inflamatória crônica autoimune na reserva ovariana e fertilidade futura. 1.3. Reserva ovariana em doenças reumáticas Reserva ovariana é um termo utilizado para descrever o potencial funcional dos ovários. É determinada pelo tamanho do pool de folículos ovarianos e qualidade dos seus oócitos.9,10 O tamanho deste pool de folículos é estabelecido precocemente, ainda durante a vida fetal feminina. Aproximadamente na 5ª semana de gestação, células germinativas migram 3 Introdução para as cristas gonadais, iniciando o desenvolvimento ovariano. Ocorre então uma intensa multiplicação mitótica das células germinativas, gerando as oogônias que, por sua vez, originarão os oócitos primários. Cada oócito é rodeado por células somáticas, formando os chamados folículos primordiais. Ao nascimento, cerca de um milhão de oócitos estão presentes nos ovários. Este número diminui durante a infância, resultando num pool de 300000 a 500000 folículos primordiais na menarca. Ao longo da vida, estes entram em crescimento, sendo que a maioria sofrerá atresia, a menos que sejam recrutados pelo hormônio folículo estimulante (FSH), o que ocorrerá apenas após a ativação do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal na puberdade. Entre o grupo de folículos recrutados, somente um torna-se dominante e ovulará sob a influência do hormônio luteinizante (LH). Este processo continua por toda a vida, até a exaustão do pool de folículos primordiais, resultando na menopausa.11 A determinação dos níveis séricos de FSH, LH e estradiol tem sido classicamente utilizada para a avaliação da função gonadal em mulheres. Entretanto, sabe-se atualmente que os níveis de tais hormônios na circulação sanguínea pouco refletem a dinâmica folicular, visto não existir forte correlação com a população de folículos primordiais, os quais tem sido considerados como representantes da reserva funcional ovariana.9-11 Atualmente, os dois exames considerados como melhores marcadores de reserva ovariana em mulheres pré-menopausadas são: inibina B e hormônio 4 Introdução anti-mülleriano (HAM),12-15 assim como a contagem ultrassonográfica de folículos antrais. A inibina B é produzida pelas células da granulosa de pequenos folículos antrais em desenvolvimento. É marcador direto da atividade ovariana e mantém relação com o número de oócitos obtidos. Na perimenopausa, há redução precoce e significativa dos níveis de inibina B associada à elevação dos níveis séricos de FSH com manutenção dos níveis de estradiol, sendo assim considerada um útil marcador endócrino.16-18 Já o HAM foi inicialmente identificado como um fator que leva à regressão dos ductos müllerianos no embrião do sexo masculino. É um hormônio glicoproteico da superfamília dos fatores de crescimento de transformação beta, expresso nos ovários de fetos do sexo feminino a partir da 36ª semana de vida intrauterina e com maiores concentrações a partir da puberdade.15 Em mulheres o HAM é produzido por células da granulosa de folículos pré-antrais e pequenos folículos antrais, atuando como modulador do próprio recrutamento folicular e, também, na regulação da esteroidogênese, determinando o crescimento dos folículos primordiais, além de estar envolvido no recrutamento de folículos antrais sensíveis ao FSH.15 Considerando que o HAM é produzido somente por folículos ovarianos em crescimento, estimando assim a quantidade e a atividade das unidades recrutáveis de um pool inicial de folículos em estágios precoces de maturação, os seus níveis séricos têm sido usados como o marcador sérico mais fidedigno para a predição da reserva ovariana.9-15 Contrapondo-se ao 5 Introdução FSH, inibina B e estradiol, o HAM apresenta, ainda, a vantagem da reduzida