Unidade: Direito Internacional Privado Unidade I: 0 Direito Internacional Privado SUMÁRIO 1. Estatuto Pessoal. 1.1. Personalidade. 1.2. Capacidade. 2. Estatuto Pessoal da Pessoa Física. 2.1. Critérios Utilizados para Determinar a Lei Aplicável ao Estatuto Pessoal. 3. Estatuto Pessoal da Pessoa Jurídica. 3.1. Critérios Utilizados para Determinar a Lei Aplicável ao Estatuto das Pessoas Jurídicas. 4. Bens. 4.1. .O Lugar da Situação do Bem – “LEX REI SITAE” ou “MOBILIA SEQUUNTUR PERSONAM” 4.2. O Lugar da Constituição da Obrigação – “LOCUS REGIT ACTUM” ou “IUS LOCI CELEBRATIONIS” 5. Contratos Internacionais. 5.1. Princípios básicos. 5.1.1. Autonomia da Vontade. 5.1.2. Supremacia da Ordem Pública. 5.1.3. Obrigatoriedade da Convenção entre as Partes. 5.2. Critérios para dirimir conflitos contratuais. 5.3. LEX MERCATORIA e os INCONTERMS (International Comercial 5.3.1. Necessidade de Cláusula-padrão Unidade: Direito Internacional Privado Terms) 1 1. Estatuto Pessoal O Estatuto Pessoal contempla o estado da pessoa (que é o conjunto de peculiaridades próprias de uma pessoa, tais como: nascimento, filiação, nome, pátrio poder, casamento, deveres conjugais, separação, divórcio e morte) e sua capacidade (aptidão da pessoa individual de exercer os direitos e contrair obrigações). As regras do Estatuto Pessoal dos Estados não são uniformes, por essa razão não são observadas igualmente por todos os povos. O Direito Internacional Privado atribui o estudo dessas regras ao ramo do Direito Civil Internacional, embora essa denominação não seja exata e nada mais é do que a parte da nossa disciplina que estuda as soluções dos conflitos de leis do Direito Civil. Eis, assim, a razão da utilização de alguns conceitos retirados deste importante ramo do direito privado. 1.1. Personalidade Em direito, ser pessoa significa ter uma personalidade. Quem determina a personalidade é a ordem jurídica. A personalidade é atribuída aos seres humanos, outros entes e até coisas. É bom recordar que durante o período em que era permitida a escravidão, existiam seres humanos que não eram considerados pessoa. Em passado remoto, civilizações antigas consideravam os animais e coisas como pessoas jurídicas. Nas Pequenas Antilhas Inglesas, os escravos eram considerados bens imóveis. condição sem a qual não se pode fazer uso de qualquer direito e o estado é o modo de existir da pessoa. Quem não tem personalidade não é sujeito de direito. Como o estado é o modo de existir da pessoa este poderá variar, por exemplo, no direito romano o estado podia ser de liberdade, de cidade e de família. O direito civil atual excluiu o estado de liberdade que no passado distinguia o escravo do homem livre. O estado de cidade, por sua vez, foi incluído no direito público. Unidade: Direito Internacional Privado A personalidade e o estado são atributos diversos. A personalidade é a 2 Nossa lei civil diz que a personalidade do homem começa com o nascimento com vida, assegurando, ao nascituro, desde a concepção a proteção se, ao final, houver nascimento com vida. A personalidade se exaure com a morte. Algumas legislações preveem que também pode ser extinta pela morte civil. Em relação à morte simultânea, quando duas ou mais pessoas morrem num desastre, sem que se possa determinar quem morreu primeiro, no Brasil consideramos, por presunção, como simultaneamente mortos. É o que se chama de comoriência. Outros ordenamentos jurídicos dispõem de maneira diversa. O direito inglês considera o mais novo ter sobrevivido ao mais velho. O direito francês estabelece mais de um critério, tais como: presume a sobrevivência do mais velho se os mortos tinham menos de 15 anos; se todos tinham mais de 70 anos, a presunção é o do mais moço; se uns tinham menos de 15 anos e outros mais de 70 anos, presume-se a sobrevivência dos mais moços; se todos tinham mais de 15 anos e menos de 70 anos, presume-se a sobrevivência dos homens, se a idade for a mesma ou não houver diferença superior a 1 ano; se forem do mesmo sexo, presume-se a sobrevivência do mais moço. Para resolver o problema da comoriência, há vários sistemas de Direito Internacional Privado, a saber: a) Deve-se aplicar a Lex Causae (Bar, Bustamante e Bartin); b) A lei do lugar do acidente é que deve ser aplicada (Pillet); c) O juiz tem liberdade para julgar (Weiss, Despagnet e outros); d) Deve ser aplicada a lei da nacionalidade dos comorientes (Pontes de e) A lei a ser aplicada