UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MUSA FRAGMENTADA: A POÉTICA DE CARLOS PENA FILHO POR: LUIZ CARLOS MONTEIRO ORIENTADOR: LOURIVAL HOLANDA RECIFE JANEIRO / 2005 iii LUIZ CARLOS MONTEIRO MUSA FRAGMENTADA: A POÉTICA DE CARLOS PENA FILHO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre. ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: TEORIA DA LITERATURA ORIENTADOR: LOURIVAL HOLANDA RECIFE JANEIRO / 2005 iv Monteiro, Luiz Carlos Musa fragmentada : a poética de Carlos Pena Filho / Luiz Carlos Monteiro. – Recife : O Autor, 2005. vii, 99 folhas . Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CAC. Teoria da Literatura, 2005. Inclui bibliografia. 1. Teoria da literatura – Textos poéticos. 2. Poesia de Carlos Pena Filho – Influências poéticas – Análise literária. 3. Poesia urbana – Cidade do Recife. I. Título. 82.09 809 CDU (2.ed.) CDD (22.ed.) UFPE BC2005-126 vi AGRADECIMENTOS A idéia de escrever um trabalho sobre a poesia de Carlos Pena Filho surgiu em 1997, por ocasião do centenário de Joaquim Cardozo, embora a decisão não tivesse necessariamente ligação com a efeméride do autor de “Visão do último trem subindo ao céu”. O que antes representaria um ensaio despretensioso e, em certa medida, desinteressado, passou à condição prioritária de dissertação de mestrado, estudo acadêmico orientado pelo professor Lourival Holanda, a quem agradeço sensibilizado pelo estímulo constante e pela boa vontade em acatar temática, autor e aluno. Agradeço às professoras Luzilá Gonçalves Ferreira e Sílvia Cortez Silva, componentes da banca examinadora, pela atenção com que enfrentaram estas páginas. Aos professores da Pós-graduação em Letras e Lingüística, aos funcionários e colegas de mestrado. Aos críticos literários César Leal e Mário Hélio, o primeiro responsável por um dos estudos decisivos sobre Carlos Pena Filho, e o segundo pelo incentivo que nunca nos faltou. Aos jornalistas Homero Fonseca e Marco Polo Guimarães, atentos ao nosso trabalho dentro e fora da academia. Aos amigos de Sertânia e do Recife, Luciano Teixeira Lopes e João Bezerra Alves. A Cícera Rodrigues Monteiro, minha mãe e a Aimê Maria de Oliveira Monteiro, minha filha; e a tantos outros familiares, pelo que sinalizam de proximidade e apoio cotidianos. vii SUMÁRIO RESUMO...............................................................................................................................vii INTRODUÇÃO.....................................................................................................................01 I. UMA POÉTICA MULTIFACETADA................................................................................06 I.1. Poeta de rápido destino..................................................................................................06 I.2. Do adolescer à maturidade poética................................................................................12 I.3. Aparições em torno do nada...........................................................................................16 I.4. Influências e refrações locais e européias......................................................................20 II. OS DESCAMINHOS DA BUSCA.....................................................................................24 II.1. Dois sonetos renegados.................................................................................................24 II.2. Um prefácio controvertido............................................................................................28 II.3. Metapoesia de indagações............................................................................................31 II.4. Narcisismo e solidão.....................................................................................................35 II.5. A lucidez transfigurada.................................................................................................41 III. A ABORDAGEM SOCIAL...............................................................................................49 III.1. A contemplação ativa...................................................................................................49 III.2. Viagem do litoral ao sertão..........................................................................................56 III.3. Os bois que falam e vêem os homens...........................................................................63 III.4. O episódio sinistro.......................................................................................................67 III.5. As mudanças de tom e dicção......................................................................................72 viii IV. O POEMA-INVENTÁRIO...............................................................................................76 IV.1. O poeta conduz o leitor pela cidade............................................................................76 IV.2. O outrora e o hoje recifenses.......................................................................................81 IV.3. Crítica social e de costumes........................................................................................84 CONCLUSÃO.......................................................................................................................90 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................93 ix RESUMO Este trabalho se destina à verificação e análise da ocorrência do lírico e do popular na poesia de Carlos Pena Filho. Estruturado em quatro capítulos, e com a feição de dissertação de mestrado, intenta proceder a investigação crítico-analítica de poemas do Livro geral, que reúne praticamente toda a produção do poeta. Os desdobramentos temáticos que envolvem aspectos sociais, urbanos e subjetivistas desse lirismo são analisados com algum detalhamento. Por outro lado, são também tangenciados elementos de ordem mais geral que pessoal, e que configuram relações geracionais, atitudes e posicionamentos do poeta frente à vida e ao mundo. Observa-se que Carlos Pena, imbuído de aptidões incontestes para a poesia, escreveu seus poemas sob o signo de uma competência rara e intrínseca. Desempenho poético a que se soma uma consciência estética que o faria promover mudanças definidoras no eixo conteudístico e escolher novos caminhos com bastante acerto, sem renegar sua poesia de base, sustentada num lirismo assumidamente clássico. Com a sintaxe e o léxico manuseados linearmente, os resultados fonéticos alcançados demonstram que o seu estilo sofreu poucas mudanças no curto intervalo de tempo em que escreveu sua obra. Na identificação desse estilo, mesmo onde se instala uma ruptura com as formas tradicionais, principalmente o soneto, não se torna difícil ao leitor familiarizado com sua poética reconhecer um substrato expressional comum aos poemas, ainda quando suas temáticas mudam radicalmente. Examina-se a multiplicidade diccional do autor em sua relação com os preceitos estéticos da geração de 45 e o ponto de inflexão onde essa dicção se individualiza, i.e., quando ele se afasta do romantismo, do simbolismo e do classicismo iniciais e vai ao encontro das formas populares. INTRODUÇÃO A poesia de Carlos Pena Filho surge no contexto histórico-cultural dos anos de 1950. Nessa década, a poesia brasileira se se caracteriza tanto pela ruptura como pelo alinhamento a padrões estéticos de períodos, escolas, gerações ou movimentos literários anteriores. O concretismo se enseja como um movimento de ruptura com quase tudo o que até então se tinha feito no Brasil em termos de poesia, excetuandose a absorção de certos ensinamentos do movimento artístico-literário de 22 e da poesia transgressiva de Souzândrade. Os poetas de feitio mais tradicionalista pouco se afastavam das estéticas romântica e simbolista, ou encontravam-se associados ao neoparnasianismo da geração de 45. Alguns mais ousados intentavam dar continuidade aos modernismos do próprio 22 e de 1930, apropriando-se de certas nuances estéticas desses movimentos, mas preservando também na sua poesia nuances opostas do classicismo. Carlos Pena Filho incorpora, em boa parte de sua obra, temáticas e construções formais da poética clássica. Por outro lado, sua ligação a escritores nordestinos que trabalhavam uma aproximação mais incisiva à cultura popular – Ariano Suassuna, Gilberto Freyre, Jorge Amado, entre outros –, certamente 2 contribuiu para a ocorrência de uma linhagem desse tipo de cultura que se identifica em sua poesia. Apesar da obra de dimensão reduzida, Carlos Pena Filho destaca-se como um dos poetas mais vigorosos da década de 50, ombreando-se a poetas locais de repercussão nacional como João Cabral de Melo Neto, Joaquim Cardozo, Mauro Mota, Ascenso Ferreira e Manuel Bandeira, e de outros estados como Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Augusto Frederico Schmidt e Vinícius de Morais, todos seus aparentados espirituais e revelando também novas preocupações sociais e políticas. Edilberto Coutinho relaciona, no Livro de Carlos, o grupo de poetas a que pertencia Carlos Pena a esse tempo: Edmir Domingues, Audálio Alves, Olimpio Bonald Neto, Francisco Bandeira de Melo, Félix de Athayde e Fernando Pessoa Ferreira. Prefaciando o livro de Carlos Moreira Os sonetos (Recife, Sagitário, 1953), Carlos Pena se insurge, de modo irônico e contundente, contra os mais fortes preceitos estéticos e bases teóricas da geração de 45. No entanto, ele não estava totalmente desvinculado da poesia que o grupo praticava. Assim, é notável a influência da geração de 45 sobre o poeta, isto se verificando na análise de alguns poemas seus, através da utilização freqüente de recursos poéticos e padrões lingüísticos e de estilo comuns e característicos àquele grupo. A leitura de seus versos não suprime a fruição e o prazer provocados por uma conformação altamente fluente e musical que os reveste. Sem excluir a força desse ludismo, pode-se partilhar, ainda, de uma operação mental diversa, de outro modo de apreensão da linguagem, sinalizado pela descoberta singular da realidade social e do mundo circundante que permeia frações e núcleos significantes de sua poesia. No 3 esforço de apreensão crítica dessa poética, com o mapeamento de seus aspectos formais e elementos temáticos, estilísticos e conteudísticos, duas vertentes analíticas diferenciadas se reafirmam, se excluem ou se ramificam. A primeira delas envolve uma orientação analítica que começa a se definir no que existe de particularmente revelador no discurso lírico subjetivista praticado pelo poeta, originário de sua compulsão anímica e espiritual, levando-o a se exprimir numa fala que privilegia a absorção do mundo psíquico autocentrado e narcísico. A segunda vertente analítica tende a revelar os poemas de nítido conteúdo social, de sabor e referência históricos. Em tais poemas, são mantidas conexões definidoras com a cultura popular, que desemboca, por sua vez, numa visão regionalista, contudo participante, derivada diretamente da contemplação ativa de ambientes rurais, onde prevalecem figuras mitológicas e personagens insignes do imaginário nordestino. Intensifica-se, ainda, a presença do mundo urbano, no canto incisivo e irônico à cidade do Recife. Dos sete blocos de poemas e livros constantes na segunda edição do Livro geral (Recife, UFPE, 1969), preferencialmente consultada neste trabalho, os blocos Cinco aparições e Poemas sem data são analisados já no primeiro capítulo, onde se destaca também uma visão panorâmica e problematizadora dessa obra. Aparece no segundo capítulo a análise dos livros O tempo da busca (195051) e A vertigem lúcida (1952-54), além do bloco Dez sonetos escuros (1953-56), nos quais a fatura formal utilizada em quase todos os poemas é o soneto, perfazendo 4 a linha formalista1 que o poeta reconhecia como de ocorrência reiterada em sua poesia. Ele vai conseguir uma relativa independência desse formalismo apenas quando passar a escrever e divulgar os poemas regionalistas do bloco Nordesterro, objeto de estudo do terceiro capítulo. O poema longo Guia prático da cidade do Recife, que se constitui também em bloco, pela subdivisão empreendida nos fragmentos que o caracterizam, é estudado no quarto e último capítulo. Os trabalhos sobre o poeta mais utilizados na consulta foram os livros de Edilberto Coutinho e Irma Chaves, os ensaios de Cesar Leal, José Gonçalves de Oliveira e Renato Carneiro Campos, além dos textos curtos, porém de não menor importância, de Ariano Suassuna, Gilberto Freyre e Manuel Bandeira. A análise dessa poesia foi realizada, no corpus do Livro geral, livro a livro. Em cada livro, foram escolhidos poemas considerados mais representativos das modalidades temáticas desenvolvidas, em consonância com as fases literárias vivenciadas pelo poeta. Não se dispensou a investigação de fatura estilística e expressão semântica nas estruturas interna e externa do texto, no bojo de suas semelhanças, oposições ou diferenciações contidas em versos, estrofes e poemas. As formas fixas e os versos livres e “polimétricos” – e seus desdobramentos em métrica e rima, ou ainda a 1 A esse respeito, ver Ariano Suassuna, “Galeria dos nossos: Carlos Pena Filho visto por Ariano Suassuna”. In: Livro geral, Carlos Pena Filho, Recife, UFPE, 1969, p. 8. Ao declarar a prevalência de “duas linhas mestras de sua poesia, a formalista e a regionalista”, Carlos Pena obviamente deveria saber que elas não seriam mutuamente excludentes. Um poema regionalista não pode prescindir de um arcabouço formal, seja ele o soneto, a quadra, a sextina, o verso livre ou o verso branco. De outro modo, a sigla formalismo não corrobora, necessariamente, o caráter regionalista (ou não) de um poema. O formalismo representaria apenas o apoio instrumental e a sustentação técnica indispensáveis para que o poema, quando realizado vocabularmente, venha a assumir uma forma artística definitiva e acabada. 5 ausência destas – tiveram a sua cota de atenção por se constituírem em elementos auxiliares no processo da desmontagem e recomposição analítica. Aqui, foram de valimento indispensável “ensinamentos práticos” de Massaud Moisés em A análise literária, de grande utilidade para o procedimento em si da análise, contribuindo também para isto Silviano Santiago, com textos analíticointerpretativos constantes em Uma literatura nos trópicos. O clássico de Emil Staiger, Conceitos fundamentais de poética, serviu para fazer a diferenciação entre os gêneros poéticos. Edmund Wilson, em ensaios espalhados por sua obra, notadamente em O castelo de Axel, facilitou bastante a aplicação de certa psicanálise freudiana à literatura. Na firmação de conceitos de ideologia, literatura e sociedade, os nomes e textos de Antonio Candido, Roberto Schwarz e Alfredo Bosi se revelaram preferenciais. Todos estes autores e respectivas obras estão relacionados na bibliografia. 6 I UMA POÉTICA MULTIFACETADA I.1. Poeta de rápido destino Carlos Pena Filho fez sua estréia na poesia em 1952, com a reunião dos primeiros poemas escritos numa publicação a que intitulou de O tempo da busca.1 Nascido no Recife a 17 de maio de 1929, desde muito cedo se afirmou como uma personalidade singular de poeta em franca e rápida expansão, tendo deflagrado, com este livro, parte de suas inquietações de artista recém-saído da adolescência. Esta fase inicial envolvia certas indagações estéticas e existenciais latentes, além de algumas projeções e questionamentos acerca da validação do ofício poético e da experiência concreta com o mundo sensível, notadamente quanto ao seu posicionarse e se fazer presente diante dos acontecimentos da vida cotidiana e da arte do seu tempo. Na passagem de uma fase a outra em Carlos Pena Filho – do adolescer tateante e perplexo a um rápido amadurecimento – pode-se entrever uma enorme 1 Na única edição de O tempo da busca (Recife, Região) não há indicação da data de sua publicação. Mas, as evidências documentais como depoimentos, artigos e entrevistas contidos em jornais de época, demonstram ter sido o livro lançado efetivamente em 1952, ano que também se adota neste trabalho. 