ERA UMA VEZ A INFLUÊNCIA DOS CLÁSSICOS NA FORMAÇÃO ESCRITORA
Heloisa Helena Deschamps (FURB)
([email protected])
Este artigo analisa dados parciais da pesquisa integrante do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência (PIBID) do curso de Letras Português na Universidade Regional de
Blumenau – FURB. O subprojeto de Letras tem por objetivo analisar textos produzidos por
alunos dos anos finais do ensino fundamental. Para a coleta de dados, no segundo semestre do
ano de 2011, foi aplicado um comando em três turmas na escola E.E.F. Padre Theodoro
Becker (Brusque – SC), um sexto ano, uma sétima e uma oitava série. O comando consistia
em uma curta série de quadrinhos e solicitava que os alunos elaborassem uma história
baseando-se em tais ilustrações. Após a coleta, os bolsistas do PIBID Letras analisaram os
textos e concluíram haver uma forte influência de contos de fada e fábulas no modo de
escrever dos alunos do sexto ano e é esta influência que se pretende estudar no presente
artigo. Na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a contação de fábulas e
clássicos, como A formiga e a cigarra, A lebre e a tartaruga, Chapeuzinho Vermelho, João e
Maria, entre outros faz parte das atividades cotidianas das crianças e o contato sistematizado
com esses gêneros parece refletir nas produções escritas dos alunos nos anos finais. Para
compreensão da utilização dos diferentes gêneros textuais em sala de aula os estudos se
nortearão no viés enunciativo e do letramento no Brasil. A análise realizada pelos bolsistas
evidencia que os alunos não percebem claramente a diferença entre os diversos gêneros.
Pretende-se, diante desse cenário, aqui, a possível influência dos clássicos da literatura infantil
na formação escritora dos alunos participantes da pesquisa.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa faz parte do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID) do curso de Letras Português na Universidade Regional de Blumenau – FURB. O
projeto do curso de Letras visa analisar textos produzidos por alunos dos anos finais do ensino
fundamental para descobrir as dificuldades de aprendizado enfrentadas pelos alunos; para
atingir tal objetivo, foi aplicado um comando com três turmas na escola Theodoro Becker
(Brusque – SC), um sexto ano, uma sétima e uma oitava série. Após a coleta dos textos, os
alunos do PIBID Letras analisaram os textos e concluíram haver uma forte influência de
contos de fada e fábulas no modo de escrever dos alunos do sexto ano. Partindo dessa análise
inicial, foram escolhidos três textos dessa turma para serem estudados no presente artigo.
Solicitamos que os alunos escrevessem uma narrativa partindo de uma série de cinco
quadrinhos, onde um menino plantava duas árvores e no final amarrava uma rede entre as
árvores e descansava (ANEXO 1). Nos três textos escolhidos encontramos elementos de
contos de fadas, clássicos que fazem parte da infância das crianças como o “Era uma vez...”, a
fórmula de abertura de contos de fadas.
Para entendermos melhor o processo de leitura das crianças, abordaremos
brevemente nesse artigo algumas concepções de letramento e também decorreremos sobre a
influência dos clássicos na formação escritora dos alunos.
LETRAMENTO
A língua é um sistema que tem como centro o uso social que faz da linguagem através
de textos ou discursos, falados ou escritos, utilizando palavras, desenhos e sinais para que
aconteça a comunicação. Segundo Terra (1997) chama-se de linguagem todo o sistema de
sinais convencionais que nos permite realizar a comunicação, como a linguagem dos surdos,
as placas de trânsito, gestos corporais e a língua que as pessoas falam.
Pensando na fala e sua relação com a escrita, falaremos brevemente sobre o
surgimento do termo letramento no Brasil e no mundo, além de abordarmos o entendimento
dado pelos professores na sociedade brasileira.
