Novembro
2009
Problemas Nacionais
Conferências pronunciadas nas reuniões
semanais do Conselho Técnico da
Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
656
v. 55
Sumário
O Poder Judiciário
e as Políticas Públicas.................................................. 3
ArnoldoWald
Mauricio de Nassau...
Depois de Pernambuco................................................ 7
Vasco Mariz
Derivativos no banco
dos réus..................................................................... 27
Ari Cordeiro Filho
Síntese da Conjuntura
Evolução da crise cambial......................................... 69
Ernane Galvêas
São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos
nas conferências aqui publicadas.
Solicita-se aos assinantes comunicarem qualquer alteração de endereço.
As matérias podem ser livremente reproduzidas integral ou parcialmente,
desde que citada a fonte.
A íntegra das duas últimas edições desta publicação estão disponíveis no endereço
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Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo
v. 55, n. 656, Novembro 2009
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Carta Mensal |Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo – v. 1, n. 1 (1955) – Rio de Janeiro: CNC, 1955 100 p.
Mensal
ISSN 0101-4315
1. Problemas Brasileiros – Periódicos. I. Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.
O Poder Judiciário e as
Políticas Públicas
ArnoldoWald
Advogado
O
julgamento da Corte Suprema referente às pesquisas com
células-troncos embrionárias, que ensejou votos brilhantes e
exaustivos, acompanhados com entusiasmo pela sociedade civil, revelou a necessidade das políticas públicas serem submetidas, o mais
rapidamente possível, ao crivo do Supremo Tribunal Federal quanto
aos seus aspectos constitucionais. Trata-se de uma medida de caráter
prático e lógico. No século XXI, não há como esperar, por muito tempo, em um clima de incerteza, soluções que têm grande repercussão
social e econômica para o desenvolvimento do País. Por outro lado,
não se pode discutir, em cada comarca, a constitucionalidade de uma
política que, sendo nacional, deve atingir todos os interessados.
Seria inconcebível imaginar que a Lei da Biossegurança fosse examinada em casos concretos, em centenas de sentenças, com decisões
divergentes para cada interessado. Poderíamos ter um verdadeiro
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 3-6, nov. 2009
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caos jurisprudencial em uma matéria de tamanha importância, com
repercussões negativas para o progresso científico, deixando-se de
salvar vidas humanas.
Em outras matérias, após verdadeiras batalhas judiciárias, que ocorreram, por exemplo, em virtude de algumas privatizações, admitiu-se
que todos os processos referentes à exatamente a mesma matéria
deveriam ser julgadas por um mesmo e único juiz, sendo, em tese o
que apreciou a questão em primeiro lugar. Mas essa solução não é a
mais adequada, pois permite que uma política pública nacional seja
decidida por um juiz de primeira instância, com jurisdição limitada à
sua comarca, produzindo desde logo determinados efeitos para todo
o País, embora possa vir a ser posteriormente suspensa ou reformada
por tribunal superior. Para evitar divergências das decisões em relação a casos idênticos, as mais recentes leis processuais já admitem
que, havendo numerosos recursos, um caso líder seja escolhido pelo
Tribunal Superior (STF ou STJ), determinando-se a sustação dos
demais processos até o julgamento do primeiro recurso que a Corte
vai aplicar.
Mas todas essas soluções pressupõem um longo tempo de duração
dos litígios até que o processo chegue ao Supremo Tribunal Federal
ou Superior Tribunal de Justiça. Em dois casos recentes de Arguição Direta de Inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal
decidiu que eram inconstitucionais as leis estaduais em favor dos
consumidores, que pretendiam estabelecer, ou até complementar,
políticas públicas federais, que não atendiam a peculiaridades locais
que as justificassem, e desde que a lei federal fosse constitucional. Ao
contrário, se o diploma legal promulgado pela União não atendesse
aos princípios constitucionais, a lei estadual poderia prevalecer. Foi
o que aconteceu em relação à lei do Estado de São Paulo proibindo
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 3-6, nov. 2009
a utilização do amianto. Concluiu o Supremo Tribunal Federal que
“quando se trata de matéria que exige normas de caráter geral para
todo o País, não pode estar disciplinada por leis locais de maneira
diferenciada”, salvo se houver situações peculiares que possam justificar a existência da lei estadual.
No passado, tentou-se encontrar uma fórmula de convivência construtiva entre o controle constitucional nos casos concretos, realizado
pelo magistrado de primeira instância, sujeito aos recursos cabíveis, e
o controle abstrato e geral feito, desde logo, pelo Supremo Tribunal
Federal. Essa “coabitação” está, todavia, se tornando cada vez mais
difícil e onerosa para o País, em um momento de adoção de novas
tecnologias e de regulação mais intensa e detalhada pelas agências,
que exigem rapidez e eficiência por parte da administração pública.
A sociedade de riscos, na qual vivemos, não pode suportar, por mais
tempo, o ônus da incerteza nas grandes questões suscitadas pelas
políticas públicas, como as referentes ao PAC, à educação, à saúde,
à previdência e ao regime legal da infra-estrutura, e, no passado, aos
planos econômicos e ao FGTS, que ensejaram milhares de processo
que congestionaram os tribunais por longos anos.
Os remédios constitucionais que já existem, a ADIn, a ADC e a
ADPF, permitem que a Corte Suprema possa exercer, direta e originariamente, o controle da constitucionalidade das políticas públicas,
como o fez no recente caso das células-tronco, assegurando a eficiência do sistema judiciário e a segurança jurídica, que passaram a ser
verdadeiros princípios constitucionais.
Cabe, assim, reservar à Corte Suprema a apreciação direta de todos
os problemas constitucionais referentes às políticas públicas, assegurando a uniformidade das decisões judiciais. Permitir-se-ia, assim, o
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descongestionamento dos tribunais, que já está começando a ocorrer
em virtude da utilização das súmulas vinculantes e da aplicação do
requisito da repercussão geral, para exame dos recursos pelo Supremo
Tribunal Federal. Trata-se, agora, de complementar essas inovações
construtivas com a garantia da uniformidade das decisões no exame da
constitucionalidade das políticas públicas que só o Supremo Tribunal
Federal pode apreciar e decidir, para que sejam aplicadas em todos
os casos e em todo o território nacional, dar-se-á ao nosso direito
a necessária e coerência, assegurando-se a tomada de decisões em
tempo razoável pelo Poder Judiciário, como determina a Constituição.
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Mauricio de Nassau...
Depois de Pernambuco
Vasco Mariz
Historiador e diplomata aposentado. Ex-Embaixador
do Brasil no Equador, Israel, Chipre, Peru e Alemanha.
N
assau tem sido amplamente estudado no Brasil e, um pouco
menos, na Holanda. Ele não é tão conhecido na Europa por
seus feitos no Brasil quanto pela sua luta contra o expansionismo de
Luís XIV. Sublinho esse aspecto porque as tentativas fracassadas de
colonização no Brasil sempre provocaram uma certa alergia tanto nos
historiadores dos Países Baixos, quanto nos da França, nos casos da
França Antártica e da França Equinocial. Não gostam de estudar e
comentar seus fracassos. Em 2004 celebramos o 4º centenário de nascimento do Conde João Mauricio de Nassau – Siegen, efeméride que
inspirou bem menos ensaios e estudos do que se esperava e merecia.
Pior ainda, por incrível que pareça, houve aqui até protestos contra
as comemorações, em nome de uma suposta ameaça à identidade
nacional. Felizmente, um grande livro de Evaldo Cabral de Mello
apareceu em 2004 pela Cia. das Letras e preencheu todas as lacunas.1
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A interpretação da administração de Nassau no Nordeste brasileiro
é um tema delicado e, até certo ponto, controvertido, pois os historiadores que focalizaram o domínio holandês se dividem nitidamente
entre os que apontam os defeitos e desmandos dos holandeses e os
que buscam ressaltar os aspectos positivos de sua administração e as
qualidades pessoais de Nassau. Sua correspondência com a Companhia das Índias Ocidentais e os Estados Gerais mostra concepção
colonizadora bem mais ambiciosa do que os simples objetivos de
lucro imediato da companhia. No entanto, a teoria da superioridade
da colonização holandesa sobre a portuguesa é hipotética.
“Os Países Baixos não tinham elementos humanos e financeiros disponíveis para um grande esforço de colonização no Brasil, tanto mais
que viviam engajados em contínuas guerras regionais na Europa. Seus
princípios chocavam-se com as tradições portuguesas e da população
brasileira e as divergências intransponíveis de religião. Os holandeses
visavam apenas a apropriação dos recursos naturais do Nordeste brasileiro. Tiveram eles mais sorte na Indonésia, Suriname e África do
Sul, onde prevaleceu a habilidade batava de valer-se das diversidades
étnicas e religiosas desses países sem unidade política e divididos por
dissenções seculares. Nosso País já estava colonizado havia mais de um
século por uma nação européia que nos trouxera sua cultura, religião
e idioma. Aqui havia sociedades e aglomerações urbanas com gerações
de habitantes já nascidos na terra e fiéis à coroa de Portugal.”2
O símbolo que os autores favoráveis à colonização holandesa no
Brasil escolheram foi Calabar, como representativo dos brasilianos
que acreditavam mais no sistema holandês do que no português, mas
isso não é convincente.
“Em seu tempo no Brasil não havia pátria, apenas o amor pelo local
de nascimento. O sentimento de pátria só nasceu com força no início
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do século XIX. Os motivos de sua passagem não foram por acreditar
que o Brasil seria melhor governado pelos batavos. As razões foram
de ordem pessoal, pois esperava e conseguiu vantagens morais e materiais. Sua idealização como herói pátrio não tem fundamentos reais.
Os historiadores entusiastas da colonização holandesa fantasiaram
seu papel. O principal motivo de sua passagem fora apenas racial,
não só pelas humilhações que havia sofrido como mameluco no Brasil
português, mas sobretudo por antever um futuro melhor para ele e sua
família no lado holandês.”3
Nassau saiu do Brasil aos 40 anos e portanto viveu muito ainda. Suas
atividades posteriores ficaram no ar, ainda por divulgar ao grande
público brasileiro. Parece-me útil, portanto, contribuir para fazer
conhecer melhor as atividades na maturidade e na velhice do grande
administrador, ainda mal conhecidas em nosso País. Saliento que os
biógrafos brasileiros foram parcimoniosos em comentar, talvez por
falta de conhecimento das intrincadas crises políticas e militares na
segunda metade do século XVII na Europa. Nassau não foi somente
o administrador, o mecenas das artes que revelou à Europa muitas
das riquezas e belezas do Nordeste brasileiro. Falta relatar com
pormenores os episódios mais importantes de sua vida posterior ao
Brasil. Curiosamente, veremos que suas recordações de Pernambuco
persistiram na mente e nos atos do ilustre personagem até quase o
dia de sua morte.
A enorme e variada bagagem que Nassau levou do Brasil para a
Europa era tão rica que lhe permitiu negociar importantes títulos,
condecorações, cargos públicos e militares na Prússia, Holanda e
Dinamarca pela simples cessão de coleções inteiras de objetos exóticos trazidos de Pernambuco. Os quadros a óleo de Franz Post e de
Albert Eckhout, que pintaram paisagens, tipos de indígenas e negros,
plantas e frutas do Nordeste brasileiro, encantaram seus amigos e até
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monarcas. O espetacular livro sobre o Brasil holandês, organizado e
impresso pelo editor e historiador Gaspar Barleus, fez sensação na
Europa e os colecionadores exaltavam as ricas cortinas bordadas a
ouro e prata, e as camas e cadeiras de precioso marfim e pau-brasil.
A residência que Nassau mandara construir em 1632 na Haia, a Mauritshuis, a casa de Mauricio, virou local de peregrinação de artistas e lá
se hospedou até um Rei da Inglaterra. O projeto era de Pieter Post e
do arquiteto holandês Jacob van Campen, este um seguidor de Palladio. Sua mansão na Haia, que teria custado cerca de meio milhão de
florins, é uma das mais belas obras arquitetônicas da capital holandesa
até hoje, mas foi ironizada na época como a “mansão do Açúcar”.
(Suikerhuis). A luxuosa residência foi inaugurada com grande festa em
1644 e um grupo de indígenas brasileiros tapuias, que Nassau havia
levado para a Holanda, fizeram exibições de danças guerreiras com
muito agrado dos convidados. As coleções de objetos preciosos que
Nassau levou do Brasil foram em parte doadas ou negociadas com o
Eleitor de Brandemburgo, seu futuro protetor, e o Rei da Dinamarca,
mas boa parte ainda ficou como decoração da Mauritshuis.
O Grande Eleitor de Brandemburgo, o Rei da Dinamarca e até mesmo
Luís XIV se interessaram vivamente por aqueles souvenirs do Brasil.
Mas o Conde, depois Príncipe de Nassau, foi também um personagem de bastante importância na política e nas guerras da Europa
de seu tempo, revelando sobretudo a habilidade de um conciliador
nato, qualidades que já haviam começado a despontar em sua estada
no Brasil. Vou procurar resumir em poucas páginas os 35 anos que
Nassau ainda viveu após deixar o Recife.
Para melhor entender a vida que Nassau levou na Europa depois
que deixou Pernambuco é preciso recuar até a sua mocidade. Filho
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primogênito de Margarida von Schleswig-Holstein, Princesa da família
real da Dinamarca, Mauricio estudou na Suíça, nas universidades de
Basiléia e Genebra. Cedo iniciou uma carreira militar e, em 1625, aos
21 anos apenas, já participava de uma campanha militar em Breda, ao
sul da Holanda, sendo promovido a capitão no ano seguinte.. Três
anos depois já era tenente-coronel e, em 1630, chegou a coronel com
26 anos de idade apenas. Mesmo descontando o grande prestígio de
sua família, parece claro que embora jovem adquiriu real habilidade
nas artes da guerra. Nassau participou da campanha militar para tomar
a cidade de Maastricht e, em 1632, foi um do oficiais a conquistar a
fortaleza de Schenkenhaus, à beira do rio Reno.
Nessa altura a Companhia das Índias Ocidentais já estava implantada
no Nordeste brasileiro, em parte graças ao valioso auxílio do mameluco brasileiro Domingos Fernandes, dito o Calabar, cuja análise
de sua traição viria derramar muita tinta de historiadores nacionais.
Em 1636 Nassau conquistou a fortaleza de Schenken no vale do Reno
e o jovem Mauricio já se tornava um militar respeitado em seu País.
No entanto, ele cedo entrou em dificuldades financeiras, pois vivia
acima de suas posses. Aqueles feitos militares e a sua habilidade como
administrador levaram a Companhia das Indias Ocidentais a convidálo para o cargo de governador-geral do Brasil holandês, o que afinal
se concretizaria a 4 de agosto de 1636. Antes de partir, conseguiu um
adiantamento de seu futuro salário para cobrir suas dívidas. Tivera a
ousadia de adquirir por alto preço um terreno vizinho ao palácio dos
Estados Gerais para lá fazer construir sua residência.
O prazo de seu contrato era de cinco anos, mas acabou ficando em
Pernambuco mais de sete. Nassau convidou artistas e especialistas
de vários setores e sua ilustre comitiva chegou com ele ao Recife a
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23 de janeiro de 1637. Suas atividades no País são bem conhecidas e
foram escrutinadas e louvadas pelos melhores historiadores nacionais,
que, de um modo geral, não pouparam elogios ao jovem e talentoso
governador que chegara ao Recife com 32 anos apenas. Rocha Pombo
chegou a exagerar suas virtudes, pois ele só completaria 40 anos de
idade durante a viagem de regresso definitivo ao seu País.
A Companhia holandesa vinha obtendo resultados satisfatórios no
Nordeste brasileiro graças aos lucros espetaculares com o comércio
do açúcar, produto valiosíssimo na época. No entanto, com o decorrer
do tempo as despesas dos holandeses com as campanhas militares
começaram a ficar por demais elevadas, inconveniente agravado pelos
prejuízos sofridos por guerras regionais na Europa, sobretudo contra
a Inglaterra, cujo poderio marítimo havia aumentado muito. Nassau
continuava a ser um gastador emérito e várias vezes foi advertido
para moderar seus gastos. Em 1642, o secretário particular de Nassau,
Johan Cart Tolner, teve de viajar aos Países Baixos para apresentar à
Assembléia da Companhia um relatório pormenorizado e justificar
as elevadas despesas do governador-geral.