7 vontade de superação de si mesmo, que se revela principalmente na atividade de maior peso em sua vida e na qual melhor se realizava, a poesia. Esta passagem, mais acidentada do que propriamente calma, se encontra impregnada de um desempenho poético fracionado entre a fatura formal de um lirismo típico do neoclássico, pela via do soneto decassilábico, e o esforço de apreensão e superação dos mecanismos e manifestações poéticas posteriores aos modernismos de 22 e 30. Ela é concomitante também com o desempenho poético funcionalista, malogrado em sua maior porcentagem, da geração de 45.2 Decerto que Carlos Pena Filho não executa, no decurso de sua poética, nenhum tipo de inovação formalística flagrante ou significativa, preferindo se exprimir no mais das vezes através das chamadas formas fixas. Mas, ao elaborar e construir pacientemente o corpus de sua poesia – que pode aparecer tanto em versos desvestidos da rima mais sistemática ou da metrificação tendenciosamente mais rígida e fechada, ou ainda e em maior ocorrência, na forma de sonetos precisos, exatos e impecáveis –, transitando com desembaraço evidente em campos formais que exigem habilidades até certo ponto raras, se torna fácil para o leitor constatar que são poucos os versos em que demonstra incompetência poética. Essa preocupação orgânica em trabalhar formas fixas, em engordar o rimário e a métrica consagrados pela poética tradicional – e talvez já demasiadamente empregados através de séculos, escolas literárias e gerações –, faz com que ele prescinda de arcabouços formalísticos e efeitos gráficos e visuais latentes, que 2 Apesar de ter intentado renegar, de modo irônico e contundente, já no início dos anos 50, os mais fortes preceitos e bases teóricas da geração de 45, no “Prefácio” ao livro de Carlos Moreira, Os sonetos (Recife, Sagitário, 1953), Carlos Pena Filho não estava totalmente desvinculado da poesia que o grupo praticava. Assim, é notável a influência da geração de 45 sobre ele, como se verá em trechos 8 permeiam, na década de 50, o ânimo e a postura das vanguardas. Estas, por sua vez, se reivindicam experimentalistas, polêmicas e inventivas. Utilizam-se de efeitos e estratificações que requerem justaposições minuciosas, arrumações diferenciadas e espacializações multiformes. Tais efeitos se mostram ainda como efeitos que privilegiam bem mais os elementos formais, e que logram ser alcançados com a serventia e a ajuda de recursos operacionais correntes, como o deslocamento espacial de fonemas, palavras e versos e a exploração das fendas possíveis no campo visual que a página oferece, desenvolvidos notadamente com o surgimento daquelas vanguardas experimentalistas brasileiras, que pouca ou nenhuma influência exerceram sobre Carlos Pena. Além desse tratamento artesanal classicizante que imprime a seus versos, corre paralela uma estranheza que se delineia referendada por uma angústia latente e demasiado presentificada, complexa e recorrente aos níveis de um estado poético onírico que se perfaz mais na superfície que no fundo, e é mais artificialmente provocado do que vivido ou sentido. E esse estado onírico desemboca ainda numa espécie de surrealismo irrealizado e programático apenas, onde a vigília se impõe predominantemente ao sonho, inseparável da lucidez desde sempre reivindicada no seu ofício de poeta. Lucidez que, se de um ângulo já descarta no seu nascedouro o malogro de um surrealismo mal assimilado, por outro, paradoxalmente, não se interpõe e nem exerce controle ou coerção castradora sobre um projeto poético de antes embasado no discurso lírico, que com freqüência realiza-se em dicções que da análise subseqüente de poemas seus, isto se verificando pela utilização freqüente de recursos poéticos e padrões lingüísticos e de estilo comuns e característicos àquele grupo. 9 contemplam ora a vertente social e urbana, ora a vertente intuitiva, amorosa e subjetivista. Em outra instância, ele vai discorrendo sobre o que se demonstrava como a sua perplexidade e o seu desencanto diante da sua própria poesia, com o seu dilema interno de poeta requisitado pelo formalismo intrínseco e estilisticamente devedor do simbolismo francês.3 Mas, além da influência francesa, o poeta continua a se filiar, embora com ressalvas, ao padrão operativo subjacente ao parnasianismo tardio dos poetas de 45. Na condição de “artesão caprichoso”, como ele se autodenominava, em certos momentos se aproximava bastante a esses poetas, que costumavam encarar e assumir “o poema como um artefato”, na expressão de um deles, Péricles Eugênio da Silva Ramos.4 De 1955 em diante, nos primeiros momentos da instalação de um surto desenvolvimentista no país, de vertente kubtschekiana, e que tinha como linha política divisória a recente e nefasta presença getulista, de amplos reflexos ditatoriais e de caráter nacional-populista, Carlos Pena Filho voltava a sua atenção e o seu interesse mais diretos para uma espécie de cultura emergente, que se demonstrava originária das raízes e camadas populares, de suas forças mais simples e segregadas no cenário característico da região nordestina. A cultura popular era este tipo de cultura latente, que viria a evoluir, na década de 60 em Pernambuco, para um movimento de considerável alcance e importância política inconteste: o MCP – Movimento de Cultura Popular, que contribuiria radicalmente para a viabilização e a consolidação das lutas pela 3 Cf. Cesar Leal, “Carlos Pena Filho”. In: Os cavaleiros de Júpiter, 2. ed., Rio de Janeiro/Recife, Tempo Brasileiro/FUNDARPE, 1986, p.172-174. 10 resistência democrática no Brasil. O MCP englobava as lutas camponesas no campo e a luta clandestina urbana e ostensiva das várias correntes de esquerda então atuantes, a conscientização de pessoas através da educação básica e transformadora do método Paulo Freire, o cinema novo, a literatura de cordel e o desempenho poético-musical dos cantadores e violeiros repentistas, o teatro popular revolucionário, a música popular de protesto dos festivais, da bossa nova e do tropicalismo, a poesia, o conto, a novela e o romance engajados, entre outras manifestações políticas e culturais. Carlos Pena Filho adota, já nos anos 50, principalmente com a escrita arrojada do bloco de poemas intitulado Nordesterro e do seu poema inteiramente dedicado ao Recife, o Guia prático da cidade do Recife, o desdobramento poético dos eventos localistas e populares como orientação cultural e estética. Antecipa e amplia, dessa maneira, sob a nítida influência de João Cabral de Melo Neto, formas poéticas que irão ser altamente desenvolvidas e intensificadas nos anos posteriores, quando ascenderá a um plano empenhado e questionador da cultura e da política, essa modalidade cultural específica. Deste modo, a cultura popular se insurgirá atendendo às necessidades de uma literatura interna, como resposta provável, nas dimensões dialética e estética, ao forte e desértico fechamento provocado pelo esteticismo estado-novista de 45 e ao modelo concretista-publicitário de exportabilidade vanguardista.5 4 Cf. Péricles Eugênio da Silva Ramos, “Depoimento sobre a geração de 45”. In: Revista de poesia e crítica, Brasília, nº 2, dezembro de 1976, p.11-12. 5 Cf. Sebastião Uchoa Leite. “Cultura popular: esboço de uma resenha crítica”. In: Osmar Fávero (org.). Cultura popular e educação popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro, Graal, 1983, p. 248-249. 11 Dentro dessa perspectiva de conformação regional-popular, são conhecidas as incursões que efetivou no âmbito do regionalismo, bebido diretamente nas matrizes e fontes pernambucanas, através do contato com a obra de Gilberto Freyre, ou, do lado ibérico, absorvido no modelo regionalista andaluz de Federico García Lorca, em especial nos poemas do Romanceiro Gitano. O regionalismo do qual se servia era o que buscava no homem e na natureza nordestina as peculiaridades favoráveis à solidariedade e ao tratamento artísticoliterário desalienante de conteúdos e temas. E isto lhe permitiu um aguçamento de visada que o redime enquanto poeta social – e não mais só enquanto poeta puro ou purista simplesmente –, quando ele passa a vislumbrar a transformação objetiva da sociedade, e na mesma pisada, a chamar a atenção, em forma de alerta ou denúncia, para um modo de vida amesquinhado em miséria e exclusão, notadamente nos poemas de Nordesterro. Devido talvez a seu temperamento boêmio – mas de uma boemia leve e contida, lúcida e organizada nos prazeres simples da convivência e na fruição advinda dessa comunicação artística e humana –, as suas vivências pessoais seriam sublinhadas por uma vida literária e intelectual movimentada e enriquecida de muitas solicitações e atividades. E estas vivências seriam referendadas também de algum modo nas rápidas, porém definidoras incursões que fez pelo jornalismo, no empenho levado a efeito nas discussões estéticas, e ainda nos percalços e compromissos representados pela transitoriedade de uma vida pública de cargos ou funções sem maiores ressonâncias. É de interesse lembrar ainda que, fraternas e socialmente extensivas como eram, tais vivências como que se prolongariam em admiração comovida e perplexa da parte de seus leitores e aficionados, dos amigos e pessoas 12 com quem convivera ou que eventualmente o conheceram, mesmo tanto tempo após a sua morte prematura no Recife, a 1 de julho de 1960, em conseqüência de um acidente de automóvel. I.2. Do adolescer à maturidade poética A essa altura é de supor também que as fases de uma adolescência meteórica e de uma juventude drasticamente interrompida não seriam atravessadas apenas por um romanticismo etéreo e inconseqüente, carente de experiências humanas e sociais mínimas que fossem, além de culturalmente inepto na sua insuficiência e indigência intelectual. A adolescência como tematização direta é enfocada em pelo menos três poemas do Livro geral: no “Soneto da puberdade”, de O tempo da busca (que contém poemas escritos entre 1950 e 1951), em “Elegia para a adolescência”, dos Dez sonetos escuros (escritos entre 1953 e 1956), e no “Retrato breve do adolescente”, dos Poemas sem data. No “Soneto da puberdade”, o poeta observa os movimentos indecisos, embora ligeiros e ágeis da mulher na praia “cercada de sol e de ondas curvas”, em direção ao mar “antes que o mar também se modifique”, na procura de um barco, silenciosa, solitária e mergulhada no tempo que se reivindica de urgências, mas que, paradoxalmente, se faz cedo, ainda mais quando a poesia é por ela renegada de seu espaço vivencial, e assim se mostrando como poesia que se faz instantaneamente ausente, obscurecida ou distanciada desse espaço: 13 Depois contempla a costa, mais surpresa ao ver os nunca outrora vistos montes, diminuindo os largos horizontes e aumentando as promessas de incerteza. (...) Mas, que pode fazer? tão só, tão cedo... e sem rosa-dos-ventos, sem a rosa que a podia livrar de algum rochedo. (Pena Filho, 1969, p.165).6 “Elegia para a adolescência” confirma toda uma propensão negativa e um tanto cética da perspectiva em maturação do poeta, quando este é levado a reinventar, organizar e trabalhar formas ainda antigas é certo, mas que traduzem assim mesmo facetas diversas da linguagem poética, encarada tanto como estereótipo inútil e espúrio, fugaz na sua inconstância e volubilidade, quanto, por outro lado, como linguagem que se salienta fortemente na transformação de sons e cores surdamente articulados em novas associações e descontinuidades: Veremos que as vogais e as consoantes não são mais que ornamentos coloridos, frutos de nossas bocas inconstantes. 6 Todas as citações de poemas de Carlos Pena Filho aqui constantes, e em outros capítulos, salvo indicação em contrário, são provenientes do Livro geral, 2. ed., Recife, UFPE, 1969. 14 E em silêncio seremos transformados, quando formos, serenos e perdidos, além das coisas vãs precipitados. (p. 101). A linguagem poética é consumada e intensificada no terceto final pelo advento de um silêncio grave e estigmatizado no eterno e no insondável, de um modo que se quer definitivo, quando o poeta e o seu interlocutor possível lograrão ser “além das coisas vãs precipitados”. O poeta ensaia um vôo em direção à morte – vôo representado, neste caso, pela saturação da palavra, pelo esgotamento das imagens da poesia, que não mais o redimirão no âmbito deste mundo prosaico em que vive. No “Retrato breve do adolescente”, predominam os versos setissilábicos, a estrofação irregular com esquema estrófico composto de um soneto seguido de duas estrofes de doze versos, uma de onze e outra de seis, com rimas consoantes cruzadas a partir do segundo verso, nas partículas de terminações eto (discreto/teto), ão (verão/imaginação), ez (talvez/fez, sendo a diferenciação fonemática aqui estabelecida pela inserção do vocábulo mês) e ava (morava/aguardava). Todos estes recursos são aplicados de um modo ambíguo e insatisfatório ainda, quando se observa que o poeta mescla as formas populares dos setissílabos com as formas eruditas e implícitas do soneto, estabelecendo a confusão e a vacilação no seu próprio desempenho formalístico. O adolescente, este “herói do sonhar em vão”, é flagrado aos dez anos, na sua religiosidade e confinamento familiar, a fixar as “alvas formas do teto” e a descobrir o devaneio erótico “nas curvas da própria mão”. Depois, num certo aniversário, 15 coincidente talvez com o seu próprio aniversário, usa a primeira vez “solenes calças compridas, gravata alegre”. Mas, em meio ao tumulto infantil da festa, o poeta infante e já em processo inicial de gestação, faz um intervalo especulativo para se reconhecer “latino” e pastor de impossibilidades eróticas, como na terceira estrofe: Num dia de aniversário usou (a primeira vez) solenes calças compridas, gravata alegre. Era o mês em que nos campos mais frios e em outros campos, talvez, inauguravam-se as rosas imitando a quem as fez e aquele, mais do que nunca, latino por sua tez apascentou em silêncio as coisas que nunca fez. (p.141). Manuel Bandeira, em texto escrito logo após a morte de Carlos Pena Filho, pronuncia-se sobre o poeta e o “Retrato breve do adolescente” como segue: “Sua extrema delicadeza permitia-lhe tratar os temas mais arriscados, como naquele ‘Retrato Breve do Adolescente’, em que põe tanta beleza no solitário gesto da iniciativa amorosa. O coração do adolescente foi visitado por Isa, Rosa e uma vaga 16 Maria da Conceição. E aquele mais do que nunca/ herói do sonhar em vão/ foi dormir com todas elas/ nas curvas da própria mão”’. 7 Assim é que no poema, num tempo mais à frente, o adolescente se envolve num lance amoroso ocasional e fortuito, testando enfim uma sexualidade latente “aquém das curvas da mão”. Este se demonstra como um primeiro sinal da maturação sensual consciente que vai se processando, produto decerto da inocência sexual perdida, identificada no sexteto final: Aos dezoito olhou pra trás: perdera-se todo o afeto. Olhou para a frente e viu o nada por objeto. Olhou pra cima e sorriu das alvas formas do teto. (p. 141). I.3. Aparições em torno do nada No segundo dístico deste sexteto, o “nada” toma por inteiro a visada do poeta, que parece estar situada num tempo ainda a ser vivido e alcançado. É um “nada” que aparece aforisticamente presentificado em versos de poemas de Cinco aparições,8 7 O texto de Manuel Bandeira, “Carlos Pena Filho”, foi publicado no Jornal do Commercio, no Recife, em 10 de julho de 1960. Posteriormente, foi incluído numa seleta em prosa feita por Carlos Drummond de Andrade, resultante de vinte e cinco anos do material de colaboração jornalística de Bandeira. In: Manuel Bandeira, Andorinha, andorinha, Rio de Janeiro, José Olympio, 1966, p. 315317. 