UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA RESPONSABILIDADE POR ERRO MÉDICO NA CIRURGIA PLÁSTICA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICO: GUSTAVO SOUZA SANTOS São José (SC), junho de 2004 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA RESPONSABILIDADE POR ERRO MÉDICO NA CIRURGIA PLÁSTICA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Profª. Especialista Gabriela Steffens Sperb. ACADÊMICO: GUSTAVO SOUZA SANTOS São José (SC), junho de 2004 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA RESPONSABILIDADE POR ERRO MÉDICO NA CIRURGIA PLÁSTICA GUSTAVO SOUZA SANTOS A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, Banca Examinadora: _______________________________________________________ Profª. Especialista Gabriela Steffens Sperb - Orientador _______________________________________________________ Prof. - Membro _______________________________________________________ Prof. - Membro AGRADECIMENTOS A DEUS que, iluminou meu caminho em busca da realização dessa nova fase de minha vida – concluir com êxito a faculdade. Aos meus pais, Telmo Renato Lopes dos Santos e Lindoner Souza Santos que, através dos incentivos, pelo carinho, atenção, estímulo, motivação e compreensão durante a realização desta construção teórica, contribuíram para o meu sucesso acadêmico. Ao meu irmão Guilherme Souza Santos que, com seu incentivo e amizade ao longo desses anos de convivência, ajudaram na minha formação pessoal e profissional. A Professora Gabriela Steffens Sperb, minha orientadora, pela disponibilidade e atenção, apoio e pela orientação segura e competente. Ao corpo docente de professores, que compartilharam seus conhecimentos, possibilitando enriquecer meus estudos. E a todos que de alguma maneira, seja direta ou indiretamente, contribuíram para minha formação acadêmica. “Em tão breve trajeto cada um há de acabar a sua tarefa. Com que elementos? Com os que herdou, e os que cria. Aqueles são a parte da natureza. Estes, a do trabalho”. Rui Barbosa 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11 1 RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................................... 13 1.1 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ...................................................... 13 1.2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO .................................... 17 1.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. ..............................................19 1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL........................................................... 24 1.5 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. .......................................................26 1.6 RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL OU AQUILIANA. ............. 28 1.7 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. ............................................................29 1.8 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA................................................................ 30 2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO............................................................. 33 2.1 NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. ............................... 33 2.2 OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. .................................. 36 2.3 DEVERES DO MÉDICO. ........................................................................................... 39 2.4 CULPA MÉDICA E O ÔNUS DA PROVA. ............................................................... 40 2.5 RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 43 2.6 LIQUIDAÇÃO DO DANO. ........................................................................................ 46 3 CIRURGIA PLÁSTICA E O ESTUDO DE CASO CONCRETO .............................. 49 3.1 CIRURGIA PLÁSTICA. ............................................................................................. 49 3.1.1 Cirurgia Reparadora................................................................................................. 50 3.1.2 Cirurgia Estética........................................................................................................51 3.1.3 Responsabilidade do Cirurgião Plástico. .................................................................. 52 3.1.4 Dano Estético. ............................................................................................................54 3.2 AS SANÇÕES JURÍDICAS DO ERRO MÉDICO. .....................................................55 3.2.1 Processo Administrativo............................................................................................ 56 3.2.2 Processo Criminal......................................................................................................57 3.2.3 Processo Cível ............................................................................................................58 3.3 ESTUDO DE CASO CONCRETO.............................................................................. 59 3.3.1 Relato do Ocorrido. ...................................................................................................60 3.3.2 Processo Administrativo............................................................................................ 61 7 3.3.3 Processo Criminal...................................................................................................... 62 3.3.4 Processo Cível. ........................................................................................................... 63 3.3.5 Ação Civil Pública. .................................................................................................... 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 68 ANEXOS............................................................................................................................. 71 8 RESUMO Este trabalho apresenta o estudo da responsabilidade civil de forma generalizada no universo jurídico. Sua evolução desde os primórdios até os dias atuais, seu desenvolvimento em nosso país, seus pressupostos e suas espécies são temas avaliados. Prioriza-se, no entanto, o estudo a respeito da responsabilidade do médico no exercício de suas funções. A classificação de sua obrigação com o paciente, o erro médico e seus deveres, assim como as suas aplicações na Legislação Civil e Código de Defesa do Consumidor são alguns dos assuntos tratados nessa parte da pesquisa. A especialidade médica em cirurgia plástica é um tema aprofundado nesse trabalho acadêmico, o tipo de responsabilidade e os efeitos jurídicos penais, civis e administrativos sofridos pelo cirurgião tem enfoque especial nesta pesquisa. Encerra-se a exposição desse trabalho científico com o estudo de um caso prático envolvendo um erro médico. 