Na reunião da Anped Nacional de 2003, realizada em Poços de Caldas (MG), Soares
(2004) apresentou uma releitura de seus escritos sobre o tema letramento, neste trabalho a
autora aborda o surgimento do conceito de letramento e suas diferentes compreensões. No
Brasil, o termo surgiu em meados dos anos 1980.
Nos Estados Unidos e na França, o letramento passa a ser entendido como um
processo que deve ser intrínseco à alfabetização. Não há como ensinar uma criança a ler sem
que ela seja capaz de participar de eventos sociais de letramento, se ela está alfabetizada,
também estará letrada.
No Brasil os professores separaram os dois processos com termos e práticas
diferenciados, alfabetização e letramento, e tinham dificuldades em compreender se deveriam
alfabetizar ou letrar seus alunos, quando o dois termos deveriam caminhar juntos. Felizmente
esta realidade vem sendo alterada a passos largos, e baseados nos documentos oficiais os
professores vem alterando sua prática e suas concepções sobre alfabetização.
Importante ressaltar que atualmente o letramento vem sendo considerado de forma
plural, pois existem vários letramentos, como por exemplo, o letramento digital, o
matemático, entre outros. O letramento escolar, no qual está incluída a aprendizagem da
decodificação dos símbolos, é apenas um dos letramentos. Há uma busca para a substituição
da dúvida entre os termos alfabetização e letramento, ou ainda, alfabetização ou letramento,
pela ideia de alfabetização com letramento. Na realidade essa discussão entre as palavras
alfabetização e letramento ocorre somente no Brasil, pois letramento é um neologismo criado
para descrever o que se esperava do processo de alfabetização: que o alfabetizado estivesse
inserido nas práticas de uso social da leitura, escrita e oralidade.
O letramento é essencial para o convívio na sociedade atual, uma vez que praticamente
tudo gira em torno de textos, palavras e compreensões destes. Aprender a ler e escrever é
aprender a construir sentido para e por meio de textos escritos, usando experiências e
conhecimentos prévios. E para que se torne possível o letramento, é necessário primeiro
decodificar o sistema alfabético para então compreender a formação de palavras, frases e
textos.
A necessidade de integrar conhecimentos e ensinamentos fica clara nos dizeres de
Soares, transcritos por Rojo:
Um alfabetizador precisa conhecer os diferentes componentes do
processo de alfabetização e do processo de letramento. Conhecer esses
processos exige conhecer, por exemplo, as práticas e os usos sociais
da língua escrita, os fundamentos do nosso sistema de escrita, as
relações fonema/grafema que regem o nosso sistema alfabético, as
convenções ortográficas […] exige ainda a apropriação dos conceitos
de texto, de gêneros textuais […] Mas além de conhecer o objeto da
aprendizagem, seus componentes linguísticos, sociais, culturais, o
alfabetizador precisa também saber como é que a criança se apropria
desse objeto, ter uma resposta para a pergunta: "como é que se
aprende a ler e a escrever? A ler e produzir textos de diferentes
gêneros?". Isso significa conhecer o processo de compreensão e
produção de texto escrito, o processo de construção de sentido para
um texto, o processo de desenvolvimento da fluência na leitura, o
processo de aquisição e desenvolvimento de vocabulário, de que
dependem a compreensão e a construção de sentido… O alfabetizador
tem de conhecer o objeto da aprendizagem e também o processo pelo
qual se aprende esse objeto - a língua escrita. Infelizmente, esses
conhecimentos ainda não entraram na formação dos alfabetizadores.
(Soares, 2005, p. 14 apud ROJO, 2006, p. 3).
O letramento envolve a questão das capacidades de leitura que as pessoas
desenvolvem, tanto no contexto escolar quanto no contexto social. Não basta o indivíduo
conseguir decodificar o código alfabético, é imprescindível que ele consiga compreender o
que está lendo.