deve ser a Lex Fori (Valery). No Brasil, não há um dispositivo específico na legislação regulando a questão dos conflitos decorrentes de comoriência, no entanto, a Lei de Introdução ao Código Civil dispõe no artigo 7º, o seguinte: A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. A respeito do assunto, a Convenção de Direito Internacional Privado de Unidade: Direito Internacional Privado Miranda); 3 Havana (Código Bustamante) assevera que: Art. 29. As presunções de sobrevivência ou de morte simultânea, na falta de prova, serão reguladas pela lei pessoal de cada um dos falecidos em relação à sua respectiva sucessão. Assim, é de se observar que no Brasil a lei reguladora em matéria de comoriência é a pessoal do domicílio, conforme dispõe o artigo 7º, da LICC. Há casos em que será aplicado o disposto no artigo 29, do Código Bustamante, em relação aos conflitos envolvendo pessoas falecidas oriundas de países que ratificaram a Convenção de Havana. 1.2. Capacidade. A primeira distinção em matéria de capacidade coube a D’Argentré, no século XVI. Na ocasião, o jurista francês distingue a capacidade geral pura da capacidade especial para determinados negócios. Essa foi aceita pelos holandeses sendo repassada ao direito anglo-americano, onde subsiste. Savigny na sua teoria universalista estabeleceu que a lei do domicílio era a base para regular todas as questões envolvendo o estado e a capacidades das pessoas, condenando, assim, a distinção esposada por D’Argentré. Teixeira de Freitas, jurista brasileiro, por sua vez estabeleceu uma nova forma de distinção: capacidade de fato (especial) e capacidade de direito (geral). os direitos de família, a Lei de Introdução ao Código Civil adota a lei do local do domicílio (LEX DOMICILII), uma das mais importantes regras do Direito Internacional Privado brasileiro. Diz a lei: Art. 7º. A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. §1º. Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. §2º. O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. §3º. Tendo os nubentes domicílios diversos, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal. Unidade: Direito Internacional Privado No Brasil, as relações envolvendo o estado, a capacidade das pessoas e 4 §4º. O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal. §5º. O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressas anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. §6º. O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 3 (três) anos da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas às condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no País. O Supremo Tribunal Federal, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais (alterado pela Lei nº 6.515/1977) §7º. Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe de família estendese ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda. §8º Quando a pessoa não tiver domicílio considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre. Nota importante: a) Com o advento da Lei do Divórcio o §6º, do Art. 7º, da LICC, recebeu nova redação. O divórcio entre cônjuges, sendo um ou ambos brasileiros, somente será admitido no Brasil após um ano da data da sentença no estrangeiro (Art. 226, §6º, da CF); b) A norma contida no §7º, do Art. 7º, da LICC não mais subsiste no direito brasileiro, em função da equiparação de direitos entre cônjuges, conforme o alcance normativo do Art. 226,§5º, da CF. A mudança reforçou a cônjuges, e não apenas um deles. 2. Estatuto Pessoal da Pessoa Física. Até 1942, o Estatuto Pessoal no Brasil era regido pela lei da nacionalidade do indivíduo, mas com as modificações introduzidas pela Lei de Introdução ao Código Civil, a lei do domicílio passou a ser aplicada (Art. 7º, 8º, §1º e 2º, 10, da LICC). O direito brasileiro não define o que vem a ser domicílio para efeito de aplicação das regras de Direito Internacional Privado. No Unidade: Direito Internacional Privado existência de um domicílio conjugal, atribuído a unidade familiar, de ambos os 5 entanto, a Convenção Interamericana sobre Domicílio das Pessoas Físicas no Direito Internacional Privado, de 1979, estabeleceu os seguintes critérios: 1º) o local da residência habitual; 2º) o local do centro principal de negócios; 3º) o local de simples residência; e 4º) o local em que se encontrar a pessoa, não sendo possível constatar a simples residência. A Convenção ainda não foi