Responsabilidades do
servidor público
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Apresentação
Muito embora mutilado e desfigurado pelas constantes e profundas alterações promovidas em seu texto original, o chamado REGIME JURÍDICO
ÚNICO, instituído pela Lei nº 8112, de 11.12.90, continua sendo, no âmbito
da administração federal, o mais importante instrumento regulador das atividades do servidor público, durante toda a sua trajetória funcional.
Cuida esse diploma legal, dentre tantas questões, dos deveres e proibições
do servidor, estabelecendo, quando caracterizado o exercício irregular das atribuições que lhe são cometidas, regras e procedimentos próprios para a aplicação de
penalidades administrativas, sem prejuízo de outras de natureza civil ou criminal.
Ao abordar alguns aspectos dessa matéria, não pretende a Apafisp
discutir ou polemizar sobre ações legítimas da administração através de seus
respectivos órgãos repressores, quando cabalmente demonstrada e individualizada a prática de eventuais transgressões funcionais. Não é seu propósito, portanto, e nem poderia ser, defender ou pactuar com aqueles poucos, cuja conduta não
seja adequada ao serviço público. Mas, a despeito disso, é essencial que se conheça o que, de fato, ocorre nessa área de atuação. O que dispõe, por exemplo, e
como vem sendo interpretada a legislação aplicável, desde que conhecido o ato
supostamente faltoso até o julgamento final, tanto na esfera administrativa
como judicial. Quais as condições que oferece a instituição aos seus servidores
em todas as suas unidades de ponta para que, com tranqüilidade e segurança,
bem desempenhem as atribuições próprias de seus cargos. Não seria ela, em
determinadas circunstâncias, a responsável, ao menos em parte, pela ocorrência
de falhas de procedimento?
Posta assim a questão, reflitamos sobre ela. É inegável a sua importância, tanto para a administração como para qualquer servidor, mesmo para
aquele já afastado de suas atividades.
O Conselho Executivo.
São Paulo, novembro/2000
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Considerações preliminares
1.
Ao dispor sobre o Regime Disciplinar, estabelece a Lei
nº 8112/90 (RJU), no Capítulo DAS RESPONSABILIDADES que
“O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições.” (Art. 121).
2.
Dispõe o mesmo diploma legal (arts. 116 e 117) sobre
os deveres e as proibições dos servidores públicos e bem assim as correspondentes penalidades (arts. 127 e seguintes) de natureza administrativa a que estão sujeitos, nos casos em que, através de processo administrativo, seja constatada a prática de qualquer transgressão funcional.
3.
Trata-se — e isso não se discute — de um instrumento
de inegável valia para a administração pública, como de resto de toda a
sociedade, não podendo, por conseguinte, deixar a autoridade competente de utilizá-lo, sempre que alguma notícia lhe seja trazida sobre o
exercício irregular de atribuições por parte do servidor. A esse respeito,
nada a objetar, desde que a sindicância ou o inquérito que venha a ser
instaurado obedeça, como manda o nosso ordenamento jurídico, onde
desponta a própria Constituição Federal, ao princípio do contraditório, assegurando-se, para isso, o mais amplo direito de defesa ao servidor acusado, caso em que, se efetivamente comprovada a falta cometida, tanto por culpa como por dolo, deve ele ser exemplarmente punido.
4.
Se a autoridade procede conforme a lei, se os responsáveis pela condução de inquéritos ou sindicâncias assim também procedem, não cometendo, em hipótese alguma, excessos de qualquer natureza, oferecendo, ao final, um Relatório circunstanciado e consistente
em relação aos fatos averiguados, nada mais caberá a essas mesmas autoridades senão acatá-lo, punindo ou inocentando os acusados. Ao fazêlo, demonstram elas que estão atentas, tudo fazendo para que a imagem e o patrimônio da instituição não sejam agredidos pela ação nefasta daqueles que, no exercício de seus cargos ou funções, agem movidos
por interesses menos escrupulosos.
5.