Na segunda metade da década de 1990, novas ideias passaram a ganhar espaço no
território educacional brasileiro: a vertente sócio-histórica, representada pelo pensamento de
Lev Vigotsky e seu grupo. As ideias de Vigotsky são baseadas no fato de que a apropriação
do conhecimento se dá pelas relações do aluno com mediadores mais experientes ou não e
tiveram grande impacto na educação nacional após a publicação dos documentos nacionais
como os PCNs, baseados neste pensamento.
Na alfabetização, essas ideias resgataram o papel do professor no processo de
apropriação da escrita por parte das crianças e a necessidade do mesmo direcionar sua prática
para atuar sobre aquilo que a criança não consegue ainda fazer sozinha, mas conseguirá se
alguém mais experiente a ajudar. A propagação das ideias propostas por Vigotsky fez com
que muitos alfabetizadores tentassem aproximar teorias desse pensador com teorias de
Ferreiro.
Muitos alfabetizadores se valem hoje do ideário de Ferreiro (2008) para acompanhar o
desenvolvimento de suas crianças ao longo do processo de alfabetização: se estão em fases
pré-silábicas (não associam as formas escritas que escrevem com os sons da língua), silábicas
(usam um único grafema para representar sílaba inteira), silábico-alfabéticas (começam a ter
maior atenção com a quantidade de grafemas necessários para representar os sons da fala) ou
alfabéticas (quando já realizam correspondências entre fonemas e grafemas). Esses
professores, no entanto, não organizam o seu fazer pedagógico a partir das contribuições
teóricas de Ferreiro, tomam apenas as teorizações dessa autora sobre tais estágios para
acompanhar como as crianças estão aprendendo. No mais, parecem ancorar sua ação em
teorizações que se aproximam do ideário vigotskiano. Esse conhecimento de como a criança
constrói o seu conhecimento é essencial para qualquer professor que se disponha a ensinar
uma língua.
Conforme Geraldi (1999) três concepções de linguagem podem ser apontadas: a língua
como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de
interação. A expressão do pensamento compreende os estudos tradicionais, a língua como
código é um instrumento de comunicação e forma de interação expressa a interação entre
interlocutores enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais, fenômeno social.
Travaglia (1995) afirma que a maneira como o professor concebe a linguagem e a
língua altera em muito o como se estrutura o trabalho com a língua em termos de ensino. A
língua é atividade constitutiva do homem e da sociedade, a escola é o meio responsável pela
forma como será abordado o seu aprendizado. O professor tem o papel de leitor e não corretor
ortográfico, as estratégias utilizadas em sala de aula para produção de textos devem ter uma
finalidade para atrair o interesse do aluno e qualificar o seu trabalho.
O ensino de Língua Portuguesa nos anos finais do Ensino Fundamental requer,
conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais, que se considerem as características próprias
do aluno adolescente, a especificidade do espaço escolar, no que se refere à possibilidade de
constituição de sentidos e referências nele colocada, e a natureza e peculiaridades da
linguagem e de suas práticas. O adolescente necessita de um fazer reflexivo, em que não
apenas se opera concretamente com a linguagem, mas também se busca construir um saber
sobre a língua e a linguagem e sobre os modos como as opiniões, valores e saberes são
veiculados nos discursos orais e escritos.
A INFLUÊNCIA DO GÊNERO
Seguem primeiramente os três textos de alunos que serão discutidos nessa sessão.
Foram escolhidos dois textos produzidos por crianças do sexo feminino e um do sexo
masculino, para exemplificar que não são apenas as meninas que sofrem as influências dos
clássicos. Os textos foram digitados conforme foi escrito pelas crianças, por isso podem haver
erros gramaticais ao longo de cada texto.
F - 11 anos
Era uma vez um menino chamado Pedrinho, Pedrinho comprou uma rede, mais não
tinha onde colocar. Então ele pensou - Vou ajudar a natureza e vou colocar minha rede para
descansar.
Então La foi ele plantou duas belas árvores cuidou delas até ficarem grandes e fortes.
Quando isso aconteseu ele colou sua rede e descansou.
Viu alem de ajudar a natureza você pode fazer augo para você também !!!