variabilidade de suas concentrações séricas ao longo do ciclo menstrual,11,12 o que lhe confere uniformidade na avaliação e maleabilidade quanto ao momento de dosagem. Um outro método não invasivo para avaliação da reserva ovariana é a contagem ultrassonográfica dos folículos antrais (CFA). Embora o reconhecimento de seu valor não seja unânime, estudos mostram que a CFA apresenta nítida correlação positiva com as concentrações dos marcadores séricos conhecidos, principalmente o HAM.9,15 1.4. Falência ovariana precoce em doenças reumáticas Estudos sobre alterações da função ovariana têm demonstrado incidência aumentada de falência ovariana precoce em pacientes com LES associada à terapia imunossupressora, sendo amenorreia persistente a manifestação mais comum.19 No entanto, há uma vertente de pensamento implicando mecanismos autoimunes na lesão ovariana (ooforite autoimune) que se manifesta por menopausa precoce ou falência ovariana precoce.20 Este distúrbio consiste de síndrome caracterizada por amenorreia secundária, hipergonadotrofinemia e hipoestrogenemia em mulheres com idade inferior a 40 anos de idade.21 Na maioria dos casos, a causa da disfunção ovariana prematura não é conhecida, apontando a possibilidade do envolvimento de mecanismos autoimunes na patogênese. Corroborando-se com este dado, 6 Introdução observou-se que 39% dos casos com falência ovariana prematura estão associados a diversas doenças autoimunes (doenças da glândula tireoide, síndrome de Sjögren, anemia hemolitica autoimune).22-24 Além disso, a associação temporal entre a presença de autoanticorpos com especificidade a antígenos ovarianos e falência ovariana prematura tem sido evidenciada em pacientes com doenças autoimunes como o LES.25 Posteriormente, estudo realizado no nosso grupo evidenciou que 22% das mulheres adultas com LES apresentaram um anticorpo específico a uma proteina de 67 kDa do corpo lúteo de ovário (CoL) que, por sua vez, foi associado com irregularidades menstruais e níveis elevados de FSH, inserindo o anti-CoL como marcador precoce de disfunção ovariana.26 A ausência de estudos em mulheres adultas com DM avaliando reserva ovariana e a possível associação com a presença do anti-CoL com esses novos marcadores de disfunção gonadal, motivou-nos à realização da presente estudo. 7 Objetivos Os objetivos do presente estudo são: 1. Avaliação global da reserva ovariana em pacientes com DM. 2. Verificar possível associação entre os marcadores de reserva ovariana e a presença do anti-CoL em pacientes com DM. 8 Pacientes e Métodos 3.1. Pacientes Desenho do estudo e população avaliada. Trata-se de um estudo transversal realizado entre março de 2011 e dezembro de 2012, com pacientes do sexo feminino e diagnóstico de DM, segundo os critérios classificatórios de Bohan e Peter.34 Estas pacientes estavam em acompanhamento regular no ambulatório de Miopatias Inflamatórias do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP) - São Paulo. O grupo controle incluiu mulheres saudáveis e selecionadas no mesmo período, através de convites verbais e de cartazes colocados no HC/FMUSP e em Unidades Básicas de Saúde da região de Pinheiros - São Paulo. O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Diretoria Clínica do Hospital das Clinicas e da FMUSP (CAPPesq - nº 0325/11). Critérios de inclusão. Mulheres entre 18 e 42 anos com DM. Critérios de exclusão. Para pacientes com DM e mulheres do grupo controle: gestação ou lactação no momento do estudo; uso de contraceptivos hormonais naqueles últimos seis meses; histórico de cirurgia ou neoplasia ginecológica; presença de outras doenças autoimunes sistêmicas; não concordância em participar do estudo; avaliação gonadal incompleta. 