A imprensa, por seu turno, vem divulgando, com ênfase até exagerada, o que ocorre nessa área, especialmente nos casos de
5
demissões ou cassações de aposentadorias, em nosso Ministério, a ponto de, quem lê o noticiário, ter a impressão de que o quadro funcional
é composto, em sua grande maioria, por maus servidores, provavelmente
por omissão ou irresponsabilidade de tantas administrações passadas.
Aplicação das penalidades
1.
Hely Lopes Meirelles, em sua festejada obra “Direito
Administrativo Brasileiro”, 24ª edição (Malheiros Editores), nos ensina que a
“Responsabilidade administrativa é a que resulta da
violação de normas internas da Administração pelo servidor sujeito ao estatuto e disposições complementares estabelecidas em lei, decreto ou qualquer outro
provimento regulamentar da função pública. A falta
funcional gera o ilícito administrativo e dá ensejo à
aplicação da pena disciplinar, pelo superior hierárquico, no devido processo legal” ...
................................................................................
“O que a Administração não pode é aplicar punições
arbitrárias, isto é, que não estejam legalmente previstas. Desde já deixamos esclarecido que tais atos exigem
fiel observância da lei para sua prática e impõem a
Administração o dever de motivá-los, isto é, de demonstrar sua conformidade com os dispositivos em que se
baseiam... Na motivação da penalidade, a autoridade
administrativa competente para sua aplicação deve justificar a punição imposta, alinhando os atos irregulares praticados pelo servidor, analisando sua repercussão danosa para o Poder Público, apontando os dispositivos legais ou regulamentares violados e a cominação
prevista. O necessário é que a Administração Pública,
ao punir seu servidor, demonstre a legalidade da punição...
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......................................................................................................
Culpa e dolo são conceitos diversos. A culpa verificase na ação ou omissão lesiva, resultante de imprudência, negligência ou imperícia do agente; o dolo ocorre
quando o agente deseja a ação ou omissão lesiva ou
assume o risco de produzi-la. Um exemplo distinguirá
bem as duas situações: Se um motorista propositadamente atropelar um transeunte, desejando matar ou
ferir, cometerá um crime doloso; se o mesmo motorista atropelar um mesmo transeunte sem o querer,
mas com imprudência, imperícia ou negligência, terá
cometido um crime culposo. A diferença entre os dois
ilícitos é subjetiva: varia segundo a conduta do agente.
Assim, se o servidor causar prejuízo à Administração,
por negligência, imperícia ou imprudência na sua conduta, ficará sujeito à responsabilização civil e administrativa, mas pode não ficar sujeito à responsabilização
penal, se não cometeu nenhum ilícito criminal. A culpa é menos que o dolo, como os ilícitos administrativo e civil são menos que o ilícito penal...”
......................................................................................................
2.
Assim conceituados o dolo e a culpa, nenhuma dúvida
subsiste quanto à sua correta aplicação, tanto no âmbito administrativo, como civil ou criminal. Se a culpa se caracteriza por ação ou omissão lesiva, resultante de imprudência, negligência ou imperícia, não há
como confundi-la com o dolo, cujo agente assumiu, deliberadamente,
os riscos decorrentes de sua ação ou omissão. Daí concluir-se que, em
determinadas circunstâncias, até mesmo atos supostamente faltosos
podem não representar um deslize funcional, susceptível de penalização,
desde que não provenientes de dolo ou culpa. É o caso de, tomando-se
o mesmo exemplo, a culpa ser atribuída à própria vítima ou a outro
fator imponderável ou imprevisível.
3.
José Armando da Costa, por sua vez, em sua obra “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 3ª edição/1999
(Ed. Brasília Jurídica), ao tecer comentários sobre a espinhosa e delicada tarefa de julgar, diz que a autoridade deve “imunizar-se contra as
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influências exógenas”, e adotar, previamente, uma série de providências, dentre as quais:
“a) verificar se as conclusões do colegiado processante
estão de acordo com as provas produzidas e coletadas;
b) examinar se alguma prova relevante ao esclarecimento dos fatos fora desprezada, pelos membros da comissão, com sói ocorrer;
......................................................................................................
f) levar em conta que as dúvidas prevalentes beneficiam os acusados, como bem assevera a velha, mas sempre atual, parêmia in dubio pro reo;”
4.