8 Cf. Cesar Leal, op. cit., p. 175-177. 17 com significados diferenciados no seu desfecho e feitura. Tais poemas, que se referem a personagens míticos e heróicos, iconográficos e históricos do Ocidente – Napoleão, D. Sebastião, Tiradentes, Pedro Álvares Cabral e João Alberto –, com suas façanhas, fugas, viagens, intrepidez e coragem, cumprem uma função arquetípica evidente. Dentre esta série de poemas, o “nada” se faz presente de uma forma direta em “Napoleão [Em Santa Helena]”: lembra que o fim é nada, o puro assombro só é devido a tudo o que começa. (p. 90). Em “Tiradentes”: A morte é bem melhor do que o retorno ao nada. (p. 92). E em “João Alberto”: Por isso é que eu finquei o meu padrão no nada. (p. 93). Cada um deles, na condição simbólica e ritualística que os reveste, faz um reconhecimento de si mesmo, a partir da tremenda solidão que envolve o “mito” que cada qual é. Em instantes e circunstâncias diversas, podem aparecer enfraquecidos diante da pequenez própria ou dos que os cercam, do fatalismo e dos acidentes 18 históricos e culturais, ou de outra forma engrandecidos também no confronto saudável e permanente com a natureza, a vida, e nas relações com outros seres. O “nada” reiterado nos três trechos de poemas se relaciona paradoxalmente com fim e começo, vida e morte, onde ora se privilegia a morte como fim e “nada”, ora o começo como espanto, surpresa e “assombro”, mantendo simbioses latentes entre tais injunções e categorias humanas e filosóficas, que desembocam, no terceiro trecho, na angústia da descrença e do ceticismo como “padrão” fincado no “nada”. Nestes poemas, é nítida e imperativa a influência de Fernando Pessoa, que heroicizou também D. Sebastião, onde este é evocado ou citado em pelo menos três momentos do livro Mensagem, de 1924, único publicado em vida pelo poeta. Numa “Nota preliminar”9 a este livro, Fernando Pessoa ressalta as qualidades requeridas para o “entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos)”: simpatia, intuição, inteligência, compreensão e graça. Destas qualidades, que mantêm um alto nível de interação no interior delas mesmas, se presume que a que atingiu mais de perto Carlos Pena Filho para a realização de Cinco aparições terá sido certamente a inteligência que, segundo Pessoa, “analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo”. Observa-se, desse modo, uma correlação de não tão difícil rastreamento entre os poemas de ambos. O soneto “D. Sebastião, a caminho da África”, além dos outros poemas que compõem Cinco aparições, apesar de escritos numa compulsão poética que absorve nitidamente o clima geral e a motivação geradora de Mensagem, deixam transparecer um Carlos Pena imbuído também das outras condições que 9 Cf. Fernando Pessoa, O Eu profundo e os outros eus: seleção poética, org. Afrânio Coutinho, 7. ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980, p. 43-44. 19 Fernando Pessoa enunciou na sua nota, e que se somariam às próprias condições que o pernambucano criou para a escrita geral de seus poemas. Em “Tiradentes” ele constrói versos de um teor libertário inconteste, instaurando uma contrapartida face às especulações acerca de uma suposta omissão sua quanto aos temas de vertente e ressonância social. O poeta transita agora da reflexão pessoal no momento extremado em que “Tiradentes” vai ao cadafalso, para uma lição vigorosa de lucidez e revolta, de solidariedade e luta, em versos que proclamam a necessidade de um país mais justo e solidário, revelando uma consciência político-social que contempla o terrível desfecho que se abateu sobre o libertador mineiro: É o muito esperar que existe em torno que me destina a ação desbaratada. A morte é bem melhor do que o retorno ao nada. Não nasce a pátria agora, o sonho mente, mas, em meio à mentira, sonho e luto pois sei que sou o espaço entre a semente e o fruto. (p. 92). 20 I.4. Influências e refrações locais e européias A influência de origem européia sobre Carlos Pena Filho manifesta-se ainda através de dois nomes indispensáveis para a lírica moderna, Baudelaire e Mallarmé. Os levantamentos pictóricos operados pelos críticos Cesar Leal10 e Renato Carneiro Campos11 da associação Mallarmé-Carlos Pena, destacam uma sensibilidade intensificada ao azul nos dois poetas, sem esquecer porém a incidência e o efeito de outras cores que perpassam a poesia que cada um cometeu. Em Mallarmé, no século XIX, além do azul “etéreo” europeu, é notável a ocorrência do branco de rotação simbolista finissecular. Em Carlos Pena, nos anos 50, o azul fará sua explosão na violência pictórica e um tanto carnavalesca do “Soneto do desmantelo azul”, de A vertigem lúcida. Mas é preciso lembrar também que essa influência absorvida pelo pernambucano se aflora mais pela via ampliada da radicalidade musical entranhada em sonetos de vertente neoclássica, nos quais era mestre consumado o poeta francês, e ainda pelo caráter poético estratificado que assume a palavra em sua aplicação lingüística maximizada no poema. E aqui, ocorrem ainda variantes e categorias lingüísticas que estabelecem nítidas diferenças entre o concreto, o subjetivo e o impessoal, com uma maior ocorrência, em Carlos Pena, destes dois últimos em relação ao primeiro. Dos Poemas sem data – em número de dez, foram subdivididos em cinco sonetos e cinco poemas escritos em versos livres, embora estes últimos ainda venham 10 11 Cf. César Leal, op. cit., p.177-184. Cf. Renato Carneiro Campos, Carlos Pena Filho: poeta da cor, Recife, UFPE, 1967. 21 parcialmente metrificados e rimados –, é sintomática a homenagem “A Charles Baudelaire”: Carlos também embora sem flores nem aves, vinhos nem naves, eu te remeto este soneto para saberes, se acaso o leres, que existe alguém no mundo, cem anos após que não vaiou e nem magoou teu albatroz. (p. 143). O feitio irônico-solidário deste soneto, executado no metro minimalista do quadrissílabo, permite uma espécie de diálogo indireto entre os dois poetas, a partir de coisas inexistentes ou suprimidas do universo poético e vivencial de um deles, e numa distinção seletiva de sabor comum a ambos, da escrita definitiva por um e da 22 leitura comovida por outro, do conhecido poema “O albatroz”. De Baudelaire, Carlos Pena Filho apreende também a tonalidade de marcação e amplitude moderna, mais sensivelmente aplicada em poemas que primam pela ocorrência de uma dicção “impura”, de uma voz impregnada de sentimento coletivo e urbano, da crítica da cultura esboçada e imbuída de um humor afinado, todavia cáustico e ferino, caracterizações estas que irão ser vigorosamente desenvolvidas nos versos do Guia prático da cidade do Recife, como se verá mais adiante. Apesar de não se apoiarem necessariamente numa ordenação rigorosa extremada – o que não implica, contudo, num tipo de organização aleatória ou arbitrária –, há um elo intrínseco entre os poemas de Carlos Pena Filho, cujos pontos de ligação se embutem numa estilística peculiar e de base que os une. Esta estrutura de separação foi idealizada e executada de maneira que os critérios adotados não se demonstram como aqueles já aceitos como meramente convencionais e padronizados – de temporalidade, conteudísticos, formalísticos ou de similaridade temática –, porém os mais heterogêneos possíveis. Neste esforço organizativo, para exemplificar, ainda nos Poemas sem data, a inclinação reflexiva passa a conviver com o lúdico da infância (“Testamento do homem sensato” e “Sonetinho infantil”), o tradicional e organizado com o que se projeta como o novo (“Um velho soneto” e “As dádivas do amante”). É de se presumir que uma parte dos poemas de Carlos Pena Filho obedeceu, no momento específico da sua criação, a uma súbita impulsão dos sentidos, às nuances do contexto particular em que foram gerados, enquanto que outra parte, norteada pelas leis da construção compulsiva e operacional, somente se ajustou ao 23 seu esboço final após a persistência de experiências posteriores, com novas alterações acrescentadas ao seu acabamento. Mas, ao fazer parte da contemporaneidade, seu trabalho veicula-se no sentido da elaboração de um estilo poético diferenciado e aberto, se objetivando, no mais das vezes, a manter uma, por assim dizer, originalidade possível. Ressalve-se o fato também de ele não renegar e nem se distanciar muito do somatório de influências da sua geração e de gerações imediatamente anteriores ou longínquas no tempo, isto é, do sempre presente refluxo de injunções e ressonâncias que emprestam sustentáculo à modernidade e à tradição. A conquista de uma desejável originalidade poética, a ser alcançada cotidianamente, reside na diferenciação do fazer poético de cada autor e na relação interativa ou excludente desta mesma diferenciação com sistemas sígnicos e simbólicos de outros autores de origens e tendências as mais diversas. Na medida em que esta assertiva passa a se tornar cada vez mais evidente para este ou aquele poeta, se delineia como conseqüência básica a construção de um campo de forças definido e decisivo de atuação literária e artística, porém incidente e extensivo sobre a sociedade e os indivíduos que nela transitam. O produto poético resultante deste processo está vinculado diretamente ao embate travado pelo poeta ao nível máximo de suas tensões e angústias, a pensar e a repensar a trajetória humana e social na qual está inserido com toda a força e fragilidade de seu ser, como uma exigência que se impõe desde o momento em que ele assume a sua condição mesma de artista. Este produto poético, num artista como Carlos Pena Filho, geralmente se associa à solidificação e ao amadurecimento de um estilo de cunho próprio, pessoal e inconfundível. 24 II OS DESCAMINHOS DA BUSCA II.1. Dois sonetos renegados Quando foi editado em 1952, O tempo da busca continha dezenove sonetos, dos quais dois – “Retorno” e “Soneto do encontro” – seriam retirados dos livros posteriores. A supressão destes poemas em A vertigem lúcida,1 parece sinalizar para uma tentativa de desligamento do clima parnasiano-simbolista que insistia por ofuscá-lo. E esta eliminação parece se voltar ainda para uma nova aplicação do lirismo amoroso, em substituição a esse lirismo de conformação unilateralizante e exclusivista, não muito bem depurado e excessivamente neo-romântico, que sempre vinha armando suas teias para seduzi-lo. 1 Terceiro livro do poeta, incluindo um prefácio que intentava funcionar como uma pequena plataforma de orientação poética a O tempo da busca, mais o bloco de poemas Dez sonetos escuros e os poemas “Memórias do boi Serapião” e “Retrato breve do adolescente”. A vertigem lúcida (Recife, Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco) não traz também, como no caso de O tempo da busca, data de edição. No Livro geral, op. cit., p. 95, os Dez sonetos escuros aparecem como tendo sido escritos entre 1953 e 1956. Adota-se aqui, para a edição de A vertigem lúcida, o ano de 1958, proposto por Edilberto Coutinho, autor de um levantamento poético minucioso e atento da bibliografia livresca e jornalística do poeta. In: O livro de Carlos: Carlos Pena Filho, poesia e vida, Rio de Janeiro, José Olympio, 1983. 25 No caso específico dos dois sonetos, tais constatações se prefiguram na confluência de defeitos de concepção e falhas de realização entrevistos em praticamente todos os versos que os compõem. No “Soneto do encontro” o poeta se reconhece perdido, desesperançado e propenso a nunca mais se achar, enquanto não puder desfrutar da forma nua do corpo da amada, numa romantização deslocada, que contraditoriamente a torna mais inacessível e só veladamente sexualizada: Perdido estou, perdido ficarei, enquanto a madrugada se insinua por detrás de teus olhos cor de lua, onde, em tempos remotos me afoguei. Perdido estou e nunca me acharei se não me for buscar na forma nua de teu corpo, onde, há muito já flutua o sonho que há mil anos, sepultei. Ah! penetrar, agora, em tua origem para o encontro comigo, e na vertigem, escutar tua voz dizendo-me: entre! Ah! quão ligeiro o tempo, se o passasse vendo a manhã nascer em tua face, 26 vendo a noite sair pelo teu ventre. A remissão do poeta, sugerida por um desejável encontro consigo mesmo, e o estágio de busca da poesia se limitam ao corpo distanciado e ausente da amada. É um soneto típico adolescente, tanto pela pobreza temática quanto pelo mau gosto de imagens como “vendo a noite sair pelo teu ventre”. Aliás, essa será também a motivação central de “Retorno”, onde ele perfaz um lamento solitário e angustiado, em versos sem mais nenhuma eficácia, brilho ou esforço artesanal que logre sustentá-los, pelo que corroboram de preciosismo ingênuo e anacronismo gritante: As tuas mãos, areia, um gesto brando. Sonhos remotos, búzios de argonauta. Um beijo nos cabelos, vida incauta, e as tuas mãos e sonhos se afogando. Eu não sei se isto é vida, agora, quando o vento nas palmeiras toca flauta como a chamar o solitário nauta que se esqueceu do tempo, navegando. Incertezas perfuram pensamentos... A rosa da ternura solta aos ventos adivinha marés para janeiro. 27 Traços de pés são marcas que ficaram das crianças descalças que formaram o funeral do velho marinheiro.2 Ele passa do reconhecimento do desencontro de seu próprio ser, de sua angústia adolescente provocada pela sexualidade irresolvida para a descrição da prática sexual solitária. Levam a uma conclusão deste tipo imagens como “mãos e sonhos se afogando” e “o vento nas palmeiras toca flauta”; no entanto, isoladamente há versos que poderiam se salvar do contexto geral: “A rosa da ternura solta aos ventos/ adivinha marés para janeiro”. O verso de “Retorno” “vendo a manhã nascer em tua face” será reaproveitado futuramente em “Soneto” (p. 103). E certas imagens do “Soneto do encontro” reaparecerão com mais vigor em “A rosa, no íntimo” (p. 113). Através de um alto sentido de realização poética presente em “Soneto” e “A rosa, no íntimo”, o poeta adquire autoridade para renegar “Soneto do encontro” e “Retorno”. Mesmo assim, é de admitir que diante da precariedade temático-estilística a que tais versos de “Soneto do encontro” e “Retorno” dão ênfase, eles não fogem totalmente aos estágios progressivos de indagação e realização, do lado de quem procurava desvendar o seu próprio enigma estético e existencial.3 Deste modo, para o poeta em pleno processo de maturação, carregado de intencionalidades que o impeliam em direção à originalidade de novas descobertas, e 28 mesmo à frustração de possíveis desencontros, se fazia urgente definir e estabelecer um ideário poético que viria a ser alternadamente transmutado ou seguido, a depender da sua volição individual ou da sua compulsão interna. Daí poder se inferir que uma grande luta se travava internamente a ele, deflagrada em função de uma busca bastante acirrada nos níveis da linguagem e da expressão poética. Expressão e linguagem por enquanto não satisfatórias e indefinidas: mas mesmo assim antecipando reflexos e conseqüências que serão projetados diretamente da experiência individual sobre a experiência concreta com a realidade e com a época em que viveu. II.2. Um prefácio controvertido O tempo da busca, depois de incorporado ao volume A vertigem lúcida, vinha antecedido, como já dito anteriormente, por uma novidade inesperada: um texto de abertura em prosa, à maneira de um prefácio. (Pena Filho, 1969, p. 151-152). Este texto trazia certas concepções de Carlos Pena Filho sobre poesia à época, notadamente com relação à disponibilidade para com a abordagem de novas temáticas e conteúdos que o diferenciassem de algum modo do que se estava fazendo simultaneamente em termos de poesia no Brasil, e mais especificamente no Recife, tendo como ponto de inflexão a segunda metade dos anos 40. 