Espumas Flutuantes (única publicada em vida – 1870) obra de Castro Alves São 53 poemas antecedidos por uma “dedicatória” em versos. Castro Alves é um grande poeta da 3ª geração do romantismo – a condoreira – Apesar de não constar os poemas sobre os escravos, sente-se em vários momentos deste livro o mesmo ímpeto verbal e a mesma indignação presente naqueles poemas. A metáfora do título é explicada no “prólogo”. Dedicatória A pomba d'aliança o voo espraia Na superfície azul do mar imenso, Rente... rente da espuma já desmaia Medindo a curva do horizonte extenso... Mas um disco se avista ao longe... A praia Rasga nitente o nevoeiro denso!... O pouso! ó monte! ó ramo de oliveira! Ninho amigo da pomba forasteira!... Assim, meu pobre livro as asas larga Neste oceano sem fim, sombrio, eterno... O mar atira-lhe a saliva amarga, O céu lhe atira o temporal de inverno... O triste verga à tão pesada carga! Quem abre ao triste um coração paterno?... É tão bom ter por árvore—uns carinhos! É tão bom de uns afetos — fazer ninhos! Pobre órfão! Vagando nos espaços Embalde às solidões mandas um grito! Que importa? De uma cruz ao longe os braços Vejo abrirem-se ao mísero precito... Os túmulos dos teus dão-te regaços! Ama-te a sombra do salgueiro aflito... Vai, pois, meu livro! e como louro agreste Traz-me no bico um ramo de... cipreste! PRÓLOGO Assim como a espuma, os poemas teriam sido gerados “do mar e do céu, da vaga e do vento”, o que significa que eles têm sua fonte na natureza. Mas além da natureza, são assinalados mais dois elementos inspiradores: A “musa – este sopro do alto” e o “coração – este pélago da alma”. FONTES DE ESPUMAS FLUTUANTES • Natureza (mar, céu, vaga e vento) • Inspiração artística divina (musa, sopro do alto) • Sentimentalismo ( coração, alma) O “PRÓLOGO” também assinala: Os poemas são crepusculares e marcados pelo sentimento de solidão, são abatidos pela sensação de desgraça, mas são, também capazes de celebrar a beleza, a felicidade e o entusiasmo, por força da “aliança de Deus com a juventude!” Em tom de melancolia, de despedida, os companheiros de juventude e de academia são evocados no início e no final do texto, quando o poeta, que sentia a vida por um fio, declara o desejo de que sua poesia fosse lembrada. MORTE E ETERNIDADE Diferente dos poetas da 2ª geração, Castro Alves declara sua sede de viver para o amor e para a glória, mas reconhece que a morte, embora indesejada, é iniludível. (ver poema Mocidade e morte) Castro Alves não namora a morte, ele a execra. A morte é associada a imagens repugnantes, que ele se possível gostaria de recusar. Raros são os momentos em que a morte é aceita. (ver poema “Anjos da meia-noite”) Ardendo em febre, delira e julga ver o desfile de sete sombras, fantasmas de mulheres amadas no passado, que o visitam em seu quarto de enfermo. A oitava sombra aparece flutuando no ar, silenciosa, envolta em névoa e vestida de noiva, mas o poeta não a reconhece. Tentando adivinhar sua identidade, o poeta supõe que ela poderia ser a morte. O macabro e o mórbido aparecem carregados de negatividade. O impulso do poeta é afastar-se desse universo, apegando-se à vida, ou à imortalidade literária, que é um modo de burlar a morte. Quando sua poesia é afetada pela melancolia e desilusão, percebe-se impulsos contrários, que o conduzem à celebração da vida. Não lugar na poesia de Castro Alves para o escapismo. Ele não foge da vida, ele a deseja voluptuosamente. Mesmo sabendo que a vida se extinguia, ele não se conforma com a morte, por isso sua poesia postula a questão da glória literária. A arte como libertação. (ver os poemas “O livro e a América”, “O fantasma e a canção”, “No álbum do artista Luís C. Amoedo”) Para CA o verdadeiro poeta é um ser assinalado pelo “gênio”, uma força misteriosa que o faz transpor os limites da percepção comum. O poeta é um visionário, que transfigura o mundo ao revelar sua beleza oculta, ele é capaz de se transportar para as regiões mais sublimes e para as mais baixas – o céu e o inferno -, para traduzir em palavras o que é indizível. (ver poemas “Ahasverus e o gênio”, “O voo do gênio”) *Ahasverus – um dos diversos nomes pelos quais é conhecido o judeu errante, condenado a erra pelo mundo, sem lugar para descansar, por ter negado descanso a jesus na porta de sua casa, quando este caminhava ao Calvário. Magnitude da natureza americana e a suposta grandeza moral que o continente assumiria perante a história futura da humanidade. O continente americano, por prosopopeia, ganha músculos, um corpo de gigante cujos braços são os Andes. Ganha voz e pede a Deus que permita cumprir sua vocação para o movimento: o gigante quer marchar. O “livro” faz “o povo pensar” e difunde a “luz” revolucionária, sementeira de um futuro glorioso. O Condoreirismo vê nos andes uma sinédoque da América e no condor o símbolo de uma poesia de elevados propósitos humanitários. A intensa vontade de viver, revelada nos poemas de Espumas Flutuantes, é motivada pelo amor que inunda o coração do poeta. Uma das fontes de amor