É tamanha a importância da matéria que o autor chega
a transcrever, a título de orientação às autoridades julgadoras, “uma
belíssima passagem do pronunciamento do Papa Paulo VI, dirigida aos
magistrados eclesiásticos do Tribunal da Rota Romana, no ano de 1965”,
nestes termos:
“Injustiças podem encontrar-se no preparo do processo, quando, graças à artimanha de profissionais sem
escrúpulos, as causas já vos fossem apresentadas alteradas fundamentalmente na sua realidade jurídica, em
conseqüência de motivos infundados, de provas que
não são provas, de testemunhas subordinadas, de documentos falsificados ou viciados. No curso dessa fase
de instrução, a vós impor-se-á, portanto, a maior
circunspecção, a mais absoluta prudência, para evitardes
que tome consciência a menor injustiça. Quando da
aceitação ou da recusa de um processo, devereis ter,
pois, um senso vigilante de justiça, a fim de que as
causas destituídas de qualquer fundamento, ou manifestamente fundadas na falsidade, ou, ainda, em fatos
verdadeiros porém juridicamente impróprios para
obter o efeito desejado, sejam recusadas com corajosa
firmeza.
5.
E conclui o mesmo autor, agora com suas próprias palavras:
“O mortal que, com tanta sapiência, virtude, simplici8
dade e espírito prático, chegou a proferir essas justiceiras palavras só pode é já ter ganho o reino dos céus.
Imitem, senhores chefes de repartição, na prática, essa
lição de justiça, para que possam, pelo menos, ter paz
de espírito aqui na terra.”
Valimento do cargo
1.
O Exmº. Sr. Ministro da Previdência e Assistência Social, no uso das atribuições que lhe foram delegadas pelo art. 1º, I, do
Dec. nº 3035, de 27.04.99, tem determinado a demissão ou cassação
de aposentadorias de inúmeros servidores pertencentes ao quadro de
pessoal do INSS, fazendo constar, em forma reduzida nas respectivas
Portarias, os motivos e os fundamentos jurídicos que alicerçam a aplicação de tais penalidades.
2.
Não pretendendo, aqui e agora, discutir ou polemizar
sobre tais decisões, até porque são exaradas por quem tem poderes
para tanto, cabe apenas aos seus destinatários acatá-las ou não. Assim,
e também por ignorar o exato conteúdo desses processos, não há como
negar legitimidade a esses atos ou os efeitos deles decorrentes. Mas isto
não quer dizer que uma Associação de classe, sempre disposta a colaborar com a Administração, com vistas à melhoria dos serviços públicos,
não possa, em nome de seu quadro associativo, sobretudo diante dos
objetivos propostos por seu Estatuto, conhecer mais de perto qual a
interpretação que vem sendo adotada ou o correto significado de determinadas disposições legais, no âmbito do direito administrativo disciplinar, a exemplo do que dispõe o inciso IX do art. 117 da Lei nº
8112/90, fundamento maior ou preponderante, em muitos casos, da
aplicação de pena expulsória ou cassação de aposentadorias de servidores. Eis o que dizem:
a) enquanto o anterior Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União proibia ao servidor “valer-se do
cargo para lograr proveito pessoal em detrimento da
dignidade da função” (art. 195, IV, da Lei nº 1711, de
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28.10.52), a atual Lei nº 8112, de 11.12.90, estabelece
que não pode o servidor “valer-se do cargo para lograr
proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública.” (Art. 117, IX);
b) tal alargamento teve o condão de equiparar, para
efeitos disciplinares, ambas as hipóteses (proveito próprio ou de outrem), seja porque praticadas em detrimento da dignidade da função, seja porque importam,
quase sempre, em lesão aos cofres públicos.
3.