2 Estes dois sonetos aparecem somente na edição original de O tempo da busca, que não contém indicação de números de páginas. O “Soneto do encontro” é, no livro, o 13º da série e “Retorno” o 15º. 3 Cf. Cesar Leal, op. cit., p.174-175. 29 A geração de 45, que constitui a terceira fase modernista, mantinha ligações a poetas internacionais como T. S. Eliot, Paul Valéry, Rainer Maria Rilke, Federico García Lorca e Fernando Pessoa. Ao nível nacional, seus principais poetas – João Cabral de Melo Neto, Domingos Carvalho da Silva, Ledo Ivo, José Paulo Moreira da Fonseca, Geir Campos e Péricles Eugênio da Silva Ramos – eram, na sua maioria, defensores de uma atitude estética de “reação contra o clima desleixado da primeira fase modernista, reivindicando uma volta à disciplina e à ordem, à reflexão e ao rigorismo, à busca da forma e do equilíbrio, à compreensão, ao humano geral e ao universalismo, a uma volta às regras do verso, à Poética e à Retórica”, conforme se lê no volume V de A Literatura no Brasil, da coleção organizada por Afrânio Coutinho. As reações estéticas externas e internas ao chamado senso de medida da geração de 45 não se fizeram esperar, inclusive de poetas que inicialmente pontificavam em suas fileiras, a exemplo dos concretistas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, com maior ênfase a partir da década de 50. No Recife, Carlos Moreira, Edmir Domingues, Edson Régis e Mauro Mota eram os poetas mais destacados da geração de 45. Mesmo que não quisesse fazer parte do grupo, Carlos Pena adotava certa maneira de escrever poesia daquela geração, notadamente nos primeiros poemas, onde a elaboração artesanal do poema se sobrepunha aos conteúdos e à sua semantização. Nesta prosa poética de abertura, se perfaz-se um esboço de visão crítica e inconformismo do poeta para com o deserto em que se tornou a sua cidade, a “improcedência” e a “inconseqüência” dos jogos poéticos em rotineira elaboração, a incompletude provocada pelos elementos repressivos e diluidores rastreados no relacionamento com os amigos e com o núcleo familiar, e ainda, pairando no cerne 30 vivencial dessa problemática, a mulher inatingível e insondável que permeia e impulsiona o seu sonho, como se “irremediavelmente presa atrás de pianos e livros, imaginando jardins”. A infância se apresenta retrospectivamente nos bolsos do velho paletó azul, “outrora habitado por coloridas bolas de vidro”. E se aflora também num presente extemporâneo no qual o poeta terá de lutar contra as barreiras familiares ou socialmente hipócritas, referendadas pela “distância” entre as pessoas, que segundo ele mesmo, “era silenciosa e perigosamente enorme”. Ele passa a expor agora as causas e motivos que seriam responsáveis por esse distanciamento entre a vida interna e a vida de fora, com reflexos diretos sobre o amor que tanto ansiava: “Se culpada era a chuva, cúmplices eram, por certo, o velho paletó azul e os pianos e os livros transformados em imensas muralhas, cobertas de musgo”. É necessária uma tomada de posição quanto a esse estado de coisas, “um divertimento como solução definitiva”, e ele logra renegar de imediato as “bolas de vidro” da infância e as “palavras cruzadas” dos adultos. Mas, ao chegar a um impasse entre o mundo de fora (“a paisagem”) e o de dentro (“as paredes”), constata: “Entrara inconscientemente no mundo do absurdo”. Assim, o efeito surrealista é rapidamente sugerido no momento da substituição inusitada e desconcertante de inventos e saltos transitoriamente descompromissados, pelo ludismo de uma dimensão erótica e sensual que se emerge sutilmente, quando ele testemunha “o nascimento de rosas azuis nos encostos dos sofás e as uvas que frutificavam nas pontas dos cabelos”. Ao término do texto, Carlos Pena indicará a destinação, pelo primado da exclusão, de seus brinquedos-poemas: “estes brinquedos não foram feitos, de 31 maneira alguma, para pessoas que possuam velhos paletós azuis cheirando a maçãs, ou coisas presas atrás de pianos e livros”. II.3. Metapoesia de indagações No “Soneto das definições”, primeiro de O tempo da busca, tem prosseguimento a perquirição iniciada na abertura. Os efeitos de ilogicidade e estranheza pretendidos são agora neutralizados pelo choque aleatório entre palavras definidoras do significado do poema, que passam a não mais significar o que originariamente deveriam. Quando ele enuncia neste poema Não falarei de coisas, mas de inventos e de buscas pacientes no esquisito (Pena Filho, 1969, p. 153). uma imprecisão se estabelece logo de início pela negação de palavras que seriam semanticamente idênticas (embora o vocábulo “coisas” defina uma noção de abrangência relativamente a “inventos”, de vez que “inventos” estão contidos em “coisas”), trazendo isto prejuízos óbvios e dificuldades expressivas de difícil contorno para a compreensão geral do poema. Tais componentes lexicais promovem, assim, a invalidação desse dístico enquanto semantização de significados no poema, e isto se comprova pelo efeito desagregador daquelas palavras símiles que em bloco instauram a confusão e a indefinição. Deste modo, se “coisas” não são “inventos”, não há como anulá-los em categorias isoladas, e ainda mais porque um novo elo associativo enseja se emergir agora: “inventos” vai se juntar a “buscas” pelo 32 conectivo que tem também a função implícita de comparativo. E a partir do terceiro verso Em breve, chegarei à cor do grito, à música das cores e dos ventos. Multiplicar-me-ei em mil cinzentos (desta maneira, lúcido, me evito) e a estes pés cansados de granito saberei transformar em cata-ventos. (p. 153). a forma designada pelos verbos no futuro do indicativo é sintomática de uma tomada de posição (no primeiro verbo do soneto, uma contraposição) assumida pelo poeta. Nos dois últimos versos, a oposição imagética entre “pés cansados de granito” – excessivamente presos à dureza do solo, à banalidade cotidiana e constituindo a negação de uma vontade de libertação de uma condição limitadora de gestos e ações, e “cata-ventos” – que logram simbolizar a viagem, o salto e o vôo proporcionados e impulsionados pelo vento, e transformados em asas inflamadas em direção ao alto, ao novo e ao desconhecido, são imagens que representam também a convivência dos contrários em termos de conformismo e rebeldia, atitude decidida ou passividade. E ele intenta mostrar também como fabricará os seus “brinquedos” anunciados no texto em prosa poética que se antecipa aos poemas. O “daí” anafórico que inicia os dois tercetos finais (a modo óbvio de conclusão e reforço do dito nos dois quartetos), retoma o efeito da contradição interposta no início: 33 Daí, o meu desprezo a jogos claros e nunca comparados ou medidos como estes meus, ilógicos, mas raros. Daí, também, a enorme divergência entre os dias e os jogos, divertidos e feitos de beleza e improcedência. (p. 153). Os versos enfeixados neste soneto tencionam mostrar, de maneira um tanto contraditória, a justificativa poética da desrazão ou, em outro pólo, da necessidade porque vieram à luz. Mas, por outro lado, ensejam demonstrar também a negativa para com essa mesma função justificativa, sinalizada pela “improcedência” do fazer poético, desarrazoado e sem direcionamento lógico ou previsível. Essa contradição aflorante não será facilmente resolvida pelo embate nítido entre o peso secular de uma tradição que se reivindica oracular e imutável, e a tentativa de inaugurar uma nova fruição poética, que vai requerer novos saltos e vôos da imaginação e da ação inteligente. Desse modo, ela passará a funcionar como uma contradição que envolverá o elemento surrealista num estado bruto e superficial, que por sua vez se revelará apenas num objeto estético altamente desejável e diligentemente ansiado, mas sem resultados significantes visíveis na sua elaboração e execução, como uma variante do surrealismo brasileiro derivada de algum modo do surrealismo lírico4 de 4 Cf. José Guilherme Merquior, “À beira do antiuniverso debruçado ou introdução livre à poesia de Murilo Mendes”. In: Antologia poética, Murilo Mendes, Rio de Janeiro/Brasília, Fontana/INL, 1976, p. XI-XXII. 34 um Murilo Mendes ou do surrealismo de passagem do primeiro João Cabral,5 de resto sustentados ambos no choque e na dissonância entre imagens e palavras costumeiras ou infreqüentes da poesia em voga de então. O “Soneto das definições” inaugura uma propensão do poeta a falar da poesia em poema, ensejando as primeiras tentativas para se estabelecer um roteiro poético de base para o seu ofício, no universo da experiência individual em conjunto com as tendências poéticas históricas anteriores ou do próprio tempo no qual está situado. No “Soneto das metamorfoses” e no “Soneto macedônico”, o tema e a solução desenvolvidos remetem ao abandono, à inadaptação cotidiana e à revolta de duas mulheres “imaginárias”. No primeiro deles, “Carolina, a cansada” se fez incêndio e cinza, sensualidade e morte até o instante de loucura em que desistiu abruptamente de esperar por algo indefinido e que sabe de antemão não virá nunca: Foi quando se lembrou de ser esquife: abandonou seu corpo incendiado e adormeceu nas brumas do Recife. (p. 155). E no outro soneto, “Maria”, a que “fabricava centopéias”, se debate entre a insignificância de uma existência frustrada e inútil, sedentária e estéril, e o enveredamento pela perseguição de um sonho, simbolizado na entrega de si mesma aos “navegantes”. Mas este sonho só se realizará quando puder “fugir, pra sempre, ao risco dos farsantes”. E mesmo não conseguindo realizar seu sonho, “Maria” terá 5 Cf. Antonio Carlos Secchin, João Cabral: a poesia do menos, São Paulo/Brasília, Duas Cidades/INL/Pró-Memória, 1985, p.17-25. 35 reservado um destino diferente do de “Carolina”, embora a solução encontrada não seja menos insatisfatória e violenta que a primeira: Terminou se entregando aos homens francos: a um vagabundo triste e a um rei de ouros esquecido entre as cartas de um baralho. (p.164). Desta série de poemas, alguns ainda preservam certos tiques, maneirismos e coincidências temáticas flagrantes do seu poetar inicial. “Tentativa para os cinco sentidos” dá continuidade a essa linguagem que oscila entre a definição pretendida e o malogro implicado na utilização de vocábulos que denotam uma aplicação deslocada e de algum modo estranha à mensagem que o poema intenta veicular. O “Soneto para certa moça ou história da poesia brasileira” instaura o distanciamento irônico pela fragmentação de um lirismo convencional e ultrapassado, permitindo a distribuição eqüitativa do tema entre o cerco amoroso à mulher e a tentativa de definição de poesia, para o poeta, neste e em outros casos, instâncias do fazer poético indissoluvelmente coligadas. II.4. Narcisismo e solidão Escritos praticamente ao mesmo tempo em que A vertigem lúcida (1952-54), os Dez sonetos escuros (1953-1956), fazem parte de uma instância poética onde é dominante e unilateralmente forte a prática da forma fixa, com a construção de 36 sonetos convencionalmente rimados (exceto em “A solidão e seu desgaste”, que se diferencia dos outros quanto ao seu feitio de soneto branco), e com uma estruturação poemática executada em versos e estrofes de metros regulares e cuidadosamente ritmados, permitindo poucas variações nas suas possíveis, mas quase inexistentes irregularidades. Tais sonetos versam, por um lado, sobre tematizações universais como o amor, o silêncio, a solidão e a morte, e por outro, têm como assuntos vagamente transcendentais, mas como que trazidos em emergência à tona a origem, a destinação, a sexualidade e a obscuridade da vida humana. Alguns deles se refazem, com poucas alterações, no modelo rimático e estrófico petrarquiano (“A solidão e sua porta”) ou se originam, agora com sensíveis alterações, da variante camoniana daquele modelo (“Soneto para Greta Garbo”).6 A partir do núcleo da solidão, outros derivativos vão sendo formados, e os poemas transmudados em “instrumentos” ou “objetos” lançados ao ar como “um desespero ou outro”, como nos versos de “A solidão e seu desgaste”. No seu martelar compassado e ritmado nas teclas inesgotáveis da solidão, que sempre se encarregou, ao longo do tempo, de garantir parcela considerável do desempenho da poesia lírica, estrutura-se o “Soneto para Greta Garbo”, um dos mais significantes dessa poética, tendo como subtítulo “Em louvor da decadência bem comportada”. O soneto reflete a recusa radical da atriz hollywoodiana em continuar a fazer filmes, a partir dos anos 40, decepcionando numerosos admiradores e aficionados: a “estrela” era parte indispensável do imaginário sensual da primeira 6 Ver Carlos Burlamaqui Köpke, “Estudo das formas poéticas fixas” In: Do ensaio e de suas várias direções, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1964, p. 45-56. 37 metade do século e mesmo em décadas posteriores. O poeta ironiza, ao mesmo tempo em que compreende o drama narcísico da atriz extremamente bela e glamourosa, de envelhecer longe das telas, mas deixando em filmes já realizados todo o seu fascínio, enigma, juventude e beleza de mulher fatal: Entre silêncio e sombra se devora e em longínquas lembranças se consome; tão longe que esqueceu o próprio nome e talvez já nem saiba porque chora. Perdido o encanto de esperar agora o antigo deslumbrar que já não cabe, transforma-se em silêncio, porque sabe que o silêncio se oculta e se evapora. Esquiva e só como convém a um dia despregado do tempo, esconde a face que já foi sol e agora é cinza fria. Mas vê nascer da sombra outra alegria: como se o olhar magoado contemplasse o mundo em que viveu, mas que não via. (p. 100). 38 A recusa de Greta Garbo assemelha-se à recusa de numerosos outros artistas, que por variados motivos preferiram o silêncio total da sua arte e do seu desempenho artístico, aos ritos muitas vezes enganosos do sucesso, ou à falência indesejada de um possível e às vezes irremediável malogro, instâncias que freqüentemente não possibilitam regeneração no complexo mundo dos homens. Decerto que a solidão atrai e enreda nas suas malhas poetas e artistas com tamanha intensidade que muito se tem falado da “solidão do poeta” (como nos conhecidos versos de Cecília Meireles) e da “solidão do artista”. E ela poderia inicialmente também divergir da solidão do homem comum e da solidão do homem prático, aburguesado, frio e calculista, apenas porque estes geralmente não logram se manifestar de forma artística ou poética. Mas, é um fato sabido que poetas e artistas não abandonam jamais o estigma e a singularidade de “homens comuns”, e também em certa medida objetivos e práticos, tendo a seu favor apenas a capacidade de interpretar, dissecar e devolver o real vivido ou imaginado na forma da arte ou da poesia. Outro poema que atinge um ápice considerável ao nível da expressão criativa e da comunicação poética, pela força diccional engendrada numa amplitude totalizante da fala, ao atingir também aquele nível de poesia que se concretiza completa e acabada, é um dos intitulados “Soneto”: O quanto perco em luz conquisto em sombra. E é de recusa ao sol que me sustento. Às estrelas, prefiro o que se esconde nos crepúsculos graves dos conventos. 