9 Pacientes e Métodos Após a aplicação dos critérios de inclusão, a população selecionada foi constituída de 40 mulheres com DM. Destas, 24 foram excluídas por: uso de contraceptivo hormonal (n = 13), não concordância em participar do estudo (n = 2), doenças autoimunes associadas (n = 3), gestação atual (n = 2), cirurgia ginecológica (n = 1) e neoplasia (n = 3). Desta forma, o estudo foi realizado através de 16 pacientes com DM, as quais foram comparadas com as 23 mulheres saudáveis. 3.2. Métodos Dados demográficos e parâmetros gerais. Foram avaliadas idade atual, etnia, classe socioeconômica (classificada como A, B, C, D ou E, de acordo com o critério proposto pela Associação Brasileira de Anunciantes e Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa de Mercados).35 Avaliação clínica, laboratorial e tratamento medicamentoso das pacientes com DM. Revisão sistemática dos prontuários eletrônicos com os dados previamente padronizados e parametrizados das pacientes foram revisados, incluindo dados clínicos, laboratoriais e terapêuticos. A idade de início da doença e o tempo de duração da mesma foram calculados levando-se em consideração o começo das manifestações clínicas atribuídas à DM. No momento da realização do exame ultrassonográfico e da coleta de sangue foi avaliada a atividade da doença através da aplicação dos seguintes 10 Pacientes e Métodos questionários e escores: avaliação da força muscular através do Manual muscle testing (MMT),36 avaliação global da doença pelo médico e paciente através da escala visual analógica (EVA) e Health assessment questionnaire (HAQ);37 Avaliações laboratoriais foram realizadas no início da doença utilizando métodos automatizados. Incluíram determinação dos níveis séricos de creatinofosfoquinase (CPK) (referência: 24-173 U/L) e aldolase (referência: 1,0-7,5 U/L). Os seguintes anticorpos foram investigados: anti-Jo-1 (histidil-), anti PL-7 (-treonil), anti-PL-12 (alanil-), anti-EJ (glicol), anti-Jo (isoleucil-RNAtsintetase), anti-SRP (partícula de reconhecimento de sinal) e anti-Mi-2, utilizando-se kit de teste de blot (Euroline Blot, Euroimmun, Lübeck, Alemanha). Utilizou-se o protocolo do fabricante e os resultados foram analisados conforme trabalho previamente publicado.38 Foram estudadas as medicações utilizadas para o tratamento da DM (corticosteroides, metotrexato, azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida, micofenolato de mofetila, leflunomida, imunoglobulina intravenosa humana e rituximabe), dose cumulativa de corticosteroide, bem como a dose destas medicações no momento da realização dos exames. Avaliação ginecológica. Em todas as pacientes e controles foi realizado o exame ginecológico completo no Centro de Reprodução Humana do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do HC/FMUSP - São Paulo. As participantes foram questionadas sobre a idade da menarca, com a qual foi 11 Pacientes e Métodos calculado o tempo de duração do menacme (idade ginecológica), e também orientadas a anotar os últimos três ciclos menstruais consecutivos. Ciclo menstrual normal foi definido como aquele tendo um intervalo entre 25 e 35 dias com duração de três a sete dias de fluxo,3 com ciclos irregulares correspondendo à alteração do intervalo e/ou duração. Os antecedentes obstétricos basearam-se em informações das participantes e foram confirmados em dados coletados nos prontuários. Avaliação laboratorial da reserva ovariana. Amostras de sangue foram coletadas na fase folicular inicial (entre o 2º e o 4º dias do ciclo menstrual). Todos os soros foram centrifugados e armazenados a - 70 oC até a análise. As dosagens de FSH, LH e estradiol foram realizados por radioimunoensaio (Cobas®, Roche, Mannheim, Alemanha) e testados em duplicata no Laboratório de Hormônios e Genética Molecular da FMUSP (LIM 42). Os coeficientes de variação intra e inter-ensaio recomendados pelo fabricante foram limitados a 5,7% e 3,6%, respectivamente. Considerou-se concentração sérica de FSH elevada quando ≥ 10 UI/L (indicativa de baixa reserva ovariana).39-41 A dosagem do HAM foi realizada no Laboratório de Investigação Médica da Disciplina de Reumatologia da FMUSP (LIM 17), através do ensaio de imunoadsorção ligado a enzima (AMH Gen II ELISA, Beckman Coulter Inc., Brea, CA, Estados Unidos), em duplicata, nas 16 pacientes com DM e 23 controles. Os coeficientes de variação intra e interanálise foram limitados a 5,4% e 5,6% respectivamente. Posteriormente, o HAM também foi dosado através de outro kit comercial (AMH/MIS AnshLabs 12 Pacientes e Métodos ELISA, Estados Unidos), em duplicata, utilizando-se os soros armazenados das 16 pacientes com DM e de 23 controles saudáveis (os soros de dois controles não estavam mais disponíveis). Os coeficientes de variação intra e inter-análise foram limitados a 3,1% e 2,7%, respectivamente. Níveis de HAM < 1.0 ng/mL foram considerados como reduzidos conforme sugestão dos fabricantes dos dois testes de ELISA.42,43 Avaliação ultrassonográfica da reserva ovariana. Uma ultrassonografia transvaginal para CFA e medida do volume ovariano foi realizada no mesmo dia da coleta de sangue (fase folicular inicial) somente nas participantes que relatavam já ter tido relação sexual vaginal previamente (16 pacientes com DM e 23 controles). Os exames foram realizados por um mesmo observador, com transdutor endovaginal de 6,5 MHz (HD3, Philips Ultrasound, Bothell, WA, Estados Unidos), sem conhecimento do grupo ao qual pertenciam as participantes e dos resultados dos exames séricos colhidos. Os ovários foram medidos em três planos perpendiculares e seus volumes calculados através da fórmula da elipsoide (volume = diâmetro longitudinal x diâmetro anteroposterior x diâmetro transversal x 0,523). O volume médio de ambos os ovários foi obtido para cada participante. Para a CFA foram considerados folículos de 2 a 10 mm de diâmetro médio.39 Os valores de CFA foram classificados da seguinte forma: mais de 10 folículos (reserva ovariana normal), ≤ 10 folículos (reserva ovariana baixa) e ≤ 5 folículos (reserva ovariana muito baixa).44 13 Pacientes e Métodos Detecção do anti-CoL. A dosagem do anticorpo anti-corpo lúteo foi realizada no Laboratório de Investigação Médica da Disciplina de Reumatologia da FMUSP (LIM 17), usando eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) e Western blot como descrito por Pasoto et al.26 3.3. Análise estatística Os resultados foram apresentados como média ± desvio padrão para variáveis contínuas paramétricas, medianas (interquatil 25% - 75%) para variáveis contínuas não paramétricas, número (percentagem) para variáveis categóricas. O teste t de Student foi utilizado para comparar médias ± desvio padrão e o teste de Mann-Whitney para comparar medianas (interquatil 25% - 75%). O teste exato de Fisher foi utilizado para comparar diferenças entre variáveis categóricas. O teste de Spearmann para avaliar correlação entre as diferentes variáveis contínuas. Em todos os testes estatísticos, adotou-se o nível de significância de 5% (P < 0,05). 