ratificada pelo Brasil, assim, o juiz dela se utiliza como fonte de inspiração (material) para a aplicação do art. 7º, da LICC, principalmente para interpretar o conceito de domicílio no Direito Internacional Privado. Exceção a essa regra, no direito brasileiro, podemos citar as aplicações concernentes ao direito cambiário, ou seja, quanto à capacidade da pessoa se obrigar por uma letra de câmbio, nota promissória ou por um cheque, que neste caso aplica-se o critério da nacionalidade como regra de conexão para determinação da lei aplicável à capacidade do credor ou devedor cambiários. A exceção decorre da Convenção sobre Conflitos de Leis em Matéria de Letras de Câmbio e Notas Promissórias, de 07/09/1930, em Matérias de Cheque, de 19/03/1931. 1.3. Critérios Utilizados para Determinar a Lei Aplicável ao Estatuto Pessoal. No âmbito internacional, os critérios possivelmente utilizados para a) Territorialidade: É o regime adotado por alguns países, como por exemplo, Chile, Colômbia e Equador. Esse regime determina a aplicação irrestrita da lei local, lei do foro, sem considerar a nacionalidade ou o domicílio da pessoa. b) Nacionalidade: A adoção do critério da nacionalidade significa dizer que o Estatuto Pessoal será regido pela lei da nacionalidade do indivíduo. Vantagens de sua adoção, apontadas pela doutrina: Unidade: Direito Internacional Privado determinar a lei aplicável ao estatuto pessoal da pessoa física são: 6 b1) A lei nacional é mais adequada, pois as legislações refletem os costumes e as tradições nacionais, de maneira que é mais conveniente manter as pessoas sobe a égide da ordem jurídica de seu país nacional. b2) Estabilidade: a nacionalidade é um componente mais estável do que o domicílio. b3) Certeza: é mais fácil determinar a nacionalidade de uma pessoa do que do seu domicílio. c) Domicílio. A lei que deve ser aplicada ao Estatuto Pessoal é a lei do domicílio do indivíduo. A doutrina aponta as vantagens: c.1) “A lei do domicílio corresponde ao interesse o imigrante, pois conhece melhor a legislação do país onde vive e trabalha do que a de sua pátria e não deseja ser discriminado por outras regras jurídicas dentro da sociedade na qual se integrou”. c.2) “Os interesses dos terceiros que contratam e convivem com o imigrante são mais bem atendidos aplicando-se a lei local, uma vez que a lei da nacionalidade do estrangeiro lhes é desconhecida”. c3) “O interesse do Estado é o de assimilar todos os estrangeiros que vivem em seu meio em caráter definitivo, e a aplicação da lei do domicílio facilita essa adaptação e integração”. c4) “Como o Estatuto Pessoal abrange o direito de família, o casamento entre nacionalidades diversas acarretaria a submissão ao direito da nacionalidade, ocasionando conflito de leis na família, como cônjuges regidos por ordenamentos jurídicos diversos. Por outro lado, a regência do Estatuto simplifica consideravelmente as situações jurídicas que se formam no âmbito conjugal, filial e parental“. c5) “Considerando que a competência jurisdicional é, via de regra, determinada pelo domicílio, a aplicação do sistema jurídico domiciliar proporciona a coincidência da competência jurisdicional com a competência legal, ou seja, o juiz julga de acordo com sua própria lei, sempre melhor conhecida do que a lei estrangeira.” Unidade: Direito Internacional Privado Pessoal, suas implicações nas relações familiares pela lei do domicílio 7 2. Estatuto Pessoal da Pessoa Jurídica O Estatuto Pessoal da Pessoa Jurídica é denominado, pela doutrina, LEX SOCIETATIS, e são aplicáveis regras específicas. O Estatuto Pessoal da Pessoa Jurídica regula os seguintes aspectos: a) sua natureza jurídica; b) constituição, dissolução e liquidação; c) capacidade de gozo e de direito, aquela de exercício ou de fato; d) nome comercial; e) organização interna; f) o regime jurídico da responsabilidade civil pela violação das normas do direito societário; g) a responsabilidade jurídica pelas dívidas da pessoa jurídica; h) sua administração, gestão e funcionamento; i) sua representação perante terceiros; j) emissão de títulos; e k) seu regime jurídico. 