39 Humildemente envolvo-me na sombra que veste, à noite, os cegos monumentos isolados nas praças esquecidas e vazios de luz e movimento. Não sei se entendes: em teus olhos nasce a noite côncava e profunda, enquanto clara manhã revive em tua face. Daí amar teus olhos mais que o corpo com esse escuro e amargo desespero com que haverei de amar depois de morto. (p. 103). O mapeamento que ele faz da própria solidão, no cerne do mundo urbano deserto e metálico, onde o ser se mostra de pouco valimento, passa a estabelecer um jogo de antíteses radicais e crescentes. Tal jogo se verifica progressivamente de verso a verso, de estrofe a estrofe, até chegar a um clímax inescapável, no qual se presentifica a ausência da mulher amada (na “noite côncava” dos seus olhos ou na “clara manhã de sua face”), e se prefigura o “escuro e amargo desespero” com que haverá de amá-la – mais a seu rosto e aos olhos, que ao corpo – mesmo ainda “depois de morto”. Esse sentimento exclusivista e extremado com relação ao ser amado se manifesta também no “Soneto negro e indivisível”, no qual a obscuridade da origem 40 humana e do amor sensual são glosados pelo poeta, mas numa disposição tão íntima e particularizada que não permite em nenhuma hipótese a partilha deste corpo que ele quer só seu, como “primeira oferta indivisível e entretanto alheia a explicações diurnas”. O discurso lírico, nas múltiplas formas e modalidades com que vem sendo empregado ao longo dos dias, pode, por um lado, servir apenas para dar vazão a sentimentos originários de atitudes demasiado egocêntricas, contemplativas ou abstracionistas do poeta que o cometeu. Deste ângulo, o poeta lírico assemelha-se ao homem-artista ilhado e centrado em si mesmo, imerso num processo de irremissível e desenfreada criação, sem no entanto antepor nenhum tipo de entrave ao que vai sendo ditado pela fertilidade e exuberância de sua imaginação. Por outro lado, esse lirismo pode vir a inaugurar também um estágio de relações, trocas e contatos solidários e permanentes com o mundo e a vida, através da experiência individual e social do poeta. Nesse conjunto de poemas, revela-se todo um lirismo que comporta um sentido flagrante de desenvolvimento de núcleos temáticos neo-românticos, embora que sensivelmente erotizados e sensualizados. Incrustados e repartidos nestes núcleos, são detectados versos que tematizam a solidão ora luminosa e criativa, ora carregada de sofrimentos, angústias e queixas, estando ali o poeta colocado frente ao impasse e à imobilidade de uma ausência consumada e definitiva, mas com o tempo, banalizada. E tematizam também o sentimento de irreversibilidade da perda, a inexorabilidade dos ritos da espera, e por último, a comunhão do poeta consigo mesmo, a par de um silêncio reflexivo e grandemente inclinado à poesia, pela transmissão da leveza de um toque vital, sensual e despojado. 41 II.5. A lucidez transfigurada O poeta tende a se desvincular, com os vinte e um poemas de A vertigem lúcida, num exercício de intensa mobilização de seu pensamento estético e de suas inclinações estilísticas, do sentido expressional prevalecente em O tempo da busca. Intenta abandonar aquela espécie de procura centrada no desencanto impotente para com a realidade, a partir do choque entre uma vida cotidiana insatisfatória e uma vida entrevista somente nos planos da proposição e da idealização. Esta variante duplicada de uma vida proposta e idealizada, se levada a efeito, se sustentaria na concepção de um mundo novo e rico de sugestões, caracterizado pela solidariedade e confiança nas relações individuais e sociais, e também através da abertura a novas experiências, de antes imobilizadas na mesmice incrustada no dia-a-dia. Mas, de todo modo, a desvinculação com os temas mais antigos somente será anunciada um pouco à frente, com a publicação do poema “Memórias do boi Serapião” em livro, que sinalizará, embora que parcialmente, para uma nova saída do seu fazer poético. O seu esforço autêntico por se exprimir no primeiro livro consistiu, principalmente, na tentativa malograda de inserção, em alguns poemas, de efeitos estilísticos derivados em parte de um surrealismo ambíguo e fragilizado, tendo como pano de fundo as suas “pacientes buscas no esquisito”. E ali era visível também o despojamento pretendido com relação ao neoparnasianismo instalado pelos poetas surgidos no segundo pós-guerra, e que trazia na sua esteira o uso extremado da técnica, a construção do poema tendo como única finalidade possível ele mesmo, 42 valendo mais a imagem epigônica, o vazio metafórico e o ajuste programadamente exaustivo e excessivo dos elementos formais. Em alguns poemas de O tempo da busca, ele já empreendia a busca em termos da metaforização da mulher desejada e inatingível, notadamente no “Soneto da busca”. E levava a efeito também a reflexão do sentido estético-literário e individual dessa busca, como no caso do “Soneto das definições”. De um modo bem mais audacioso, ele se volta agora para o canto que se efetiva lírico-amoroso, dirigido à mulher, não mais como ser distanciado apenas, mas humanamente próxima e disponível para o jogo amoroso e a conquista. E se encaminha, assim, para uma espécie de lirismo sensivelmente desvestido de seu lacerante subjetivismo. No soneto “A rosa, no íntimo”, o poeta, “cansado de inventar coisas eternas”, invade o sono da amada, a rosa “mística e sombria”, numa descoberta do seu corpo noturno e sem disfarces, mas se recostando a ele como se aconchegado a um porto único, ultimado e seguro, embora não isento das impurezas externas de “mundo e tempo”, revelando ainda um sentido pleno de realização, e não mais de impossibilidade carnal e erótica: Enfim, além (no além de tuas pernas onde Deus repousou a sua face, cansado de inventar coisas eternas) desvendo, ao desespero de quem passe, a rosa que és, a mística e sombria 43 a noturna e serena rosa fria. (p. 113). Ele se afasta temporariamente do ofício de cantar a “musa”, ao se deslocar do instante único de contemplação platônica da mulher esquiva e intangível, à vertigem que o conduz tripticamente à fonte, ao presente e à esperança que norteia os caminhos de um novo canto por explodir no seu coração de poeta e a se exprimir no horizonte visível que cada vez mais se aproxima e se mostra, mas ainda não inteiramente acessível ao seu poetar. No questionamento inicial de “A palavra”, poema de quarenta versos distribuídos em quatro estrofes, e que se realiza sem intenções de didatismo programático, ele se lança à vertigem da procura – da poesia em si e da mulher amada, dois de seus objetos estéticos por excelência. Afloram-se figurações metafóricas às vezes difíceis de precisar e definir, pela refusão constante e pela interpenetração semântica dos dois objetos-temas: Navegador de bruma e de incerteza, humilde, me convoco e visto audácia e te procuro em mares de silêncio onde, precisa e límpida, resides. (p. 111). O tom nebuloso incorporado a este poema dá lugar a associações subliminares e dialeticamente obscuras entre as palavras e as coisas, entre a intenção e a realização, entre a imobilidade e o movimento, entre a busca e o silêncio perscrutador que a acompanha. 44 Há aqui ainda os resquícios de um vocabulário típico da geração de 45, derivado do gosto pelas imagens e metáforas “marinhas”, com a ocorrência de palavras preferenciais desse jargão navegante – como navios, búzios, argonautas, algas ou sargaços –, denotando o gosto de quem requisita a “imponderabilidade do mar” para se exprimir em poesia, a par de coisas jamais vistas ou somente artificialmente sentidas, como lendas nunca desvendadas de sereias fugitivas e escorregadias. O “Primeiro poema no vazio”, ao propor uma trégua pela suspensão momentânea da busca empreendida pelo poeta, enfoca a angústia num tom que se aproxima ao desespero negativista e ao pessimismo radical, pondo a nu a dimensão dos objetivos não alcançados: Buscava tudo o que havia de nunca mais encontrar em sua face macia em seu leve caminhar, nas rotas claras do dia nos verdes sulcos do mar e de tudo quanto havia de nunca mais encontrar restou a forma vazia suspensa no seu olhar e a tênue melancolia de quem não soube se achar 45 nas rotas claras do dia nos verdes sulcos do mar. (p. 126). Neste poema, o seu tempo de ocorrência e realização configura-se proeminentemente no passado, com as formas verbais “soube” e “coube”, “buscava” e “havia”. E o presente é destacado não pelo tempo verbal propriamente, mas pela sugestão implícita em expressões do tipo “rotas claras do dia” e “verdes sulcos do mar”. Fornecem subsídios para um roteiro fonético mínimo os encontros entre as vogais finais (havia/ macia) e as sílabas terminadas em ar (encontrar/ caminhar). A desilusão, a impotência e a fragilidade do poeta são frisadas em contraste com as “ilusões” de dias anteriores, convergindo e assemelhando-se a um dos poemas da série dos inéditos em livro de Carlos Pena Filho, “Os interesses perdidos”,7 publicado no Jornal do Commercio, no Recife, em 1 de maio de 1960, pouco dias antes da sua morte. Os dois poemas – “Primeiro poema no vazio” e “Os interesses perdidos”, parte I –, refletem uma carga de negatividade permanentemente tensionada pela constatação dos “desencontros” imprevistos, mas que ainda assim caracterizam, no cerne mesmo dessa negação, o tema da busca. O poeta não teve como se livrar dos propósitos antigos da procura indefinida de algo talvez inexistente, e por isto chega a um impasse radical, explicitado no soneto que compõe esta parte de “Os interesses perdidos”: 46 Sem ter chegado a parte alguma, espia os interesses que perdeu na viagem. E sem ter mais nenhum, tarde confia: É mais leve o viajante sem bagagem. Deserto, sem caminho e sem linguagem, sem a lembrança até que outrora havia, nem sabe se existiu, quando existia, ou se era a parte morta da paisagem. Muito tem de perder, mas não tem nada, por isso é tempo de ir adquirindo, pra não entregar a alma endividada. Ou então ir a carne destruindo, com tamanha violência e de tal sorte que até perca o interesse pela morte. A negação passa a ser, em si mesma, uma necessidade de afirmação pelo avesso. E também pelo que lembra, encarna, incorpora ou desmascara do objeto de antes negado. Confirma-se assim não uma interrupção da busca – como no “Primeiro poema no vazio” –, mas um retorno a essa busca pela circunstância de quem muito já perdeu e ainda perderá, embora nada tenha de seu que possa ficar em jogo. 7 Publicado por Edilberto Coutinho, op. cit., p.94-95. 47 Se por um lado, ele reconhece que “é tempo de ir adquirindo”, de outra maneira a solução inversa será “ir a carne destruindo”, empenhando nisto um mister tão radical e definitivo, que negligencia até mesmo o risco iminente e inevitável da morte. O “Retrato campestre” enfoca, de modo simples e sumariamente irônico, o tema da “planície estática”, com “um passarinho, um pé de milho e uma mulher sentada”. Para completar o quadro, a intrusão indiscreta e desarrazoada do “homem deitado no caminho”. A chegada inesperada do vento desperta estes componentes naturais e humanos da paisagem: O vento veio e pôs em desalinho a cabeleira da mulher sentada e despertou o homem lá na estrada e fez canto nascer no passarinho. (Pena Filho, 1969, p. 128). A surpresa momentânea do homem, ao acordar, se redobra pelo contexto algo surrealista e inusitado, de quando ele passa a ver a cabeleira da mulher voando na calma da planície desolada. (p. 128). A essa surpresa se contrapõe a necessidade e a urgência de o homem voltar a seguir o seu caminho, após um rápido descanso para a restauração de suas forças. O terceto final se sustenta na repetição dos vocábulos definidores do poema – o 48 homem, o pé de milho, a mulher e o passarinho – que não se esgotam nas estrofes anteriores, embora a solução incorra numa banalização e placidez que são característicos da “planície desolada”: Mas logo regressou ao seu caminho deixando atrás um quieto passarinho, um pé de milho e uma mulher sentada. (p. 128). A abertura para outros temas, além de novas maneiras de trabalhar os antigos, podem ser encontradas na composição destes “retratos”, que revelam a ligação do poeta com as outras artes, em especial a pintura, numa apreensão significante e precisa de um mundo plástico-visual e rítmico-sonoro rico e sugestivo, a agir com surpreendente eficácia sobre o espírito do leitor8. Verifica-se também a ocorrência de poemas escritos aos pares – os dois sonetos que tematizam a “rosa”, os dois “poemas no vazio” – como se a temática e o conteúdo não se esgotassem num único poema, ensejando a repetição, mas não a mera repetição por esvaziamento, e sim aquela sustentada na reinvenção e numa relativa coerência interna. 8 Cf. Giberto Freyre, “Carlos Pena Filho”. In: Edilberto Coutinho, op. cit., p. 126-131. 49 III A ABORDAGEM SOCIAL III.1. A contemplação ativa O poema longo “Memórias do boi Serapião” foi editado na forma de livro em 19551, ano em que Carlos Pena Filho inaugura uma nova fase na sua poesia, ao revelar uma nova e inusitada faceta poética, até então desconhecida do público que o lia, e mesmo talvez daqueles que partilhavam mais proximamente da sua convivência naqueles anos 50. A linguagem e a originalidade perseguidas por ele em O tempo da busca, com vistas ao alcance de novos conteúdos e novas injunções temáticas, só se revelariam de um modo algo satisfatório no bloco de poemas de Nordesterro. Ele abandona aquela espécie de busca empreendida desde o seu poetar inicial, deixando de lado também o tom lírico costumeiro, para dar lugar a um tipo de construção poemática onde o ambiente, a natureza, os seres e as coisas que o rodeiam são vivificados, e dos quais não pode mais se esquivar. 1 “Memórias do boi Serapião” teve uma edição de cento e quarenta exemplares, com impressão acabada em 26 de novembro de 1955, ilustrado pelo pintor Aloísio Magalhães e publicado pelo “O Gráfico Amador”. 50 Essa nova motivação estética habilita-o a exprimir-se numa linguagem desentranhada fundamentalmente da contemplação ativa de ambientes urbanos e rurais nordestinos, do imaginário localista e sugestivamente ecológico destes ambientes e dos elementos humanos neles contidos. No poema “Olinda”, primeiro da série Nordesterro, subintitulado “Do alto do mosteiro, um frade a vê”, esse frade curioso e insigne, misto de poeta e pintor, com seu olhar poético experimentado e sua sensibilidade pictorialista aguçada, contempla e disseca, de modo simultâneo, a paisagem e a cidade de Olinda. Ele é o elemento humano que se destaca, como personagem incorporado definitivamente ao poema e à paisagem, na qualidade de interlocutor privilegiado ou imaginário do poeta. Este poema encontra o seu símile no poema de Joaquim Cardozo de mesmo título, do livro Poemas (1947).2 O expressionismo lírico dos dois poetas na escrita individualizada de cada poema resulta dos efeitos proporcionados pelos movimentos de absorção e refração da paisagem tropical nordestina sobre eles. No “Olinda” de Cardozo, só se denota alguma influência direta sobre Carlos Pena nos três primeiros versos da primeira estrofe, que anunciam uma visada da perspectiva paisagística comum a ambos: Olinda,/ Das perspectivas estranhas,/ Dos imprevistos horizontes,/ Das ladeiras, dos conventos e do mar. Do quarto verso em diante, Cardozo assume um tom bem mais nominativo, com a introdução de ladeiras, conventos, palmeiras, seminários, o horto, caravelas, tendo como único elemento que figura simultaneamente nos dois poemas “o mar”. Mas, deve-se ressalvar que o mar se aflora em Carlos Pena com um caráter subliminar de distanciamento e 2 Cf. Joaquim Cardozo, Poesias completas, 2. ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979, p.5-6. 51 ausência, ofuscado pelos “acidentes da luz” e transformado num ponto longínquo e que se confunde ao horizonte. Em “Olinda” de Carlos Pena Filho, tanto os elementos imediatos como os subliminares ausentados da paisagem são apreendidos, trespassados e vistos de um prisma do dia solar, límpido, vegetal e luminoso: De limpeza e claridade é a paisagem defronte. Tão limpa que se dissolve a linha do horizonte. (Pena Filho, 1969, p. 65). As associações vocabulares aguaverde, e mais à frente, verdágua, representam junções óbvias, ao nível morfossintático, dos componentes lexicais nelas constantes. Por outro lado, podem passar a representar também a fusão de tais elementos naturais da paisagem – água e verde – quando apreendidos poeticamente, proporcionando uma série de efeitos pictorialistas e visuais de beleza imagética flagrante: As paisagens muito claras não são paisagens, são lentes. São íris, sol, aguaverde ou claridade somente. (p. 65). 