14 Resultados 4. Resultados A Tabela 1 descreve as características demográficas, os dados ginecológicos das pacientes e controles. Inclui, ainda, os parâmetros laboratoriais, de atividade da doença e tratamento prévio instuído. A média da idade, no momento do estudo, foi similar em pacientes com DM e controles (31,4 ± 6,8 vs. 33,4 ± 4,9 anos, P = 0,337), assim como as frequências de caucasianos, classe socioeconômica C e D e hábitos. (P > 0,05). Não foram encontradas diferenças quanto à idade da menarca, idade ginecológica, frequência de alterações menstruais de ambos os grupos (P > 0,05). (Tabela 1). No momento do estudo, 68,8% das pacientes estavam usando prednisona, com dose média de 6,3 mg/dia (0 - 18,8 mg/dia) e 75% pelo menos um agente imunossupressor (azatioprina, metotrexato, ciclosporina ou rituximabe). Os tratamentos até então instituídos estão demonstrados na Tabela 1. A Tabela 2 demonstra a comparação dos marcadores de reserva ovariana e do anticorpo anti-CoL entre pacientes e controles. A mediana do valor estradiol foi significativamente maior no DM versus controles (P < 0,001). Os níveis séricos de FSH, inibina B e volume ovariano foram semelhantes nos dois grupos (P > 0,05). Anti-CoL foi observado em apenas uma paciente com DM. 15 Resultados Observou-se uma correlação positiva entre os resultados obtidos com os kits ELISA AMH Gen II e EUA AMH / MIS AnshLabs ELISA em pacientes com DM (r = + 0,916, P < 0,001) e nos controles saudáveis (r = + 0,926, P < 0,001). As frequências de HAM reduzidos (≤ 1ng/mL) foram significantemente maiores nas pacientes com DM com os kits AMH Gen II ELISA (13% vs. 50%, P = 0,027) e EUA AMH / MIS AnshLabs ELISA (13% vs. 50%, P = 0,027) em relação aos controles. A mediana dos níveis de HAM (Gen II ELISA) [1,3 (0,2 - 6,6) vs. 2,7 (0,1 - 6,6) ng/mL, P = 0,200 e (EUA AMH / MIS AnshLabs ELISA) [1,5 (0,3 - 6,6) vs. 2,3 (0,3 - 6,6) ng/mL, P = 0,202] foi significantemente reduzida nas 16 pacientes com DM comparadas aos 23 controles (Tabela 2). Ainda em relação à reserva ovariana houve CFA (10,5 ± 5,6 vs. 17,3 ± 10,7, P = 0,017) menor em pacientes. (Tabela 2). 16 Resultados Tabela 1. Características demográficas, laboratoriais e clínicas; dados ginecológicos, e tratamento instituído em pacientes com dermatomiosite e controles saudáveis. Variáveis Idade atual (anos) Etnia (branco) Classe socioeconômica C ou D Idade ao diagnóstico (anos) Duração da doença (meses) Tabagismo Diabetes mellitus DM (n=16) 33,4 ± 6,8 13 (81,2) 12 (75,0) 29,1 ± 4,7 5,6 ± 3,2 Controles (n=23) 31.4 ± 6,8 14 (60,9) 13 (43,5) - 0,337 0,175 0,317 - 0 1 (6,3) 1 (4,3) 0 0,255 0,398 P Dados laboratoriais Anticorpo antinuclear Anticorpo anti Jo-1 Anti anti-Mi-2 Creatinofosfoquinase (U/L) Aldolase (U/L) Parâmetros da doença MMT (0-80) HAQ (0,00-3,00) EVA do paciente (0-10 mm) EVA do médico (0-10 mm) 14 (37,5) 5 (31,3) 2 (12,5) 117 (82-209) 5,3 (4,2-6,5) - - 80 (79-80) 0 (0,00-1,20) 1,2 (0,0-3,0) 1,5 (0,2-3,5) - - Ciclos menstruais Idade da menarca (anos) Idade ginecológica (anos) Duração do fluxo (dias) Intervalo do fluxo (dias) 11,5 (11-13) 20,0 (17-24) 4,0 (3-10) 30 (15-40) Tratamento prévio Corticosteroides Azatoprina Antimaláricos Metotrexato Ciclosporina IVIG Rituximabe Leflunomida 16 (100,0) 14 (87,5) 11 (68,8) 9 (56,3) 8 (50,0) 4 (25,0) 4 (25.0) 1 (6.3) 12 19 5 30 (12-13) (14-24) (2-10) (15-35) - 0,343 0,200 0,223 0,639 - Valores expressos em n (%), média ± desvio padrão e mediana (interquatil 25% -75%). DM: dermatomiosite; MMT: manual muscle testing; HAQ: health assessment questionnaire; EVA: escala visual analógica IVIG: imunoglobulina intravenosa humana. 