A família na educação inclusiva
014014
Data: Ago/2014
CONRADO HÜBNER MENDES1
A família na educação inclusiva
A família cumpre papel v ital na educação de uma criança, para o bem ou para o mal. Apesar do consenso
sobre essa v erdade elementar, o debate (moral, político, jurídico e pedagógico) sobre como tal papel deve ser
ex ercido é historicamente inflamado e sempre reaberto. Aquele lugar comum, se correto na sua generalidade,
é cheio de nuances na prática.
Pai e mãe, em primeiro lugar, mais do que o direito de ex ercer o poder familiar na escolha das opções
educacionais dos filhos, têm o dever legal e a responsabilidade por decisões que atendam aos interesses da
criança. A liberdade dos pais, por isso mesmo, não é absoluta. Estão em jogo não só os direitos da criança,
mas o interesse público.
Educar uma criança, nesse sentido, tem a v er tanto com a formação de um indiv íduo, inevitavelmente sujeita
às escolhas que pais fazem em seu nome, quanto com um projeto de sociedade, consagrados numa política
educacional. Numa democracia constitucional, que promete proteger direitos individuais, há espaços para
decisões autônomas da família, mas há v alores que a comunidade política não negocia, nem mesmo com a
própria família.
Longe de serem apenas dilemas teóricos, essas questões têm implicações práticas difíceis de se resolver numa
fórmula geral. Saber qual a div isão de trabalho mais desejável entre família e escola, e como ambas podem
ajudar-se mutuamente num processo em que nenhuma é auto ssuficiente, são perguntas em v oga desde a
criação do ensino universal em qualquer país. As respostas v ariam segundo as políticas educacio nais, o
contexto cultural, a posição econômica de cada família, e assim por diante.
Se essas questões já são essencialmente controversas para a educação em geral, no campo da educação
inclusiv a elas ganham importância ainda maior. Dev ido à sua nov idade hi stórica, e por chacoalhar um
modelo educacional cujos princípios de base estão cristalizados há mais de século, a educação inclusiva
renov a e aprofunda a dificuldade daquelas questões.
Uma política educacional que adota tal filosofia, como a brasileira, t em um longo percurso de
ex perimentação e de convencimento a seguir. Casos de inclusão atentam -se a diferenças e peculiaridades dos
estudantes, com deficiência ou não. Cada caso traz especificidades a serem percebidas, inspira novas práticas
a serem testadas e replicadas, desperta resistências a serem diluídas construtivamente. Tendo os pais e a
1
Conr ado Hübner Mendes é Professor-Doutor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da U niversidade de São Paulo.
©Insti tuto Rodrigo Mendes. Li c ença Creative Commons BY -N C-N D 2.5. A c ópia, di stribuição e transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes
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A família na educação inclusiva
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Data: Ago/2014
família como parceiros, a instituição escolar realiza melhor aquelas especificidades e a inclusão pode
funcionar de maneira mais efetiva. Os pais, por todas essas ra zões, são copartícipes na implementação e no
ev entual sucesso dessa política.
Essas conclusões estão presentes há pelo menos 20 anos nos principais documentos jurídicos e ex traju rídicos
na área de educação. A Declaração de Salamanca sobre necessidades educativas especiais, de 1 994, redigida
por um grupo internacional de especialistas sob os auspícios da Unesco, e principal referência simbólica no
assunto, enfatiza no seu parágrafo 6º: “ O sucesso delas [das escolas inclusivas] requer um esforço claro, não
somente por parte dos professores e dos profissionais na escola, mas também por parte dos colegas, pais,
famílias e v oluntários.” E no parágrafo 59: “Uma parceria cooperativa e de apoio entre administradores
escolares, professores e pais dev eria ser desenvolvida e pais dev eriam ser considerados enquanto parceiros
ativ os nos processos de tomada de decisão.” Ainda no plano internacional, merece menção a resolução sobre
equalização de oportunidades para pessoas com deficiência, adotada pela Assembleia Geral da ONU, também
em 1 994, que caminha na mesma direção 2.
No Brasil, a Constituição de 1 988, em seu art. 205, evoca orientação similar: “A educação, direito de todos e
dev er do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenv olvimento da pessoa, seu preparo para o ex ercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Entre as metas e estratégias do Plano Nacional de Educação (Lei 1 3.005/2014), por fim, encontra-se a
referência ex plícita à colaboração das famílias em v ariados papéis educacionais, entre eles o do acesso à
escola e ao atendimento educacional especializado.
O caso de Renata, estudante com Síndrome de Down que concluiu em 2013 o ensino médio no Colégio
Coronel Pilar, em Santa Maria, é v alioso para a discussão desse tema, pois sua família deu particular
contribuição em toda sua trajetória na escola. Renata teve o privilégio de pertencer a uma família ativ a, que
não apenas deu estrutura emocional e logística para que ela frequentasse a escola, mas que monitorou e
dialogou com os educadores sobre as ativ idades que poderiam ser mais afinadas ao perfil dela.
Diagnosticaram erros, cobraram mudanças e pressionaram por adaptações.
O caso do Colégio Coronel Pilar também exemplifica uma segunda faceta sobre o papel da família na
educação inclusiva. Conforme os depoimentos ali presentes, não é somente a família da criança sujeita a
atendimento educacional especializado que pode e deve contribuir nesse processo, mas as famíl ias dos
colegas mais próximos e, obviamente, de todos os outros estudantes da escola. Além dos próprios
educadores, as famílias que integram a comunidade escolar podem estimular uma cultura de respeito às
diferenças, observar e mediar os conflitos que tais diferenças geram entre os estudantes, contribuir, enfim,
para a inclusão e um ambiente de respeito e solidariedade.
2 Rule
6 (3): “Parent groups and organizations of pers ons with disabilities sh ould be involved i n th e education process at all levels.” [em tr aduç ão livre,
Regr a 6 (3): “Gr upos e or ganizações de pais de pessoas c om defici ência devem ser envolvidos no proc esso de educação em todos os níveis.”].
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Data: Ago/2014
A educação inclusiva ainda não foi naturalizada na prática, muito menos no discurso. Há enormes desafios
sobre como fazer, e há o desafio ainda maior de formular uma resposta robusta sobre o porquê da sua
adoção. Os acertos dos casos de inclusão tornam o apoio a essa política mais provável, e v ice-versa. A própria
ideia de “acerto” ou de “sucesso”, claro, precisa adota r uma métrica coerente com esta filosofia educacional
radicalmente igualitária. O caso de Renata é ev idência disso: oferece um poderoso argumento em defesa da
inclusão, mas não esconde as dificuldades de sua implementação nem deixa de reconhecer o mérito d e cada
um dos indiv íduos que contribuíram para esse desfecho. Entre esses indivíduos, foram os membros de sua
família que deram a mensagem mais eloquente.
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do artigo - Diversa - Educação inclusiva na prática