52 “Olinda” tem um sentido afirmativo de constatação imediata, apoiado nos verbos ser-haver-existir, contrapondo imagens levemente etéreas e longínquas, a imagens presentificadas e vivas. Esta imagética revela a sua totalização e abrangência na sobreposição cromática das camadas, linhas e tons subliminares ou imediatos da paisagem. A absorção de um instante único e definitivo, no ponto em que o poeta apreende a luminosidade da paisagem (ou mesmo o seu recuo solar, variável e oscilante com o tempo) que o cerca e se estende em direções ora perceptíveis e próximas, ora longínquas e distanciadas, como se a paisagem e a cidade de Olinda existissem não para ser tocadas ou sentidas, mas vistas ou imaginadas apenas, se desenreda nos versos: Olinda é só para os olhos, não se apalpa, é só desejo. Ninguém diz: é lá que eu moro. Diz somente: é lá que eu vejo. (p. 65). O poeta fica dividido entre o momento particular e dinâmico de sua própria visada e um outro instante em que ele não está mais lá: Tem verdágua e não se sabe, a não ser quando se sai. Não porque antes se visse, mas porque não se vê mais. 53 As claras paisagens dormem no olhar, quando em existência. Diluídas, evaporadas só se reúnem na ausência. (p.65). “Olinda” difere inicialmente dos outros poemas rurais de Nordesterro, pelo fato de estar inserido no referencial urbano deslocado ambientalmente em relação àqueles. Estabelece novas divergências por não referendar o tom incisivo de dureza e denúncia característico da série. E ainda mais diferenças se afloram pela sua condição intrínseca de leveza e suspensão imagéticas, reafirmadas em transparências, fusões e reflexos indiretos do mar, do sol e da água, além de outras espacialidades que incorporam o alto e o baixo da paisagem: Limpeza tal só imagino que possa haver nas vivendas das aves, nas áreas altas muito além do além das lendas. Os acidentes, na luz, não são, existem por ela. Não há nem pontos aos menos, nem há mar, nem céu, nem velas. 54 Quando a luz é muito intensa é quando mais frágil é: planície, que de tão plana parecesse em pé. (p. 66). Dentre outras cores, se verifica neste Nordesterro uma grande ocorrência do verde e do azul, recorrentes em muitos instantes no vocabulário geral do poeta. A escrita de poemas associados ao “jogo cromático” se refaz como um autêntico levantamento de ambientações e seres da paisagem nordestina, à maneira de um prisma se refratando policromicamente, a proporcionar efeitos poemáticos sugestivos e diferenciados de contenção ou leveza, de exuberância ou explosão, de magreza ou desertificação. “Fazenda Nova”, o segundo poema da série preserva, de certa forma, o clima contemplativo de “Olinda”. Mas, a limpeza e a claridade de “Olinda” são agora substituídas por “ruínas de terra antiga”, pelas “pedras de irregulares tamanhos”, sendo estas últimas, por sua vez, metaforizadas em “lembranças renascidas de abandonados rebanhos”. A terra infértil, árida e desolada evoca bem o retrato de um Nordeste em permanente abandono e esquecimento desde tempos imemoriais, onde o homem que ali vive se remove sem maiores ambições ou perspectivas de uma vida engendrada pela compensação do esforço diário despendido. O efeito imagético gerado em “Fazenda Nova” no instante da negação e da ausência dos elementos naturais e humanos na paisagem se insurge no cerne de um 55 tempo estático e estanque, “sem antes e sem depois”, sensivelmente apreendido pelo poeta: É como se fossem ruínas, mas não de muros ou casas. São ruínas de terra antiga que o tempo estraga. (p. 67). Os elementos humanos ausentes da paisagem de “Olinda” se transformam em bois, cabras e ovelhas em “Fazenda Nova”, estando presentes apenas num sentido lexical que os nomeia, e não num sentido objetivo, do tipo físico e corpóreo. Esses elementos negados ou talvez intencionalmente ausentados da paisagem, do tempo e da vida nordestina – os bichos, o cemitério e o mar – sugerem um meio físico de devastação e miséria, de fome e destruição, como a servir de alerta aos viventes da presença constante da morte que ronda naqueles ermos: Apenas o sol se move nessa paisagem sem bois, sem cabras e sem ovelhas, sem antes e sem depois. Ainda mais duas coisas pode esse campo lembrar: um cemitério sem corpos 56 ou um leito de mar, sem mar. (p. 67). Pode-se dizer ainda que nestes dois poemas há muito da versificação tradicional de que Carlos Pena Filho se servia com freqüência na sua obra – ambos são vazados em quartetos regularmente rimados, e a metrificação adotada raramente se distancia dos setissílabos. A simultaneidade formal cotejada nos poemas “Olinda” e “Fazenda Nova” tem como modelo a quadra setissilábica, com rimas cruzadas e obrigatórias apenas no segundo e no quarto versos, embora mesmo aí as estrofes não obedeçam sistematicamente a um núcleo idêntico e recorrente de rimas, além de o primeiro e o terceiro versos terem livres ou incompletas terminações rimáticas. Um poema tem como assunto uma cidade litorânea, Olinda. E o outro, se refere a um povoado do agreste pernambucano, Fazenda Nova, fazendo aflorar características ecológicas e humanas desta microrregião em termos de paisagem, vivências locais e costumes, existentes sobretudo no alto sertão nordestino. III.2. Viagem do litoral ao sertão Os dois poemas como que irão se fundir no ritmo rápido da viagem vertiginosa empreendida no poema “O regresso de quem, estando no mundo, volta ao sertão”, ocasião em que o poeta mergulha numa espécie de captação demorada e abrangente da natureza, da paisagem e de lugares e microrregiões do interior 57 pernambucano, desde o litoral do Recife, e tendo como guia temporário o rio Capibaribe: Eis-me agora, rio acima, construindo o entardecer. Desta planície azulverde, cidade de rio e mar, irei até onde a terra deixou terras por achar, nas claras ruínas do sol, de chão cego aos vegetais e que de amor tem apenas as patas dos animais. (p. 75). Contudo, a viagem se inicia verdadeiramente pela zona da palha da cana, pelos engenhos de moendas vagarosas e conflitos seculares, onde se patenteia o poder econômico de oligarquias e famílias tradicionais da camada aristocrática do “açúcar”, a dominação e a opressão fundamentadas na exploração braçal e na rotatividade de camponeses e canavieiros: Entre canas, pelo rio claríssimo, aí começo, 58 sob o duro sol do estio, meu luminoso regresso. (p. 75). O poeta atualiza o quadro econômico e produtivo da microrregião, quando a linha de montagem de usinas vem atender as novas demandas de mecanização e produção do ciclo açucareiro, em substituição ao processo anterior de manipulação feudal dos engenhos, e em substituição também de uma classe por outra, a oligarquia abastada, titulada e brasonada, pelo funcionário graduado, mas ainda assim funcionário: Outrora, aqui, os engenhos recortavam a campina. Veio o tempo e os engoliu e ao tempo engoliu a usina. (...) pois foi essa mesma fera que engole moça e criança, que fez o barão, gerente e a baronesa lembrança. (p. 76). Entretanto, apesar do advento das usinas, os engenhos continuam fornecendo a cana necessária às moendas, e o poder continua a se concentrar, como sempre 59 aconteceu, nas mãos de uns poucos, quer sejam antigos senhores de engenho, quer seja a classe mais recente de usineiros. Para o poeta, o tempo é e será sempre o responsável por tais mudanças, a seu ver um tempo abstrato e impalpável, um tempo que é ele mesmo, “como tudo no mundo”, “esquecido” e reduzido à condição de um fenômeno como outro qualquer. Por outro lado, a noite que recobre esse tempo pode deixar aflorar uma premonição latente de conflitos ensejados no interior e na surdina desse sistema produtivo, favorecendo enormemente a violência traiçoeira entre classes secularmente inimigas e irreconciliáveis, ou entre os componentes de uma mesma classe: E mais fará, noite adentro na sombra onde a morte aguarda e põe nos corpos dos homens doença, faca, espingarda. (p. 76). É registrado o ponto de mudança de microrregiões na chegada ao agreste, quando o rio vai esmaecendo, se aleitando a outros rios, e mesmo desaparecendo com eles. Ao lento esfumar-se das águas do Capibaribe, se contrapõe o aparecimento de cores, numa germinação explosiva e digressiva do tempo e do ambiente, em movimentos cíclicos e característicos do clima na terra nordestina. Sem esquecer ainda a lição ensejada a partir desse mesmo tempo, do senso de multiplicidade e organização, que tanto serve para a natureza como para os homens, ele escreve: 60 Daqui eu já vejo o vale do Capibaribe lento e, enquanto vejo, descubro que o verde, ao longe, é cinzento. Pois, como tudo o que nasce, a cor também se elabora, como o minuto que se une ao outro e organiza a hora, como esta vasta planície que foi semeada agora, a chuva mistura a terra e explode o verde da flora. (p. 76-77). O poeta se abisma com a “surpresa” que é, às vezes, o agreste, por certas intromissões inesperadas, alegres e vivificantes na paisagem, como casas, bichos e seres humanos: Um boi que procura a sombra, água limpa na levada, menino alegre por ter sua dor organizada. (p. 77). 61 Ou, de uma perspectiva oposta, na visada das “terras secas” e dos “aveloses” que indicam “que o nada também tem dono”, ele finalmente chega ao sertão: Bem depois desse lugar por Arcoverde chamado, caminho no duro chão do sertão desidratado. (p. 78). A lenda sertaneja se reafirma aqui no “mal” representado pelo “cão”, lembrado no diálogo de mão única do personagem representado pelo mascate inominado, estradeiro e bebedor de aguardente em Arcoverde, na venda da “Comadre Maria”. Esta lenda, que personifica o demônio de “pés de cabra”, “passeando solto na aragem”, é logo refutada pelo poeta: Dele é apenas este sol que brilha e tudo devora ou a alma de algum passante que chegou, vindo de fora. (p. 79). O ápice do poema revela o poeta itinerante, na sua condição de “renegado” onde vivera, embora ao assinalar a “ausência” enfática de um rio no duro entardecer do sertão, demonstre que o sertão ou o agreste são para ele mundos de passagem apenas. 62 O mundo rural, embora forneça um clima de integração sensorial e de silenciosa solidariedade ao poeta, não representa o seu mundo, que é o do litoral e da “cidade grande”. Agreste, mata e sertão configuram, desse modo, mundos efêmeros e insólitos na sua violência surda, não se enquadrando nas possibilidades reais de vivências do poeta, se revelando mais como mundos que se realizam a partir do visto plasticamente ou do apenas vivido em imaginação criadora. “O regresso” foi escrito no mesmo molde formal de “Olinda” e “Fazenda Nova”, com as quadras setissilábicas fragmentadas apenas em dois instantes – no dístico inicial Eis-me agora, rio acima, construindo o entardecer (p. 75). e em dois tercetos, seguidos logo de imediato pela quadra final do poema: Eis-me agora, sem um rio, neste duro entardecer, nesta planície amarela, terra sem rio nem mar, de onde saí mas deixei e por isso vim buscar as claras ruínas do sol 63 onde não me hei de perder, embora não tenha um rio neste duro entardecer. (p. 79-80). Estes tercetos, somados ao dístico referido, resultam em oito versos, demonstrando que são essas as únicas variações estróficas diferenciadas das quadras que atravessam todo “O regresso”. Certos efeitos estilísticos de “O regresso” podem ser constatados também em trechos das “Memórias do boi Serapião”, notadamente na estrutura rítmica circular que permeia o seu início e o seu desfecho. III.3. Os bois que falam e vêem os homens O “boi Serapião”, personagem controvertido e instigante dessa poética, funciona como um bicho-símbolo, encarnando e exteriorizando, na linguagem figurada da prosopopéia, a fala irracional e impessoalizada do lendário animal no poema – as suas “memórias” se originam, refundem-se e desembocam na épica do homem rural nordestino. Este irracionalismo do “boi”, circularmente organizado e trabalhado em poema, desenvolvido numa perspectiva que reúne o conhecimento do folclore e da cultura popular nordestina, promove uma clara inversão de papéis – quando o “boi” se torna o instrumento da fala dos homens e do próprio poeta – que aparece bem caracterizada na espacialização de outro contexto: num poema de Carlos Drummond 64 de Andrade, “Um boi vê os homens”, do livro Claro enigma (1951).3 Neste poema, o “boi” se ressente da necessidade que têm os homens, surdos e cegos no deserto do campo ou no espaço urbano desumanizado, de produzirem, entre outras coisas, ruídos angustiados, sons aleatórios ou rumores descontínuos: (...) Coitados, dir-se-ia não escutam/ nem o canto do ar nem os segredos do feno,/ como também parecem não enxergar o que é visível/ e comum a cada um de nós, no espaço./ (...) Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem/ perdoar a agitação incômoda e o translúcido/ vazio interior que os torna tão pobres e carecidos/ de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme/ (que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo/ como pedras aflitas e queimam a erva e a água,/ e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade. Embora com tal disposição poética bastante diferenciada, para não dizer oposta à de Carlos Pena Filho, tanto em termos estilísticos quanto no que se refere a aspectos formais, o poema de Drummond chama a atenção para o fato de como é difícil, ao fim e ao cabo, para os bois – ou para os homens que sofrem a falta de liberdade cotidiana, causada pela dominação de outros homens – ruminarem a sua verdade. Nesta altura, o “boi” de Drummond se une ao “boi Serapião” numa convergência que prefigura a “mastigação” dessas verdades de difícil aceitação e absorção pelos homens, tendo em vista a violência das constatações que encerram. O “boi Serapião”, no espaço rural em que está localizado, investe sua fala abrupta e cortante sobre a miséria e a solidão ímpar do homem nordestino em meio 3 Cf. Carlos Drummond de Andrade, Reunião: 10 livros de poesia, Rio de Janeiro, José Olympio, 1980, p.167. 65 aos campos devastados e assemelhados a “cemitérios gerais”. Assim é que suas “recordações” remontam ao tempo da infância, quando anuncia: Às vezes, nas longas tardes do quieto mês de dezembro vou a uma serra que eu sei e as coisas da infância lembro: instante azul em meus olhos vazios de luz e fé contemplando a festa rude que a infância dos bichos é... (p. 81-82). Ou ao apontar o contraste entre o verde do litoral onde nasceu e o sertão onde se encontra agora: Não tinha as coisas daqui: homens secos e compridos e estas mulheres que guardam o sol na cor dos vestidos nem estas crianças feitas de farinha e jerimum e a grande sede que mora 66 no abismo de cada um. (p. 82). Esta fala avança em timbre impessoal até o ponto em que as tensões sociais e ambientais se acumulam e revelam um produto ideológico explodindo em compasso lento, ao erigir a denúncia solidária da miséria nordestina: que o que há de bom por aqui na terra do não chover é que não se espera a morte pois se está sempre a morrer: em cada poço que seca em cada árvore morta em cada sol que penetra na frincha de cada porta (...) e enquanto o tempo não vem nem chega milho ao paiol solenemente mastigo areias, pedra e sol. (p. 84-85). 