tem caráter narcísico e consiste no desejo quase obsessivo pela glória literária. Outra fonte é a mulher. [ poema “os três amores”] O poema desenha três modos de amar. Em gradação, vai do modelo platônico ao arquétipo mais sensual, passando por um estágio intermediário. O 1º tem como parâmetro o amor impossível do poeta Torquato Tasso pela princesa Eleonora na corte de Ferrara. (amor à distância, mera contemplação) O 2º se delineia a partir do ilustre modelo Shakespeariano de Romeu e Julieta. (amor receoso, ainda casto, mas que arrisca um beijo furtivo) O 3º vem do poema de Byron “D. Juan”. O herói é iniciado na arte do sexo pela jovem e fogosa Júlia, casada com um homem mais velho. (amor sem barreiras) Alguns poemas antecipam o Paranasianismo, pelo rigor na forma, pelo descritivismo Alguns poemas antecipam o Paranasianismo, pelo rigor na forma, pelo descritivismo plástico, pelas imagens escultórias e pelo arsenal de referências clássicas greoromanas. [poemas: no álbum do artista Luís C. Amoedo; Ao ator Joaquim Augusto e no soneto da 2ª sombra de Os anjos da meia noite] Exaltação galante do amor feliz e deprecação do amor ferido. Chega ao satanismo de Byron, em que a mulher é apresentada como devassa destruidora de homens. [poemas: O tonel das Danaides; Dalila, a 4ª sombra de anjos da meia noite] Em “Immensis Orbibus Anguis”, Castro Alves constrói uma alegoria para repsentar uma mulher (Eugênia Câmara) como monstruosa serpente que lhe devorou a vida. Humor, uma vertente sarcástica do amor: “Uma página de escola realista” e “canção do boêmio” “Aves de arribação” – a musa é o amor e a natureza. Castro traz do mundo sensível imagens transfiguradas em metáforas eróticas [Boa noite, Adormecida, Hebreia] A paisagem não é um mero pano de fundo onde se desenrola o idílio; ela se incorpora aos próprios dotes da amada, ou do amante, dos quais é correlativo objetivo. É comum a mulher se associar à estrela da manhã, ou vésper, forma sideral de Vênus, deusa da beleza e do amor. “Gondoleiro do amor” Em “boa noite” evoca-se a famosa cena de Romeu e Julieta. Poeta e amada se identificam com o casal. Em “adormecida” apresente um caso de voyeurismo, com notações sexuais transfiguradas na natureza. Além das metáforas eróticas, a natureza preenche outra necessidade do espírito de Alves: sentir-se parte privilegiada dela, por sua condição de poeta. “Sub tegmine fagi” (à sombra da faia) Castro capta a paisagem americana – cor local – traduzida por sua peculiar linguagem colorida e plástica. “Immensus orbibus anguis” (serpentes de espiras imensas intertextualidade com o poema Eneida) Linguagem plástica – descritivista – [Ver o poema “Hebreia”] Ver também a descrição do jardim abandonado em “A boa vista”. Poema em que Castro Alves revisita a casa onde vivera parte da infância. Em tom elegíaco, o poeta contrasta a vivacidade que o lugar possuía no passado, quando a família ali vivia feliz, com o aspecto de soturno abando no presente. As imagens são dinamizadas pela sonoridade, conseguida através de um senso de ritmo ao combinar palavras sugestivas, como também pelo uso da aliteração. Vocabulário - repertório de referências cósmicas arrebatadores: raios, trovões, vulcões, espaços abertos e amplos da terra, do céu e do mar. Poesia para comover e persuadir plateias de ouvintes. Foram escritos para se falar em voz alta o que justifica a presença do travessão, de pontos de exclamação e reticências. Poesia pública e oral que utiliza os recursos da retórica: Enumeração – sequência de palavras com efeito cumulativo: Talhado para as grandezas/p’ra crescer, criar, subir (O livro e a América) Anáfora – repetição sistemática de palavra ou expressões no início de versos ou estrofes: Nem cora o livro de ombrear co’o sabre.../ nem cora o sabre de chama-lo irmão... (quem dá aos pobres empresta a Deus) Gradação – desenvolvimento de uma ideia, sensação ou emoção em graus crescentes ou decrescentes. Se resvalaram – foi no chão da história..../ se tropeçaram – foi na eternidade.../ se naufragaram – foi no mar da glória... (quem dá aos pobres empresta a Deus) Apóstrofe – o poeta interpela um suposto interlocutor: Filhos do séc’ulo da luzes!/ filhos da Grande Nação (O livro e a América) Hipérbole – exagera as coisas para chamar a atenção. Seu túmulo é o peito do vasto universo (Pedro Ivo) – aqui uma metáfora hiperbólica – Hipérbato – ordem inversa das palavras – Alegre eu embarquei da vida a rubra flor (... a rubra flor da vida). O poeta como tribuno de causas populares: (tentar animar o povo a lembrar de seus heróis populares) Dedica poema a Pedro Ivo, guerrilheiro liberal da revolução Praeira de Pernambuco (1850), outro a um amigo que partia para a guerra do Paraguai (“A Maciel Pinheiro”), mais um aos heróis anônimos que tombaram pela pátria nessa guerra (“quem dá aos pobres empresta a Deus”) e dois outros aos heróis baianos da independência (“Aos dous de julho” e “Ode ao dous de julho”) Em Espumas Flutuantes, Castro Alves vê a história como uma marcha para o progresso da humanidade.