Curiosamente, os brasileiros e portugueses senhores de engenhos desejavam a permanência de Nassau com quem se entendiam muito bem
e, antes de seu regresso, chegaram até a fazer-lhe uma oferta concreta
para que permanecesse no Recife. Mas os preços do açúcar haviam
caído substancialmente na Europa e os adversários da administração
de Nassau dentro da Companhia conseguiram aprovar a suspensão de
seu contrato de governador-geral. Assim, a contragosto, a 4 de maio
de 1644, Nassau teve de deixar o Brasil e o fez de maneira triunfal,
pois foi vivamente ovacionado em todo o seu percurso de Pernambuco até a Paraiba, de onde partiria do porto de Cabedelo para seu
País. Os habitantes da região lhe eram agradecidos pela prosperidade
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 7-26, nov. 2009
que a sua administração lhes proporcionara. Partiu de Cabedelo no
mesmo navio que o trouxera ao Brasil e não esqueceria mais aquelas
belíssimas praias cobertas de centenas de coqueiros. Sua enorme e
esplêndida bagagem foi levada por nada menos de 13 navios e são
bem conhecidos os objetos que ele levou de nosso País, os quais lhe
seriam muito úteis para negociar cargos e benesses, além de divulgar
na Europa as belezas e riquezas do Brasil seiscentista.
Chegando à Holanda, a 12 de agosto de 1644 Mauricio de Nassau
apresentou um relatório pessimista do futuro da colônia e prestou
contas à assembléia dos Estados Gerais na Haia. Lá voltaria ainda
uma vez para fazer sugestões de moderação na cobrança das dívidas dos senhores de engenhos à Companhia, afim de não levá-los à
falência. Sugeriu que a elevada carga fiscal fosse diminuida, no que
afinal acabou sendo atendido. Depois de vivos debates, os Estados
Gerais aprovaram, de um modo geral, a sua gestão no Brasil, o que
calou as intrigas de seus inimigos e invejosos.
Mauricio se desligou formalmente da grande empresa e reassumiu
seu posto no exército holandês. Não estava feliz por voltar à sua
posição ainda relativamente modesta de coronel, após haver sido
governador-geral do Nordeste brasileiro, uma espécie de vice-rei.
Suas boas relações na política o levaram em breve a ser promovido a
tenente-general de cavalaria, na vaga do General Stakenbroek. Tinha
somente 40 anos de idade e ainda viveria quase outro tanto.
Paralelamente, lembro que, em agosto de 1645, ocorreu a primeira
grande vitória dos luso-brasileiros em Pernambuco na batalha do
Monte da Tabocas. Não temos evidência de que Mauricio, no exército holandês, seguia de perto os acontecimentos no Brasil, mas é
provável que o fizesse através de informações enviadas por amigos
brasileiros ou por algum assessor na Haia.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 7-26, nov. 2009
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Curiosamente, a Companhia das Indias Ocidentais novamente
convidou-o, em 1647, para reassumir o governo do Brasil holandês,
mas ele não aceitou. Declinou o convite porque as condições de
governabilidade haviam mudado muito. Portugal havia conseguido
libertar-se do jugo espanhol, em 1640, e estava decidido a fazer um
grande esforço para recuperar as áreas ocupadas pelos batavos. Os
luso-brasileiros, por sua parte, se organizaram melhor, receberam
auxílio substancial dos portugueses e começavam a recuperar o terreno perdido. O resto nós sabemos e não é o caso de recordar com
pormenores aqui, mas Nassau estava bem informado das dificuldades
que os batavos teriam para se sustentar no Brasil e, talvez por isso,
escusou-se em reassumir. Consta também que ele teria pedido um
salário exorbitante, para que não fosse aceito.
Depois da paz de Portugal com a Holanda, Nassau chegou a ter contato discreto com o embaixador português Sousa Coutinho. Nassau
se correspondeu com o Marquês de Montalvão e considerou até a
possibilidade de aceitar um comando no exército português, curiosa
ironia, mas que para ele seria talvez mais interessante do que governar
o modesto Wesel. Seu biógrafo Evaldo Cabral de Melo nos relata que
Coutinho chegou a oferecer-lhe a vultosa quantia de 400.000 florins
para ajudar nas negociações dos portugueses com a Companhia,
mas não se sabe com certeza se Nassau chegou a interferir, recebeu
a propina ou mesmo parte dela.
Em abril de 1647 o historiador e editor Barleus fez publicar em
Amsterdam, em latim, o belíssimo livro intitulado Rerum per octenium
in Brasilia et alibi nuper gestarum sub Praefectura ilustrisimi Comitis Mavriti
Nassoviae, ou seja “História dos feitos praticados durante oito anos no Brasil e
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 7-26, nov. 2009
outras partes por Mauricio de Nassau.” A obra, considerada o melhor livro
publicado sobre o periodo colônial brasileiro em Pernambuco, foi
traduzida para o alemão em 1659. Gaspar van Barleus (1584-1648) era
calvinista, nascido em Antuerpia e ensinou em Leiden e Amsterdam.
Não esteve no Brasil, mas consultou e utilizou o riquíssimo arquivo
de João Mauricio para montar o seu belo livro, do qual hoje restam
apenas quatro valiosíssimos exemplares. A versão original consta de
55 pranchas e as reproduções dos quadros de Franz Post encantaram
a Europa, pois seu gênero de paisagens era inédito.
Em novembro de 1647, Mauricio foi designado para servir na Prússia, no exército do Grande Eleitor de Brandemburgo, o potentado
da região de Berlim, que, tempos depois, o nomearia Stadhouder de
Clève, Mark e Ravensberg, à beira do Reno, importante ducado de
considerável influência comercial com os Países Baixos.
Afinal ele representava “um penhor de bom entendimento com o
poderoso vizinho neerlandês. Clève, como todo o baixo Reno, dependia da navegação fluvial com a Holanda, que lhe servia de entreposto
comercial”., comentou Evaldo Cabral de Mello.
O casamento de Frederico Guilherme com Luisa Henriqueta, da
casa dos Orange, levara Mauricio a mudar-se para a Prússia, onde
previa jogadas de grande futuro, que aconteceriam. O Eleitor conhecera Nassau em Clève, onde ele comandava. Besselaar escreveu que
“conheceu-o e apreciou-o: ambos eram cultos, amantes da arquitetura.
colecionadores de raridades e deveriam ter as mesmas idéias políticas”4 Lá em Clève, Nassau deve ter sabido que os luso-brasileiros
obtiveram outro grande sucesso na batalha dos Guararapes, fato que
confirmava sua avaliação pessimista para os batavos da conjuntura
militar no Brasil.
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No ano seguinte, em 1648, aparecia na Europa outra obra importante
que divulgaria aspectos de sua administração em Pernambuco: o médico Wilhelm Piso, notável colaborador de Nassau no Brasil, publicava
em latim o livro História Naturalis Brasiliae, que teria boa repercussão
na Europa inteira. O livro foi traduzido em várias línguas e 200 anos
depois ainda era consultado, tanto que dois notáveis cientistas – Alexandre von Humbolt e Saint-Hilaire – utilizaram as observações do
Dr. Piso ao viajar para o Brasil.. Para irritação dos desafetos de Nassau
com tanto luxo, em 1649 a Mauritshuis estava pronta, devidamente
decorada e inaugurada, tanto que, após a execução do Rei Carlos I
da Inglaterra, seu filho Carlos II e os Duques de York e Glocester
foram hóspedes de Nassau na chamada Casa do Açúcar.
Nesse mesmo ano ocorria a segunda batalha dos Guararapes e
os holandeses ficaram cercados no Recife. Ainda não era possível
expulsá-los, pois os batavos continuavam a ter amplo domínio dos
mares do Nordeste. Só cinco anos mais tarde, em 1654, foi possível
aos portugueses enviar importante frota a Pernambuco, que afinal
libertou o porto do Recife e obteve a rendição das tropas holandesas.
Em 1652, aos 48 anos de idade, Mauricio chegou ao pico de sua carreira política, pois foi elevado pelo Imperador Fernando III a príncipe
do Sacro Império Romano Germânico com o título de Reichsfuerst. O
patrono da homenagem deve ter sido o próprio Grande Eleitor, seu
amigo e chefe. Essa honraria atraiu-lhe outras homenagens, já que
ele depois foi elevado, em Brandemburgo, a cavaleiro da Ordem de
Malta, então chamada de Ordem de São João. “Mestre” dos joanitas, Nassau fez restaurar a igreja e o castelo de Sonnenburg, onde a
cerimônia fora realizada.
Dois anos depois Mauricio resolveu por sua vez homenagear o País
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 7-26, nov. 2009
de sua mãe, Princesa real da Dinamarca, e presenteou o Rei Frederico
III desse País vizinho com 26 pinturas a óleo de Albert Eckhout, o
exímio pintor que o acompanhou ao Brasil e aqui pintou belos tipos
brasileiros de todas as origens e cenas de lutas entre indígenas. O
monarca dinamarquês recompensou-o com a cobiçada condecoração da Ordem do Elefante. Tratava-se da magnífica coleção de
quadros e outros objetos de arte que o turista moderno ainda hoje
pode observar no Museu Nacional de Copenhague. Esses quadros
estiveram no Brasil, em 2004, para os festejos do quarto centenário
de nascimento de Nassau e foram exibidos com imenso sucesso em
diversas cidades brasileiras.
Em 1657, já na qualidade de Reichfuerst, Príncipe do Império, Nassau
foi encarregado de importantes missões diplomáticas em vários
Países da Europa. O novo príncipe representou o Rei Leopoldo da
Hungria e da Boêmia e também o arquiduque da Áustria nas importantes negociações para a sucessão do Imperador Fernando III no
trono do Sacro Império Romano-Germânico. Essa foi uma notável
distinção que demonstrava o prestígio que Nassau havia alcançado
na época. Em julho de 1661 recebeu outra significativa missão, desta vez em Londres, representando seu chefe, o Grande Eleitor de
Brandemburgo, na negociação e na assinatura de um tratado com o
novo Rei da Inglaterra Carlos II, o qual se hospedara na Mauritshuis
tempos atrás. Aproveitou a ocasião para efetuar sondagens sobre o
possível casamento da Princesa Maria de Orange com o Rei Carlos
II, da Inglaterra, mas as negociações não prosperaram.
No mês seguinte era assinada na Haia a paz final entre os Países Baixos
e Portugal, quando os batavos reconheceram finalmente a soberania
portuguesa sobre o Nordeste brasileiro e Angola, na África. Ignora-se
se nesse momento Nassau já estava na Haia, de volta de sua missão
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 7-26, nov. 2009
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na Inglaterra e assistiu à cerimônia da paz. A notícia do tratado da
Haia certamente lhe deve ter trazido boas lembranças do Brasil, que
ele deixara 17 anos antes. Em 1667, aos 63 anos de idade, Nassau
foi promovido a marechal-de-campo dos Países Baixos, distinção
máxima a um militar holandês.
Em 1672, as Províncias Unidas foram atacadas simultaneamente pelos ingleses e franceses e a situação militar do País ficou periclitante.
Os holandeses tiveram de recuar e só foram salvos por inundações
artificialmente provocadas. O País ficou reduzido a três Províncias
apenas: a Holanda, a Zelândia e a Frísia. Era o declinio definitivo dos
Países Baixos como grande potência européia e internacional, destino
selado em 1713 pelo tratado de Utrecht. Nassau cumpriu seu dever
de militar com muita bravura, apesar de sua idade e teria contribuido
para a salvação de Amsterdam. Em agosto de 1674, Mauricio participou da sangrenta batalha de Seneffe, “onde despertou a admiração
de todos. Apesar de seus 70 anos, ficou 15 horas montado no seu
cavalo, dando provas de grande energia e coragem”.5
A guerra com a França foi o adeus às armas de Nassau como marechal do exército neerlandês. Estava cansado, sofria de pedras nos rins.
Pediu licença para regressar à Haia para tratar-se. Pela sua continuada
bravura e resistência física nas condições precárias dos campos de
batalha, os Orange se apiedaram dele e lhe deram o comando da
importante cidade de Utrecht, onde teria funções mais tranquilas.
A saúde porém não melhorou muito e só ficou no cargo por dois
anos apenas. Regressou à sua belíssima residência da Haia, na qual
embelezou os jardins. Em 1676 solicitou baixa do exército holandês,
que lhe foi concedida pelo Príncipe de Orange com todas as honras
e as vantagens de seu ordenado de militar de alta patente.
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Lembro que o ducado de Clève abrangia cidades de bastante importancia na época, como Wesel, Emmerick, Calcar, Duisburgo, Xanten
e Rees, além da própria cidade de Clève, que possuía um belo castelo
muito antigo, de cuja torre se avistava uma área enorme e representava
posição estratégica sob o ponto de vista militar. O ducado era uma
zona rica de gado bovino e continha também várias minas importantes de carvão e de ferro. Clève sempre fora uma região cobiçada
pelos vizinhos franceses, que chegaram a ocupá-la, fato que foi uma
das causas da famosa Guerra dos 30 Anos.
Era uma área de forte influência calvinista, o que provocava a ira
dos vizinhos católicos franceses e dos espanhóis de Flandres. O
Eleitor de Brandemburgo mantinha forte guarnição em Clève, cuja
região Nassau conhecia bem desde a sua juventude. Sua designação
agradou aos Orange e aos Estados Gerais, pois na verdade ele era o
homem para o cargo. Nassau lá atuou com a sua costumeira política
de conciliação em que era mestre, procurando atender os interesses
de católicos e protestantes, bem como os da nobreza e da burguezia.
Em sua administração de Clève, Mauricio de Nassau foi também um
urbanista, pois abriu grandes avenidas na cidade e restaurou o castelo.
Mantinha uma pequena corte de pintores, gravadores, arquitetos e
poetas. Podemos ainda considerar Nassau como um verde, pois ele
se vangloriava de haver plantado cerca de 400 mil árvores no Brasil
e na Europa. Até hoje, Clève é uma cidade de jardins, todos concebidos por Nassau. Em 1979, a cidade recordou com grande brilho o
3º centenário da morte de Nassau.
Os valiosos objetos da coleção brasileira foram incorporados à
chamada “Wunderkammer” (Câmara das Maravilhas) de Berlim,
constituindo uma ala especial denominada Theatrum rerum naturalis
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 7-26, nov. 2009
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Brasiliae (Teatro das coisas naturais do Brasil). O Eleitor Frederico
Guilherme mandou fazer 10 grandes tapeçarias utilizando quadros
de Franz Post pintados em Pernambuco.
Mas a situação financeira de Nassau já não era boa nessa altura, pois
vivia apenas de seus salários de militar e de Stadhouder. Teve de vender
várias joias preciosas ao Grande Eleitor para pagar dívidas, pois a
guerra interrompera o recebimento das rendas de diversas propriedades. Pouco antes de morrer, em 1678, Nassau recebeu em Clève
os embaixadores franceses que foram à conferência de paz entre a
França e os Países Baixos e lhes deu depoimentos de natureza militar.
Essa foi a sua última atuação internacional.
Sua situação financeira piorava e um ano antes de seu falecimento enviou curiosa carta ao Secretário de Estado do Rei de França, Luis XIV,
oferecendo-lhe uma coleção valiosíssima: eram 34 quadros de Franz
Post e 8 de Eckhout destinados à fábrica de tapeçarias dos Gobelin,
em Paris. Os termos daquela carta são admiraveis, pois ele recordava
com infinito carinho as belezas do Brasil pintadas por Franz Post.
Reproduzo abaixo trechos de sua expressiva carta para o leitor bem
avaliar com que emoção Nassau evocou a imagem já remota do seu
Pernambuco, que ainda continuava tão presente nas suas recordações.
Nessa carta louva seus objetos brasileiros e afirmou que os quadros
de Eckhout e Post se poderiam transformar em belíssimas tapeçarias
para mobilar um grande salão ou uma galeria palaciana francesa.
Terminou a carta dizendo: “... E se um curioso visse esses tapetes,
ele não necessitaria atravessar o oceano para conhecer esse belo País
do Brasil, que não tem igual sob o céu”. Em 1679 a sua Brasiliana foi
exibida no palácio do Louvre, em Paris com notável sucesso.
Nassau chegou a escrever a um amigo em Paris solicitando que Luis
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XIV não lhe enviasse joias, condecorações ou novos títulos e sim
dinheiro contante, a fim de poder saldar as suas dívidas. Ele sempre
vivera acima de suas posses. Entretanto, o Rei de França não chegou
a fazer-lhe oferta alguma por essa coleção, pois Nassau faleceu antes. A série de gobelins foi executada 10 anos depois em belíssimas
tapeçarias que se celebrizaram como as Anciennes Indes, as Nouvelles
Indes e as Petites Indes, estas em tamanho menor. A partir de 1735,
elas continuaram a ser fabricadas com o título de Modernes Indes. As
tapeçarias foram fabricadas por mais de 120 anos.
Seis meses antes de morrer, a 26 de junho de 1679, Nassau escrevera ao embaixador dos Países Baixos na Dinamarca, Jacob le Maire,
solicitando mandasse fazer cópias em tamanho menor dos quadros
de Eckhout que estavam em Copenhague. No fim de sua vida, ele
queria cercar-se de imagens do Brasil...