67 Do mesmo modo que nestas “Memórias do Boi Serapião”, Carlos Pena Filho se utiliza de uma dicção visivelmente despersonalizada, como recurso lingüístico dominante, para construir o seu poema “Episódio Sinistro de Virgulino Ferreira”. III.4. O episódio sinistro O perfil guerreiro idealizado e traçado por ele para Lampião no “Episódio sinistro”, se afirma também como um retrato expressivo e eficaz da violência secular no Nordeste. Essa violência, provocada por fatores de origens diversas, envolve o comportamento psíquico de indivíduos a par do misticismo e do fatalismo inerentes ao homem rural nordestino, as condições socioeconômicas e ambientais da região, e ainda complexos e particularizados fatores de ordem política e cultural. Condenado a viver em tensão permanente de embates e fugas, abrigado por pequenos fazendeiros e pela gente sertaneja que o mitificava e admirava seus feitos e valentia indomável, Lampião se cercava de homens e mulheres rudes, selvagens e matadores decididos, que gozavam da sua confiança relativa e parcializada. Mas, da mesma maneira que no espaço coletivo e parcamente habitado das vilas, cidades e fazendas sertanejas nos anos 20/30 corria largamente a fama e a fábula de Lampião, este, enquanto vivo, padecia irremediavelmente do peso opressivo da sua própria e “negra solidão”: Nos sítios onde campeavas, nordeste avaro e sinistro 68 de sóis sem fim do sertão, povoavas as campinas, as vastidões desoladas com tua negra solidão. (p. 69). O cangaceiro pernambucano, com sua missão de “governar o escuro” e “semear em sepulturas”, realizava a tarefa inglória, e não isenta de heroísmo, de “vingar” e redimir seus parentes e extensivamente uma parcela do povo sertanejo pelo combate ostensivo aos desmandos e traições de inimigos intemporais e irreconciliáveis: fazendeiros, comerciantes e políticos truculentos e abastados, além das volantes policiais, permanentemente a serviço e à disposição desses poderosos. O exercício guerreiro de Lampião era executado como uma prática de vida, sem intermediações de nenhuma espécie, e também sem um sentido de defesa apenas, mas de ataque direto, passando a se mover no circuito próprio da sua “liderança alucinada” e de uma violência sem amarras, impiedosa e desenfreada. No “Episódio Sinistro”, o prenúncio da morte de Lampião encetado por Carlos Pena Filho, após a tomada de assalto a “Vila Bela”, momento de tensão máxima do poema, está colocado em termos de uma solidão tão radical e avassaladora, que refuta e aniquila, contraditoriamente, qualquer possibilidade de remissão para o cangaceiro no âmbito da terra nordestina: A morte será tão grande que até mesmo a solidão que há tantos anos te habita 69 será cortada a facão. (p. 73). A saga de Lampião, cantada por Carlos Pena Filho, mantém ligações estreitas com a literatura oral do cancioneiro popular, envolvendo uma orientação estilística e formal que se demonstra o bastante identificada com os cantadores, cordelistas e violeiros repentistas nordestinos. E isto se concretiza a partir do desempenho narrativo-oralizante do cego cantador em “Vila Bela”. A participação do cego e sua viola, a narrar as aventuras e desventuras de Lampião, ocorre em dois tempos no poema. Logo após o refrão que retrata a feira de “Vila Bela”, na parte II – refrão este que também aparece na parte VI do poema –, animado pela organização interna precisa e sensível de seus motivos sonoros e semânticos, e exteriormente impulsionado pela força rítmica e plástica intensa e expressiva que o atravessa: A feira de Vila Bela tem chocalhos para vacas. Na feira de Vila Bela, feijão e pó nas barracas. Na feira de Vila Bela, arreios, cordas e facas. Na feira de Vila Bela, chapéu de couro, alpercatas. Na feira de Vila Bela, um ceguinho pede uma esmola. (p. 69-70). 70 Nesse primeiro tempo, o cego cantador anuncia a chegada de Lampião a “Vila Bela”, expondo e alardeando as conseqüências, desatinos e riscos que tal investida trará para os assustados habitantes do lugarejo, ao se dirigir a uma interlocutora nativa anônima: - “Dona, siga o meu conselho, vá rezar uma oração, porque eu já vejo, à distância, a ira de Lampião. Fiquem somente os soldados, o sargento e o capitão. Fico eu também que sou cego e não sei da claridade. Se Lampião me matar, mata somente a metade, que a outra Deus já levou por sua agreste vontade. (p. 70). No segundo tempo, o cego canta, com a ironia peculiar que caracteriza sua intervenção no poema, a incerteza e a fragilidade das lendas reais ou imaginárias, elastecidas e alimentadas ao sabor da fantasia ou de testemunhos contestes e parcializados das situações vividas ou não por Lampião, mas que insistem em gravitar em torno do seu nome: 71 - “A lenda tem pés ligeiros e corre mais no sertão, corre mais do que lembrança, mais que soldado fujão. Corre mais que tudo, só não corre mais que oração e isso mesmo quando é feita a Padre Cícero Romão. Hoje todo o mundo sabe quem foi ele, o capitão. Junta o sabe e o não sabe e inventa outro Lampião. Mas dele mesmo não sabem e nem nunca saberão, pois ele nunca viveu, não era sim, era não, como essas coisas que existem dentro da imaginação. Quem puder que invente outro Virgulino Lampião”. (p. 73-74). 72 III.5. As mudanças de tom e dicção Neste bloco inteiriço e compacto de poemas, Carlos Pena Filho não logrou atingir, numa medida convincente de sua percepção objetiva e de sua real capacidade poética, de intuição ou de elaboração, a partir das novas inferências líricas intentadas, os propósitos estéticos que determinou para si mesmo naquele instante específico. A dicção instaurada em Nordesterro não se reflete, necessariamente, numa poesia de intencionalidade revolucionária gritante, nem deflagra um modelo gerador de motivações sociais participantes, quando nestes casos se torna explicitada a tentativa de transformação radical, apoiada nos moldes marxistas, do homem e do mundo que o cerca. Esta intencionalidade de propensão e cunho ideológico participante é ocorrente, por exemplo, em João Cabral de Melo Neto, testemunha implacável, à época, da “vida e morte nordestina”. Em Carlos Pena Filho essa dicção resulta mais do seu modo de visualização ímpar, aliado ao poder de sugestão da paisagem circundante, luminosa ou desértica, que expõe e anima os elementos virtuais e fugidios que a compõem, e mesmo os ausentes ou apenas levemente sugeridos. A intensidade do timbre poético em Nordesterro evolui numa constante elevação rítmica do tom e numa fala descentrada da contemplação ativa do poeta. E embora não sejam operadas modificações ambientais definidoras de pessoas ou coisas, a dimensão própria de tais objetos ou pessoas na paisagem é sugerida pelo imediatismo de um presente a se arrastar entre a opacidade ou a turvação repentinas, 73 presente no qual tais componentes estéticos e humanos estariam infalivelmente inseridos. De outro modo, se evidencia também a concretude de um sentido “nostálgico” refluindo como falta ou ausência na paisagem campestre e na vida daquelas comunidades rurais, quando ambas são destituídas quase que totalmente dos elementos essenciais à satisfação de necessidades humanas básicas, pelas condições ambientes e climáticas extremamente áridas e desfavoráveis, que prefiguram assim a morte, a miséria, a ruína e a derrocada do homem rural nordestino. A ruptura formal pretendida por ele é conseguida apenas parcialmente, de vez que as formas poéticas encontradas não se diferenciavam o bastante das formas “cristalizadas” que vinha praticando anteriormente. A inserção do verso de metrificação variável ocorre em passagens raras e ocasionais, e a quebra da norma se verifica num plano que ainda irá permitir a contagem num intervalo seis-oito sílabas, ficando também clara a preferência do poeta pelos setissílabos, como na estrofe inicial do “Episódio sinistro”, que permite, além disso, a ocorrência de rimas nasais e incompletas, e cede vasto terreno à oralidade: Sobre um chão de sol manchado, passeavas pelos campos o teu cangaço sem sumo. Com um olho na morte e o outro no fel que se elaborava em tua vida sem prumo. (p. 68). 74 Nas “Memórias”, o efeito é bem mais intensificado nas ocorrências possibilitadas pelo desdobramento estrófico e pela gradação metafórica ao longo do poema, com a inserção discreta e tangencial do verso livre, como nas duas estrofes abaixo, com versos que evoluem de três a oito sílabas: Este campo, vasto e cinzento, não tem começo nem fim, nem de leve desconfia das coisas que vão em mim. (...) No verão, quando não há capim na terra e milho no paiol solenemente mastigo areia, pedras e sol. (p. 81). O uso de versos heterométricos, no entanto, não apaga, no conjunto, o resultado final do poema, que se efetiva quase que invariavelmente a reboque de uma métrica exata e “martelada”. Contribui mais ainda para isto a fixação rítmica levada a efeito pela poética popular e regional, que se move no universo limitado de metros sumamente conhecidos e praticados, como sextilhas e décimas, ou, de outro 75 lado, em modalidades poéticas que ensejam variedades e raridades inventivas de acordo com a região na qual foram criadas, mas pouco ressonantes no espaço formal já bastante definido e correntemente utilizado pelos poetas populares. O próprio poeta participa também do processo criativo e do motivo gerador dos poemas, quando se integra fisicamente à paisagem – mesmo quando nos oferta a sua voz de timbre mais intimista, a sua dicção mais nitidamente pessoal –, ou quando, de outra forma, se distancia do poema e apresenta a sua voz diluída no impessoal ou na despersonalização. 76 IV O POEMA-INVENTÁRIO IV.1. O poeta conduz o leitor pela cidade A leitura isolada de determinados poemas de Carlos Pena Filho se caracteriza numa atividade ao mesmo tempo que lúdica e prazerosa para os sentidos, essencial para o conhecimento de uma tendência poética expressiva e a seu modo específica da literatura pernambucana. O leitor comum, e mesmo o analista literário, o crítico ou o leitor especializado, podem assim partilhar de duas operações mentais distintas, de dois modos diferenciados de apreensão da linguagem, que necessariamente não se excluem: o de sempre renovado prazer da leitura de seus versos sonantes e líricos, aliado a uma descoberta singular e insigne da realidade imediata que permeia frações e núcleos significantes de sua poesia. Esse leitor possível pode adentrar, dessa forma, no desvelamento do mundo circundante, que não escaparia à óptica de ser participante do poeta, qual artista decididamente vinculado ao seu tempo. Assim atestam os poemas que escreveu nos quais a imagética se volta especialmente para a apreensão da objetividade desse 77 mundo externo, embora deixando espaço para o tangenciamento e a execução da temática de cunho social. O poema-inventário Guia prático da cidade do Recife enquadra-se tanto na categoria de poema centrado no urbano, como se mostra também sugestivamente agradável de ser lido, pela conformação fluente e musical que o reveste, e ainda a par do humor e da ironia que o atravessam, ressalvando-se que em muitos instantes passe a revelar uma feição indubitável de mordacidade e sarcasmo. O Guia prático sinaliza, logo no título freyriano1 que o conforma, para o canto localista e afincado a uma cidade em particular. Refere-se, com uma freqüência notável, aos lugares conhecidos ou anônimos que a caracterizam, aos seus viventes habituais ou a seus ocasionais circunstantes, aos personagens e poetas que a enriquecem e a tornam vívida no tempo. O Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife de Gilberto Freyre foi escrito como prosa de apresentação – desinteressada talvez, embora não isenta de um certo didatismo característico ao autor –, do Recife ao turista ou viajante que porventura para a cidade se deslocasse por mar, de trem, de automóvel ou de avião. Para Freyre, a cidade não se “escancara” ao viajante por nenhum dos meios de deslocamento, se mostrando um pouco mais apenas àqueles que chegam de avião. Ele se detém, no entanto, no relato de minúcias sociohistóricas e geográficas da cidade a partir do século XVI, e se esmera também na descrição de toda uma tipologia humana refletindo “por algum tempo a população mais heterogênea do continente”. O Guia prático de Carlos Pena Filho reclama a presença de um leitor 78 que o acompanhe no poema, para que façam um passeio descontraído pela cidade, a pé ou de automóvel. Ao longo dos versos do Guia prático, pode-se dizer que a liberdade criativa de Carlos Pena Filho alcança a sua amplitude máxima. Ele tem a feição típica de um poema que se insurge motivado e espelhado por vivências e contatos travados no cotidiano. Alguns de seus versos demonstram ter sido elaborados e construídos sem a interferência do “estético” apenas, que não referenda e nem legitima a poesia de conteúdo social. Tais versos espantam e mesmo repudiam, em determinadas passagens, uma propalada neutralidade de caráter político-ideológico, requerida desde sempre para o poeta.2 Este canto particularmente recifense envolve, na fatura progressiva de sua realização, a “poetização” histórica de segmentos, lugares e personagens diferenciados do corpus social e urbano recifense. Além dos personagens de época, aparecem aqueles que se removem numa ambientação e num passado historicamente definido, embora o poeta não tenha estabelecido datações e detalhes historiográficos para os acontecimentos retratados no poema. A dicção poética a que Carlos Pena dá vigor e impulso criativo se caracteriza, de um lado, pelo tratamento sensível e pela atmosfera de fruição e leveza aplicados em versos que se referem positivamente à boemia do Recife e ao chope dos seus 1 Em 1934, Gilberto Freyre publicou, no Recife, em edição particular, o seu segundo livro, Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife, com ilustrações de Luís Jardim, obra que já teve várias edições. 2 A partir de uma certa noção de “poesia pura”, bastante em voga nos anos 40-50, alguns críticos do poeta passaram a reivindicar para ele uma espécie de neutralidade ideológica, no âmbito da qual não havia espaço para uma postura socialmente empenhada. Edilberto Coutinho, ao assumir uma visão criticamente oposta, desmistifica e combate tais posições equivocadas e voltadas de modo exclusivo para o “estético”. Cf. Edilberto Coutinho, op. cit., p. 10-14. 79 bares, e ainda à confraternização levada a efeito com amigos e companheiros de geração.3 De outro lado, essa dicção sofre mudanças de rumo, quando os novos personagens passam a ser, por exemplo, a operária suburbana na praia aos domingos, no seu deslocamento e obscuridade, ou os intelectuais recifenses. Estes últimos são por ele achincalhados impiedosamente, devido ao cerco áulico que faziam a intelectuais visitantes. Carlos Pena Filho deixa entrever, nesse ponto, uma espécie de desaprovação sumária à subserviência demonstrada pelos intelectuais desta que á a sua cidade.4 E não deixa de ironizar também a solenidade estatuária de poetas e oradores plantados em busto e imobilidade em parques, ruas, pátios e avenidas do Recife, destino que seria, num tempo mais à frente, o seu próprio. Entre “O início” e “O fim” deste apreciavelmente longo poema, existem mais onze outros fragmentos. Do modo como demonstram ter sido concebidos, em cortes e montagens sucessivas, eles guardam entre si, de um lado, tanto efeitos visíveis de interação e seqüenciamento, como de outro, mas em bem menor escala, foros de independência, pela transformação factual em novos poemas. O poema intenta sugerir, na sua totalidade, um diálogo possível e pertinente entre poeta e leitor, no qual este último é convocado sem maiores rodeios a conhecer a cidade por onde aquele transita diariamente a escrever e a tramar os seus versos, sob a intensidade de estados mentais que em muito se diferenciam, tais quais os da 3 Edilberto Coutinho relaciona o grupo de poetas a que pertencia Carlos Pena: Edmir Domingues, Audálio Alves, Olimpio Bonald Neto, Francisco Bandeira de Melo, Félix de Athayde e Fernando Pessoa Ferreira. Op. cit., p. 9. 