9 LISTA DE ABREVIATURAS Abr. Abril Ac Acórdão APC Apelação Cível art (s). Artigo (s) CDC Código de Defesa do Consumidor CF Constituição Federal CRM Conselho Regional de Medicina CFM Conselho Federal de Medicina Dec. Decreto DF Distrito Federal Dr. (a) Doutor (a) ed. Editora Ex. Exemplo f. (s) Folha (s) GO Goiás inc (s). Inciso (s) Jan. Janeiro Mai Maio Mar Março Min. Ministro MP Ministério Público n. Número n.º (s) Número (s) OAB Ordem dos Advogados do Brasil Out. Outubro p. (s) Página (s) p. Publicado RE Recurso Extraordinário Rec Recurso Rel. Relator REsp. Recurso Especial 10 RJ Rio de Janeiro RT Revista do Tribunal RS Rio Grande do Sul SC Santa Catarina Set. Setembro SP São Paulo SPU Secretaria do Patrimônio da União STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça T. Turma v. volume 11 INTRODUÇÃO O direito e a medicina sempre caminharam juntos na evolução histórica da humanidade. Durante sua evolução, o homem passou a estar sujeito a acidentes que poderiam comprometer sua integridade física, bem como, afetar a sua saúde. A medicina veio a amenizar esses problemas. Juntamente com essa evolução, começa a surgir problemas de ordem jurídica e médica, sempre havendo um indivíduo que interviesse por outro na seara do Direito e da Medicina. Devido à relação humana e social, houve a necessidade de criar-se regras que disciplinassem a convivência entre os indivíduos, bem como, os direitos e deveres mútuos dentro de uma sociedade. O instituto da Responsabilidade Civil Médica teve seu início no primórdio dos tempos. Desde o Código de Hamurabi, primeiro documento que regrava a respeito da conduta médica e o exercício da profissão, comprovando assim que os mundos jurídico e médico sempre estiveram e evoluíram paralelamente. Da elaboração desse código até os dias contemporâneos ocorreram muitas mudança e adaptações referentes às legislações que regulam o erro médico. A Responsabilidade Civil difundida em nosso atual ordenamento jurídico envolve a obrigação daquele que cometeu o ato ilícito em reparar o prejuízo, patrimonial e ou moral, que por sua ação, omissão, ou dolo, causado a terceiros. Inclui-se nesse âmbito a responsabilidade médica. A Responsabilidade Civil que regula os atos do médico atende aos mesmos pressupostos da responsabilidade de forma generalizada, sendo regida pela Legislação Civil. É preciso ater-se à existência ou não de culpa, a estipulação ou não de contrato e o tipo de obrigação existente na relação médico-paciente. Com a elaboração do Código de Defesa do Consumidor foram criadas novas alternativas de discussão jurídicas a respeito dos profissionais liberais. O Direito não se absteve de nenhuma das profissões liberais, possibilitou ao cidadão comum a discussão judicial de seu alegado direito, para assim não restar dúvidas, no seio social, acerca do procedimento adotado pelo profissional. O médico como fornecedor de serviço enfrenta 12 discussões acerca de seus procedimentos, de suas atuações, de suas responsabilidade e de seus erros. O culto ao corpo e a luta pela beleza se transformou numa obsessão, fazendo surgir uma nova e promissora especialidade médica: a cirurgia plástica. Ao cirurgião ficará a responsabilidade dos atos exercidos no seu paciente na realização de uma cirurgia. Geralmente todas as cirurgias plásticas estéticas são consideradas como obrigações de resultado, onde o mais importante é atingir o resultado previsto no contrato. Não havendo a concretização do acordado estará o médico sujeito a reparar o paciente. Neste sentido, busca-se desenvolver uma sucinta visão acerca do tema, a fim de possibilitar ao leitor desse trabalho uma linguagem mais fácil, sem perder a maturidade que o tema demanda. 13 1 RESPONSABILIDADE CIVIL Este capítulo é destinado ao estudo da responsabilidade civil de maneira genérica. Discorre-se desde a sua evolução e a responsabilidade civil no Brasil até os pressupostos necessários e as principais características dos elementos existentes nela. 1.1 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL Primeiramente a responsabilidade civil era baseada em três pressupostos, a culpa, o dano e o nexo. Hoje em dia existe uma divergência doutrinária, pois há autores que incluem o ato dentro desses pressupostos. Antigamente o elemento da culpa não existia e a reparação de um ato ilícito era extremamente pessoal, respondendo o agressor muitas vezes com a própria vida. Carlos Gonçalves comenta sobre a responsabilidade civil nos tempos iniciais de desenvolvimento social, assim: Nos primórdios da humanidade, entretanto, não se cogitava do fator culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras, nem limitações. Não imperava, ainda, o direito. Dominava, então, a vingança privada, “forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal”.1 Nos primórdios da civilização a reparação de um dano se dava de forma selvagem e primitiva, uma vingança privada, conforme dita a lei do Talião: “olho por olho, dente por dente”. A evolução da responsabilidade civil surge diante da necessidade de punir quem comete um dano de uma maneira mais civilizada. Complementa sobre a responsabilidade civil no direito romano a doutrinadora Diniz, assim expõe: Posteriormente evoluiu para uma reação individual, isto é, vingança privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos, sob a égide da Lei de Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas “olho por olho, dente por dente”, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou. Na lei das XII Tabulas, aparece significativa expressão desse critério na tabula VII, 1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 4. 14 lei 11ª: “si membrum rupsit, ni cum eo pacit, tálio esto” (se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo). A responsabilidade era objetiva, não dependia da culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra a causa aparente do dano.2 Compreende-se que pela Lei do Talião, a justiça do lesado era realizada por suas próprias mãos. A vítima aplicava ao seu ofensor dano parecido com o qual havia sofrido. O professor Delton Croce comenta a forma de reparação da antiguidade: [...] a provocação de um dano propiciava a imediata e pronta reação vingativa guiada pela brutalidade do instinto e de conseqüência selvagíneas em relação ao ofensor, desnudada de qualquer preocupação com regras adequadas ou limitações, com objetivo apenas de reparar o mal pelo mal.3 Sobre a evolução da responsabilidade civil, a professora Maria Helena Diniz ensina: A responsabilidade civil apresenta uma evolução pluridimensional, pois sua expansão se deu quanto à sua história, aos seus fundamentos, à sua extensão ou área de incidência (numero de pessoa responsáveis e fatos que ensejam a responsabilidade) e à sua profundidade ou densidade (exatidão de reparação).4 Ao longo dos anos torna-se claro e evidente que significativas mudanças ocorreram dentro da responsabilidade civil, no transcorrer deste trabalho espera-se demonstrar essas mudanças. Maria Helena Diniz, ainda, sobre a evolução da responsabilidade ainda afirma que, “nos primórdios da civilização humana, dominava a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes”. 