Finalmente, a 20 de dezembro de 1679, aos 75 anos e meio de idade,
Johann Moritz von Nassau, nosso João Mauricio de Nassau, veio a
falecer em sua agradável, mas modesta propriedade rural vizinha
a Clève. Chamava-se Berg en dal (Montanha e vale), que Mauricio
chamava de “cabana”. Lá ele utilizava uma rede nordestina de linho
bordado. Dizia que o balanço da rede lhe aliviava as dores nos rins e
lhe permitia dormir melhor... Seus restos mortais foram levados ao
panteon de sua família em Siegen, sua cidade natal, perto da cidade
de Colônia.
A casa de Haia estava hipotecada por elevada soma e o credor nada
recebeu. Depois de sua morte, a Mauritshuis foi arrendada ao governo
holandês para hospedagem de convidados ilustres. Em seu testamento
feito um ano antes de morrer, Nassau indicou como herdeiro o seu
sobrinho e filho adotivo Guilherme Mauricio. Ao Grande Eleitor,
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amigo e protetor de tantos anos, deixou o grande diamante imperial a
ele empenhado e ainda pequenas quantias para empregados e amigos,
sem esquecer também os pobres de Siegen.
Nassau tinha muito boas recordações do Brasil e esse sentimento o
acompanhou até a morte, aos 75 anos de idade, isto é, 35 anos depois
que deixou o Recife. A decoração da Mauritshuis era um verdadeiro
museu brasileiro. Essas constantes recordações de Pernambuco parecem confirmar que os sete anos brasileiros podem ser considerados
como o ponto mais alto de sua vida. No entanto, Nassau chegaria
depois a Príncipe do Sacro Império Romano Germânico, além de
marechal do exército holandês e governador do importante ducado
de Clève, no oeste da Prússia. Foi também um dos líderes da dinastia
dos Orange, que governou os Países Baixos por várias décadas no
século XVII.
Não teve filhos, mas como escreveu ironicamente o poeta Vondel,
“o humanista Nassau não se dobrou ao jugo das mulheres e preferiu
guardar uma liberdade de movimento condizente com as exigências
profissionais, o que não quer dizer que ele tenha escapado ao jugo
de suas amantes” Frei Manuel Calado escreveu que, em Pernambuco,
Nassau teve algumas amantes, como a Margarida Soler, filha de um
pastor holandês no Recife. Outro amor que ele certamente teve no
Brasil foi a famosa Ana Paes e, em Clève, no outono de sua vida, Inês
Gertrudes van Bayland foi sua companheira devotada. Seja como for,
ele nunca se casou. Aquele mesmo poeta Vongel comentou ainda
que “Mauricio conquistou coisa melhor do que cidades e fortalezas:
obteve a simpatia de inúmeras pessoas. E quem ganha corações, vence
o herói que conquista praças de guerra”.
O grande historiador inglês Charles R. Boxer definiu bem sua perso-
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nalidade: “Nassau não era apenas um general capaz e um administrador de primeira categoria, mas um governante em muitos aspectos
adiante de seu tempo.” Boxer já salientava que, em seu governo no
Brasil holandês “havia uma grande liberdade religiosa, maior do que
em qualquer outra parte do mundo ocidental”. Ele se interessava pelo
meio ambiente, jardins, florestas e adotou no Brasil providências até
de preservação da mata atlântica. Sua curiosidade e interesse pelos
habitantes de Pernambuco “nada ficou a dever – afirmou Boxer6” às
de um antropólogo do século XX”.
Sua divisa era: qua patet orbis (até onde vai o mundo), mas como escreveu Besselaar, professor da Universidade de Nijmegen,
“esse não era um grito de guerra de quem queria dominar o mundo.
Apenas desejava humanizá-lo e embelezá-lo. (...) Ninguém pode servir
bem a dois senhores, mas Mauricio de Nassau conseguiu o impossível:
serviu durante mais de trinta anos, combinando a função de Stadhouder
do Príncipe de Brandemburgo com a de importante comandante militar a serviço das Províncias Unidas. (...) Mauricio sempre defendeu
a causa do soberano com sincera convicção, sem perder a simpatia da
outra parte. Desempenhou as duas tarefas a contento dos dois senhores
e sempre manteve a sua dignidade pessoal.
Por isso mesmo ele tem sido louvado por uma geração de historiadores, mas é de se lamentar que os ultranacionalistas luso-brasileiros
vêm tentando diminuir a sua glória, chegando até a escolher o
enigmático Calabar, como o anti-herói patriota. Ressalta seu melhor
biógrafo Evaldo Cabral de Mello que, em 1936, a propósito das comemorações de sua chegada ao Recife, houve viva controvérsia entre
os nassovianos e os antinassovianos, que eram pontas de lança das
posições dos jesuítas e de historiadores portugueses. Em 2004, por
ocasião do seu 4º centenário de nascimento, Nassau foi injustamente
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denegrido por alguns escritores.
No entanto, o já citado Gerardt Brunn, historiador da Universidade
de Siegen, da própria cidade natal de Mauricio, considera Nassau
“um personagem menor na grande história do seu século na Europa e
que pouco fez de realmente espetacular em sua vida política e militar.
Foi um hábil mediador dos interesses comerciais entre a Holanda e o
Brandemburgo, homem de personalidade múltipla, muito aberta para
sua época (...). Nassau era um internacionalista que tornou possível
para alemães, holandeses e brasileiros se referirem igualmente a ele como
parte de suas histórias. Por causa disto, mais do que outros, conseguiu
ver além de fronteiras e oceanos e construir suas pontes culturais”.
Em verdade, Nassau serviu a dois governos, o holandês e o prussiano,
influênciando três tratados de cooperação, em 1655, 1666 e 1672,
entre os Países Baixos e a Prússia dos Brandemburgo. Com relação
à sua cidade natal Siegen, ajudou o protestantismo a continuar a ser
a religião dominante da região e, ao mesmo tempo, conseguiu mediar
a paz religiosa com os católicos de sua cidade natal.
Para nós brasileiros, ele foi sem dúvida a figura máxima do século
XVII no Nordeste. Vimos também que o grande administrador
seiscentista de Pernambuco foi bem mais do que se comenta habitualmente em nossos compeêndios de historia. Foi personagem de
bastante relevo na história de seus dois países e da velha Europa do
século XVII. E, até morrer, foi um entusiasta divulgador das coisas
do Brasil, que ele nunca esqueceu.
Notas
1 MELLO, Evaldo Cabral de – Nassau, o governador do Brasil, Cia. das
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Letras, São Paulo, 2004.
2 GRIECO, Francisco de Assis – Guararapes, o despertar da nacionalidade, Revista da Ecola Superior de Guerra, na XIII, nº 37, 1998, Rio de
Janeiro, p.21-42.
3 MARIZ, Vasco – Estudos Historicos, Editora Francico Alves, Rio
de Janeiro, 2004, página 113.
4 BESSELAAR, José van den – Mauricio de Nassau, esse desconhecido, FAPERJ, Rio de Janeiro, 1982, p.48.
5 BESSELAAR, José van den - Op. cit. p.71.
6 BESSELAAR, José van den – Op. cit. p. 81.
7 BESSELAAR, José van den – Op. cit. p.48.
8 BRUNN, Gerardt – Presença Holandesa no Brasil: memoria e imaginario,
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, 2004, p.340.
Bibliografia seleta
BARLEUS, Gaspar – História dos feitos recentemente praticados
durante oito anos no Brasil, 2ª. edição, Recife, 1980.
BESSELAAR, José van den – Mauricio de Nassau, esse deconhecido,
FAPERJ, Rio de Janeiro, 1982. Contém excelente avaliação de suas
atividades na Europa por um professor da Universidade de Nijmegen.
BOXER, Charles R. – Os holandeses no Brasil, Editora Nacional, São
Paulo,1961. O depoimento do clássico autor inglês é indispensável.
BRUNN, Gerardt - Johann Moritz – vida e legado, capítulo em A presença
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holandesa no Brasil: memória e imaginário, Museu Histórico Nacional,
Rio de Janeiro, 2004. Útil livro de ensaios sobre o 4º centenário de
Nassau.
GRIECO, Francisco de Assis - Guararapes, o despertar da nacionalidade,
Revista da Escola Superior de Guerra, na XIII, nº 37, 1998, Rio de
Janeiro, páginas 21-42.
MARIZ, Vasco - Calabar, in Estudos Historicos, editora Francisco Alves,
Rio de Janeiro, 2004.
MELLO, Evaldo Cabral de – Nassau, o governador do Brasil, Editora
Companhia das Letras, São Paulo, 2005. A melhor biografia do
personagem.
_____________________ - Rubro veio, Editora Topbooks, Rio de
Janeiro, 1997. Excelente estudo sobre a presença dos holandeses no
Brasil.
VARNHAGEN, F.A. de – História das lutas com os holandeses, BIBLIEX,
Rio de Janeiro, 2002. Texto clássico, um pouco superado hoje por
pesquisas recentes.
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Derivativos no banco
dos réus
Ari Cordeiro Filho
Advogado
O
anátema sobre as nefastas consequências da crise financeira
internacional vem associado à ideia de ilícitos cometidos em
sua origem. E os derivativos têm sido apontados difusamente como
causa ou concausa relevante desta crise, no vórtice de cujas consequências ainda nos encontramos.
Desde logo, desvela-se a impropriedade de colocar estes instrumentos
financeiros no banco dos réus. Derivativos são entes inanimados,
desprovidos de personalidade, portanto sem qualquer possibilidade
de figurar legitimamente como titulares no polo ativo de ilícitos ou
no polo passivo de acusações. Apesar de óbvio constatá-lo desta
forma, há, contudo, subjacente, uma remissão importante a fazer:
eles são instrumentos financeiros, papéis físicos, contratos ou me-
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ros registros gráficos, que incorporam direitos gerados e obrigações
assumidas por pessoas físicas ou jurídicas. Em relação aos que deles
são titulares, aos seus motivos ou motivações para neles entrarem,
estes instrumentos financeiros podem ter correspondido, ou não, em
face de riscos eventualmente a eles implícitos.
A ninguém ocorreria colocar no banco dos réus espadas ou cimitarras,
facas ou instrumentos perfurocontundentes, revólveres, venenos,
bombas, mas sim as pessoas que os utilizaram como instrumental
para o ilícito. Se estiver presente a lógica em apontar a presença de
derivativos, no polo causal da decapitação de instituições do mercado,
pouco avessas ao risco; na evisceração do sistema financeiro mundial,
por más práticas de técnica bancária; no sacrifício de investidores,
vítimas inocentes ou por demais ambiciosas de intermediários; no
envenenamento da circularização do crédito por engenheiros financeiros; na paralisia global de um sistema razoável de precificação de
ativos por instituições “grandes demais para falir”; no extermínio
de patrimônios e poupanças financeiras formadas com trabalho
duro ao longo dos anos, pelo viés incompetente de políticos ou erro
de reguladores, então a lógica institucional de procura de culpados
deve dirigir-se às pessoas que agiram culposa ou dolosamente, na
geração, circulação e regulação destes instrumentos financeiros. São
pessoas que decidem emiti-los. Pessoas é que os fazem circular e os
negociam, no seu interesse. São entes dotados de personalidade civil
ou jurídica que regulamentam sua emissão, oferta e negociação. A
própria semântica situa derivativos como um fenômeno subsidiário.
Sem os principais, subjacentes específicos da atual crise, os derivativos
não existiriam. Comissivas ou omissivas, decisões de pessoas são que
ensejaram seu uso temerário ou imperfeito.
Entretanto, outros veículos financeiros simples, não conceituáveis
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como derivativos, instrumentaram danos efetiva e significativamente,
em maior escala e em etapa operacional anterior à dos derivativos a
eles referenciados. No meu entender, a geração defeituosa e tornada
imprudente de tais veículos financeiros antecedentes, não derivativos,
deu ensejo ao aparecimento oportunístico de outros instrumentos
financeiros, dentre eles cotas de fundos de investimento que os recepcionaram e também derivativos.
Os créditos hipotecários, sobretudo, e comerciais – decorrentes de
financiamentos mal concedidos – situam-se como os fenômenos
financeiros deflagradores, na gênese da desordem financeira. Tais
créditos (recebíveis) de má-qualidade (subprime), foram objeto de
securitização, e os seus títulos securitizadores não são conceituáveis como derivativos. Os financiamentos subprime situaram-se em
franjas do mercado de crédito americano e global. São frações dos
créditos hipotecários e comerciais globais, que excederam o usual,
em matéria de inadimplência, mas correspondem a valores absolutos
significativos, na margem de crescimento. Os excessos, no mercado
financeiro, têm o poder de contaminar o tecido geral. Mercados de
crédito não exatamente arriscados, mas fronteiriços, foram degradados; mecanismos de mercado de precificação e liquidez para ativos
financeiros desapareceram e até ativos consistentes foram afetados
pela desvalorização das suas garantias. A falta de confiança generalizada foi paroxística e devastadora.
Esgotada a capacidade de expansão desvigiada, o início da constatação
numérica dos exageros deflagrou uma conscientização geral não só
no mercado financeiro, como também na economia real. Projetos
baseados na confiança no futuro foram sobrestados.
O lado real do universo econômico começou um processo de ajus-
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tamento seletivo, com a expulsão de suas próprias notórias inconsistências. Basta visitar hoje a Motors Liquidation, parte ruim da
General Motors, em regime falimentar, conforme constatou o Wall
Street Journal: são 5 mil robôs desativados, 320 km² de correias
transportadoras e 5 milhões de m² de espaços indesejados de imóveis,
em fábricas e escritórios. A inadimplência corporativa em países do
Leste Europeu chegou a 50%! Mais de 20 empresas de grande porte
estão em processo de renegociação desconfortável de seus títulos de
dívida e de empréstimos.
Iniciou-se um processo de desalavancagem, que esteriliza segmentos
de crédito progressivamente. Cobranças e pagamentos de dívidas,
desfazimento de cadeias de absorção de créditos, por securitização,
introduziram um fator divisor da sua disponibilidade. A contração
foi e é grande, no crédito.
Danos podem ser causados por pessoas, com a utilização de instrumentos singelos ou mais sofisticados. Não se pode atribuir aos
derivativos em si o fato de empresas brasileiras terem perdido US$ 25
bilhões com seu uso, inclusive na modalidade exótica, recentemente, de acordo com o Banco Mundial. Pode ser o caso de executivos
entrarem em operações especulativas com derivativos, sujeitando as
empresas abertas a riscos enormes, desnecessários. Há casos de empresas que têm hedge natural, em suas operações, e que mesmo assim
entraram em derivativos por iniciativa especulativa, sofrendo prejuízos
de grande monta. Por exemplo, se têm compromissos em dólar e
receitas equivalentes, compatíveis em prazos, também em dólares, é
desnecessário o uso de derivativos para hedge. Ou então, os derivativos
excedem a necessidade de proteção. Ou contêm “gatilhos”(triggers)
que acionam riscos maiores, atados a especulação sobre preços ou
cotações. Igualmente, se seus ativos são indexados ou têm valor de
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mercado de forma equivalente à indexação ou valor de mercado de
seus passivos, não há hedge, mas especulação. Eventualmente, poderiam elas dispor de procedimentos acauteladores mais rigorosos
relativamente a riscos bem menores do que aqueles em que entravam.
As pessoas de administradores devem agir no melhor interesse das
empresas, observar o dever de lealdade. O questionamento nodal
é sobre se o entrar em derivativos financeiros especulativos está
autorizado no estatuto, se está compatível com os mandamentos da
boa gestão e responsabilidade de administradores, previstos na lei. A
consequência pode ser levar a empresa a prejuízos, com operações
estranhas ao objeto social, a desvantagens em relação à concorrência
e, mesmo, à insolvência.
Aquilate-se a relevância deste montante pela recordação de que, em crise
da década passada, o Brasil, como País, foi objeto de uma espécie de
“benevolência”, no mercado financeiro internacional, para um colchão
de liquidez de US$ 40 bilhões.
É erro simples de direcionamento (uma aberratio ictus) verberar instrumentos financeiros e não pessoas e instituições administradas
por pessoas, que os utilizaram ou regularam. Dentro do próprio
equívoco (ab absurdo) de confundir personae com res, admitindo que
intrumentos inanimados seriam pessoas acusáveis, tratar-se-ia de
um erro de individuação (error in personam) centralizar a acusação em
derivativos e, não, nos instrumentos principais, que deflagraram a
crise – os créditos subprime e seus títulos securitizadores - bem assim
ignorar o contexto circunstancial que oportunizou o surgimento das
anomalias creditícias, no âmbito das políticas públicas do Legislativo
e Executivo americanos, em relação ao mercado de residências, e da
política monetária americanas.
O resultado, de que depende a existência do ilícito, só é imputável
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a quem lhe deu causa, como o consagra nosso Código Penal. E a
causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido
(art. 13-Código Penal).