4 A presença de escritores e intelectuais de fora no Recife, não o incomodaria sem motivos convincentes, como no caso dos acompanhantes locais que se desdobravam numa subserviência e solicitude às vezes excessivas, com relação a esses viajantes que por aqui aportavam. Pela sua 80 lucidez, do sonho, da angústia, da alegria ou da estranheza. E um tal leitor – turista imaginário ou habitante contumaz dessa cidade – é levado a constatar, em livre consórcio e associação com o que diz o poeta, que ela em verdade nasce e se edifica, como um marco delimitado e inconfundível, em suspensão e flutuação marinha, do sonho e da determinação dos homens: No ponto onde o mar se extingue e as areias se levantam cavaram seus alicerces na surda sombra da terra e levantaram seus muros do frio sono das pedras. Depois armaram seus flancos: trinta bandeiras azuis plantadas no litoral. Hoje, serena, flutua, metade roubada ao mar, metade à imaginação pois é do sonho dos homens que uma cidade se inventa. (Pena Filho, 1969, p. 171). condição de poeta, presume-se que ele não assumiria uma oposição cega, deliberadamente hostil e grosseira, acirrada e gratuita, a quem quer que cruzasse seu caminho. 81 IV.2. O outrora e o hoje recifenses Este primeiro fragmento, “O início”, que toma a forma de um soneto branco setissilábico, se completa com a inserção, na temporalidade do poema, de um “hoje” que irá aparecer também em outros fragmentos. Quando ele escreve os versos metade roubada ao mar, metade à imaginação (p. 171). além da força latente dos recursos lingüísticos empregados – anáfora, aliteração e antítese – as duas “metades” parecem se juntar para a composição de um “todo”, gerando novos influxos na relação estabelecida pela metade roubada ao mar, onde essa visada primeira terá como alvo exclusivo a linha do horizonte. A metade ausente, suprimida à imaginação, será entrevista apenas abstrata e sensorialmente, embora deva ser convocada agora, fazendo com que a cidade passe a existir para que os homens nela possam, como o poeta, viver e sonhar a vida de cada dia, que apesar das vicissitudes e desencontros, se mostra ainda possível de ser vivida, porque freqüentemente crivada de surpresas, ritos e novas e contínuas experiências. Com a justaposição de dois tempos perfeitamente distanciados, um “hoje” em oposição a um “outrora”, reunindo passado e presente em movimentos que se interpenetram e se complementam mutuamente, “O navegador holandês” repete a técnica de “O início”: 82 Outrora o tempo era intacto em seus braços prolongados e às suas línguas de areia, virgens de pés e barcaças, virgens de olhos e lunetas, (até de imaginação) chegou, tranqüilo e exato, o argonauta do improviso, trazendo o sol na cabeça e o mar no fundo dos olhos, um gosto de azul na boca sob a audácia dos bigodes flamengos e retorcidos. (p. 171). Mas, o aportar audacioso do “argonauta do improviso” no século XVII, com “seus bigodes flamengos e retorcidos”, por quase três décadas no litoral pernambucano, se transformará, após esse intervalo de conquista e domínio, em expulsão e escorraçamento, não sem deixar os efeitos resultantes de sua passagem: Mas, depois de algumas bulhas com o português cristão e alguns segredos de amor com as donzelas de então, escorraçado voltou, 83 deixando-nos essas coisas que a sua presença atestam: algumas mulheres prenhas destes Wanderleys que restam. (p. 171). No fragmento “Manoel, João e Joaquim” (sic) ele promove um corte no tempo passado do poema, duvidando até mesmo que outros poetas tenham cantado a cidade, e elegendo agora os seus três cantores: Manuel [Bandeira], João [Cabral de Melo Neto] e Joaquim [Cardozo]. Mas, como se pode ver nos fragmentos “Os subúrbios” e “A lua”, não se restringem os poetas do Recife a Cabral, Cardozo e Bandeira, havendo outros como o poeta mesmo se encarrega de fazer o reparo. Para introduzir os poetas de sua preferência nos blocos que os convocam e enunciam, ele se utiliza de efeitos estilísticos como a transposição de temas e conteúdos de poemas daqueles, ou recursos meramente biográficos, reportando-se a versos, palavras e situações criadas, vividas por eles ou a eles freqüentemente atribuídas. Em “Os subúrbios” o referente é as “tecelãs”, tema caro ao poeta Mauro Mota. Em “A lua”, é marcante o traço humorístico numa referência direta à fama de “comilão” de Ascenso Ferreira: Era uma lua tão grande, de tão vermelha amplidão, que mesmo Ascenso Ferreira, comendo só a metade, morria de indigestão. (p. 176). 84 Mas é ainda no fragmento “O navegador holandês” que ele inaugura a ironia sardônica e gradativa que irá desenvolver em todo o poema, que se apresentará quase sempre impregnada de sarcasmo, crueza, escárnio e corrosão, como quando fala, por exemplo, nos quartéis onde fofos capitães esverdeados por fora, ganham a vida e as estrelas, o dia, o mês e o ano à custa do amarelinho e alegre “porque me ufano”. (p. 172). IV.3. Crítica social e de costumes E a sua crítica social e de costumes se maximiza, quando ele e seu acompanhante-leitor adentram o “Bairro do Recife”, caracterizado por uma vida dúplice, funcionalmente dividida entre a seriedade ou o desprendimento que mascaram uma convivência inconciliável, mas à aparência tranqüila, entre coisas tão díspares como boemia e divertimento, negócios escusos e truculência política: Ali é que é o Recife mais propriamente chamado, com seu pecado diurno 85 e o seu noturno pecado, mas tudo muito tranqüilo, sereno e equilibrado. No andar térreo, moram os bancos (capitais da Capital) no primeiro, a ex-austera Associação Comercial, no segundo, a sempre fútil, Câmara Municipal e, no terceiro, afinal, está a alegre pensão da redonda Alzira, a viga mestra da prostituição. (p. 178). Após o rastreamento dessa ambigüidade de predisposição e fundo falseados, a sua ironia crua e ferina se volta agora para a classe média da cidade, no “Bairro de São José” de ruas de casas juntas, cariadas, mas de pé. De classe média arruinada, mas de gravata e até missa ao domingo, pois sempre 86 é bom ter alguma fé. Bairro português que outrora foi de viver e poupar, nascer, crescer e casar naquela igreja chamada São José de Riba Mar. (p. 179). Este fragmento, que satiriza e roça apenas de leve a predominância portuguesa no bairro, coliga-se, pela temática sugerida, ao décimo-primeiro e penúltimo, “Secos & Molhados”. O alvo indigitado agora pelo poeta são os “brasileiros sabidos” e os “portugueses sabidões”.5 De modo generalizado, portugueses e brasileiros são vistos por ele como comerciantes gananciosos, avaros e analfabetos, portadores de uma religiosidade mercantilista e deformada, além de bastante reforçada pela tradição colonizante do saque, da dominação escravista e do acúmulo indiscriminado de bens: É por isso que aos domingos, cada qual na sua igreja, reza, assim, as orações: “naquele mastro real, vê se descobres um meio de aumentar meu capital”. (p. 181-182). 87 A influência notória de Gregório de Matos em vários trechos e no fechamento do Guia prático já foi apontada de modo certeiro por Ariano Suassuna, que soube avaliar com a isenção necessária, tal fenômeno de interação literária,6 como um fenômeno secular e universal, e ainda como uma prática corrente e inesquivável de poetas e artistas no seu âmbito artístico-cultural de maior especificidade. Sendo assim, além do leitor baudelairiano inominado, paciente ou hipócrita que segue o poeta neste passeio insólito, a presença do Boca do Inferno – que se fazia apenas subliminar e subrepticiamente no poema – se insurgirá agora juntandose ao poeta e ao leitor numa aparição fulminante. A presença de um Gregório voluntarioso e maldito, com as garras impiedosas que o fizeram fustigar a nobreza e o clero instalados em terras da Bahia, aparece destacada nos versos finais do Guia prático, pela via de uma influência direta e perfeitamente reconhecível: Recife, cruel cidade, águia sangrenta, leão. Ingrata para os da terra, boa para os que não são. Amiga dos que a maltratam, inimiga dos que não, este é o teu retrato feito com tintas do teu verão 5 Embora o poeta tivesse diretamente nas suas veias sangue português (seus pais, Carlos Souto Pena e Laurinda Souto Pena, eram portugueses), em tais versos esquece as origens familiares para dar lugar a uma crítica social impregnada de irreverência e sarcasmo. 6 Cf. Ariano Suassuna, “Prefácio”. In: Inventário (poético) do Recife, Sylvio de Oliveira, Rio de Janeiro/Brasília, Civilização Brasileira/INL, 1979, p. 12-14. 88 e desmaiadas lembranças do tempo em que também eras noiva da revolução. (p. 182). Nesta definição provocativa, severa, profética e para muitos incômoda que do Recife fez Carlos Pena Filho, onde se poderia identificar um certo tom de exagero, talvez num excesso de zelo que implicaria em não ferir sensibilidades e susceptibilidades mais retraídas à palavra poética em seu estágio de ebulição “bruto”, e em sua ironia mais crua e sua sátira mais violenta, apenas faz-se anteparo à linguagem despojada que o poeta logrou empregar no seu poema. Pode-se afirmar que essa linguagem aqui utilizada comporta freqüentemente o coloquialismo de expressões correntes e usuais, e se mostra caracterizada também por antíteses surpreendentes e abruptas, por oscilações com subidas inesperadas e descensos súbitos de estruturas vérsicas e estróficas. É flagrante ainda o contraste entre os fragmentos inicial e final, como se tivessem sido executados a partir de estados mentais que se diferenciam ao nível da mensagem a ser viabilizada no poema, mas coincidentes nos planos da compulsão criativa e da disposição artística interna. No primeiro, a cidade é tributária da invenção do sonho dos homens, e no último, ela é tratada como portadora da ingratidão para com os seus filhos mais dedicados e diletos. É de admirar como, no Guia Prático da cidade do Recife, o poeta se entranha à sua cidade, confundindo-se a ela, sofrendo as suas vicissitudes e desencontros, vivendo os seus prazeres e alegrias, combatendo os seus elementos e valores sociais 89 maléficos, negativistas e desviantes de uma vida idealizada e sonhada, mas a ser concretizada em liberdade artística e humana. O Guia prático se origina, assim, de uma relação estreita, orgânica e muito particular do poeta com a cidade do Recife. Ele tem como parâmetros diretos de criação e referência elementos pictóricos e culturais da cidade. Por outro lado, o seu modo criativo se deve também à presença de elementos intuitivos, sensoriais e afetivos – em outro pólo tempestuosos, arrojados e impulsivos – implícitos e localizados no limiar da interação sutil entre o poeta e a cidade que constantemente o exige. A poesia se insurge, dessa maneira, como uma alternativa palpável de reconciliação do poeta com aqueles elementos naturais e urbanos, humanos e visuais que compõem o ambiente físico da cidade espezinhada de concreto feroz e urgente, e em permanente deterioração física e degradação ecológica. Dessa tensão, aguçamento ou conflito é que se emergem alguns dos versos e poemas mais fortes do lirismo de Carlos Pena Filho. E é exatamente nesse contexto analítico que tais fragmentos e versos do Guia prático alcançam um dos momentos de maior desprendimento, fruição, flexibilidade criativa e liberdade rítmica e sonora. Os versos do Guia, apesar de uma irreprimível circunstancialidade que se imiscui em certos trechos, nunca são descabidos ou soam deslocados de suas posições e funções em particular ou no conjunto de fragmentos que os perfazem. 90 CONCLUSÃO A multiplicidade diccional e as modulações estéticas e expressionais que caracterizam a poesia de Carlos Pena Filho repartem-se entre o funcionalismo artesanal herdado da geração de 45 e uma tendência visivelmente romântica, por sua vez subdividida entre o lirismo mais emocionado e subjetivo e os poemas de vertente social e popular. Na condição de poeta avesso a ideologias radicalmente empenhadas, dá sua contribuição à poesia social com os poemas de Nordesterro, Cinco aparições e com o poema-inventário Guia prático da cidade do Recife. Assumindo uma atitude deste tipo, rompe de modo corajoso as amarras políticas de seu próprio meio e convivência, de cunho eminentemente liberal. A análise do Livro geral demonstra que a busca de originalidade nem sempre é alcançada por ele, notadamente quando trabalha uma espécie de surrealismo lírico mal assimilado. No entanto, a mudança de orientação temática e diccional nos poemas de Nordesterro revela uma faceta poética radicalmente oposta ao maneirismo formalista apreendido da geração de 45, até então inimaginável num poeta que se diferenciava também pela alta realização lírica de sua poesia. E isto vai culminar numa poética urbana de rara eficácia, que se estrutura no mesmo passo dos poemas de feição pictorialista. 91 Em Nordesterro não há concessões demasiado comprometedoras ao senso comum. O mesmo cuidado com as formas fixas ocorrentes no lirismo peniano, verifica-se com as formas presentes nos poemas de raiz popular. Tais poemas – do Nordesterro e do Guia prático – servem também para afastar uma certa noção de “purismo” requerida para Carlos Pena por alguns companheiros de geração. E ainda, demonstram que o poeta não estava impregnado apenas de lirismo subjetivista, mas era capaz de desenvolver conteúdos de maior “impureza”, como os referentes ao social, ao rural e ao urbano escritos em linguagem contundente e desabrida. Uma boa parte dos poemas de Carlos Pena Filho obedeceu, no momento específico da sua criação, a uma súbita impulsão dos sentidos, às nuances do contexto particular em que foram gerados, enquanto que a outra parte, norteada pelas leis da construção compulsiva e operacional, somente ajustou-se ao seu esboço final após a persistência de experiências posteriores, com novas alterações acrescentadas ao seu acabamento. A convivência entre estruturas formais díspares é compensada pelos efeitos fonéticos mantidos sob controle e regularidade. Em termos expressionais, salvo em alguns momentos de descenso na qualidade poética, seus poemas são trabalhados e pensados com lógica e rigor, sem, no entanto, caírem em ajustes estilísticos forçados. Para o lirismo subjetivista – que privilegia temáticas como o amor, a solidão e a morte – a forma predominante apresenta-se no soneto erudito decassilábico. Nos poemas de derivação popular e urbana – que contemplam aspectos ecológicos, sociais e existenciais da vida urbana e rural nordestina – utiliza os metros curtos do setissílabo e da quadra ou a sextilha dos versos populares dos cantadores repentistas. 92 O esforço poético empreendido por Carlos Pena Filho logra realizar-se numa obra que, se não extensa numericamente, mostra-se competentemente elaborada e trabalhada. Mesmo nos poemas em que podem ser rastreados defeitos, maneirismos ou fraquezas de concepção, ele não abdica da expressividade peculiar e do estilo diferenciado, construídos em cerca de uma década e meia. E nos poemas onde se sente a presença do poeta pleno e maduro, confirma-se o percurso exigente de uma poesia que sempre buscou, da adolescência à morte prematura, as melhores soluções e definições acompanhadas dos mais convincentes resultados estéticos. 93 BIBLIOGRAFIA 1) DO AUTOR PENA FILHO, Carlos. O tempo da busca. Recife: Região, 1952. _______. ”Prefácio”. In: Carlos Moreira, Os sonetos. Recife: Sagitário, 1953. _______. Memórias do boi Serapião. Recife: O Gráfico Amador, 1955. _______. A vertigem lúcida. Recife: Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco, 1958. _______. Livro geral. Rio de Janeiro: São José, 1959. _______. Livro geral. Recife: UFPE, 1969. _______. Livro geral. Olinda: Gráfica Vitória, 1973. _______. Livro geral (formato álbum, edição de luxo). Olinda: Gráfica Vitória, 1977. _______. Os melhores poemas de Carlos Pena Filho. Seleção de Edilberto Coutinho. São Paulo: Global, 1983; 2. ed., 1986. 94 2) SOBRE O AUTOR BANDEIRA, Manuel. Andorinha, andorinha. 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