5 Foram os romanos os primeiros juristas a aplicarem a responsabilidade civil de maneira mais próxima com a atual. O professor Kfouri comenta sobre esse assunto, “A responsabilidade civil recebeu no Direito Romano os princípios genéricos que mais tarde seriam cristalizados nas legislações modernas”. 6 Foram também os romanos os primeiros a fazerem a diferenciação entre pena e reparação e a distinção entre os delitos públicos e os delitos privados. O professor Croce expõe a respeito à evolução na punição dentro do Estado Romano: [...] o Estado Romano, com a sua função jurisdicional exclusiva, apartou de todas as pessoas o direito de punir, decretando, conseqüentemente, o partejamento da ação 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro v.7: Responsabilidade Civil. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 9-10. 3 CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 6. 4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro v.7, p. 9. 5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 9. 6 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico. 3ª ed. revisada, ampl. e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p.33. 15 indenização, em que a composição de cunho econômico, posta a critério da vítima, passou a ser, tempos depois, a regra obrigatória.7 O dever de reparar o prejuízo causado a outrem sempre existiu, realizando muitas vezes com o próprio corpo. Ao longo dos anos ocorreu uma evolução no cumprimento da restauração deste ato ilícito. Esta forma de reparação primitiva não deveria mais recair sobre a integridade física daquele que comete o ato ilícito e sim sobre seu patrimônio e pertences. Maria Helena Diniz em seus ensinamentos reforça esta tese da seguinte maneira: Depois desse período há o da composição, ante a observância do fato de que seria mais conveniente entrar em composição com autor da ofensa – para que ele reparasse o dano mediante a prestação da poena (pagamento de certa quantia em dinheiro), a critério da autoridade publica, se o delito fosse público (perpetrado contra direitos relativos à res publica), e do lesado, se se tratasse de delito privado (efetivado contra interesse de particulares) – do que cobrar a retaliação, porque esta não reparava dano algum, ocasionando na verdade duplo dano: o da vitima e o de seu ofensor, depois de punido. 8 A Lex Áquila, embora não sendo perfeita, estabeleceu as bases para as legislações modernas sobre a responsabilidade civil e a obrigação de pagar uma indenização. Diniz define bem o objetivo desta lei, “[...] veio a cr istalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res [...]”. 9 Percebe-se que com a estipulação desta lei impõe-se aquele que comete um ato ilícito o dever de indenizar o lesado com o próprio patrimônio. Uma forma mais justa e pacífica de reparação para ambas partes. Maria Helena destaca ainda que na evolução da responsabilidade a culpa continua sendo o principal fundamento da responsabilidade civil, mas agora a teoria do risco também estava sendo aceita.10 Traçando um paralelo deste tema com a responsabilidade civil do médico, nota-se que esta também evoluiu bastante ao longo dos anos. Na origem da evolução e civilização humana ensina Avecone citado pelo professor Kfouri, “[...] a cura não acontecia, não é difícil imaginar que a culpa recaísse sobre o feiticeiro, acompanhada da acusação de imperícia ou de incapacidade. Desde os primórdios, 7 CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito, p. 8. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 10. 9 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 10. 10 Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 12. 8 16 portanto, prevêem-se sanções para os casos de culpa relativa ao insucesso profissional dos médicos”. 11 O médico curandeiro, que agisse com displicência no exercício de suas atividades poderia ser responsabilizado com a amputação de partes do próprio corpo pelo insucesso do seu trabalho. O código de Hammurabi tinha artigos no qual encontrava-se traço da lei das 12 tábuas que eram aplicados aos médicos daquela época, comenta Croce: [...] cominava penas severas (amputação da mão e outras que tais) aos cirurgiões se, conseqüentemente á intervenção cirúrgica, o paciente, livre, sucumbisse ou viesse a perder a visão. Fosse o morto o escravo, ao médico se obrigava apenas pagar o seu preço.12 Miguel Kfouri complementa o estudo sobre a reparação do erro médico ao longo da história, assim: O primeiro documento histórico que trata do problema do erro médico é o Código de Hamurabi (1790-1770 a. C.), que também contém interessantes normas a respeito da profissão médica em geral. Basta dizer que alguns artigos dessa lei (215 e ss), estabeleciam, para as operações difíceis, uma compensação pela empreitada, que cabia ao médico. Paralelamente, em artigos sucessivos, impunha-se ao cirurgião a máxima atenção e perícia no exercício da profissão; em caso contrario, desencadeavam-se severas penas que iam até a amputação da mão do médico imperito (ou desafortunado). Tais sanções eram aplicadas quando ocorria morte ou lesão ao paciente, por imperícia ou má-prática, sendo previsto o ressarcimento do dano quando fosse malcurado um escravo ou animal.13 A Lex Aquilia também foi a base para legislações modernas a respeito da responsabilidade médica, “Na Lex Aquilia encontram-se os primeiros rudimentos de responsabilidade médica, prevendo a pena de morte ou deportação do médico culpado de falta de profissional”. 14 No decorrer da história, percebe-se que a responsabilidade civil vai aperfeiçoando-se, chegando mais próximo das noções da responsabilidade atual. Os elementos que hoje conhecemos pertencentes à responsabilidade civil, vão surgindo gradativamente em busca da melhor estruturação a respeito do assunto. 11 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 32. CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito, p. 6. 13 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, p.33. 14 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, p.38. 