2.1. Critérios Utilizados para Determinar a Lei Aplicável ao Estatuto das Pessoas Jurídicas. Basicamente, os ordenamentos jurídicos seguem duas teorias, para determinar a lei aplicável às pessoas jurídicas: a teoria da incorporação e a teoria da sede social. da incorporação. As regras de constituição não são universais variando de Estado para Estado, que regulamentam os requisitos essenciais ao registro e à publicidade do estatuto social e suas alterações, de observância indispensável a sua atuação regular, momento em que é reconhecida, pelo Estado, a sua capacidade jurídica. Cumpridas as formalidades legais de constituição da pessoa jurídica, o seu direito aplicável reger-se-á basicamente pelo direito do lugar de sua Unidade: Direito Internacional Privado A lei do lugar da constituição da pessoa jurídica é abraçada pela teoria 8 constituição. Para essa teoria, os sócios fundadores possuem a faculdade de constituir a pessoa jurídica conforme o direito de sua escolha, ainda que não desenvolva suas atividades no local de sua constituição. O local da sede pode ser estatutária, quando o próprio estatuto expressamente o prevê ou, de outra forma, o local designado no contrato social. A fixação do local da sede será sempre decisivo. Já a teoria da sede social determina a aplicação do direito do lugar da sede efetiva da pessoa jurídica, situada no lugar de sua administração real. A sede estatutária, neste caso, tem que obrigatoriamente coincidir com o local da sede real efetiva para que seja conferida a sua capacidade jurídica. Interessante ressaltar que mesmo que cumpra todos os requisitos para a sua constituição num determinado país, sua capacidade não será reconhecida em outro que segue essa teoria. O Brasil se filiou à teoria da incorporação e o estatuto pessoal da pessoa jurídica está definido no seguinte dispositivo da Lei de Introdução ao Código Civil: Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. Mas, a nossa legislação exige das empresas estrangeiras, que queiram se estabelecer no Brasil, por meio de filial ou agência, uma autorização governamental para poder funcionar. Por definição, a empresa para se estabelecer no Brasil deverá manter agência ou filial, mediante prévia autorização governo, para caracterizar a mera extensão da personalidade jurídica da matriz estrangeira. Além disso, a pessoa jurídica deve ser estruturada na conformidade da legislação brasileira, não podendo funcionar antes de inscrita em registro próprio, estar sujeita aos tribunais brasileiros quanto às operações encetadas no Brasil etc. Salvo as exceções previstas em lei, o estrangeiro para ser acionista de uma sociedade anônima brasileira não precisará de autorização Unidade: Direito Internacional Privado estrangeira é aquela que possui sua sede social fora do território nacional, e 9 governamental. A qualificação da sociedade como transnacional, multinacional, supranacional ou qualquer outro adjetivo com essa conotação não é decorrente de lei, mas puro critério econômico. O critério legal apenas distingue a sociedade nacional da estrangeira, conforme atribuição do Código Civil brasileiro. 3. Bens. 4.1. O Lugar da Situação do Bem – “LEX REI SITAE” ou “MOBILIA SEQUUNTUR PERSONAM” O Direito Internacional Privado brasileiro adota a LEX REI SITAE como elemento de conexão para determinar a lei aplicável aos bens móveis e imóveis passíveis de serem protegidos por direitos proprietários. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro estabelece e consagra, no artigo 8º, o princípio da territorialidade, que atrai a aplicação do direito local em que o bem está situado. O direito brasileiro adotou o sistema unitário, não distinguindo os bens entre móveis e imóveis quanto à aplicação da LEX REI SITAE. Diz a Lei de Introdução ao Código Civil: Art. 8º. Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. específica, quanto aos bens móveis, a saber: §1º. Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares. Como se vê, o legislador brasileiro excepcionou da regra LEX REI SITAE, os bens móveis que o proprietário traz consigo e para aqueles que se destinam a transportes para outros lugares. Essa exceção não poderá ser aplicada aos conflitos entre a legislação brasileira e a dos Estados com quem o Unidade: Direito Internacional Privado O parágrafo primeiro do mesmo artigo estabelece também uma situação 10 Brasil assinou o Código Bustamante, visto que esta norma não aceitou a distinção. Diz o Código Bustamante: Art. 105. Os bens, seja qual for a sua classe, ficam submetidos à lei do lugar. A classificação de direitos reais varia conforme os ordenamentos jurídicos, propiciando conflitos de qualificação. A lei básica reguladora das diferentes classes de direitos reais é