Em face do relativo grau de complexidade de alguns derivativos, pode
ter ocorrido por parte de investidores, ignorância quanto ao seu modus
agendi, mas outras tantas vezes foram riscos assumidos conscientemente com recursos próprios ou, mais seriamente, com recursos de terceiros administrados discricionariamente. Em relação aos intermediários,
instituições do mercado, dificilmente se poderia alegar ignorância ou
ingenuidade, no trato com estes instrumentos, pela teoria de risco
jurídico inerente ao seu papel. Penso ser inaplicável, em relação a eles,
no caso do Brasil, instituto como a nossa “descriminante putativa”, do
art. 20, § 1º do Código Penal: ou seja, por suporem situação de fato
que, se existisse, tornaria a ação legítima. Mesmo que esta suposição
de situação de fato fosse culposa – por exemplo, com respaldo na
certificação de uma agência de classificação de crédito – o vulto e
a massificação das operações combinados com a responsabilidade
profissional perante os investidores gera uma inescusável obrigação
de diligência extraordinária. É questionável, inclusive, se tais agências
de rating têm maior e melhor acesso a informações sobre qualidade
do crédito do que os bancos podem ter, se quiserem.
Esta terceirização das avaliações, se necessária ou eventualmente
aceitável no caso de títulos que aportam ao mercado de capitais, não
me parece justificável no nascedouro, no caso de deferimento de
crédito que envolve desembolso de principal.
Restrições ao uso
As pessoas, quando agem, fazem-no por motivações e envolvidas
por circunstâncias. A motivação com que agentes vêm ao mercado
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e algumas circunstâncias em que o fazem podem gerar restrições
parciais ou integrais à utilização de instrumentos ou ao uso de formas
de negociação.
É cediça a legitimidade de estabelecer restrição ao uso de certos instrumentos em certas modalidades ou circunstâncias. Há, por exemplo, comparativamente, proibição de armas em aviões, de balas tipo
“dum-dum”, de porte de arma sem autorização especial. Em certas
circunstâncias, a utilização de modalidades de derivativos pode ser
vedada ou sujeita a regras restritivas, dada sua inadequação ao tipo
de usuário ou à necessidade de limitar, por assim dizer, seu grau de
letalidade, em caso de sinistro.
Certamente, há problemas de monta, como a titularidade para estabelecer restrições, a competência técnica para editá-las, a impropriedade
de regras e a sua adequada modulação.
Os fundos de pensão no Brasil (EFPC – Entidades Fechadas de
Previdência Complementar), v.g., podem operar com derivativos, mas
não podem fazê-lo na modalidade “descoberta” (art. 53, Resolução
3.792, de 24/9/2009). Assim, podem lançar opções de compra de
ações, em que elas garantem a investidores o direito de comprar determinado número de ações a um determinado preço, durante certo
período. É exigido, contudo, que tenham em carteira (ou adquiram
antecipadamente) as ações que sejam objeto das opções, para atender
a futuro eventual exercício da opção de compra pelo investidor que a
adquiriu. A regulamentação considera que não devem correr um risco
em aberto de terem que comprar as ações no mercado no caso de as
opções de compra se tornarem vantajosas para os que as adquiriram
das fundações (opções “in the money”). As operações com derivativos
devem também ser realizadas tendo como contraparte central garan-
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tidora da operação câmara prestadora de serviços de compensação e
liquidação. É o caso de operações na BM&F Bovespa (CBLC) que,
para tanto, exige margens líquidas de garantia das partes e procede
a “ajustes diários”, ou seja, as perdas (ou ganhos) nos contratos são
debitadas (ou creditados) diariamente, não podendo desenvolver-se
riscos em aberto, já que ela é que garante a liquidação das operações.
Não podem também as EFPCs entrar em derivativos que gerem a
possibilidade de perda superior ao valor do patrimônio da carteira. A
contrario sensu, perdas podem comprometer até o valor do patrimônio
da carteira, o que me parece uma norma muito aberta à letalidade, no
estágio atual de cultura dos mercados, tratando-se de uma entidade
de previdência. O depósito de margem de garantia das operações
deve estar limitado a 15% (15 por cento) dos títulos federais ou de
instituição financeira ou de ações mantidas. O que dizer de perdas
em aberto, sucessivas, destas margens de 15%?
No caso de empresas com valores mobiliários negociados no mercado
de capitais, os normativos (CVM) requerem que as companhias abertas ( i.e., com valores mobiliários negociados no mercado de capitais)
procedam à transparência, nas demonstrações financeiras, sobre os
derivativos utilizados e sobre os riscos incorridos, inclusive em situações tidas como de stress (transparência qualitativa e quantitativa).
Tais normas definem o que se entende por derivativos e detalham
procedimentos de transparência contábeis para reconhecimento de
instrumentos financeiros, de derivativos, de proteção (hedge), sua evidenciação e mensuração. Tais normativos foram editados ao final de
2008, após os eventos negativos da crise, que atingiram companhias
abertas.
Houve muitas surpresas, no particular, assistindo-se à imolação pública de empresas de porte com histórico administrativo de crescimento
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exemplar. Ocorreram igualmente omissões quanto a derivativos de
balcão negociados no exterior. Posteriormente, o Banco Central viria
a exigir registro de operações com derivativos vinculados a dívida
externa, em sistema de registro e liquidação financeira autorizado
pelo BACEN ou CVM.
No caso de todas as instituições financeiras brasileiras, as regulamentações do Conselho Monetário Nacional já estabelecem necessidade de
modelos de gestão e de adequada ponderação dos riscos de utilização
destes instrumentos, nos cálculos de limites operacionais, em face
de um patrimônio referencial de cada instituição. Neste caso, não há
restrições quanto ao uso de derivativos de balcão, aliás um mercado
em que podem ser bastante ativas. Nossos limites operacionais, no
caso de instituições financeiras, são até mais estritos do que os de
outras jurisdições e os considerados adequados pelo Acordo de Basileia do Banco Mundial (BIS - Bank for International Settlements).
Os derivativos, contudo, devem ser ou os padronizados, negociados
em Bolsa, ou, no caso de negociação em balcão, registrados em sistema de registro, custódia ou liquidação financeira, autorizado pelo
Banco Central ou pela Comissão de Valores Mobiliários ( v.g., Cetip,
BM&FBovespa). Derivativos podem ser negociados no balcão e,
posteriormente, registrados na BM&FBovespa (ou Cetip), para administração de garantias e liquidação. Há percepção de que é uma tarefa
difícil a mensuração correta da exposição a derivativos, cuja liquidação
é sempre futura. Há campo para exageros tanto de cautela quanto de
imprudência, sendo imperativa a realização de testes periódicos dos
modelos de gestão de risco adotados por cada instituição.
Na legislação francesa, as entidades públicas só podem usar derivativos (swaps, futuros, p.ex..) na exata dimensão dos ativos ou passivos
reais que tenham a proteger (hedge). Ou seja, não podem especular com
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derivativos. Na nossa regulamentação, os Fundos de Investimento
em Direitos Creditórios só podem usar derivativos para proteção de
posições detidas à vista, limitada ao seu montante. Os Fundos de
Investimento Imobiliários só podem usar derivativos para proteção
do patrimônio.
Entidades associativas, nos Estados Unidos, trabalham em progressiva padronização de swaps de crédito (Credit Default Swap – CDS), de
molde a que as operações possam ser realizadas em bolsas ou mercados organizados, com registro ou aporte de margens apropriadas,
evitando imprevidências arriscadas, que ameacem todo o mercado.
Negociações em ambientes regulados facilitam sistemas de compensação de swaps em instituições que os detêm.
A negociação transparente e pública é preferível a que ela se faça de
forma oculta ou disfarçada. O registro compulsório das operações
de mercado de balcão, em entidades especialmente reguladas pelo
Banco Central ou CVM (tipo Cetip), é uma boa orientação, qual
seja a da transparência para instituições e empresas que lidam com
recursos do público.
Os sócios e administradores das empresas que estejam em contraparte
a insituições do mercado devem estar bastante atentos quanto à suportabilidade dos riscos em que estejam incorrendo e das delegações
em aberto que deem a seus executivos para operar com instrumentos
complexos e exóticos. Omissões, neste campo, podem custar caro ou
a própria vida da empresa. E as instituições financeiras devem cuidar quanto à adequação dos instrumentos, cuja utilização propõem,
quanto à boa-fé subjetiva e objetiva, e ao perfil econômico e de risco
do usuário (suitability): o descaso quanto à suitability não parece ser
uma boa receita para a saúde do sistema financeiro. Informações
incompletas, imperfeitas ou suspeitas de má-fé podem gerar postulações de nulidade ou de reparação de danos, como no caso Procter
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& Gamble versus Bankers Trust Co. e BT Securities Corporation.
(v. Monografia apresentada no IBMEC por João Manuel de Lima
JR. – Direito 2008-2) .
Os derivativos padronizados negociados em Bolsas possuem um
sistema de garantias e liquidação bastante sólido. As flutuações nos
preços dos contratos são diariamente cobradas dos perdedores e
creditadas aos ganhadores. Há limites de variação diários para as
flutuações, que se podem alterar, de acordo com as circunstâncias do
mercado. Para tanto, as Bolsas exigem garantias (margens), representadas por dinheiro, títulos do Tesouro e outras, de grande liquidez.
Os percentuais de margens podem variar, também. Este sistema de
negociação traz tranquilidade quanto ao funcionamento do mercado.
Não pode haver, contudo, transigência quanto às margens de garantia,
como aconteceu com a Bolsa de Futuros de Hong Kong, em 1987.
Nem se pense que este sistema seja neutro, em caso de crises sérias
ou sistêmicas, que levem à liquidação de garantias no mercado. Tal
liquidação, se significativa, pode ser um fator adicionado ao pânico
financeiro.
Desordens nos mercados de subjacentes, como, por exemplo, no
mercado de commodities ou moedas, por vezes são refletidas nos mercados de derivativos, sendo a modulação das margens e dos limites de
flutuação diários instrumentos utilizáveis (raramente) para amenizar
repercussões reciprocamente exacerbadoras. Limites de posições
(compradoras ou vendedoras) mostram-se, hoje, cruciais para evitar
formação artificial de preços, via mercado de derivativos.
• Securitização e onde se situam os derivativos
como instrumental dentro da crise
Primeiro, é necessário precisar a abrangência do termo “derivativo”.
Trata-se de uma área extraordinariamente aberta a inovações. A
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armadilha de uma definição “continental”, assim, é óbvia. Em uma
primeira visão, eles seriam instrumentos financeiros, contratos, títulos
ou valores mobiliários, que incorporam direitos/obrigações, cujo
valor deriva – daí o seu nome – do valor de bens ou direitos, físicos
ou não, bem assim de taxas ou índices, usados como referenciais
(subjacentes). A evolução do valor destes subjacentes determina ou
influência os valores dos instrumentos financeiros derivativos.
Desta forma genérica, a definição traria grande satisfação à dialética,
à “l’art de toujours avoir raison”, estratagema de lógica tão bem sintetizado por Arthur Schopenhauer. Isto porque sempre seria possível
particularizar para contraditar o que se tivesse pretendido caracterizar
no genérico. Assim como o seria generalizar para se opor ao que se
tivesse tentado particularizar.
Tive oportunidade de mencionar em uma de minhas palestras, neste
Conselho (“Ora, swaps são swaps”), o fato de que nossa lei de reforma
bancária, a Lei 4.595, de dezembro de 1964, previu em seu texto a
competência do Conselho Monetário Nacional para regulamentar os
swaps, inserindo este termo anglo-saxão, tout court, no texto legal, sem
qualquer interpretação autêntica sobre o que viria a ser este instituto.
É melhor observar o que o assentamento de práticas administrativas
e operacionais vem consagrando como derivativos financeiros, em
suas formulações básicas atuais: futuros, swaps, opções, que tipicamente se liquidam por diferença, ou derivativos embutidos em outros
instrumentos. Os subjacentes podem ser mercadorias (preços de
commodities), ouro, moedas, taxas de juros, valores mobiliários, índices
de Bolsa ou até outros derivativos.
Os derivativos que visualizamos, para análise dentro da crise, liquidamse tipicamente por diferença. São Non Deliverable Futures (NDF) a
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despeito de que “L’art d’avoir toujours raison” possa contraditar trazendo à baila aqueles que podem liquidar-se físicamente, por opção,
e os contratos a termo, conhecidos como forwards de commodities, de
moedas (FRA – Forward Rate Agreement).
Uma das características originárias dos derivativos é a de proteger,
garantir preços ou cotações, em face de flutuações de mercado, tanto
por interesse patrimonial ativo quanto obrigacional passivo. Como
podem representar uma vantagem para uma parte, pelo favorecimento representado por seu valor de liquidação por diferença (atual
ou previsível), eles têm cotação de mercado, ensejando sua aquisição
para propósitos especulativos (valores previsíveis como função dos
subjacentes). Alguns, entretanto, são emitidos com propósitos especulativos predominantes, v.g. opções sobre ações.
Instrumentos híbridos podem ser arquitetados, como por exemplo,
valores mobiliários que contenham opção entre renda fixa periódica e transferência de rendimentos de ações ou de carteira de ações
(valorização e dividendos), com pontos máximos de referência para
ativar a opção (knock in) ou para desativá-la (knock out). Neste caso,
ou há a opção por receber um fluxo integral – de renda fixa ou de
renda variável – ou se estabelece um mínimo, com apropriação da
diferença positiva de um fluxo, superior a este mínimo, se houver.
Os derivativos estiveram presentes em etapas posteriores à securitização, servindo como em trilhos de transporte, janelas de saída ou
de exponenciação dos títulos securitizadores. As margens de garantias adjetivadoras de operações com alguns derivativos (v.g. swaps de
crédito) desempenharam papel desestabilizador, embora inicialmente
com exagero de ponderação. Estas margens de garantia também
representaram instabilização nas alavancagens para financiamento
de carteiras, que absorveram títulos securitizadores.
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• Área de observação restrita
Após esta ligeira digressão, afino a minha visão de derivativos, nesta
crise, não considerando nesta categoria os títulos ou valores que representam créditos para pagamentos financeiros de montantes principais
e, não, de diferenças. Assim, um título securitizador de um crédito
hipotecário não será visto como um derivativo. É incorporação, em
um título, de um crédito destinado à liquidação pelo devedor, pelo seu
principal, ou por amortizações do principal. Este crédito decorre do
desembolso de um principal, em seu nascedouro, pelo qual alguém
se torna devedor. No derivativo, não há um desembolso inicial de
principal. Pode haver um pagamento de cotação do instrumento
financeiro derivativo, influenciada pela constatação ou previsão de
diferença entre o valor de uma obrigação assumida e o valor desta
obrigação no mercado, ou entre o valor de uma obrigação real ou
virtual e o valor de cotação de um bem no mercado. São valores
fracionários, vinculados a diferenças e não a principal.
No título securitizador, não há um fluxo financeiro paralelo para
ser com ele cotejado. Não se altera a obrigação de sua liquidação
pelo principal para se tornar liquidação por diferença. Em um swap
de garantia de crédito (CDS), há tal cotejamento, variável de acordo
com avaliações de risco.
Um derivativo pode ser securitizado. Por exemplo, a opção de conversão em ações contida em uma debênture conversível. Esta opção
tem uma cotação, que pode influenciar positivamente o próprio valor
da debênture.
Não são derivativos propriamente ditos os títulos securitizadores de
recebíveis imobiliários, de recebíveis bancários e de recebíveis comerciais. Uma conceituação pouco atenta de derivativos as enlaçaria, ou
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seja, o valor do título securitizador varia certamente em função de
fatores atados à garantia subjacente, ao seu grau de risco e a taxas
de juros. O mesmo ocorreria com um título do Tesouro ou CDBs
prefixados, que poderiam variar em função da conceituação de risco
do emitente ou de outras taxas de juros, de mercado ou oficiais. A
ninguém, contudo, ocorre de classificá-los como derivativos, porque
houve um desembolso de principal, para sua aquisição. Uma commodity
vai ser paga por um valor que varia, em função do mercado, mas não
é ela própria um derivativo. Pode ser um subjacente a um derivativo,
um contrato futuro, por exemplo, em que há um fluxo de preços de
mercado e um fluxo predeterminado pela parte, ocasionando um
cotejo, liquidado por diferença.
A conceituação jurídica e regulamentar de derivativos segue um
padrão consuetudinário. Tal como acontece em outros contratos
(leasing, arrendamento, locação; financiamento bancário, desconto,
vendor, v.g.), são pequenas diferenças que singularizam os derivativos
em sua configuração jurídica.
Os títulos securitizadores seguem velhos e secularmente conhecidos
padrões ao serem emitidos, para absorção em fundos ou venda no
mercado, ou seja, lastro (garantia) em hipotecas específicas ou em
uma carteira hipotecária (como nossas cédulas hipotecárias, letras
hipotecárias, letras imobiliárias) ou lastro em recebíveis (cédulas de
crédito bancário, certificados de recebíveis imobiliários, debêntures
com garantia de recebíveis).