Nada, portanto, quanto à aplicação desta ou daquela
medida punitiva, desde que esteja caracterizada a falta cometida e que
do processo constem provas inequívocas de sua prática dolosa ou extremamente culposa. De qualquer maneira, a penalidade, quando devida, deve guardar relação e seja adequada à gravidade do fato imputado
(razoabilidade e proporcionalidade). Não é por outra razão que a autoridade julgadora pode agravá-la ou abrandá-la e, até mesmo, isentar o
servidor de qualquer responsabilidade, contrariando, inclusive, a proposta feita pela Comissão processante.
4.
É certo que o valimento do cargo, para configurar a
falta grave, deve ser cabalmente demonstrado, não havendo como inverter-se o ônus da prova. Assim, o fato, ainda que indiscutível o seu
aspecto faltoso, pode não ser punível com a pena expulsória (demissão
ou cassação de aposentadoria), se não estiver corroborado por outros
componentes que o caracterizem como grave transgressão ao inciso IX
do art. 117 da Lei 8112/90, ou seja, que tenha sido culposo ou doloso,
ao arrepio, portanto, das normas legais ou regulamentares, tanto que
propiciou ao seu autor ou a outrem o proveito ilícito. Trata-se de matéria de prova a ser produzida por quem alega, no caso a própria Administração.
Provas da transgressão funcional
1.
Ao tecer considerações a respeito do art. 175 da Lei nº
8112/90, que cuida das condições exigidas para uma eventual revisão
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do processo, Ivan Barbosa Rigolim, em sua obra, “Comentários ao
Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis”, emite o seguinte entendimento:
“No processo administrativo disciplinar originário o
ônus de provar que o indiciado é culpado de alguma
irrregularidade que a Administração lhe imputa pertence evidentemente a esta. Sendo a Administração a
autora do processo, a ela cabe o ônus da prova, na
medida em que o autor de qualquer ação ou procedimento punitivo cabe provar o alegado.”
2.
Dito isso, fica claro que compete à Administração, uma
vez comprovada a ocorrência do ato faltoso, determinar a
responsabilização de seu autor, se efetivamente agiu ele (ou deixou de
agir) com manifesto dolo ou culpa. Do contrário, será o servidor inocentado, se o ato supostamente irregular não se enquadrar em nenhuma dessas hipóteses ou, no máximo, se apenas culposo, sujeito a uma
sanção de menor repercussão para sua vida funcional.
3.
Exemplifique-se apenas para argumentar: se, de acordo
com o art. 116, IV, da Lei nº 8112/90, é dever do servidor “cumprir as
ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais”, deduz-se
que não infringe o preceito quando a ordem era manifestamente ilegal,
por isso não a cumpriu e, inversamente, quando a ordem não era manifestamente ilegal, por isso a cumpriu. Aliás, bem o sabemos, muito
embora improvável que a autoridade julgadora acolha tal argumento
para excluir o autor de qualquer responsabilidade funcional, ainda assim não pode, a priori, ser descartado, tanto que o dispositivo antes
referido admite essa possibilidade.
4.
O atual Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis
da União, das autarquias e das fundações públicas federais (RJU) vigora desde 12.12.90, com a publicação da Lei nº 8112, de 11.12.90. De lá
para cá, além das alterações promovidas em seu corpo principal, outros diplomas legais relacionados à matéria disciplinar foram editados,
a exemplo dos seguintes: Lei nº 8429, de 02.06.92, que “dispõe sobre
as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento
ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração federal pública, direta, indireta ou fundacional” e a Lei nº
11
9784, de 29.01.99, que “regula o processo administrativo no âmbito
da Administração Pública Federal.”
5.
Ambas essas leis supervenientes reportam-se ao já mencionado RJU: a primeira, quando estabelece que “a autoridade determinará a imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da
Lei nº 8112, de 11 de dezembro de 1990...” (art. 14, § 3º) e a segunda,
ao determinar que os “processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente
os preceitos desta Lei.” (Art. 69).
6.