a LEX REI SITAE. Assim, por exemplo, compete a lei da situação regular a posse e determinar seus efeitos jurídicos. Em relação à propriedade também vale a mesma norma. Lembrando que cada país decide sobre os modos de aquisição da propriedade. No Brasil, por exemplo, a tradição de bens imóveis não se satisfaz sem que se cumpram algumas formalidades, de inscrição ou transcrição no cartório de registro de imóveis. Na França e na Itália basta o simples efeito das convenções entre as partes para que seja efetuada a transferência. O usucapião é um dos modos de aquisição da propriedade, tanto de bens móveis quanto imóveis. No Brasil, por não haver solução expressa na Lei de Introdução ao Código Civil a lei aplicável será a regra geral – LEX REI SITAE. O instituto da enfiteuse é regulado pela lei territorial (Lex Fori) e nenhum efeito produzirá sobre bens situados em território cuja lei não o reconheça. Também se aplicam as servidões a LEX REI SITAE. Lembrando que não será possível a constituição de uma servidão predial não admitida pela lei Sobre o assunto o Código Bustamante estabelece: Art. 131. Aplicar-se-á o direito local ao conceito e classificação das servidões, aos modos não convencionais de as adquirir e de se extinguirem e aos direitos e obrigações, neste caso, dos proprietários dos prédios dominante e serviente. Art. 132. As servidões de origem contratual ou voluntária submetem-se à lei do ato da relação jurídica que as origina. Art. 133. Exceptuam-se do que se dispõe no artigo anterior e estão sujeitos à lei territorial a comunidade de pastos em terrenos públicos e o resgate do aproveitamento de lenhas e demais produtos dos montes de propriedade particular. Art. 134. São de ordem privada as regras aplicáveis às servidões legais que Unidade: Direito Internacional Privado territorial. 11 se impõem no interesse ou por utilidade particular. Art. 135. Deve aplicar-se o direito territorial ao conceito e enumeração das servidões legais, bem como à regulamentação não convencional das águas, passagens, meações, luz e vista, escoamento de águas de edifícios e distâncias e obras intermédias para construções e plantações. 4.2. O Lugar da Constituição da Obrigação – “LOCUS REGIT ACTUM” ou “IUS LOCI CELEBRATIONIS” As obrigações voluntárias ou que derivam da manifestação da vontade regem-se, quanto à forma, pela regra LOCUS REGIT ACTUM. Já em relação à capacidade para contrair essas obrigações pela lei pessoal das partes, a doutrina aponta, quanto a substância do ato praticado, as seguintes soluções: a) lei do lugar da execução; b) lei pessoal do devedor; c) lei do lugar do contrato; d) lei pessoal das partes; e) lei do lugar do contrato para o conteúdo e os efeitos e lei do lugar da execução para o cumprimento da obrigação; f) autonomia da vontade. 4. Contratos Internacionais O Direito Internacional Privado se envolve também com questões afetas ao comércio internacional, precisamente as relacionadas aos conflitos de leis mecanismos de solução desses conflitos são as regras referentes aos elementos de conexão determinadas pelo Direito Internacional Privado. São muitos os contratos internacionais. Podemos citar diversos exemplos de contratos internacionais, tais como: transporte marítimo, "know-how", "franchising", prestação de serviços, "leasing", transferência de tecnologia, compra e venda etc. Demanda tempo a elaboração das cláusulas dos contratos internacionais, por serem típicas e/ou diferenciadas, afetas, apenas, ao comércio internacional. Unidade: Direito Internacional Privado no espaço oriundas das relações entre pessoas de países diversos. Os 12 Os autores destacam apontam três fases fundamentais dos contratos internacionais são elas: fase de formação, fase de conclusão e fase de execução. Os elementos do contrato internacional são: capacidade das partes; objeto lícito, possível e suscetível de apropriação econômica; e forma prevista ou não defesa em lei. 5.1. Princípios Básicos 5.1.1. Autonomia da Vontade A autonomia da vontade é uma das regras mais importantes segundo a qual as partes contratantes elegem a lei para reger o ato. Savigny afirmava que nas relações jurídicas deveríamos procurar a lei que melhor conviesse à sua regulação. Encontraremos dificuldades na sua utilização em caráter absoluto principalmente quando as partes simplesmente não estabelecessem expressamente a lei para reger o contrato. Os defensores do princípio da autonomia da