17 Resultados Tabela 2. Marcadores de reserva ovariana e anti-CoL em pacientes com dermatomiosite e controles saudáveis. DM Controles (n=16) (n=23) 6,2 ± 2,0 6,6 ± 3,8 0,617 2 (8,7) 2 (8,7) 0,778 Estradiol (pg/mL) 45 (29-126) 34 (24-128) <0,001 HAM Gen 2 (ng/mL) 1,3 (0,2-6,6) 2,7 (0,1-6,6) 0,200 8 (50) 3 (13) 0,027 1,5 (0,3-6,6) 2,3 (0-6,6) 0,202 18 (50) 3 (13) 0,027 Inibina B (pg/mL) 49,8 ± 31,5 45,2 ± 29,0 0,616 Volume ovariano (mm3)** 6,2 (4,7-8,2) 5,5 (1,4-15,8) 0,214 10,5 ± 5,6 17,3 ± 10,7 0,017 CFA baixa (≤ 10) 5 (38,5) 3 (14,3) 0,078 CFA muito baixa (≤ 5) 2 (15,4) 2 (9,5) 0,540 1 (6,3) - - Variáveis FSH, UI/L Níveis elevados (> 10 UI/L) Níveis reduzidos (<1 ng/mL) HAM AnshLabs (ng/mL)* Níveis reduzidos (<1 ng/mL) CFA** Anti-CoL (%) P Valores expressos em n (%), média ± desvio padrão e mediana (interquatil 25%-75%). Anti-CoL: anticorpo anti-corpo lúteo; CFA: contagem de folículos antrais; DM: dermatomiosite; FSH: hormônio folículo estimulante; HAM: hormônio anti-mülleriano. 18 Discussão Este foi o primeiro estudo na literatura que identificou uma diminuição da reserva ovariana em pacientes com DM, em idade reprodutiva. Para evitar condições que poderiam interferir com os testes de avaliação da reserva ovariana, aplicamos critérios de seleção rigorosos em nossas pacientes e controles. Desta forma, foram excluídas mulheres que poderiam não estar em idade reprodutiva, cirurgias ginecológicas recentes, gravidez ou lactação no momento do estudo, neoplasia e/ou doenças autoimunes sistêmicas associadas. Além disso, o perfil hormonal ovariano aqui descrito foi determinado sem o efeito de qualquer hormônio exógeno, como uso de anticoncepcional oral ou injetável, por um período mínimo de pelo menos seis meses e aguardando, também, o retorno de duas menstruações consecutivas. Assim, estas duas condições, tempo e menstruação, remeteram-nos a uma atividade ovariana normal e, portanto, a um valor fidedigno de todos os hormônios, inclusive do HAM. Além disto, realizamos uma avaliação completa da reserva ovariana em pacientes com DM e mulheres saudáveis. Todas as avaliações foram realizadas na fase folicular precoce do ciclo menstrual, o que proporcionou uma estimativa mais acurada da reserva folicular. Neste período as concentrações séricas de FSH, LH, estradiol e HAM, bem como a CFA, apresentaram menor variabilidade inter e intraciclo menstrual.45,46 O efeito dos contraceptivos hormonais se baseia principalmente na inibição da secreção das gonadotrofinas hipofisárias que resulta, em última análise, na redução da atividade ovariana e inibição temporária dos níveis de 19 Discussão estrógeno, inibina B, LH e FSH.47 De forma semelhante, estudos recentes têm evidenciado que níveis reduzidos de HAM podem ser observados em mulheres que utilizam contraceptivos hormonais.47,48 A concentração sérica do FSH é o método mais utilizado na avaliação da reserva ovariana, porém apresenta variabilidade inter e intraciclo menstrual, assim como o estradiol e a inibina B. Estes hormônios apresentam, portanto, acurácia limitada no diagnóstico de baixa reserva ovariana.48 Já, atualmente, os melhores testes de triagem para a reserva ovariana são o HAM e ultrassonografia com CFA.48 Entretanto, os imunoensaios para medição do HAM têm mudado ao longo dos anos. Assim sendo, não existe um padrão único para medição do HAM.47 Relatórios recentes da possibilidade de níveis falsamente altos ou baixos das medições por kits ELISA AMH Gen II47 nos motivou, posteriormente, à ratificação dos valores pelos kits ELISA AMH / MIS AnshLabs. Os kits mostraram forte correlação positiva que minimiza em última análise a possibilidade de instabilidade dos valores encontrados, sendo um aspecto relevante do presente estudo. Ainda neste estudo, o achado de níveis reduzidos de HAM (≤ 1 ng/mL), bem como o número mais baixo da AFC, sugere o diagnóstico de reserva ovariana reduzida em nossos pacientes adultos com DM. A reserva ovariana em doenças reumáticas autoimunes pode ser influenciada por idade, tabagismo, status da doença.8,45 Pacientes e controles na nossa casuística têm idades semelhantes e a frequência de tabagismo foi 20 