M - 12 anos
Era uma vez um menino tava plantando 2 árvores, com o sol nasceu bem rápido e ele
molhou e cresceu e ficou grande, e ele teve uma ideia buscou a rede para descansar, e
colocou ela só cuando as árvores ficaram grandez e colocou a rede e buscou um suco e
deitou na rede e dormio.
F - 11 anos
Era uma vez, um menino que adorava sair e plantas, molhar as plantas. Um dia ele
saiu para ver a sua amiguinha árvore. Ela estava muito seca, então ele molhou, molhou e ela
cresceu. Quando ela cresceu ele pegou uma rede e amarrou nela e na amiguinha dela. E ele
ia todo dia la deitar na rede, converçar com as amiguinhas dele...E todos foram felizes para
sempre.
Após realizar a leitura dos três textos, podemos perceber que a primeira criança
utilizou elementos tanto dos contos de fadas quanto das fábulas ao criar uma espécie de moral
da história, ressaltando a importância de ajudar a natureza.
Já no segundo texto, podemos perceber que o menino apenas utiliza apenas a fórmula
inicial dos contos de fadas, sem aprofundar no fantástico nem criar elementos mágicos.
Enquanto a terceira criança, além de utilizar a fórmula inicial de abertura “Era uma vez...”,
que permite ao leitor se transportar para um mundo fantástico, diferente do mundo real onde
os contos e fábulas são realmente possíveis, também acrescenta o elemento mágico ao
acelerar o crescimento da árvore com a atenção do menino.
Além da abertura e do elemento mágico, a terceira criança também incluiu em seu
texto a fórmula de encerramento “viveram felizes para sempre”, que permite que o leitor volte
ao mundo real com a sensação satisfatória de ter vivenciado ele mesmo a aventura descrita,
graças ao “Era uma vez...”.
Mas por que as crianças, sem nenhuma instrução para que criassem um conto, ou até
mesmo um conto de fadas, escreveram histórias com essas fórmulas de abertura e
encerramento?
Podemos dizer que essa relação de história com contos de fadas venha da primeira
infância, onde ocorreram os contatos iniciais com contos de fadas através de contações de
história na escola ou também em casa. Pode ser considerado natural que, depois de anos
ouvindo histórias que comecem assim, ao receberem o comando para escrever uma história,
lhes tenha ocorrido escrever uma história que começasse assim.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fazendo uma análise não tão profunda foi possível perceber a forte influência dos
clássicos de contos de fadas em praticamente todos os jovens. Notamos que antes mesmo da
alfabetização eles recebem uma grande carga de literatura procedente dos pais, avós,
familiares em geral.
Esta bagagem cultural é de suma importância para o fomento do
aprendizado. O criativo incentiva-os no letramento e alfabetização.
Tão logo eles descobrem os diferentes gêneros literários, começam a aplicá-los nas
aulas. O letramento deles, inevitavelmente esta um passo a frente da alfabetização. Devemos
agora unir ambos e usar desta vantagem para facilitar a alfabetização desde o início.
Os contos de fadas, fábulas e afins ainda são predominantes na educação e no convívio
social. Provenientes de suas memórias afetivas, os jovens trazem para o presente toda a
delicadeza, pureza e verdade.
O professor nesses casos deve fomentar a criatividade, de maneira que o aluno sinta-se
livre para desenvolver. Muitas vezes o aluno sente-se podado por ainda não ter o domínio
completo da alfabetização gramatical.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRO, E. TEBEROSKY, A., Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed,
2008.
GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de Português. 2 ed. São Paulo: Ática,
1999.
ROJO, R. Alfabetização e letramento: sedimentação de práticas e (des)articulação de
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SOARES, M. B. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de
Educação. São Paulo: Campinas: Autores Associados, n. 25, 2004.
TERRA, E. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1o e 2o
graus. 5ed. São Paulo: Cortez, 1995.
ANEXOS
Anexo 1
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era uma vez a influência dos clássicos na formação