vontade sustentam que, neste caso, seria necessário descobrir a lei que as partes se submeteram. Assim, não havendo escolha expressa caberia ao intérprete descobrir a lei que as partes se submeteram. Por fim, uma vez descoberta a lei cumpririam investigar também se as partes a respeitaram. Contra essa corrente, Niboyet dizia que não devemos construir uma teoria porque a autonomia da vontade não existe porque assume o ponto de vista de que seria inadmissível conferir poder as partes na escolha da lei. Apontava, ainda, que a autonomia da vontade sofreria uma mitigação conforme Para os partidários da teoria da autonomia da vontade a questão da escolha da lei não oferece controvérsias porque a vontade dos contratantes é expressamente estabelecida no contrato e a lei preferida dominaria as relações constituídas obrigando-se, por conseguinte, aos seus efeitos jurídicos. O problema ocorreria no caso específico do silêncio das partes a respeito. Mas mesmo assim insistem na sua aplicação competindo o interprete investigar e aplicar a lei que as partes tacitamente escolheram ou a que prefeririam presumidamente. Esse critério de aplicação absoluta da autonomia Unidade: Direito Internacional Privado fossem subordinadas as leis, imperativas ou facultativas. 13 da vontade pode conduzir o intérprete a erros e equívocos, trazendo insegurança jurídica. Melhor sorte seria, no silêncio das partes, o exame do ato segundo a lei do contrato, ou a lei do lugar da execução, ou ainda a lei do foro. Sepultandose assim o conflito. Niboyet defensor da aplicação do princípio da autonomia da vontade mitigada e voltada para os direitos disponíveis (leis facultativas, não imperativas). Quanto sua aplicação em direitos indisponíveis, Niboyet afirma que são proibitivas sua aplicação, como por exemplo, sobre as normas do estatuto pessoal, como a capacidade e as relações de família, uma vez que seriam obrigatórias as normas de direitos indisponíveis, e neste domínio os contratantes não teriam liberdade de escolher, expressa ou tacitamente, a lei para reger as relações indicadas. A Lei de Introdução ao Código Civil brasileira de 1942, em relação às obrigações e contratos, estabelece a seguinte regra: Art. 9º. Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. Com se vê, não há, expressa, referência à aplicação da autonomia da vontade, bem como não impõe, de forma absoluta, a lei do país em que se constituírem. A lei do local da obrigação tem aplicação limitada, pois há casos em que contratantes reger-se-á pela lei pessoal. No Brasil, pela lei do domicílio. Além disso, em matéria de capacidade sede também para a aplicação da LEX REI SITAE em casos relacionados a bens imóveis. É importante registrar que o artigo 9º da LICC não exclui a aplicação a autonomia da vontade se ela for admitida pela lei do país onde se constituir a obrigação. Outra observação importante a comentar é a de que a atual Lei de Introdução ao Código Civil não sujeita às obrigações contraídas no Brasil ao império da autonomia da vontade. Por outro lado, a obrigação contraída no Unidade: Direito Internacional Privado a matéria sede à aplicação da lei pessoal, por exemplo: a capacidade dos 14 exterior, mesmo na hipótese da lei do lugar do contrato admitir a aplicação da autonomia da vontade, pode sujeitar-se ao direito brasileiro, se as partes de comum acordo escolheram a lei brasileira para reger suas obrigações. As obrigações decorrentes de atos ilícitos aplicar-se-ão as regras do lugar em que ocorreu o ato (ilícito). Nos contratos entre presentes, aplica-se a lei do local onde se constituiu a obrigação. A LICC de 1942 não contempla situações específicas remetendo, como regra geral, sua aplicação à lei do lugar onde as obrigações se constituíram. Como vimos, à autonomia da vontade não é ilimitada, porque devem ceder aos imperativos das normas de ordem pública. Respeitados esses imperativos as partes devem ater-se aos ditames das normas incidentes no pacto que estabeleceram. 