12 17 1.2 RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO A responsabilidade civil também é uma matéria de grande importância no sistema jurídico brasileiro. Os primeiros sinais da responsabilidade civil no direito brasileiro surgiram com a elaboração do código civil de 1916. O ilustre doutrinador Silvio Rodrigues sobre a questão da responsabilidade civil no direito brasileiro assim averba: O legislador de 1916 não deu à questão da responsabilidade civil um disciplinamento sistemático. Na Parte Geral, em dois artigos (159 e 160), consignou a regra geral da responsabilidade aquiliana e registrou algumas excludentes; ao depois compendiou, na Parte Especial, em dois diversos capítulos, outros dispositivos sobre o tema. Isso tudo, data vênia, sem muita ordem, nem muita disposição.15 A não relevância destinada à responsabilidade civil, reservando apenas dois artigos a respeito do assunto na parte geral ocorre em virtude de que naquela época a matéria não tinha alcançado a ênfase, a importância que é destinada atualmente. Silvio de Salvo Venosa, também compartilha do mesmo entendimento respaldando da seguinte forma, “o legislador do Código Civil de 1916 não tratou da matéria de forma ordenada, pois nos arts. 159 e 160 traçou os fundamentos da responsabilidade contratual e, posteriormente, na Parte Especial, em vários dispositivos, disciplina novamente do assunto”. 16 A responsabilidade civil adotou a teoria subjetiva como referencia, a culpa contida no ato ilícito. Entretanto não foi descartada no direito brasileiro a teoria objetivista, onde independente de culpa aquele que provoca prejuízo a outrem deve ressarci-lo por este mal. Carlos Roberto Gonçalves, consubstancia sobre a responsabilidade civil no direito brasileiro na seguinte maneira: A realidade, entretanto, é que se tem procurado fundamentar a responsabilidade na idéia de culpa, mas, sendo esta insuficiente para atender às imposições do progresso, têm o legislador fixado os casos especiais em que deve ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. É o que acontece no direito brasileiro, que se manteve fiel à teoria subjetiva no art. 159 do Código Civil. Para que haja responsabilidade, é preciso que haja culpa. A reparação do dano tem como 15 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4: Responsabilidade Civil. 19ª ed. Atualizada. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3. 16 VENOSA, Silvo de Salvo. Direito Civil IV: Responsabilidade Civil. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 11. 18 pressuposto a prática de um ato ilícito. Sem prova de culpa, inexiste a obrigação de reparar o dano.17 Quando a Constituição de 1988 entra em vigor destina na parte de direitos e garantias fundamentais, uma parte referente à responsabilidade de indenização aquele que sentir sua honra ofendida. Com isso algumas adaptações ao código civil vigente na época foram sugeridas, conforme o professor Carlos Gonçalves averba: A Constituição de 1988 inseriu, no capitulo dos direitos e garantias fundamentais, o principio da igualdade de direitos [...] No inicio de 1990, ou seja, logo após a entrada em vigor da nova Constituição, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional projeto de lei propondo a revogação expressa de diversos dispositivos do Código Civil, visando harmonizar o vetusto diploma com a nova ordem constitucional [...].18 Pode-se verificar essa modernização no novo código civil, Venosa salienta sobre a possibilidade de indenização moral na nova legislação fazendo uma adaptação a Carta Magna de 88: O novo Código Civil, embora mantendo a mesma estrutura, trata da responsabilidade civil com mais profundidade nos arts. 927 ss. Vê-se, portanto, que foi acrescentada a possibilidade de indenização pelo dano exclusivamente moral, como fora apontado pela Constituição de 1988.19 Silvio Rodrigues faz uma análise crítica do tratado cível de 1916 na parte destinada a responsabilidade civil, contudo ressalva que as reformas na legislação foram benéficas ao sistema jurídico brasileiro: Se a maneira defeituosa como o legislador de 1916 tratou da responsabilidade civil se explica pelas razões históricas e locais já apontadas, tal orientação hoje não mais se justifica. Daí merecer aplauso a solução adotada pelos dois esquemas de reformas na legislação civil, que, em título autônomo, disciplinaram sistematicamente a matéria. Realmente, tanto o Projeto de Código de Obrigações de 1965 como o Anteprojeto de Código Civil de 1972 dedicaram um titulo à responsabilidade civil.20 Evidentes são os sinais de preocupação do legislador em elaborar dentro do novo código civil uma parte mais especifica que tratasse a respeito da responsabilidade civil. Contudo sabe-se que houve poucas mudanças, permanecendo inclusive a mesma estrutura do código de 1916, estando esse trabalho longe de estar finalizado e perfeito. 17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 7. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 39. 19 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 11-12. 20 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil IV, p. 6. 18 19 1.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. Verifica-se o dever de indenização a vítima de um ato ilícito, somente quando constar neste ato alguns dos pressupostos de admissibilidade. Carlos Gonçalves averba, “A responsabilidade civil se assenta, segundo a teoria clássica, em três pressupostos: um dano, a culpa do autor do dano e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano”. 21 O praticamente todo o entendimento da doutrina é similar ao do doutrinador Carlos Gonçalves, exceto quanto ao número de pressupostos. A opinião majoritária referente ao numero de pressupostos da responsabilidade civil é de quatro elementos: ato do agente, a culpa, o dano e nexo de causalidade. Esse número não tem nenhum conflito com o entendimento do doutrinador, sendo apenas uma questão de interpretação. O art. 18622 faz referencia a alguns dos pressupostos da responsabilidade civil. Silvio Rodrigues a respeito deste artigo ensina, “[...] ele envolve algumas idéias que implicam a existência de alguns pressupostos, ordinariamente necessários, para que a responsabilidade civil emerja”. 23 Inicia-se o estudo dos pressupostos da responsabilidade civil pela ação ou omissão do agente do ato ilícito. O professor doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, a respeito deste pressupostos averigua, “[...] ação ou omissão, venha a causar dano a outrem . A responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda danos causados por coisas e animais que lhe pertençam”. 24 A responsabilidade civil somente existirá depois que algum individuo pratique ou deixe de praticar uma determinada ação à outra pessoa. O professor Rui Stoco consubstancia sobre a matéria, “Não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica. Ação e omissão constituem, por isso mesmo, tal como no crime, o primeiro momento da responsabilidade civil”. 25 21 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 3. Art. 186. Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 23 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 14. 24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 26. 25 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 1997. p. 54. 