Títulos securitizadores, contudo, podem prestar-se à construção de
derivativos, ou seja, emissão de outros títulos que os tenham como
referenciais. Títulos ou carteiras de títulos securitizadores foram
objeto de empacotamento para geração de outros títulos a eles
referenciados e colocação no mercado. Carteiras de títulos securiCarta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 27-68, nov. 2009
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tizadores serviram de base para geração de swaps de crédito (Credit
Default Swaps – CDS), importantes instrumentos, cuja utilização desempenhou papel destacado na crise. Ou seja, um swap com um fluxo
real de ingressos de recursos dos que foram financiados e pagam (ou
não) as prestações e um fluxo de pagamentos prováveis, previstos
antes da emissão do swap. Os dois fluxos se cotejam, resultando uma
diferença. Atualmente, desmontam-se, nos Estados Unidos, títulos
maiores empacotadores de recebíveis hipotecários residenciais e
comerciais, para transformá-los em outros instrumentos com mais
chance de comercialização (v.g. incorporando opções entre a renda
por eles gerada e a proveniente de ações): trata-se de um derivativo,
um instrumento híbrido de renda fixa e variável.
Excluídos de minha convenção sobre o que sejam derivativos, é
preciso constatar que a gestão feita por pessoas, no processo de
securitização, não foi a esperável para evitar que se tornasse a porta
de entrada de uma torrente substancial de problemas, em que houve
a utilização posterior de derivativos, até para expulsar os riscos respectivos dos balanços das instituições ou para escondê-los. Tal gestão
inicial deve ser apontada como causal, dado o grau de culpa com que
se houveram alguns administradores na sua produção.
Uma âncora conceitual de derivativos é estabelecida pela regulamentação, no art. 2º, parágrafo único da Deliberação CVM nº 550, de
17/10/2008, que, após delinear suas características concomitantes
(entre as quais, ausência de desembolso inicial), assim os vê como
“instrumentos financeiros derivativos os contratos a termo, swaps,
opções, futuros, swaptions, swaps com opção de arrependimento, opções flexíveis, derivativos embutidos em outros produtos, operações
estruturadas com derivativos, derivativos exóticos e todas as demais
operações com derivativos, independente da forma como sejam
contratados”.
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• Os valores fantasiosos de derivativos
Antes de mais nada, peço desculpas por certas descrições elementares
de derivativos. De forma alguma, desejo ser professoral em relação a
colegas que certamente sabem três vezes mais e que, portanto, poderiam
exercer seu magistério em relação ao palestrante. Forçado me sinto a
detalhar fundamentos perante aqueles que, mestres em outras áreas de
atividade, ainda não se iniciaram no assunto de derivativos, e também
para enfatizar algumas conclusões.
O uso de derivativos teve um crescimento formidável, a partir da última década do século passado. Relembro, também, que não pode ser
levado em conta, para discernimento da importância dos derivativos,
o exagero de considerar os seus valores nocionais (referenciais) como
sendo os valores negociados, os valores de responsabilidades ou de
riscos assumidos. Frequentemente, vemos estatísticas de centenas de
trilhões de dólares de derivativos negociados. A distorção de interpretação das estatísticas, aí, é que as responsabilidades não são neste
montante nocional, e, sim, na diferença entre valores de dois fluxos
financeiros referenciados a um valor nocional. Ou então, a responsabilidade (risco) é a diferença de cotação de um determinado contrato,
em determinado período, que pode ser diário (ajustes diários). Assim,
em um swap de taxas de juros, há uma troca, por exemplo, de um fluxo
de taxas de juros fixas (8% a.a., v.g.) por um fluxo de taxas variáveis
(correção monetária pela inflação mais 4% a.a., ou taxa dos títulos do
Tesouro americano mais 4% a.a., v.g.). Os dois fluxos financeiros de
taxas de juros são calculados sobre um valor único, o chamado valor
nocional (R$ 1.000.000,00, v.g.). De modo que a responsabilidade
não é por R$ 1 milhão, mas pela diferença entre os números resultantes dos cálculos destas duas taxas de juros sobre o valor nocional
de R$ 1 milhão. De um lado, um fluxo anual fixo de juros de 8%
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sobre R$ 1 milhão: R$ 80.000,00. De outro lado, um fluxo variável
de juros, que pode ser, em um determinado ano, de 9%: 5% (correção)
mais 4%, resultando, portanto, em um valor anual, no período, de
R$ 90.000,00. A liquidação, por pagamento, naquele período, seria
em um valor de R$ 10.000,00 a favor de uma parte (a que apostou
nas taxas variáveis). Portanto, a responsabilidade efetiva (risco efetivo) não é pelo valor nocional, de R$ 1.000.000,00, que é meramente
referencial. É pela diferença entre os dois fluxos calculados sobre ele
(R$ 90.000,00 e R$ 80.000,00), e que, naquele período, foi de
R$ 10.000,00, ou 1% sobre o valor nocional.
Em um swap de crédito, há uma diferença a acertar entre o fluxo de
entradas reais de pagamentos de um empréstimo ou de uma carteira
de empréstimos, em um determinado valor (nocional) e um fluxo de
entradas previsto abstratamente, como provável, referenciado a este
mesmo valor nocional, no contrato de derivativos. Esta diferença é
que é o risco assumido por quem tem a obrigação de pagar ao final
de um período. Em um contrato futuro de mercadorias, igualmente, há um fluxo previsto ex ante no contrato, durante determinado
tempo, e outro fluxo, o fluxo real de preços que vai sendo verificado
por suas cotações no mercado. Acerta-se pela diferença, de tempos
em tempos, ou ao final de determinado tempo, embora possa haver
contratos de liquidação futura com entrega física, chamados de for­
wards. Se o contrato é padronizado, negociado em Bolsa, ele tem uma
cotação dinâmica. Durante a vida do contrato, há o ônus de manter
uma garantia de sua liquidação, a chamada margem (de garantia). Esta
margem pode dar origem a um outro risco, o de ter que mobilizar
recursos para completá-la, caso ele se mostre insuficiente para cobertura do risco, segundo os termos contratuais previstos. No caso
de Bolsas, esta margem fixada pode alterar-se em situações de stress
de mercado e, diariamente, são acertados pelas partes os ganhos ou
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perdas verificados (diferenças de cotações diárias). De modo que o
valor em risco não é do tipo simples, é dinâmico.
Em uma opção de compra de ações, fixa-se uma razão de conversão, ou seja, um valor da ação pelo qual o adquirente da opção pode
convertê-la em um determinado número de ações, durante certo
período. Sendo a opção do tipo coberta, o seu lançador mantém as
ações bloqueadas para garantir a liquidação. A ação subjacente, ou
seja, aquela em que a opção pode ser exercida, em um determinado
intervalo de tempo, tem uma cotação no mercado, que pode tornar
vantajosa a conversão. Assim, se a razão de conversão dá direito a
converter a opção em ações a um preço de R$ 1,00 por ação e se a
ação passa a ser cotada a R$ 1,50, então pode ser vantajoso converter,
ou seja, exercer o direito de comprar as ações a R$ 1,00, uma vez que,
no mercado, elas passaram a valer R$ 1,50. Normalmente, a conversão
ocorre pela liquidação por diferença, ou seja, neste caso, o portador
terá direito a receber R$ 0,50 por ação convertida. Quando se adquire
uma opção, paga-se um valor (prêmio). Então, o portador da opção
deverá levar em conta o valor de prêmio que pagou para verificar
sua real vantagem. E o risco (ou ganho) não é o do valor total das
ações convertidas ou potencialmente conversíveis, pelas opções, mas
a diferença entre o valor da ação fixado na opção, para conversão,
e o valor de mercado das ações em que a opção pode se converter
(diferença esta de R$ 0,50, no caso citado), menos o valor do prêmio.
Paralelamente, estas opções, como são negociadas na Bolsa, podem
ter um valor de mercado que não coincida com o valor da vantagem
que cada uma dê, pelo exercício da opção. Assim, podem achar os
investidores que a opção terá um valor futuro maior, no intervalo
de tempo de sua existência, e incorporam ao preço esta expectativa.
Estes exemplos servem para ilustrar a afirmativa de que os números
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nocionais não representam os riscos assumidos ou valores de mercado. As centenas de trilhões de dólares que recheiam as estatísticas
devem ser devidamente cortadas aos valores de riscos ou de mercado
sensatos e efetivos envolvidos.
Um exemplo bem recente realça sobremaneira as afirmativas retro,
sobre o quanto há de estimativas sobrevalorizadas quanto à exposição
a derivativos. No caso da falência do banco de investimento americano Lehman Brothers, o mercado, em pânico, assestava estimativas
de US$ 300 a US$ 400 bilhões em operações do banco, aos quais
correponderiam contratos de swaps de crédito. Desconhecia-se, na
verdade, o grau de exposição efetiva de uma seguradora a tais contratos. Em cima destas estimativas, houve uma paralisia de negócios:
o mercado afundaria irremediavelmente, e a avaliação deste tipo
de swaps foi seriamente afetada. A realidade era, no entanto, bem
diferente. O valor de face dos seguros de crédito para o Lehman
Brothers, incorporados a swaps, estava na casa dos US$ 70 bilhões,
mas a exposição líquida era de US$ 6 bilhões, computando-se outros
contratos que se compensavam. Após esta experiência, os bancos
começaram a rotinizar a compensação de contratos, reduzindo-se
substancialmente a exposição geral (mais de 50% de redução). Há uma
tendência a padronizar o máximo possível estes swaps para negociação e utilizar câmaras de compensação, como a Depositary Trust &
Clearing Corporation. Quanto ao mercado de balcão de derivativos
(não padronizados), há uma discussão mais ampla, de iniciativa do
mercado, sobre registro destes contratos, bem assim sobre registro
de outros derivativos negociados privadamente e relacionados a juros, câmbio, commodities e, mesmo, derivativos de renda variável. No
Brasil convergiu-se para a necessidade de registro e publicidade de
derivativos de balcão praticados por instituições fincanceiras e por
companhias abertas.
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• Derivativos e volume físico de subjacentes no mercado
Preocupação corrente entre alguns economistas é a de discrepância
entre o número de unidades físicas de subjacentes a contratos de
derivativos (futuros, opções, swaps) negociados em Bolsas e o volume
efetivamente disponível para negociação, no mundo real. Por exemplo,
o volume de barris de petróleo, o volume de toneladas de soja ou
de dólares, efetivamente existente no mundo real, e disponível para
negociação física (physicals), e os mesmos volumes negociados como
subjacentes dos contratos de futuros, opções ou swaps negociados em
Bolsas ou balcão. Os montantes nocionais de tais contratos ascendem
a trilhões e trilhões de dólares. O que é real e o que é meramente
referencial para especulação, sem correspondência no mundo real?
Têm alguma importância efetiva estes valores nocionais, ou tais
preocupações quanto a equivalência do mundo real com o mundo
financeiro dos derivativos referenciados?
Uma primeira observação é de que, nos derivativos típicos, não ocorre
correspondência ou movimentação física (physicals) dos bens de referência, cujos contratos são negociados padronizadamente em Bolsas.
Trata-se de contratos de liquidação futura com bens não entregáveis
(NDF – Non Deliverable Futures). A liquidação é por diferença, em
dinheiro, e não pelo valor nocional, integral ou pela entrega física
do subjacente a que se refere o derivativo. Assim, na liquidação de
um derivativo (por cotações diárias ou em períodos maiores), não se
entrega o volume total (referencial) das commodities cujos preços (de
mercado e fixado no contrato futuro) se comparam. A liquidação
ocorre por diferença de preços para aquela quantidade de commodities
tomada como referencial (nocional). Em um swap de taxas de juros,
inexiste a liquidação com entrega do valor do principal a que se referenciam os fluxos de taxas comparados, mas se entrega físicamente,
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em dinheiro, o valor da diferença entre os fluxos representativos, em
dinheiro, dos cálculos das taxas de juros observadas e comparadas,
no período contratado. Em uma opção de compra de uma commodity,
adquirida sem previsão de entrega física, só a diferença de preços é
que se entrega, em dinheiro, para liquidação do exercício da opção.
Como a opção pode ser negociada no mercado, pode também haver
pagamento do preço da opção vendida.
Já no caso de contratos que contêm a previsão de entrega física de
uma commodity, os chamados contratos forwards, logicamente está
envolvido um principal em unidades de mensuração – tantos quilos,
tantos barris ou outra medida), cujo valor monetário não foi desembolsado inicialmente, e que deve existir e estar disponível no mundo
físico, para entrega. Estes contratos a termo não são normalmente
padronizados (embora possam sê-lo), não se negociam em bolsas,
mas entre comerciantes, que têm capacidade para entregar ou receber a mercadoria, fato que deve rotineiramente ocorrer, com os
riscos respectivos. A entrega física pode ser procrastinada, por conveniência ou necessidade. Estes contratos por vezes podem prever
um cancelamento, com pagamento da diferença, sobretudo quando
haja incerteza, no momento de sua formação, quanto à necessidade
futura de entrega.
Tanto no caso de contratos a serem liquidados por diferença, quanto
nos contratos por entrega física, as Bolsas, instituições e empresas que
os negociam providenciam as adequadas garantias para que os contratos
se cumpram em suas modalidades de liquidação. Em se tratando de
physicals, portanto, há correspondência no mundo real e a entrega é
garantida. No mercado de balcão, as instituições financeiras tomam
providências idênticas, em termos de garantias e acautelamentos, embora
a transparência ainda deixe a desejar.
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Na história das Bolsas, há exemplos de atuação, em que se evitam
tomadas de posições, compradoras ou vendedoras, que não possam
ser cumpridas. Igualmente se acautelam situações de fato ou atuações
concertadas que ocasionem concentração e domínio de mercado
(“corners”, p. ex.) A área não parece ter sido varrida pelo tornado da
crise.
Inegável que a gestão das pessoas, em Bolsas e em instituições,
possa oportunizar artificialismos quanto a quantitativos de principais. As crises recentes não evidenciaram ocorrências, no particular,
numa primeira apreciação. Invetigações, contudo, alertaram para a
possibilidade de ocorrência de artificialismos, em mercados futuros
de “commodities”, como petróleo e metais. Os problemas mais
significativos tiveram sede no volume financeiro de contratos securitizadores de créditos, pois parte destes foi deferida artificialmente.
Outro problema foi o de aporte adicional oneroso ou liquidação de
garantias, tanto em financiamento de carteiras quanto em decorrência
de valores de mercado de principal de títulos, em cima dos quais se
construíram derivativos.
• Comunicação de desordens entre mercados
Questão distinta é afirmar-se que os mercados de derivativos influenciam os mercados de subjacentes, ensejando cotações artificiais. Ou
qual dos dois é antecedente.
Há situações distintas. No caso de política cambial ou de taxas de
juros, não é raro vermos autoridades interferindo objetivamente no
mercado de derivativos, para tentar acentuar uma linha de tendência
desejada. Assim, no mercado de swap cambial, com liquidação em
reais.
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Desordens mercadológicas podem ocorrer tanto nos subjacentes
quanto nos derivativos a eles referenciados. A especulação pode ser
intensa e atingir níveis altos tanto no mercado de subjacentes quanto
no de derivativos. Entretanto, ela pode ser facilitada no mercado de
derivativos por envolver menor desembolso de recursos. Correspondentemente, este mercado é mais ágil, com decisões rápidas e
mais sujeitos a volatilidade em certas ocasiões. Comprar uma opção
requer muito menos desembolso do que comprar a ação referenciada e o efeito especulativo é assemelhado, no prazo de validade da
opção: descontado o preço da opção (prêmio), ganha-se ou se perde
o mesmo valor com a apreciação ou depreciação do valor da ação.
A diferença reside em que, após o prazo da opção, quem comprou
a ação no mercado à vista, e se deu mal, tem prolongado o prazo de
especulação, para o bem ou para o mal. E quem comprou a opção
perdeu integralmente o seu investimento, em tal caso. O mesmo se
pode dizer do mercado especulativo futuro de uma commodity, descontado o custo das garantias aportadas.
Então, o especulador tem mais chance de atuar, com menos recursos,
no mercado de derivativos, no qual normalmente não tem desembolso inicial, ou seu desembolso é substancialmente menor do que
no mercado físico. Para investidores com maior estofo financeiro, a
especulação pode ser feita, nos derivativos, em cima de uma quantidade maior de unidades ou medidas de bens ou índices tomados
como subjacentes. Mas os riscos de perdas são integrais.
É preciso alertar que um futuro de moeda, por exemplo, em que pode
haver flutuações acentuadas de cotações, pode encerrar riscos ponderáveis, apesar de liquidação por diferença. Com uma desvalorização
cambial de 20% ou 30%, pode-se ter uma perda em tal montante
(diferença), que pode varrer as disponibilidades de uma empresa.