Daí surgirem as seguintes indagações: Se, apesar desses
acréscimos ou modificações, permanece inalterada a regra estabelecida
para o chamado processo administrativo disciplinar (arts. 148 a 182),
o que de mais importante estaria motivando a aplicação de tantas e tão
graves punições? O servidor era, porventura, mais zeloso, mais leal à
instituição, cumpria todos os seus deveres funcionais, não incidindo
em proibições previamente estabelecidas? Sua conduta era mais compatível com o exercício de seu cargo ou função, dando ensejo a
pouquíssimos procedimentos disciplinares? O servidor atual está mais
distante ou menos comprometido com seus deveres funcionais, praticando, por via de conseqüência, transgressões disciplinares em proporção extremamente elevada, comparativamente ao que, antes, ocorria?
7.
A resposta, com a devida vênia, só pode ser uma: como
ser humano que é, com todos os seus defeitos e qualidades, produto
de uma mesma sociedade, age como sempre agia. Em sua esmagadora
maioria, procede de forma absolutamente correta, ainda que cometa
erros, enquanto uma pequena parcela, por ambição desmedida ou ausência de espírito público, apenas prejudica o esforço daqueles.
Exemplificadamente, quem, em sã consciência, pode afirmar que, na
chamada fiscalização da construção civil, apesar de todo o esforço desenvolvido pela Direção Geral do INSS, no sentido de promover-se
uma permanente atualização de seus atos normativos, a desejada uniformidade de procedimentos tenha sido alcançada? Quem, da mesma
forma, pode afirmar que todas as dúvidas foram sanadas, tendo o servidor, mesmo o mais antigo e experiente, absoluta segurança ao liberar
um documento no recinto da própria Gerência (plantões), à vista, ape12
nas, dessas mesmas instruções, algumas conflitantes entre si e que são
alteradas a todo o instante? Quem, mesmo nos dias de hoje, com todo
o aprimoramento técnico da instituição, não está sujeito a cometer,
esporadicamente, uma ou mais falhas quando no desempenho dessas
tarefas? Por que, sempre que detectadas, opta a Administração em mandar instaurar, por sugestão de suas assessorias especializadas, processos disciplinares, não assumindo — o que seria mais correto — parte da
responsabilidade, sobretudo em razão da precariedade das condições
de trabalho que oferece a suas unidades de ponta?
8.
Se assim é, se a legislação aplicável é praticamente a
mesma, qual a razão para tantas demissões ou cassações de aposentadorias, em número, ao que se propala, bastante superior a duas centenas
apenas nos últimos tempos? Será que as Administrações anteriores pecavam por omissão, não apurando, como era de sua obrigação, as irregularidades noticiadas? Será que, muito embora constatadas tais e tais
irregularidades, não eram os seus autores, também por omissão das
autoridades, exemplarmente punidos? Ou será que, presentemente,
estariam essas autoridades agindo com rigor excessivo, frente aos fatos que lhe são submetidos, admitindo, em determinados casos, provas que não são efetivamente provas de dolo ou culpa? É uma pergunta que se faz, não é uma afirmativa leviana!
Órgãos de assessoramento
e repressão
1.
Ao invés da prevenção, o que se vê é a simples repressão. De fato, dentro da estrutura organizacional da instituição, vários
são os seus compartimentos, quase todos bem dotados de recursos
humanos e materiais, destinados a averiguar a eventual prática de irregularidades por parte dos servidores incumbidos das chamadas atividades finalísticas. Em contra-partida, esquecidos lá na ponta da linha,
sacrificados servidores, quase sempre em acanhadas acomodações, vivem o seu dia a dia, em condições absolutamente desfavoráveis. Mas
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com paciência e muita dedicação, desdobram-se ao máximo, realizando tarefas desproporcionais às suas forças, procurando, tanto quanto
possível, resgatar a imagem da previdência social perante a sua vastíssima
clientela.
2.
Sabe-se que, em termos de equipamentos de alta
tecnologia, a distância entre o que seria razoável existir (não o ideal) e o
que existe, é enorme. A carência desses recursos continua evidente, o
que impede a desejada e sempre decantada melhoria de atendimento
do público, o que, aliás, é propósito do Ministério. As deficiências são
gritantes, o desconforto é generalizado, falta material de consumo (papel, tinta, etc), a insegurança se faz presente em todos os momentos, o
sistema informatizado, vez por outra se apresenta inoperante, os controles são frágeis, não confiáveis, os atos normativos se sucedem sem a
clareza ou a precisão que se exige, além do que a legislação aplicável se
afigura cada vez mais complexa. Com isso, a irritação, o desespero, a
revolta e a frustração daqueles que, como destinatários da instituição,
postam-se do outro lado do balcão, exigindo providências imediatas,
não importando — o que é direito deles — que a unidade administrativa que jurisdiciona a sua pretensão não esteja convenientemente aparelhada.