5.1.2. Supremacia da Ordem Pública A concepção da noção do instituto "ordem pública" teve seu início com os estudos dos estatutários que procuravam limitar o campo de atuação da legislação estrangeira. Na atualidade, a noção que temos de ordem pública é a de barreira, limitando o campo de atuação do Direito Internacional Privado no que diz respeito à aplicação da lei estrangeira. [...] é possível chegar a algumas constatações práticas, que podem ser úteis à analise dos casos concretos: i) em nenhum diploma legal encontramos formulado o que venha ser 'ordem pública', isto é, o básico e fundamental na filosofia, na política, na moral e na economia do país; ii) a ordem pública se afere pela mentalidade e sensibilidade médias de determinada sociedade em determinada época; iii) o intérprete e aplicador da lei não dispõe de um bússola para distinguir, dentro do sistema jurídico de seu país, o que seja fundamental - de ordem pública; iv) deve ser rejeitado pelos tribunais o que vier do direito estrangeiro que seja chocante à mentalidade e sensibilidade médias de uma sociedade, em determinada época. É de se observar que o princípio da ordem pública tem como principal Unidade: Direito Internacional Privado Maristela Basso diz que: 15 característica a sua própria indefinição. A noção de ordem pública não é idêntica em todos os países que constituem a sociedade internacional, que se altera ao longo do tempo, conforme a evolução dos fenômenos sociais localizadas em cada região do globo. No Direito Internacional Privado a ordem pública impede a aplicação de leis estrangeiras ou o reconhecimento de atos realizados no exterior, ou ainda, a execução de sentenças estrangeiras, uma vez constatada a possibilidade de haver um resultado incompatível com os princípios fundamentais da ordem jurídica interna. É comum nos contratos internacionais a chamada cláusula de reserva da ordem pública, de vez que as partes, não rara vezes, desconhecem todas as regras jurídicas dos ordenamentos jurídicos, que os levaram a firmarem contrato com efeitos e obrigações a serem cumpridos em mais de um ordenamento jurídico. A cláusula de reserva é uma exceção que se propõe a corrigir a aplicação do direito estrangeiro para se evitar um resultado incompatível com os princípios fundamentais da ordem jurídica interna. Assim, o juiz quando verifica a violação das regras cogentes de seu ordenamento jurídico, considerando atentatórias à sua ordem jurídica, moral ou econômica, afasta a lei estrangeira e decide o caso conforme a aplicação da Lex Fori. A reserva de ordem pública é expressa no Direito Internacional Privado brasileiro, conforme disposição contida na Lei de Introdução ao Código Civil, Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. A doutrina divide a reserva de ordem pública em reservas gerais e especiais. A reserva geral seria a reserva de ordem pública prevista no artigo supra, observada, sempre, quando da aplicação do direito estrangeiro a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. A específica seriam aquelas previstas normas cogentes reguladoras de determinadas situações específicas, por exemplo, o artigo 7º, §6º, da Lei de Unidade: Direito Internacional Privado vazada nos seguintes termos: 16 Introdução ao Código Civil, que dispõe sobre o casamento realizado no exterior: O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de três anos da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no País. O Supremo Tribunal Federal, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26/12/1977) Convém assinalar que o dispositivo deve ser interpretado na forma da atual legislação que dispõe sobre o direito de família e constitucional (competência dos tribunais superiores), visto que o prazo não é mais de três anos, mas sim, de um ano e a competência para homologar sentenças estrangeiras foi transferida do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça. A ordem pública deve ser sempre observada e, o que for acordado entre as partes, não pode contrariar seus ditames imperativos do ordenamento jurídico interno (LEX FORI). 5.1.3. Obrigatoriedade da Convenção entre as Partes A obrigatoriedade da convenção entre as partes, cláusula conhecida como PACTA SUNT SERVANDA, é quase uma imposição nos contratos para que sejam efetivamente cumpridos. Seu conteúdo é intocável, fazendo lei entre as partes, mas pode ser atualizado, mas não nunca de forma unilateral entre as partes, e sim, em caso de inexecução contratual decorrente de caso fortuito e força maior. Para revitalizar o contrato evitando-se a inexecução contratual é que se definem também outra cláusula denominada de cláusula de adversidade (HARDSHIP) que muito se assemelha à teoria da imprevisão dos franceses. A cláusula de adversidade cumpre o seu objetivo dar segurança jurídica às partes contratantes fomentando o comércio internacional. Unidade: Direito Internacional Privado internacionais, que tem por fundamento a segurança jurídica dos contratos 17 5.2. Critérios para dirimir conflitos contratuais Conforme o acordo feito entre as partes, os critérios para saber qual a lei deverá ser aplicada, podem ser a: a) lei do lugar da execução; b) lei do lugar da assinatura do contrato; c) lei pessoal do devedor; d) lei pessoal do credor; e) lei escolhida pelas partes. 