22 20 A respeito da ação ou omissão do agente Maria Helena Diniz, assim expõe: Existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como um ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa, como fundamento da responsabilidade, temos o risco. A regra básica é que a obrigação de indenizar, pela prática de atos ilícitos, advém da culpa. Ter-se-á ato ilícito se a ação contrariar dever geral previsto no ordenamento jurídico, integrando-se na seara da responsabilidade extracontratual (CC, arts. 186 e 927), e se ela não cumprir obrigação assumida, caso em que se configura a responsabilidade contratual (CC, art. 389).26 Logo toda ação delituosa ou não praticada a alguém independente da vontade, ou seja, da existência de culpa, deverá ser reparada buscando diminuir de alguma forma o prejuízo produzido. A obrigação de responder pelos atos ilícitos que recaem na pessoa do agente poderão ser provocados por ele ou pelas faltas cometidas por terceiro que esteja sob sua responsabilidade. Silvio Rodrigues comenta sobre a responsabilidade de atos ilícitos praticados por atos próprios, desta forma: A responsabilidade por atos próprios se justifica no próprio princípio informador da teoria da reparação, pois se alguém, por sua ação pessoal, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é curial que deva reparar esse prejuízo. Dentro do quadro da responsabilidade por ato próprio, um problema que apresenta alguma relevância é o da eventual responsabilidade do psicopata.27 Conforme salientado anteriormente, uma pessoa poderá obrigar-se civilmente pelos atos cometidos por terceiro desde que este esteja sob sua responsabilidade. Silvio Rodrigues em seus ensinamentos comenta a responsabilidade de terceiros assim: Essa responsabilidade por fato de terceiro, consagrada pela lei e aperfeiçoada pela jurisprudência, inspira-se em um anseio de segurança, no propósito de proteger a vítima. Criando uma responsabilidade solidária entre o patrão e o empregado que diretamente causou o dano, fica a vitima com a possibilidade de pleitear a indenização a ela devida tanto de um como de outro daquelas pessoas e, certamente, proporá ação competente contra o amo, uma vez que este, ordinariamente, está em melhores condições de solvabilidade do seu serviçal. 28 Esse tipo de responsabilidade é comum e rotineira devendo ser percebida com muita facilidade em nosso cotidiano. Carlos Roberto Gonçalves em sua obra traz alguns exemplos da matéria: A responsabilidade por ato de terceiros ocorre nos casos de danos causados pelos filhos, tutelados e curatelados, ficando responsáveis pela reparação os pais, tutores e curadores. Também o patrão responde pelos atos de seus empregados. Os 26 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 38. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 14-15. 28 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 15. 27 21 educadores, hoteleiros e estalajadeiros, pelos seus educandos e hospedes. Os farmacêuticos, por seus prepostos. As pessoas jurídicas de direito privado, por seus empregados, e as de direito público, por seus agentes. E, ainda, aqueles que participam do produto crime.29 A culpa do agente é outro pressuposto existente na responsabilidade civil, sendo ela decorrente de atos ilícitos. Há uma dificuldade em conseguir conceituar a culpa em nosso ordenamento jurídico, porém Venosa conceitua, “[...] culpa é a inobservância de um dever que o agente devia conhecer e observar”. 30 O professor Rui Stoco conceitua o elemento da culpa da seguinte maneira: A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injuria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligencia em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico. 31 A culpabilidade existente na responsabilidade civil traz consigo os elementos da culpa e do dolo. Evidentes são os sinais desses elementos na composição do ato ilícito. Na própria legislação cível pátria essa afirmação é confirmada. A ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz, assim expõe: O Código Civil, em seu art. 186, ao se referir ao ato ilícito, prescreve que este ocorre quando alguém, por ação ou omissão voluntária (dolo), negligencia ou imprudência (culpa), viola direito ou causa dano, ainda que exclusivamente moral, a outrem, em face do que será responsabilizado pela reparação dos prejuízos.32 Aquele que pratica qualquer ato com negligência, imprudência ou imperícia, estará sujeito a reparação deste, pois a culpa estará evidente não restará dúvida quanto à culpabilidade deste agente. Carlos R. Gonçalves destaca a possibilidade de existir o dever de obrigação mesmo sem a presença de culpa, “[.. .] o nosso direito positivo admite, em hipótese específica, alguns casos de responsabilidade sem culpa: a responsabilidade objetiva, com base especialmente na teoria de risco, abrangendo também casos de culpa presumida”. 33 A possibilidade da culpa não estar presente é fato consumado no direito brasileiro, sendo chamada de teoria objetiva e terá um estudo mais aprofundado posteriormente. 29 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 26. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 23. 31 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 56. 32 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 40. 33 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 27. 30 22 A relação nexo de causalidade entre o ato e o dano, é outro elemento indispensável para configuração da responsabilidade civil. Stoco confirma esta afirmação assim, “A responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e ação que o provocou”. 34 Silvio Venosa procura conceituar o nexo de causalidade assim: É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensara o nexo causal. Se a vitima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.35 O surgimento da obrigação de indenizar só se concretiza a partir do momento que o lesado prove a existência da causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano por ele experimentado. A doutrinadora Maria Helena Diniz sobre o nexo causal, assim averba: O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.36 O nexo causal tem grande importância no dever de indenizar, pois ele é o elo de ligação entre o fato danoso e o prejuízo suportado pela vítima. Entretanto deve-se ressaltar que não existindo a relação de causalidade conseqüentemente não haverá obrigação de indenizar, recaindo assim, sobre o lesado o prejuízo por ele experimentado. Silvio Rodrigues sobre a hipótese de haver excludentes da relação de causalidade exemplifica, “Se o acidente ocorreu não por culpa do agente causador do dano, mas por culpa da vitima, é manifesto que faltou o liame de causalidade entre o ato daquele e o dano por esta experimentada”. 37 Complementa Silvio Venosa acerca do assunto, “O caso fortuito e a força maior são excludentes do nexo causal, porque o cerceiam, ou o interrompem. Na verdade, no caso fortuito e na força maior inexiste relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o resultado danoso”. 38 34 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 63. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 39. 