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A tese de que os mercados de derivativos ocasionam maior especulação e refletem suas distorções nos mercados físicos de subjacentes
é daquelas que trazem em si indagações estatísticas da maior profundidade, porque lidam com condicionantes, com fatores de influência
mercadológica os mais variados, e horizontes temporais de escolha
subjetiva.
Certo é que tais mercados de derivativos existiriam de qualquer forma, e, sendo bursáteis, ensejam maior transparência na formação de
preços. Trazem um dinamismo diferenciado e genericamente virtuoso
para os mercados dos subjacentes. E, em um horizonte visual mais
amplo, refletem reais tendências de mercado, reais mudanças na oferta
e procura, nos estoques disponíveis. Apesar de ataques esporádicos
de especuladores poderosos, frequentemente eles acabam por espelhar realidades que lhes trazem prejuízos substanciais. Os mercados
possuem igualmente mecanismos de controle para atuações artificiais,
como limites diários de flutuação de preços, margens de garantia,
limites a posições compradoras ou vendedoras, interferências em
casos especiais de tentativa de dominar mercados. • Valores reais a proteger ou meramente referenciais
Já se vê que os valores que se prestam à liquidação por diferença podem referir-se a ativos ou passivos reais ou, então, ideais, puramente
virtuais. Assim, posso ter uma dívida efetiva, no mundo concreto,
em dólares, e desejar proteger-me contra a desvalorização do real
(valorização do dólar). Ou compro dólar a futuro ou entro em um
swap “dólar x real”, com liquidação em reais. Então, tenho como ativo
um direito a compra, para liquidação no futuro, de uma quantidade de
dólares igual à minha dívida, a um preço de dólar igual ou próximo
daquele pelo qual fiz a dívida, de tal sorte que, se o dólar subir mais,
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terei como “comprar” a moeda ao preço aproximado pelo qual o recebi, podendo, assim, a diferença ser utilizada para cobrir a diferença
que perdi na minha dívida efetiva em dólares. Se o dólar baixar, terei
um prejuízo no derivativo, que será compensado pelo valor menor
do dólar que terei de pagar na minha dívida efetiva (gastarei menos
reais para liquidar a dívida efetiva). Este é um caso de assunção de
um derivativo com lastro em necessidade real de cobertura de risco
para uma dívida em moeda estrangeira. Trava-se o valor em risco.
Pode-se fazê-lo, também, para uma trava genérica, sem correspondência a um ativo ou passivo específico, através de derivativos que se
referenciem a índices genéricos, como o de inflação, de construção
civil, ou de variação cambial, por exemplo, tendo como justificativa
para tanto a natureza geral do referenciamento dos ativos ou passivos
patrimoniais de uma empresa.
Nem sempre, contudo, o derivativo é projeção de um ativo real ou
de um passivo, o que ocorre quando ele é utilizado para fins especulativos, ou em excesso às reais necessidades. Por exemplo, empresa
tem passivo em dólar de US$ 1.000.000,00 e compra futuros com
nocional equivalente a US$ 2.000.000,00. Um risco de fluxo de valores referenciados a US$ 1 milhão está nu. Da mesma forma, pode-se
entrar em um derivativo exótico, que encerre riscos maiores do que
os necessários para cobertura, ingressando no campo especulativo.
Assim, aposta-se em uma determinada direção, com o dólar a um
preço determinado, mas se a moeda americana atingir determinado
valor (target), a contraparte, um banco por exemplo, ganha a diferença
em dobro. Inúmeras combinações podem ser feitas em derivativos
exóticos, e eles podem encerrar perigos substanciais.. Riscos podem
ter sido assumidos no exterior, sem registro em sistemas brasileiros
(BM&F, Cetip) e como não havia norma de transparência completa a
respeito, não se sabe se a totalidade deles era especulativa ou se alguns
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destinavam-se a proteção quanto a riscos, na proporção necessária.
No tocante a empresas com ações negociadas no mercado de capitais
brasileiro, já foi mencionado que a CVM editou a Instrução (nº 475),
determinando às empresas abertas, em notas explicativas específicas,
transparência não só quantitativa como qualitativa, quanto a derivativos em que a empresa tenha entrado, inclusive com um quadro
demonstrativo de análise de sensibilidade quanto aos riscos assumidos
em situações normais e em cenários de deterioração de fatores de
risco. Estes cenários de deterioração são para variações de 25% ou
50% em fatores determinantes de exposição. Como o presidente e o
diretor de relações com investidores terão que assinar as demonstrações financeiras (aí inclusas as de Notas Explicativas), espera-se um
maior grau de vinculação de responsabilidade dos administradores
quanto à incursão em riscos de derivativos, substituindo a obscuridade
que vigorava, oportunizadora assunção de riscos desproporcionais.
• Perigos latentes Os derivativos chamados de 3ª geração, os exóticos, os de última geração, destinados, ou não destinados, a proteção (hedge), inadequados
em prazo ou em excesso a esta proteção, devem ser objeto de muita
cautela e submetidos pelos responsáveis da empresa tomadora a testes
de stress, ou seja, a testes sobre hipóteses de não serem favoráveis em
volumes relevantes ou insuportáveis pelo grau de risco tolerável na
empresa. Não devem ser decididos em caráter de urgência. O exato
conhecimento de seus pressupostos deve ser aberto, individualizada
sua aplicabilidade para o caso, em vernáculo acessível, por escrito,
com vinculação de responsabilidade quanto a declarações sobre matérias de fato e de pessoas, e uma clara análise dos desdobramentos
de riscos possíveis atados aos pressupostos e fatores de ponderação.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 27-68, nov. 2009
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Não se pode confiar excessivamente na habilidade de operadores
ou administradores. Bancos de grande tradição já quebraram, por
isto (Banco Barings, um dos mais tradicionais da Inglaterra) ou tiveram sérios prejuízos (Société Génèrale). Empresas, anteriormente à
presente crise, já amargaram enormes prejuízos (MetalGeselscahft,
Codelco, no mercado de metais) e até instituições financeiras e entes
públicos (London Borough of Hammersmith & Fulham, na Inglaterra). Ocorre-me, agora, lembrar da advertência de um articulista
americano (Paul Slovic, The Journal of Finance, 1967), de que “nunca
devemos tomar por certa a confiabilidade e a acurácia de pessoa
que faz um julgamento qualquer, inobstante sua perícia. Sempre que
possível, testes empíricos devem ser realizados para determinar se a
performance judicante é satisfatória”. (“We must never take for granted
the reliability and accuracy of a judge no matter how expert. Whenever possible
empirical studies should be conducted to determine whether judgemental performance
is satisfactory”). Em muitas circunstâncias, não se acham os derivativos
apropriados à proteção, seja em preço, seja em prazo, seja em tamanho
e a compatibilidade (mismatch), encerrando armadilhas sérias.
Complexidade
A complexidade de alguns derivativos merece abordagem destacada
pelo fato de ter a ver com o controle de riscos. Diz respeito ao estoque
de conhecimentos de gestores de risco e de reguladores para analisar,
com a presteza e antecedência necessárias, as diversas situações em
que os sinistros implícitos nas fórmulas adotadas têm probabilidades
aumentadas de ocorrência. E na melhor forma de acautelá-los, pela
sua natureza, para que não comprometam a saúde das instituições.
Há muitas nuances subjetivas de avaliação. Por vezes, o sinistro, representado pela perda substancial de valor ou pela total depreciação,
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depende da intenção de negociar, ou não, um determinado ativo, em
um determinado horizonte de tempo. De negociá-los em situação
de necessidade, ou de se poder aguardar melhor oportunidade. O
risco, por vezes, é uma suposição meramente contábil, de registro por
comparação com mercados inexistentes ou tornados imperfeitos. De
modo que a avaliação por analistas ou reguladores é também subjetiva.
Autoridades supervisoras por vezes veem-se a braços com um dilema
de “to do or not to do”, surgido em função de determinações efetivadas
ou regras editadas em situações transitórias sufocando instituições
ou o mercado como um todo.
Os partícipes deste mercado desenvolveram, com o tempo, contratos
complexos, com combinações que permitem atender a uma ampla
gama de interesses em circunstâncias variadas, não só através dos
contratos padronizados negociados em Bolsa mas também com
diversos arranjos contratuais, no mercado chamado de balcão. As
instituições financeiras, como têm ativos e passivos com variadas referências (títulos do Tesouro, contratos com taxa fixa, contratos com
taxa variável, em moedas conversíveis distintas, ações, eventualmente),
têm maior flexibilidade e conforto ao contratar derivativos com seus
clientes, em posição passiva ou ativa. Elas têm um colchão natural de
contragarantias disponível em seus ativos ou passivos, em princípio,
em termos de preços e de variações de taxas, índices ou cotações
de moedas. Há profissionais muito bem qualificados trabalhando
diuturnamente para produzir espécies adaptadas às necessidades ou
demandas de clientes (customized derivatives). Ganharam fama e prestígio
equipes formadas por instituições financeiras com ex-engenheiros
de agência espacial (rocket men), - os roqueteiros - afeitos a cálculos
estatísticos e matemáticos, com o objetivo de testar alternativas e seus
desdobramentos, na área de derivativos. Já em 1995, tive oportunidade de conhecer a equipe de um banco americano bastante ativo em
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derivativos, na época, o Chase Manhattan (integrado posteriormente
ao J. P. Morgan). Por vezes, a linguagem utilizada é muito famíliar aos
iniciados nestes contratos mas até impenetráveis, à primeira vista, por
não iniciados. Nem sempre os superiores, os pares de diretoria, que
repartem responsabilidade, e os próprios reguladores têm aptidão
ou disposição para entender os modelos elaborados e, sobretudo, as
consequências díspares das variações nos pesos adotados nas fórmulas. Pressupostos de derivativos devem ser conferidos e questionados,
sempre, para não se comprarem gatos por lebres.
Obs.: Aportei, em 1995, a Chicago, perplexo, para uma visita de estudos à Chicago Mercantile Exchange (CME), à Chicago Board of
Trade (CBOT), hoje fundidas, e a dois escritórios de advocacia locais.
Devia produzir um relatório e me desafiava a perspectiva de ter que
reduzir a termo o quanto observara, um objetivo que se me afigurava
por demais ambicioso. Parecia-me um obstáculo intransponível de
conhecimentos técnicos, a me aturdir. Tinha apoio de autoridades
brasileiras, inclusive no Banco Central, que dava os primeiros passos
na regulação de derivativos (então de sua competência), da BM&F, do
nosso colega professor Theóphilo de Azeredo, do embaixador brasileiro em Londres, Rubens Barbosa, da Varig e do nosso consulado
em Hong Kong, para as entrevistas pertinentes nos Estados Unidos,
na Inglaterra e naquele protetorado britânico. Minha frustração era
maior porque lecionava Direito Comercial, de forma que considerava
moderna, atualizada, e este campo novo de conhecimentos me colocava na posição prática de um calouro de primeira série de faculdade.
Os administradores da CME me receberam de forma extremamente
cordial e transformaram meu estado de espírito. Levaram-me a tomar
como ponto de partida os pressupostos de cada negócio, o que as
partes esperavam conseguir com cada um deles, para assumir uma
visão crítica das virtudes e riscos peculiares a cada alternativa. Por
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este modo de aproximação de tais instrumentos, todas as variações
tornam-se compreensíveis ou decifráveis, apesar de uma nomenclatura
aparentemente hermética.
Como resultado, produzi um relatório, uma espécie de recipiente, de
600 páginas, onde depositei as informações obtidas. Registrei-o, em
1996, na Biblioteca Nacional, ainda assim sob o título de “Noções
Elementares de Derivativos”, tal o receio de que fosse considerado
pretensioso em face de um tema tão aberto. Deste relatório, extraí um
pequeno livro sobre swaps, publicado pela editora Forense Universitária ( Swaps - Aspectos Jurídicos, Operacionais e Administrativos), em que
procurei alocar a fenomenologia financeira deste tipo de derivativo
aos institutos do direito positivo, com a linguagem jurídica pertinente,
para explicitar, passo a passo, as obrigações assumidas e os direitos
gerados. Fiquei muito honrado e surpreso pelo fato de algumas
instituições respeitáveis de ensino superior terem referenciado este
livro, assim como pelo encorajamento de juízes, desembargadores e
advogados a que complementasse a abordagem dos demais derivativos em livro. Fico a me dever esta complementação e a atualização
da temática regulamentar dos swaps.
Visualizando pressupostos e objetivo de cada tipo de negócio, estabelecendo com clareza as limitações ou falta de limitação de riscos,
os derivativos podem ser um auxiliar valioso na administração financeira, em formatos simples ou mesmo mais complexos, negociados
no balcão. A postura em relação a tais instrumentos certamente será
pouco construtiva e arriscada se for do tipo: “não conheço e não
gosto”. Perde-se a oportunidade de usá-los construtivamente para
proteção e se corre o risco de delegar seu uso a terceiros, com enormes chances de perdas, no campo especulativo e, mesmo, no campo
de proteção (hedge) mal executada. Exercícios de simulação quanto a
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suas consequências financeiras para as partes devem ser conduzidos,
para cenários alternativos, para diagnosticar se são compatíveis com
a aversão a risco de cada tipo de usuário. É conveniente ter portas
de saída, de arrependimento eficaz para eventual propósito de saída,
no caso de atuação especulativa.
• Transferência de riscos
Também em palestras passadas alertei para o engano em que incidiam importantes entusiastas dos derivativos de crer que, através
deles, se poderiam transferir riscos indefinida e impunemente do
sistema financeiro para os demais atores econômicos. A reverberação
e reintrodução do risco no sistema financeiro resultaria como uma
conseqüência inevitável da estrutura de geração, armazenamento
e comercialização de “produtos” financeiros, adotada em grande
escala, como ocorreu. Reitero, aqui, que a transferência de riscos, na
presente crise, se operou sobretudo pela securitização de recebíveis,
e expulsão do balanço, por colocação no mercado ou em veículos
especiais (SIVs), e, não, primordialmente, pela construção de derivativos referenciados, meros acólitos de um fenômeno muito mais
amplo de principais.
A securitização é um processo necessário, no mercado, para expansão
do crédito e sua retomada, a ritmos progressivos, é previsível. Com
novas regulamentações, certamente em novos termos de responsabilidade. Não será como dantes.
Os derivativos existem, contudo, independentemente de seu mau
uso, de se gostar deles, ou não. E continuam a ter número enorme
de negociações diárias, em todos os mercados, porque não deixaram
de ter sua utilidade ou atratividade. Os objetivos de seus usuários
ampliaram-se, podendo prestar-se a limitar riscos, transferir riscos,
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servir a atividades especulativas quanto à evolução do seu preço,
assim como a transferir datas de vencimento de obrigações, a fazer
arbitragem de preços sem se desfazer de carteira, a mudar de tipo
de investimento.
A letalidade de seu uso, como o têm demonstrado os recentes episódios, é um fenômeno cultural, que pode ser bastante relativizado com
normas de reconhecimento, registro e mensuração, de transparência
compulsória, não só pelas companhias abertas como pelas instituições
financeiras. No caso destas instituições, sistemas de alarme (early warning indicators) são convenientes, para que riscos insuportáveis sejam
detectados e adequadamente tratados.
• Formação de bolhas. Sistema financeiro e derivativos
Desnecessário aqui repetir o encadeamento de fatos que levou ao
extraordinário desenvolvimento do mercado imobiliário americano
e em parte da Europa. O preço a ser pago pela prosperidade varia.
Em tais épocas de crescimento de preços de ativos (imóveis, ações,
commodities), o ambiente pode tornar-se progressivamente pouco
receptivo a reflexões sobre limites, de tal sorte que estes se impõem
pela força bruta de correções inevitáveis. No “boom”, todos os instrumentos de emissão de sinais acauteladores têm sua sensibilidade
afetada. Os pitots se congelam.
A contabilidade, dada sua importância, nos dias de hoje, como base
tornada “inquestionável” da transparência, engessa os dados do
mundo real. Passa a ser sancionadora do otimismo, ou o verdugo
instrumentador do pessimismo, inclusive pelas recentes enfatizações
messiânicas, no concernente a registro do valor de ativos pela marcação a mercado ou pelo preço justo. Quando os preços dos ativos
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(imóveis, commoditeis, ações) estão em ascensão, para a contabilidade
é “justo” que assim se registre este status quo. Não há campo na contabilidade para registrar imaterialidades... Não pode ser diferente, sob
pena de subjetivismo... Não há campo para ser previdente... Em posição inversa, o perigo que a crise atual trouxe foi o de a contabilidade
sancionar como “verdadeiro” ou justo um valor que leva em conta
uma operação forçada, sem referenciais de mercado, ou realizada em
condições temporárias de falta de liquidez generalizada ou falta de
liquidez para um determinado ativo. De mandar registrar depreciadamente, portanto, mesmo sem liquidez de mercado, por situações
excepcionais. A contabilidade vai em suporte cíclico.Ela vai registrar
todos os exageros de um período de euforia ou de pânico, que são
interpretados como se fossem permanentes, e terá que ser considerada
arauto, um mensageiro da verdade dos fatos, reduzidos fenomenologicamente, no espaço e no tempo. Por vezes, a crise se espalha para
ativos saudáveis, que passam a ser desvalorizados excessivamente, por
efeito-contaminação dos demais. Não se faz qualquer reserva para
amenizar exageros. Não se considera a transitoriedade provável da
excessiva valorização ou desvalorização de certos ativos. O problema com que se depara o mercado, neste momento, é não outorgar à
contabilidade o poder de comandá-lo em um sentido ou noutro de
tendência. Normas substantivas fazem-se necessárias, a propósito,
relativamente a reservas de contingência, a colchões anticíclicos, para
que a contabilidade, também, não se desnature, como rainha-mestra
dos acontecimentos, “per omnia saecula saeculorum”.