Discussão muito baixa, comparável nos dois grupos. Já a análise clínica e laboratorial da atividade de doença dos pacientes com DM, revelou uma doença com enzimas musculares, em sua maioria, dentro dos padrões de normalidade e força muscular preservada. A causa da diminuição na quantidade e / ou qualidade dos folículos ovarianos pode estar relacionada à ooforite autoimune. O anti-CoL foi evidenciado em 22% das mulheres adultas com LES e foi associado a irregularidades menstruais e níveis elevados de FSH.26 Porém, em outro estudo em adultos com LES, avaliados pelo mesmo parâmetro, o anti-CoL não foi definido como um marcador de disfunção gonadal.49 Em relação ao presente estudo, os anticorpos anti-CoL não influenciaram na reserva ovariana baixa evidenciada em nossas pacientes. Os imunossupressores, com destaque à ciclofosfamida, apresentam impacto negativo na função reprodutiva, comprometendo a maturação e destruindo os folículos primordiais.3 Podem alterar os ciclos menstruais, levando a índices maiores de amenorreia e à redução da reserva ovariana, particularmente no LES e DM juvenil.3,26,45,46 A dose cumulativa de metotrexato também se associou com níveis reduzidos de HAM. 46 Altas doses de drogas imunossupressoras podem ser correlacionadas com a atresia folicular.46 No presente estudo todas as pacientes tiveram exposição, a longo prazo, a vários agentes imunossupressores, corticosteroide e mais da metade deles têm feito uso de metotrexato, mas nenhum foi tratado com ciclofosfamida. Entretanto, a importância dos diversos medicamentos, no 21 Discussão achado de reserva ovariana diminuída nas pacientes com DM, não foi estabelecida em nosso trabalho, devido ao número limitado de pacientes. O pequeno tamanho da amostra, aliás, é a principal limitação deste estudo transversal, devido a rigorosos critérios de seleção em uma doença rara. Além disso, a inclusão de pacientes exclusivamente a partir de um centro de atendimento terciário pode superestimar a gravidade da DM, bem como os efeitos adversos das diversas terapias utilizadas, não representando, em última análise, as manifestações clínicas e laboratoriais em relação à doença na população como um todo. Assim sendo, o presente trabalho foi o primeiro a identificar uma diminuição da reserva ovariana durante idade reprodutiva de pacientes com DM. Estudos longitudinais, multicêntricos e com expressiva população de DM serão necessários para avaliar se atividade e tratamentos utilizados possam causar prejuízo ao ovário e interferir na capacidade reprodutiva. 22 Conclusões Como conclusões do presente estudo, temos: 1. Redução da reserva ovariana foi evidenciada em pacientes com DM. 2. A presença de anti-CoL não influenciou na reserva ovariana em pacientes com DM. 23 Referências 1. Feldman BM, Rider LG, Reed AM, Pachman LM. Juvenile dermatomyositis and other idiopathic inflammatory myopathies of childhood. Lancet. 2008;371:20112. 2. Greenberg SA. Inflammatory myopathies: evaluation and management. Semin Neurol. 2008;28:241-49. 3. Silva CA, Leal MM, Leone C, Simone VP, Takiuti AD, Saito MI, Kiss MH. Gonadal function in adolescents and young women with juvenile systemic lupus erythematosus. Lupus. 2002;11:419-25. 4. Medeiros P, Febronio M, Bonfá E, Borba E, Takiuti A, Silva C. Menstrual and hormonal alterations in juvenile systemic lupus erythematosus. Lupus. 2009;18:38-43. 5. Febronio MV, Pereira RM, Bonfá E, Takiuti AD, Pereyra EA, Silva CA. Inflammatory cervicovaginal cytology is associated with disease activity in juvenile systemic lupus erythematosus. Lupus. 2007;16:430-35. 6. Silva CA, Febronio MV, Bonfá E, Pereira RM, Pereira EA, Takiuti AD. 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