36 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 100. 37 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p.17. 38 VENOSA, Silvio Sálvio. Direito Civil IV, p. 39. 35 23 O último pressuposto da responsabilidade civil que falta ser estudado é o dano. A responsabilidade não existirá se alguém não for lesado, se não existir dano. Maria Helena Diniz conceitua na melhor maneira possível o dano como elemento necessário na responsabilidade civil: O dano é um pressuposto da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar. Isto é assim porque a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir, que, logicamente, não poderá concretizar-se onde nada há que reparar.39 Consoante Silvio Venosa continua a caracterizar o dano acrescentando: Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar dano. Cuidase, portanto, do dano injusto. Em concepção mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. Falamos anteriormente que, no dano moral, leva-se em conta a dor psíquica ou mais propriamente o desconforto comportamental. Trata-se, em ultima analise, de interesse que são atingidos injustamente.40 Existindo uma pessoa lesada torna-se muito difícil à reparação desta situação exatamente como ela se encontrava antes do ato ilícito. Silvio Rodrigues ensina a solução utilizada nesses casos, “[...] há de se reco rrer a uma situação postiça, representada pelo pagamento de uma indenização em dinheiro, é um remédio nem sempre ideal, mas o único de que se pode lançar mão”. 41 A indenização pode até não ser a maneira mais certa, justa de confortar. Acontece que muitas vezes ela é a única alternativa restante para aquele que comete o ato ilícito de ressarcir a pessoa que ele prejudicou. Em nosso ordenamento jurídico encontra-se dois tipos de danos: o dano patrimonial e o dano moral. O dano patrimonial como o próprio nome já diz é aquele que recai sobre o patrimônio da pessoa. Maria Helena Diniz conceitua dano patrimonial assim: O dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deteriorização, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.42 39 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, p.58. VENOSA, Silvio Sálvio. Direito Civil IV, p. 28. 41 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 186. 42 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, p.64. 40 24 A indenização do dano patrimonial dá-se conforme os prejuízos causados no patrimônio do lesado. Verifica-se o estado em que se encontrava o bem antes do ilícito, comparando como ele estaria se não lhe fosse causado nenhuma danificação. Ressalta-se ainda um novo tipo de dano existente, o dano moral. A idéia de dano moral concretizou com a elaboração do Constituição de 1988, que destinou dois incisos na parte dos direitos e garantias fundamentais: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; Wilson Melo da Silva citado por Silvio Rodrigues acerca do dano moral conceitua assim: São lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoal natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico. 43 Importante salientar que é entendimento majoritário da doutrina que este tipo de dano seja indenizado. Os que defendem a não indenização deste dano afirmam, ser difícil discutir em juízo sobre os sentimentos íntimos e as dores experimentadas por uma pessoa derivada de um ato ilícito cometido por outra.44 Entretanto, deve-se observar que este posicionamento encontra-se ultrapassado. 1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL. Nos ensinamentos da doutrinadora Maria Helena Diniz, destaca-se a responsabilidade civil podendo ser apresentada em diferentes aspectos, dependendo a perspectiva em que estará sendo analisada: 43 44 RODRIGUS, Silvio. Direito Civil 4, p. 189. Cf. RODRIGUS, Silvio. Direito Civil 4, p. 190. 25 Quanto ao seu fato gerador, hipótese em que se terá a) responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou de mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contratantes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar. (...) A responsabilidade contratual é o resultado da violação de uma obrigação anterior, logo, para que exista, é imprescindível a preexistência de uma obrigação. (...) b) responsabilidade extracontratual ou aquiliana, se resultante do inadimplemento normativo, ou melhor, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz (CC, art. 927), visto que não há vinculo anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional ou contratual. A fonte dessa responsabilidade é a inobservância da lei, ou melhor, é a lesão a um direito, sem que entre o ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica.45 (grifo nosso). Dependendo de como foi estipulada a obrigação a responsabilidade poderá ser contratual ou extracontratual ou quanto à determinação do fundamento da responsabilidade civil, de um lado encontramos a doutrina subjetiva ou teoria da culpa, e de outro lado à doutrina objetiva ou teoria do risco. Maria Helena Diniz sobre a matéria consubstancia: Em relação ao seu fundamento, caso em que se apresentará como: a) responsabilidade subjetiva, se encontrar sua justificativa na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa. Desse modo, a prova da culpa do agente será necessária para que surja o dever de reparar; b) responsabilidade objetiva, se fundada no risco, que explica essa responsabilidade no fato de haver o agente causado prejuízo à vítima ou a seus bens. É irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar.46 Nos próximos itens far-se-á um estudo mais aprofundado sobre a responsabilidade contratual e extracontratual e as doutrinas objetivas e subjetivas dada a sua importância para compreensão do tema. Além destas classificações, Maria Helena apresenta ainda, a responsabilidade civil conforme a pessoa, o agente causador do dano em: direta proveniente da própria pessoa imputada (por ato próprio); e indireta, aquela que se promana de ato de terceiro, com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal e de coisa inanimada sob guarda.47 (2003, v.7: 120). A responsabilidade dar-se-á na forma direta quando o for o próprio agente que responder pelo ato ilícito. Contudo na responsabilidade indireta o agente responderá por atos praticados por terceiros. 45 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 119-120. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 120. 47 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 120. 