3.
Por essas e por tantas outras razões, a exemplo da também notória carência de pessoal de apoio e treinamentos específicos,
determinadas falhas de procedimento acabam por ser cometidas. Mas
isso não significa que sejam elas, em todos os casos detectados, o resultado de negligência, imprudência ou imperícia de quem as executa ou,
pior ainda, de desídia ou de uma deliberada intenção de favorecer alguém, em detrimento da dignidade da função. Em grande parte — é
fácil constatar — são ocorrências que poderiam ser evitadas, bastando,
para isso, que fosse o servidor adequadamente equipado e orientado
através de treinamentos constantes. Mas como isso não acontece, deveria a Administração, através de suas assessorias especializadas, a missão
de fazê-lo como responsável que é pela elaboração e correta aplicação
de seus próprios atos normativos. Isso é prevenir, não é buscar desesperadamente fatos supostamente irregulares com o intuito de punir
os seus autores, os quais, nem sempre podem ou devem ser
responsabilizados.
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4.
O que se vê — isso é uma constatação — é que determinados setores da Administração, sob a direção de ser vidores
inexperientes, tem por hábito, após realizada a missão e constatada
alguma falha, opinar, sem admitir qualquer outra alternativa, pela instauração de procedimentos disciplinares, aterrorizando e pondo em
polvorosa todo o quadro funcional. Para esses setores, todos os atos
não previstos claramente nas normas legais ou regulamentares, significam, de acordo com a sua exclusiva interpretação, descumprimento de
deveres funcionais, ausência de lealdade à instituição, valimento do
cargo para auferir proveito próprio ou de outrem, prática de desídia,
improbidade administrativa, além de outras transgressões, inclusive de
natureza civil ou criminal.
5.
Algumas Comissões de Inquérito, por sua vez, extremamente tendenciosas e prepotentes, não obtendo, durante toda a
fase de instrução do processo, provas inequívocas do proveito pessoal
por parte do servidor acusado, optam, a pretexto de justificar o seu
trabalho, pelo enquadramento em outros dispositivos, a exemplo da
desídia (manifestações reiteradas de ineficiência, como a preguiça, a
indolência, o desleixo, o descaso, a incúria, etc.) ou do chamado proveito de outrem sem justificá-los cabalmente. Ora, isso é uma atitude
simplista, é banalizar ao máximo o processo administrativo disciplinar,
o qual, se não bem conduzido, até pela ausência de uma defesa bem
fundamentada, pode levar a autoridade julgadora a aplicar uma penalidade desproporcional ao ato então considerado faltoso. Não é regra,
mas é certo que, em determinadas circunstâncias, algumas Comissões
processantes, por absoluto e inaceitável despreparo, tem exorbitado de
suas atribuições, quando supõem — o que é um gravíssimo erro — que
a missão que lhe foi confiada seja apenas a de provar o ilícito, desprezando outra finalidade não menos importante, qual seja a de permitir
ao acusado que demonstre a sua inocência. É preciso, portanto, sopesar com bastante acuidade os antecedentes do servidor e bem assim
todos os fatores envolvidos, seja previamente, seja durante a tramitação
do processo ou mesmo após a sua conclusão, considerando que, na
dúvida, não há como presumir-se a culpabilidade de quem quer que
seja para efeitos disciplinares.
6.
Por todo o exposto, não é legítimo qualquer julgamen15
to que condene o servidor por fato não doloso ou culposo ou que não
esteja devidamente comprovado e individualizado na peça acusatória.
Também não pode a Administração impor ao servidor faltoso, uma
eventual penalidade que não esteja expressamente prevista na lei ou
regulamento, tal como, exemplificadamente, decidiu o E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em 13 de setembro último, ao determinar a imediata reintegração de servidoras demitidas por ato do Exmº.