Há que realçar instrumentos que possibilitem comparação, por inserção dos dados atuais com os antecedentes e com os consequentes já
materializáveis. Deve-se ter meios de visualizar não apenas o retrato
mas o filme, também.
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No que interessa ao nosso tema, no caso de imóveis, quando o
ambiente é de uma curva ascendente persistente de preços, o financiamento acaba vindo impregnado da prevalência do valor dos bens
(imóveis), dados como sua garantia, com diminuição da importância
de indagações básicas quanto a condições objetivas de solvabilidade
do tomador, antecedentes de crédito e intenção de pagar (sobretudo
a bancos públicos). Ou seja, os agentes do mercado pensam que não
é preciso preocupar-se a respeito, pois o preço crescente do imóvel
financiado garante uma retomada sem prejuízo ou com lucro. Na
realidade, nenhum empréstimo deveria negligenciar o aspecto da
solvabilidade ou secundarizá-lo. Este ambiente igualmente facilita
fraudes e avaliações errôneas, no nascedouro das operações, como
foi objeto de ampla publicidade nos Estados Unidos.
Fica criado campo fértil para a ganância por comissões de desenvolvimento de negócios e para bônus de performance imediatistas aos
administradores.
A repercussão é grande também no trabalho das agências avaliadoras
de risco. É problemático lidar com grandes números, nestas circunstâncias, sem se louvar na contabilidade e em analistas de mercado.
A simplificação e generalização são inevitáveis. Quanto maior a instituição e maior o volume de riscos a avaliar, mais custosa e menor
a capacidade de fazê-lo pelas agências de avaliação de riscos. Após
certo porte, a opinião de agências de avaliação de risco acaba por
ser irrelevante, sem o suporte de normas que dêem maior acurácia
às informações e avaliações internas, até mesmo por comitês com
administradores independentes.
Com sistemas ineficientes de avaliação de riscos, certamente todo o
mercado derivativos passa a operar em patamares perigosos, em que
as bruscas adaptações dos preços de referenciais gerarão problemas de
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enormes proporções, pela necessidade de aporte de garantias adicionais
de sua liquidação, bem assim pela possibilidade de ter que liquidar tais
garantias, no mercado, criando sobre ele uma espada de Dâmocles. Concluo, assim, merecerem apreciação as sugestões de estabelecer
normas substantivas que levem todas as instituições a aumentar sua
base de capital próprio, e estabelecer reservas de contingências, oriundas de lucros, sempre que estes atingirem determinadas dimensões
em relação ao patrimônio líquido ou assumirem forma crescente
ou pouco usual no negócio. Especialmente instituições que atinjam
determinado porte, suscetível de afetar todo o sistema, em caso de
problemas, deveriam ter aumentados seus requisitos de capital próprio
(patrimônio de referência). A tal ponto que se tornasse desinteressante
uma excessiva concentração de poder no sistema, ou a constituição
de tiranossauri reges financeiros. A partir de certa escala de valores, suas
operações deveriam ser plenamente garantidas por disponibilidades
ou por títulos líquidos do Tesouro. Tornam-se grandes demais para
quebrar, e se tornam um risco de Estado, em uma determinada
jurisdição, veículos do detestável risco moral (moral hazard). Esta
escala de valores parece ser variável, para as economias significativas,
e crises bancárias ocorridas em seu ambiente certamente têm efeitos
comunicantes nas demais.
Criar-se-ia uma barreira natural ao crédito mal deferido e a derivativos
mal calculados.
Outra sugestão saudável seria estabelecer reservas de segurança em
relação a ramos específicos do negócio que experimentassem desenvolvimento acentuado, como negócios com ações e commodities.
Cortes progressivos (hair cuts) de valores de certos ativos, para efeito
de cálculos de limites de endividamento, quando aumentem a con62
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centração em relação aos demais tipos de ativos, também mereceriam
amadurecimento. Estas diretivas, funcionariam em conjunto com a
já mencionada necessidade de colocar um foco mais restritivo no
endividamento das instituições que ainda estejam contempladas com
lassidão, no particular.
O percentual que o financiamento deve representar, em relação ao
bem financiado, me parece deva ser o parâmetro fundamental à disposição das autoridades para regular os mercados.
•Erros quanto a pressupostos
Em observações sobre informação e julgamento humano no mercado
de capitais (Carta Mensal CNC nº459-junho 1993), levantei algumas
circunstâncias em que ocorrem imperfeições no enfoque pertinente
de matérias financeiras, mesmo por especialistas. Os casos de erros
quanto a pressupostos, em derivativos, são bastante freqüentes em
profissionais qualificados, que lidam com números. Para um razoável contingente de atores econômicos, os derivativos
apresentam-se como uma espécie de “caixa preta”: há os que não
conhecem seu conteúdo e não gostam, privando-se eventualmente de
benefícios possíveis de sua utilização para proteção (hedge), mesmo
em modalidades “exóticas” ou de “última geração”. Pode não haver
interesse real em conhecer o conteúdo, a não ser em caso de desastre
que os atinja! Abre-se espaço para incursão em enormes riscos, mesmo que aparentemente bem assessorados por experts. Estes assessores,
por vezes, são diretores de bancos contrapartes!
Mesmo no caso de aparente bom assessoramento interno, é preciso atentar para o fato de que o ambiente negocial pode achar-se
impregnado da já mencionada unanimidade de análises, sem grande
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atenção a riscos : a contabilidade e os auditores registram valores
sempre crescentes ou decrescentes; os analistas trazem gráficos
unidirecionais de otimismo ou pessimismo, sem atenção aos fundamentos, especialmente quanto à consistência e constância dos lucros,
ou acidentalidade de prejuízos. Ademais, é muito difícil, mesmo para
os analistas fundamentalistas, perceber por completo a interação de
inúmeras variáveis a ponderar. Ignoram-se alguns dados, só depois
revelados. Alguns são processados erroneamente, por exemplo no
tocante a decisões políticas. Fenômenos por vezes são analisados sob
um prisma de redução fenomenológica, como já afirmado, ou seja, por
sua repercussão imediata, desprendidos de um contexto mais geral.
Previsões intuitivas se misturam a outras pretensamente científicas.
A forma de apresentação dos dados pode ser de molde a esconder
realidades subjacentes. É muito comum a presença de contradições
lógicas entre o início e o fim de uma longa análise. O peso dado
a determinados fatores pode ser demasiado, em um determinado
momento, e noutro, não. Correlação pode ser confundida com causalidade. Enfim, além de riscos mensuráveis, pode haver incertezas.
Confiar, então, em cenários traçados para assumir riscos especulativos em derivativos, é matéria muito séria. De modo que exercícios
de simulação de situações adversas são necessários para se adentrar
o movediço ambiente da especulação. Estas simulações devem ser
exigidas pelo principais responsáveis, pelos presidentes das organizações sérias.
Há imperfeições notórias em certas projeções de lucros. Com base
nos lucros registrados na contabilidade (passado), quantificam certos analistas o valor do negócio em si. Analistas ditos grafistas, em
oposição aos fundamentalistas, traçam suas figuras, enfeitam-nas
com fórmulas de volatilidade inteiramente atadas ao passado e a seus
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fundamentos, projetando, na prática, circunstâncias e comportamentos passados como repetíveis no futuro. Após certo lapso de tempo,
freqüentemente fazem por apontar em uma direção, a de subida dos
preços. Notícias boas potencializam altas. Notícias ruins não sensibilizam muito. O mesmo ocorreria se o mercado experimentasse uma
baixa consistente, por algum tempo: eles também projetariam perdas
em níveis sucessivos de resistência. Esta maneira gráfica de registrar
fatos econômicos que são de natureza dinâmica e não tão rígida, e a
visão grafista, quando negligente de fundamentos, têm muito maior
repercussão do que se possa vislumbrar à primeira vista. Lembro-me
de que publicações de gráficos em jornais pareciam tão acintosamente
parciais tanto no período de alta quanto no de baixa, que se chegou
a pensar, em 1971, no Brasil, em proibir a publicação destes gráficos.
Tal não foi feito ante a ponderação de que esta proibição iria tão
somente valorizar artificialmente os grafistas, gerando um mercado
negro de suas construções. Mais positivamente, sugeriu-se apenas
aos editores e aos intermediários que patrocinavam estes “estudos”
que publicassem, junto com os gráficos, comentários sobre os fundamentos em que se baseavam.. Com o tempo, contraditas e erros
se encarregaram de reduzir a importância do episódio.
Independente desta falibilidade de análises, por vezes se surpreendem fórmulas de derivativos em que é flagrante a manipulação de
pressupostos.
A regulamentação do mercado de capitais, em um âmbito mais amplo,
tem-se mostrado hostil a projeções de resultados futuros com base
em resultados passados. Assim, é expressamente vedado aos fundos
de investimento efetivar propaganda prometendo rentabilidade dos
fundos com base em performance pretérita, devendo declarar que a
passada não é garantia da futura..
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Por outro lado., a regulamentação aos poucos foi abrindo possibilidade de se realizarem projeções de lucros futuros pelas empresas,
quando fazem ofertas de suas ações ao público . Entretanto, partiu-se
de uma proibição prática de fazê-lo para uma atitude de o permitir,
desde que se assuma claramente responsabilidade pelas informações,
declarações e dados significativos que a embasam e qualifiquem as
informações. Desaconselhável, no meu entender, trabalhar, em tal
caso, com tais projeções, sujeitas a vários tipos de contratempos,
como já se mostrou em casos específicos, no mercado.
Curiosamente, contudo, para se ver como os derivativos são sujeitos
a tergiversações, tem-se considerado como censurável não observar a
fórmula Black & Scholes para estabelecer o “preço justo” de opções
que são lançadas no mercado. É simples a fórmula, embora por vezes
se apresente como uma autêntica sopa de letrinhas (com o tempero
de algumas letras gregas). O interessante é que esta fórmula, na realidade, deriva de um pensamento grafista. Em sua essência, o “preço
justo” advém de uma expectativa de preço futuro da ação, adjetivado
por números que representam a volatilidade pretérita observada na
negociação das mesmas ações . Volatilidade mede o grau de variação
(para mais, para menos) dos preços observados em negociações de
ativos, como as ações, em uma determinada sequência temporal. Ou
seja, à moda dos grafistas, ponderam-se dados gráficos de volatilidade
passada de preços como reproduzíveis no futuro, sem a adjetivação
das circunstâncias que fundamentaram o passado e da probabilidade
de se repetirem no futuro, exata ou aproximadamente, sem desvios
sensíveis.. Talvez por uma leitura imperfeita dos livros em que se
informaram, ainda se cometem outros equívocos, até para os que
aceitam orientar-se por gráficos. Assim, nesta fórmula B&S, tomam a
volatilidade do preço das ações de um período pequeno que antecede
o lançamento das opções (21 dias por exemplo.), e projetam-na no
cálculo de “preço justo” de opções que terão prazos bem maiores
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para exercício (2,3,4 meses). Financistas teóricos, como John Hull, são
taxativos em dizer que, nesta fórmula B&S, os períodos de volatilidade
pretérita pesquisados devem ser compatíveis com os das opções cujo
preço “justo” se procuram. Não se levam em conta antecedentes de
ocorrência de volatilidades inaproveitáveis, por alterações bruscas
de cenário ocasionarem variações “selvagens” de preços, como era
comum ocorrer no Brasil (e ocorreu no ano passado). De mais a mais,
há um “desejo” de simetria, ou seja, de que os preços das opções
comandem os mesmos critérios de vantagens ou desvantagens, no seu
lançamento e no seu exercício, quando as circunstâncias serão muito
provavelmente bem diferentes. Como característica geral, confunde-se
volatilidade passada com tendência futura, desprezando tendências
novas que se possam formar com o advento de novas circunstâncias,
ou receio fundado de imprevisibiliade. Esta fé nos registros de preços
passados para comandar decisões quanto ao futuro pode estar na
origem das duas quebras de fundos conduzidos por um dos autores
da fórmula B&S (Myron Scholes; o outro é Fischer Black), que foi
agraciado com o Prêmio Nobel (veja-se o prestígio dos grafistas) : uma
em crise anterior, que mobilizou até o Presidente do FED americano
para sua solução, e outra, na crise atual.
Um outro exemplo de imperfeição no uso de pressupostos é negligenciar pura e simplesmente fatores que são importantes para determinar
o preço de um derivativo ou que influenciam decisivamente na sua
avaliação. É o já conhecido caso dos swaps de crédito(credit default
swaps- CDS). Transcrevo trecho meu (novembro de 2008) da Carta
Mensal nº 646 :”Os CDS são seguros de solvência dos devedores[de
contratos de financiamento]. O seu preço de venda provinha de
cálculos matemático-estatísticos quanto à probabilidade de não pagamento dos empréstimos subjacentes. Tais cálculos davam conforto às
seguradoras quanto aos preços praticados no sentido de eles anularem
ou superarem fluxos negativos de pagamentos de sinistros de crédito,
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 27-68, nov. 2009
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mantendo assim íntegros ou até mais lucrativos os prêmios recebidos
das instituições[preços pagos pelos swaps].Nem sempre, contudo, os
gênios da matemática captam por inteiro os fenômenos. Suas fórmulas
podem omitir ponderações operacionais importantíssimas. No caso,
as seguradoras tinham que aportar garantias (margens) às instituições,
para proteger quanto a riscos de oscilações de preços dos papéis securitizadores. Quando os preços dos papéis securitizadores passaram
a comandar deságios importantes e até extremados(pela deterioração
do valor das hipotecas garantidoras dos empréstimos), o aporte de
garantias adicionais passou a ter um custo pesado para as seguradoras.
Além do mais, os títulos estavam registrados em seus balanços, onde
deviam sofrer a devida marcação a mercado, depreciando considerávelmente seus ativos. Estes fatores de ponderação ignorados – aporte
adicional de garantias, contabilização de aumento de exposição –não
integraram os modelos matemáticos que serviram de base à precificação
dos CDS, e, na realidade, simulações de situações de mercado como as
que ocorreram certamente teriam desencorajado as seguradoras a entrar
neste tipo de negócios que, afinal, funcionou como um encorajador
importante para o sistema como um todo.” . Os preços de lançamentos
dos CDS deveriam ter sido maiores.
Conclusivamente, os riscos no mundo financeiro estão íntima mas
subsidiariamente associados aos riscos em que incorrem pessoas que
os admitem ou em que são levadas a incorrer, ao emitirem, fazerem
circular ou regular instrumentos financeiros que incorporam principais
e derivativos.
Palestra proferida em 06 de outubro de 2009.
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Síntese da Conjuntura
Evolução da crise cambial
Ernane Galvêas
Ex-Ministro da Fazenda
A
crise econômica iniciada nos Estados Unidos e estendida praticamente a todos os continentes, atingiu com mais força alguns
países, no 4º trimestre de 2008 e 1º trimestre de 2009: Brasil -3,4%
e -1,0%, Japão -3,0% e -3,1%, Alemanha -2,4% e -3,5%, Portugal
-1,8% e -1,8% e França -1,4% e -1,3%, respectivamente. Entretanto,
esses países saíram da crise, no 2º trimestre deste ano: Brasil +1,9%,
Japão +0,6%, Alemanha +0,3%, Portugal +0,3% e França +0,3%. O
PIB brasileiro, no 1º semestre deste ano, em relação ao mesmo período
de 2008, ainda registra queda de -1,5% e a indústria -13,4%.
Alguns países ainda não saíram da recessão e continuaram com o
PIB negativo no 2º trimestre: México -1,1%, Espanha -1,0%, Reino
Unido -0,7%, Itália -0,5% e Estados Unidos -0,3%. Em compensação,
há países aos quais a crise não chegou e que no 2º trimestre continuaram em expansão: Índia + 6,7%, Coréia do Sul +2,6%, China +2,0%
e Australia +0,6% (em relação ao trimestre anterior).
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
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Em agosto, as vendas no varejo, na China, cresceram +15,4% e a
produção industrial +12,3% em relação ao mesmo mês de 2008.