46 26 1.5 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. A estipulação de um contrato estipula que ambas as partes devem cumprir as obrigações que se comprometeram. Este tipo de responsabilidade é conhecida como contratual. O não cumprimento do acordado no contrato gera o dever de indenização à parte que foi prejudicada. Essa modalidade de responsabilidade encontrava-se presente no código civil de 1916, contudo ela persistiu na elaboração da nova legislação cível. Silvio Venosa faz um paralelo relacionando os artigos correspondentes de ambas legislações: Nosso Código de 1916, fiel à tradição, trata da responsabilidade contratual nos arts. 955 a 963 (novo, arts. 389 ss), 1056 a 1064; e da responsabilidade extracontratual nos arts. 159 e 160 (novo, arts. 186 a 188) e 1518 ss (novo arts. 927 ss). Como se percebe, a mesma sistemática é mantida no Código Civil de 2002, embora muitos dispositivos sejam alterados e outros acrescentados. 48 Várias são as conceituações encontradas a respeito da responsabilidade contratual. Silvio Rodrigues conceitua responsabilidade contratual da maneira mais didática possível assim, “A responsabilidade contratual é a que deriva de um contrato que pressupõe válido, assim ocorrendo o inadimplemento de uma das partes, que cause prejuízo, fica o causador obrigado a reparar as perdas e danos experimentados pelo prejudicado”. 49 Regido por um contrato onde ambas partes acordam cumprir suas obrigações, não poderemos admitir que nenhuma parte haja de maneira diferente do estipulado no contrato. Por esse motivo havendo prejuízos a outra parte, surgirá o dever de indenização ao causador desse prejuízo. Sobre a indenização na responsabilidade contratual, o doutrinador Silvio Rodrigues ensina: Na responsabilidade contratual a indenização, em muitos casos, é, por igual, um substitutivo da prestação contratada. Quando um artista, contratado para uma série de apresentações, recusa-se a dar um ou mais dos recitais combinados, fica ele sujeito a reparar as perdas e danos experimentados pelo empresário. A indenização abrangerá o prejuízo efetivo, tais o aluguel do teatro, a publicidade feita, a impressão das entradas etc., bem como o lucro cessante, ou seja, o proveito que o empresário 48 49 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 21-22. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 9. 27 razoavelmente poderia ter tido. Mas a cifra arbitrada em dinheiro, que será paga pelo artista inadimplente, não é a prestação prometida, mas apenas um sucedâneo dela.50 Na responsabilidade contratual as provas deverão ser demonstradas por aquele que descumpriu o avençado no contrato. Silvio Rodrigues em seus ensinamentos respalda desta forma, “[...] o ônus probandi se transfere para o devedor inadimplente, que terá que evidenciar a inexistência de culpa de sua parte, ou a presença de força maior, ou outra excludente de responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar”. 51 Várias são situações em que ocorrem a responsabilidade civil, exemplificando uma pertinente ao trabalho ora em estudo da quebra de um contrato e surgindo assim o dever de indenização, Maria helena Diniz cita a atividade médica: É o que acontece com os danos oriundos da atividade médica, quando o médico responderá contratualmente pela mala práxis (ou má prática da medicina). P. ex.: se o médico, imprudentemente. Provocar lesões no paciente, ter-se-á dano patrimonial indireto, consistente gastos com tratamento e em lucro cessante pelo doente deixou de auferir durante sua convalescência. Mas esse dano é indireto por ser originário de lesão à integridade corporal, que é um interesse não econômico do paciente.52 Em nosso ordenamento jurídico a distinção da responsabilidade contratual da extracontratual já está bem caracterizada, inexistindo vínculo jurídico entre o autor e a vítima do dano na responsabilidade extracontratual. O Ilustre Doutrinador Carlos Gonçalves diferencia os dois tipos de responsabilidade com maestria da seguinte maneira: Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito. Esta distinção entre ambas responsabilidades está reforçado inclusive na legislação brasileira, destinando um artigo para responsabilidade extracontratual (art. 180) e alguns artigos para responsabilidade contratual (389 e ss).53 50 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 9. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 10. 52 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 127. 53 Cf. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 10. 51 28 1.6 RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL OU AQUILIANA. A responsabilidade que não é originada de um contrato é chamada de extracontratual, podendo ser conhecida também como aquiliana. Esta responsabilidade é derivada de um ato ilícito extracontratual, um evento danoso resultante da inobservância das normas jurídicas. A professora Maria Helena Diniz conceitua esse tipo de responsabilidade: A responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana é a resultante de violação legal, ou seja, da lesão de um direito subjetivo, ou melhor, da infração ao dever jurídico geral de abstenção atinente aos direitos reais ou de personalidade, sem que haja nenhum vínculo contratual entre lesante e lesado.54 Lembra-se que é necessário para caracterizar a responsabilidade extracontratual a infrigência de um dever legal, e que nenhum vínculo jurídico exista entre a vítima e o causador do dano. O professor Silvio Rodrigues caracteriza a responsabilidade extracontratual assim, “Na hipótese da responsabilidade aquiliana, nenhuma liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vitima até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar”. 55 A responsabilidade extracontratual poderá ser fundada na culpa (teoria subjetiva) ou no risco (teoria objetiva). Quando estiver presente o elemento da culpa nesse tipo responsabilidade o professor Caio Mário respalda: Na culpa extracontratual, o lesado é quem deve demonstrar todos os elementos da responsabilidade, quais sejam, o dano, a infração da norma e o nexo de causalidade, já na culpa contratual, inverte-se o ônus probatório, ficando o lesado em uma posição mais vantajosa.56 Assim conforme foi salientado a culpa extracontratual é a violação de um direito de outrem, sendo que tal direito resulta da lei e não do contrato, como no caso da responsabilidade contratual. Tornando o estudo da responsabilidade extracontratual mais dinâmico, cita-se o exemplo que Carlos Gonçalves menciona em seus ensinamentos: Se a responsabilidade for extracontratual, (um atropelamento, por exemplo), o autor da ação é que fica com o ônus de provar que o fato se deu por culpa do agente (motorista). A vitima tem maiores probabilidades de obter a condenação do agente 54 DINIZ, Maria Hele. Curso de Direito Civil 7, p. 460. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 10. 56 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p 247. 55 29 ao pagamento da indenização quando a sua responsabilidade deriva do descumprimento do contrato, ou seja, quando a responsabilidade é contratual, por que não precisa provar a culpa. Basta provar que o contrato não foi cumprido e, em conseqüência, houve o dano.57 Como fora explanado anteriormente, a responsabilidade contratual deriva de uma autonomia da vontade, um contrato, enquanto que a responsabilidade extracontratual independe desta vontade. Portanto há a presunção de culpa na responsabilidade contratual em contra partida na responsabilidade extracontratual a demonstração de culpa deverá recair sobre a vítima do ato ilícito. 