5.3. LEX MERCATORIA e os INCONTERMS (International Comercial Terms) Lex Mercatoria é o conjunto de normas jurídicas, escritas ou não, que regem as relações internacionais do comércio, com um poder normativo independente do direito positivo dos Estados. Fazem parte da Lex Mercatoria as regras da Câmara de Comércio Internacional – CCI, estabelecidas para efeito de aplicação e interpretação dos termos comerciais - os INCONTERMS (International Comercial Terms), que definem os deveres e obrigações assumidas tanto pelo importador como pelo exportador. A sociedade internacional é integrada por mais de 200 países soberanos. Há diversidade de língua, cultura, religião etc. Essas circunstâncias poderiam ser obstáculo ao desenvolvimento da civilização do mundo atual, o que não é verdade, pois o ser humano é capaz de se relacionar e sobreviver em qualquer lugar do universo. Nos últimos anos, vivemos como que numa aldeia global e a linha imaginária que divide territorialmente e politicamente um Estado, não é de todo intransponível, desde que observadas às regras jurídicas de entrada e saída de Unidade: Direito Internacional Privado 5.3.1. Necessidade de Cláusula-padrão 18 pessoas. Essas limitações impostas pelos Estados soberanos têm o condão natural de proteção de sua soberania. Assim, os seres humanos estreitam relacionamentos interpessoais pactuando casamentos, contratos comerciais, financeiros etc., que passam a interferir em suas vidas ensejando conflitos visto que, estão sob a égide de ordenamentos jurídicos diversos, inexistindo uma ordem jurídica supranacional (um poder superior aos Estados). As relações de comércio exigem velocidade de ações, por parte dos legisladores, voltadas para o desenvolvimento econômico e a circulação de riquezas entre os mercados consumidores e fornecedores. A Câmara de Comércio Internacional – CCI preocupa-se com o comércio globalizado, razão pela qual mantém atualizada uma série de regras-padrão que ajustadas conforme a evolução tecnológica a permitir interpretações adequadas e precisa para facilitar a condução do comércio internacional, definindo as respectivas obrigações das partes, objetivando a redução de riscos de complicações legais. Assim, não fossem a criação de regras-padrão de estreitamento das relações de comércio, o mundo ainda estaria num patamar inferior de desenvolvimento humano, social, cultural, etc. do que na atualidade. O comércio é a mola propulsora do desenvolvimento humano material e intelectual, contribuindo para a redução das desigualdades sociais, fomentando as atividades laborais. No ano 2000, chegou-se a treze termos para que fosse evitado o uso de diferentes expressões para exprimir o mesmo significado. Os termos são os EX WORKS (também conhecida como Ex Factory, Ex Mill, Ex Plantation, Ex Warehause) = NA ORIGEM (...local nomeado) FCA (Free Carrier) = LIVRE NO TRANSPORTADOR (...local nomeado) FAS (Free Alongside Ship) = LIVRE AO LADO DO NAVIO (...porto de embarque nomeado) FOB (Free on Board) = LIVRE A BORDO (…porto de embarque nomeado) CFR (Cost and Freight) = CUSTO E FRETE (…porto de destino Unidade: Direito Internacional Privado seguintes: nomeado) 19 CIF (Cost, Insurance and Freight) = CUSTO, SEGURO E FRETE (...porto de destino nomeado) CPT (Carriage Paid To) = TRANSPORTE PAGO ATÉ (...local de destino nomeando) CIP (Carriage and Insurance Paid To) = TRANSPORTE E SEGURO PAGOS ATÉ (...local de destino nomeando) DAF (Delivered At Frontier) = ENTREGUE NA FRONTEIRA (...local nomeado) DES (Delivered Ex Ship) = ENTREGUE NO NAVIO (...porto de destino nomeado) DEQ (Delivered Ex Quay) = ENTREGUE NO CAIS (...porto de destino nomeado) DDU (Delivered Duty Unpaid) = ENTREGUE COM DIREITOS NÃO PAGOS (...local de destino nomeado) DDP (Delivered Duty Paid) = ENTREGUE COM DIREITOS PAGOS (...local de destino nomeado) Unidade: Direito Internacional Privado 20 Responsável pelo Conteúdo: Prof. Eduardo Athayde www.cruzeirodosul.edu.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000 21