Um aspecto a lamentar na atual conjuntura é o recrudescimento da
corrida armamentista, liderada pelos Estados Unidos, China, França,
Venezuela, grande número de países africanos e, mais recentemente,
o Brasil, empenhado na compra de submarinos atômicos e aviões de
combate. Lamentável.
Segundo Pesquisa Mensal do Emprego, do IBGE, a crise pouco afetou as classes de baixa renda no Brasil e, de acordo com a análise da
FGV, enquanto as classes A e B (renda superior a R$ 4,8 mil) tiveram
retração de 0,5%, em julho/junho 0,8%, a classe C (entre R$ 1,1 mil
e R$ 4,8 mil) teve um crescimento de 2,5%. No mesmo período, a
classe D (entre R$ 804 e R$ 1,1 mil) diminuiu 4,1%.
Indicadores de produção industrial, vendas no varejo, licenciamento
de carros, consumo de energia elétrica e fluxo de veículos nas estradas mostram que o desempenho da economia no terceiro trimestre
será melhor do que o de abril a junho deste ano e do que o de igual
período de 2008.
Estimativas do mercado preveem que, de julho a setembro, o PIB
nacional deva subir cerca de 3% ante o trimestre anterior e 0,5%
sobre igual período do ano passado.
ALERTA FISCAL
Visivelmente, a situação fiscal no Brasil não é boa: o Governo, sistematicamente, gasta mais do que arrecada, expande as despesas
correntes de custeio em um ritmo muito acima do crescimento do
PIB e da inflação, investe muito pouco em projetos de infraestrutura
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
e não economiza o suficiente para pagar os juros da dívida pública.
Neste ano, até agosto, o superávit primário alcançou apenas R$ 43,5
bilhões, e os juros chegaram a R$ 108,3 bilhões, produzindo um
déficit nominal de R$ 64,8 bilhões, comparados, respectivamente,
com os seguintes resultados no mesmo período de 2008: R$ 102,9
bilhões, R$ 120,5 bilhões e R$ 17,6 bilhões.
Em consequência, em relação a 31/12/2008, a dívida bruta do setor
público, em oito meses, aumentou R$ 211,0 bilhões, dos quais R$
136,2 bilhões, foram devidos à dívida mobiliária do Tesouro Nacional.
Evidentemente, esse endividamento há de ter um limite, uma vez que
não há mais espaço para aumentar a carga tributária, assim como não
há disposição do Banco Central em buscar uma redução consistente
da taxa de juros básica (SELIC).
A falta de recursos fiscais disponíveis poderá dificultar o desenvolvimento da infraestrutura, principalmente de novos projetos de energia
elétrica, investimentos no Pré-Sal e nos transportes, comprometendo
os objetivos de um crescimento sustentável da economia nacional.
A DESVALORIZAÇÃO DO DÓLAR
O mundo acadêmico, liderado por Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel
de Economia, anda excessivamente preocupado com a desvalorização do dólar e, em consequência, alimentando o debate sobre uma
possível substituição do dólar americano como moeda de reserva e
denominador comum das transações internacionais. Ao que tudo
indica, trata-se de uma proposta sem sentido, na conjuntura atual,
cuja discussão está gerando mais confusão e incertezas do que esclarecimentos para a concretização das medidas adotadas por diversos
países para superar a crise mundial.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
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Os Estados Unidos enfrentam grandes dificuldades na área econômica, com um déficit fiscal que deverá chegar a US$ 1,5 trilhão no final
do ano (US$ 469 bilhões, em 2008) e um déficit no balanço de pagamentos de cerca de US$ 360 bilhões (US$ 200 bilhões com a China),
financiados ambos, pelo aumento da dívida pública americana.
Esse problema, visto do ângulo brasileiro, parece muito mais grave do
que tem sido até aqui, basicamente porque a desvalorização do dólar
frente à valorização do real assumiu uma proporção assustadora. No
contexto mundial, a desvalorização do dólar está longe de assumir
um nível crítico, como se pode ver pelo quadro abaixo, indicativo da
paridade do dólar, no ano de 2009, até o mês de setembro:
Valorização em 2009 em relação ao dólar,
em %
Real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34,43
Dólar australiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31,93
Rand africano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27,99
Peso chileno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14,27
Libra esterlina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8,81
Euro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5,38
Baht tailandês . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4,39
Peso mexicano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4,36
Franco suíço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3,67
Yuan chinês . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0,00
Ouro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15,70
Observa-se que, até setembro, em relação ao euro, a segunda moeda
em importância, a desvalorização do dólar em nove meses foi de
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
apenas 5,38%; em relação ao franco suíço 3,67%. Em relação ao
ouro, uma onça-troy valia U$ 858,48, em janeiro/09, e em setembro
podia ser comprada a U$ 993,00.
Isto significa que o Real está absurdamente valorizado em 49,35%
sobre o peso argentino, 35,93% em relação à Rússia, 33,93% ao Japão,
29,10% ao Euro. O mesmo não acontece em relação ao ouro: uma
grama valia R$ 58,60, em janeiro/09, e atualmente pode ser comprada
a R$ 56,70, uma valorização do real de apenas 3,25%.
Pelo visto, é mais preocupante a valorização do real do que a desvalorização do dólar. O Brasil não esta administrando bem o mercado
cambial e isso, com o tempo, poderá criar problemas para a economia
nacional. O mercado de câmbio, no Brasil, está sendo comandado
por uma colossal entrada e saída de capitais estrangeiros, inclusive de
curto prazo, de caráter especulativo, atraídos pelo altos rendimentos
financeiros, favorecidos não só pela isenção do Imposto de Renda,
como pela isenção do IOF sobre os contratos de câmbio. O mínimo
que o Governo deveria fazer para frear a escalada de valorização do
real seria suspender essas isenções, por prazo indeterminado.
Indústria
Em agosto, a produção industrial cresceu 1,2%, em relação a julho, o
oitavo aumento consecutivo. Entretanto, ante agosto/08 registra-se
queda de -7,2% e resultado negativo no ano de -12,1%. Em relação a
dezembro/08, a indústria registra uma recuperação de 13,5%. Apesar
dessa recuperação parcial, houve recuo da 1,3% das horas trabalhadas, o que explica a queda de 3,3%, no mês, da massa salarial. Para
os oito primeiros meses, ante o mesmo período de 2008, a queda é
de 2,5%.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
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A produção de bens de capital, que sinaliza o desempenho dos investimentos, aumentou 0,4%. Houve alta em bens intermediários
(0,7%), bens de consumo duráveis (3,1%) e bens de consumo semi
e não duráveis (0,6%).
Empresas voltadas para o mercado interno produzem no mesmo ritmo de antes da crise e já retomam os investimentos. Segundo a FGV,
os fabricantes de material de construção, bens de consumo duráveis
e material de transporte estão utilizando quase 90% da capacidade
instalada. Os segmentos agraciados com a redução do IPI lideram a
retomada do investimento.
Segundo a CNI, a utilização da capacidade instalada subiu para 80,1%
em agosto, frente a 79,9% em julho e 79,6% em junho.
No acumulado de janeiro a agosto, a indústria paulista registra queda
de 13,1% na produção, ante igual período do ano passado e, em 12
meses, acumula recuo de 9,2%.
A produção industrial aumentou em sete das 14 regiões pesquisadas
pelo IBGE em agosto, com destaques para Pernambuco (7,4%), Espírito Santo (6%), Bahia (5,7%), Região Nordeste (3,9%), São Paulo
(2,5%) e Rio Grande do Sul (1,9%) e Amazonas (1,2%). A produção
teve variação zero em Minas Gerais e no Paraná e queda em Goiás
(-6,5%), Pará (-2,8%), Santa Catarina (-1,7%), Ceará (1,1%) e Rio
de Janeiro (-0,9).
A produção de cimento e papelão ondulado – dois importantes indicadores da atividade econômica – registrou alta em setembro, de
1,9% e 5,05%, respectivamente, em relação a setembro/08. Também
o consumo de energia elétrica, puxado pela indústria, subiu 3,8%.
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Comércio
Em agosto, segundo a Fecomércio-SP, o varejo registrou alta de 3,3%
ante o mesmo período de 2008. No acumulado dos oito primeiros
meses do ano, a taxa de crescimento do setor foi de 0,7%. No Rio
de Janeiro, segundo a Fecomércio-RJ, a alta foi de 1,6%. O Dia da
Criança foi até agora a melhor data comemorativa de vendas para
o varejo do ano, superando o Dia dos Pais, crescendo 8,2% sobre
outubro/08, pelos dados da Serasa.
Levantamento da Fecomércio-RJ com a ABIH revela que a ocupação
dos hotéis no Rio, em julho, atingiu 70,88%. O turismo de negócios
foi o principal responsável pela ocupação dos hotéis do Rio: 37,71%,
seguido pelas viagens de passeio (33,08%). O mercado brasileiro
de aviação registrou crescimento de 23,93% na movimentação de
passageiros em setembro, ante o mesmo mês de 2008, segundo a
Anac. A taxa média de ocupação subiu de 61,29% para 63,43%, em
relação a setembro/08.
Segundo a Equifax, o volume de cheques sem fundos emitidos em
setembro registrou queda de 2,13% frente a agosto, a terceira baixa
mensal consecutiva no País.
Agricultura
O IBGE divulgou projeção de colheita de 134,1 milhões de toneladas
este ano, volume 8,1% menor do que a safra recorde do ano passado
(146 milhões de toneladas).
O trigo terá este ano produção 10,8% menor que a de 2008, totalizando menos da metade do consumo interno, que chega a 11 milhões
de toneladas a cada ano.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
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De acordo com a pesquisa, a soja deverá ter queda de 5,1% ante a
safra anterior, enquanto no milho o recuo será de 13,4%. Já o arroz
elevará a produção em 4,2%. Esses três produtos respondem por
81,3% da área plantada do País.
As chuvas de setembro e outubro poderão prejudicar a florada do
café, comprometendo a safra do ano que vem.
As exportações do agronegócio atingiram US$ 5,75 bilhões em setembro, uma queda de 15,6% em relação a setembro/08.
Nos últimos 12 meses, as exportações brasileiras do agronegócio
totalizaram US$ 65,8 bilhões, queda de 7,1% em relação ao período
de outubro de 2007 a setembro de 2008.
Os países da Ásia e do Oriente Médio vêm ocupando posições de
destaque no ranking de vendas do agronegócio neste ano, com um
crescimento das exportações para essas regiões de 13,4% e 8,9%,
respectivamente.
O fato recente mais acintoso, na vida rural brasileira, foi a invasão pelo
MST da fazenda Cutrale, em Borebi-SP, destruindo sete mil pés de
laranja e depredando tratores e equipamentos agrícolas, além de furtos
praticados nas casas dos colonos. Uma repetição do que o mesmo
MST e a Via Campesina fizeram há algum tempo com as plantações
e laboratórios da Aracruz, em Guaíba-RS, incluindo a destruição de
computadores que armazenavam valiosas pesquisas agronômicas.
O vandalismo contra a Aracruz permanece, até hoje, sem punição,
sinalizando uma inaceitável conivência do Governo. O País espera
que, desta vez, alguma coisa aconteça, mas a expectativa vai no sentido
contrário, ou seja, a aprovação pelo Congresso dos novos índices de
produtividade da Terra, negociado entre o Governo e o MST.
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
Mercado de Trabalho
O crescimento do emprego no mercado formal em setembro foi de
0,77%, em decorrência do 1,491 milhão de admissões no mês, enquanto os desligamentos ficaram em 1,238 milhão. Pelo oitavo mês
consecutivo de saldo positivo no emprego com carteira assinada,
foram geradas 252.617 vagas, de acordo com a Caged. O resultado
foi o mais expressivo do ano e o segundo melhor para o período na
série histórica, iniciada em 1992.
Segundo o IBGE, o emprego na indústria subiu, 0,3% em agosto,
em relação a julho, mas a CNI informa que esse aumento foi de
0,7%. Na mesma base de comparação, a folha de pagamento real da
indústria caiu 0,4%, mas o número de horas pagas voltou a crescer
(0,3%), após ficar estável em julho (0%).
Em São Paulo, segundo a Fiesp, no acumulado dos primeiros nove
meses, o nível de emprego aponta queda de 1,89%.
Setor Financeiro
O Governo continua estimulando vigorosamente a expansão do
crédito. No início de outubro, o Banco do Brasil captou no exterior
mais US$ 1,5 bilhão (O Tesouro tem US$ 230 bilhões de reservas
cambiais!?) e a CEF recebeu do Governo mais R$ 6 bilhões, via títulos
públicos. De acordo com dados do Banco Central, a caderneta de
poupança teve captação líquida de R$ 3,510 bilhões, em setembro.
Foi o quinto mês consecutivo que a poupança teve resultado positivo.
O resultado reflete depósitos de R$ 84,861 bilhões e retiradas de R$
81,351 bilhões. No acumulado do ano, a poupança atraiu R$ 15,728
bilhões líquidos.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
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Os desembolsos do Banco do Brasil no crédito rural, no período
julho/setembro, já são superiores em 51% ao mesmo período do
ano passado. O BNDES já desembolsou R$ 1,6 bilhão para micro
e pequenas empresas, até setembro. Está previsto o desembolso
de R$ 1 bilhão para o setor hoteleiro. A CEF ampliará a oferta de
empréstimos para R$ 70 bilhões, dos quais R$ 5 bilhões deverão ser
aplicados em projetos de mobilidade urbana, com vistas à Copa de
2014, e R$ 20 bilhões para pequenas e médias empresas.
Este
ano já é o segundo melhor em captações com ações, desde 2004. Até
o momento, 13 operações movimentaram R$ 35,9 bilhões. No ano
passado inteiro, foram 12 colocações, que giraram R$ 32,2 bilhões.
O número de falências decretadas bateu o recorde do ano em setembro, puxado por micro e pequenas empresas, segundo a Serasa.
Inflação
Os índices de inflação em setembro, mantiveram a tendência de baixa,
em relação aos preços no varejo, e uma reversão no sentido de alta,
no atacado.. O IPCA/IBGE subiu de 0,15% (agosto) para 0,24%,
igual a julho, acumulando em 12 meses 4,34%. O IGP-DI cresceu
0,25%, a maior alta desde outubro de 2008. A taxa de câmbio continuou o curso de valorização iniciado em março, chegou a 5,74% em
setembro, acumulando nesses nove meses -23,90%.
Segundo a Fecomércio-SP, o valor da cesta básica de setembro subiu
0,23%, contra 0,64% em agosto. No Rio, a cesta básica teve aumento
de 2,76% em setembro, mas continua negativa em -8,40% no
acumulado do ano. A cesta básica registra queda em, praticamente,
todas as capitais do País.
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C a r t a M en sa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
Setor Fiscal
A arrecadação federal caiu 10,59% no período janeiro/agosto 2009,
basicamente em função da queda das atividades econômicas, inclusive
importações, e das desonerações anticíclicas, que chegaram a R$ 17,3
bilhões, até agosto. Sobressai a expansão dos gastos com a contratação
de pessoal para os três Poderes. Só este ano, já foram sancionadas 25
leis que aumentam as despesas com a criação de cargos e comissões.
Entre 2003 e 2009, foram contratados 57,1 mil servidores.
Na área de investimentos do PAC, o balanço realizado até agosto
mostra que 50% do Orçamento foram desembolsados, o que significa atraso relevante. Os projetos de habitação e saneamento ganham
mais espaço no PAC.
Setor Externo
A balança comercial brasileira acumula, no ano, até a segunda semana
de outubro, um superávit de US$ 22,051 bilhões, 9% superior ao
verificado no mesmo período de 2008.
No ano, as exportações somam US$ 116,542 bilhões, uma queda
de 25%. As importações somam, no ano, US$ 94,491 bilhões, uma
queda de 30,2%.
No período janeiro/setembro, as exportações de produtos industrializados, em dólares, caíram 31,7%.
Do lado das importações, no período, houve queda de 19,8% em
bens de capital, 31,7% em matérias primas e intermediários e 51,9%
em combustíveis lubrificantes.
Carta Mensal • Rio de Janeiro, v. 55, n. 656, p. 69-80, nov. 2009
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A distribuição das exportações por áreas geográficas mostra que
houve queda de 28,8% para a União Européia, de 36,0% para a
América Latina e Caribe (-39,3% para a Argentina) e de -46,6% para
os Estados Unidos. De outro lado, cresceram 19,5% as exportações
para a China.
As reservas cambiais atingiram US$ 231,6 bilhões, em 10 de outubro,
mas continuam sendo levantados empréstimos no exterior, inclusive
pelo Banco do Brasil (US$ 1,5 bilhão).
Na área internacional, permanece a situação de crise, especialmente
nos Estados Unidos, onde o desemprego continua crescendo (mais
263 mil, em setembro). O PIB na Zona do Euro caiu 0,2% no 2°
trimestre, mas as expectativas são positivas para o 3° trimestre.
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Problemas Nacionais