Senhor Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social. Eis a
EMENTA extraída dos autos do Mandado de Segurança nº 6.663 —
DISTRITO FEDERAL (1999/0100787-9):
“ADMINISTRATIVO-SERVIDOR PÚBLICO. PENALIDADE. DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE.
1.
Na aplicação de penalidade, a par da estrita observância ao princípio da proporcionalidade, ou seja,
a devida correlação na qualidade e quantidade da sanção, com a grandeza da falta e o grau de responsabilidade do servidor, impõe-se à autoridade administrativa, em decorrência dos comandos da Lei nº 8112/90,
máxime em se tratando de demissão, a verificação da
natureza da infração, os danos para o serviço público,
as circunstâncias atenuantes ou agravantes e os antecedentes funcionais do servidor.
2.
De outro modo, deve a autoridade levar em
conta as sugestões contidas no relatório da comissão
de inquérito, salvo no caso de discrepância com o contexto probatório. Não há, entretanto, vinculação para
a autoridade administrativa com as conclusões daquela peça, mas, na aplicação de outra penalidade, máxime se mais grave que a sugerida, é necessário seja a
decisão fundamentada.
3.
Segurança concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os
Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de
Justiça, na conformidade dos votos e da notas
16
taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a
segurança. Votaram de acordo os Ministros Felix
Fischer, Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Edson Vidigal,
Fontes de Alencar e José Arnaldo da Fonseca. Ausente, justificadamente, o Ministro Hamilton Carvalhido.
Ausente, por doença, o Ministro William Patterson.
Brasília, 13 de setembro de 2000 (data do julgamento)
MINISTRO VICENTE LEAL, Presidente
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Considerações finais
1.
Uma entidade representativa de servidores, como a
ANFIP, a APAFISP e tantas outras, deve, antes de tudo, propugnar
pela obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e tantos outros que regem a Administração Pública, tal como preceitua o art. 37 da Constituição Federal.
2.
Quanto a isso, nenhuma relutância. Não se deseja a
impunidade de quem, comprovadamente, agride tais princípios, seja
ele servidor público ou não. Apenas o que se pede é uma reflexão
maior de todos, em especial das autoridades competentes, no sentido
de que, quando cabível a imposição de alguma sanção disciplinar, seja
ela, em estrita consonância com o que determina o ordenamento jurídico vigente, razoável e proporcional ao fato imputado. NEM MAIS,
NEM MENOS!
17
18
Conselho Executivo 2000
Presidente ...................................................................................... Pedro Augusto Sanchez
Vice-Presidente Executivo ......................................................... João Martin Rúbia
De Administração ......................................................................... Ariovaldo Cirelo
De Finanças ................................................................................... Salvador Francisco Boccia
De Política de Classe ................................................................... Benedito Leite Sobrinho
De Política de Interesse Fiscal ................................................... Assunta Di Dea Bergamasco
De Aposentados e Pensionistas ................................................ Carlos Alberto Ferraz e Silva
De Cultura Profissional, Esportes e Lazer .............................. Sandra Tereza Paiva Miranda
De Divulgação ............................................................................... Itamar Vicente Alves
De Serviços Assistenciais ............................................................. Ana Maria de Campos Rolim
De Relações Públicas .................................................................. Sandra Tereza Paiva Miranda
De Assuntos Jurídicos ................................................................. Victoria Colonna R. P. Lizo
Conselho Fiscal
Adairton Baptista
Denise Therezinha da Silva Carlos de Assis
Emilio Carlos Montoro
Plinio Galli
Rinaldo Ricci
Assessoria Jurídica
Gilberto Ulysses Franceschini
19
Associação Paulista dos Auditores-Fiscais
da Previdência Social
Rua Barão de Itapetininga, 151 - 4º andar, cj. 45
São Paulo/SP - Tel. (11) 258-7666 - Fax: (11) 259-0563
e-mail: [email protected]
home-page: www.apafisp.org.br
2000
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Responsabilidades do servidor público