1.7 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. A responsabilidade civil requer como um dos seus pressupostos a culpa, quando esse elemento encontra-se incluído na ação daquele que comete o ato ilícito, chamaremos esta responsabilidade de subjetiva. Maria Helena Diniz em seus ensinamentos averba, “Na responsabilidade subjetiva o ilícito é o seu fato gerador, de modo que o imputado, por ter-se afastado do conceito de bônus pater famílias, deverá ressarcir o prejuízo, se provar que houve dolo ou culpa na ação”. 58 A culpa é o elemento principal desse tipo de responsabilidade, porém não é o único. Na responsabilidade subjetiva deverão ser encontrados outros três elementos: a conduta (omissão ou ação), dano (patrimonial ou extrapatrimonial) e o nexo de causalidade entre o dano e a ação. Existindo um ato ilícito por culpa do agente, caberá ao autor desse ato indenizar a vítima. Carlos Roberto Gonçalves explica a respeito da teoria subjetiva assim: Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou “subj etiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade. Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa. A prova da culpa do agente passa ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.59 57 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 23. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 52. 59 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 17. 58 30 Na responsabilidade subjetiva a culpa do agente é fundamento extremamente necessário para a indenização do dano sofrido pela vítima. É indispensável que ele tem agido de forma dolosa ou culposa. A responsabilidade subjetiva depende do comportamento do sujeito que cometeu o ato ilícito. Silvio Rodrigues em seus ensinamentos classifica a responsabilidade civil subjetiva assim, “[...] a responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar”. 60 O novo código civil obedecendo a maioria das legislações estrangeiras resguardou lugar para a teoria subjetiva. O princípio da teoria subjetiva encontra-se disposto no art. 186, que transcreve-se abaixo: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. O legislador na redação deste artigo inclui a teoria subjetiva mencionando a negligência, imprudência e imperícia de quem cometer o ato ilícito, assim, em regra para o direito brasileiro, a essência da responsabilidade civil está fundamentada na culpa, ou seja, no comportamento contrário ao direito do agente, e isso é exatamente o que preceitua o artigo 186 do Código Civil. 1.8 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. Com o passar dos anos, profundos estudos a respeito da responsabilidade civil deram origem a uma nova modalidade de obrigação, a oriunda da teoria objetiva. Silvio Venosa procura explicar a evolução para o surgimento da responsabilidade objetiva, da seguinte maneira: [...] o fundamento original da responsabilidade era exclusivamente subjetivo, fundado sobre o conceito da culpa. Essa posição foi adotada pela quase unanimidade dos códigos do passado. No entanto, a noção clássica de culpa foi sofrendo, no curso da História, constantes temperamentos em sua aplicação. Nesse sentido, as primeiras atenuações em relação ao sentido clássico da culpa traduziram-se nas “presunções de culpa” e em mitigações no rigor da apreciação da culpa em si. Os tribunais foram 60 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 12. 31 percebendo que a noção estrita de culpa, se aplicada rigorosamente, deixaria inúmeras situações de prejuízo sem ressarcimento.61 A responsabilidade objetiva é fundamentada na teoria do risco, não sendo necessário à existência da prova de culpa. No entanto todos os outros pressupostos existentes da responsabilidade civil devem estar presentes (dano, conduta e nexo). O saudoso mestre Agostinho Alvim citado por Rui Stoco em sua obra, caracteriza a responsabilidade objetiva, desta forma: A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria dita objetiva, ou de risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.62 Maria Helena Diniz comenta a respeito da responsabilidade objetiva: Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é lícita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerce, por ter a obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarcitório, pelo simples inadimplemento do nexo causal. A vítima deverá pura e simplesmente demonstrar o nexo causalidade entre o dano e a ação que o produziu. Esta teoria sustenta que aquele que causou dano, independente da comprovação da culpa, deve suportar o ônus de reparação. A verificação do dano e do nexo causal é fator suficiente para que haja o dever de indenização. Ressalta-se que a responsabilidade objetiva é uma exceção da responsabilidade civil, o professor Silvio Venosa menciona, “A teoria da responsabilidade objetiva não pode, portanto, ser admitida como regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o novo aspecto enfocado pelo novo Código”. 63 No novo código civil a teoria objetiva é encontrada no parágrafo único do artigo 927, que o mesmo dispõe: Art. 927. [...]. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo nosso). 61 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 16. STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 64. 63 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 17. 62 32 Na redação do próprio artigo está explícito a teoria objetiva. Além de ignorar a existência de culpa, o legislador respalda que para haver indenização é necessário que as atividades do autor do dano causem risco para o direito de outrem. Finaliza-se referindo que é imperioso enfocar que a teoria da responsabilidade objetiva, ao contrário da responsabilidade subjetiva, não é necessário comprovar a culpa, porque leva-se em consideração o fato de ter havido o dano propriamente dito, desconsiderando, se para tanto o agente agiu com imprudência, negligência ou imperícia. 33 2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. O capítulo a ser estudado prioriza a responsabilidade civil dentro da medicina. Questões relativas à responsabilidade médica e sua aplicação em nosso sistema jurídico tomam maior destaque na realização dessa pesquisa. 2.1 NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. Defini-se a responsabilidade civil em nosso país como a obrigação daquele que causa dano a outrem de ressarci-lo por estes prejuízos. O médico tem a responsabilidade regida por esta disposição, pois deve indenizar aquele que submetido a tratamento médico, venha, por causa desse tratamento, a sofrer algum tipo de prejuízo. Desde a elaboração do Código Civil no ano de 1916, o legislador inclui a responsabilidade médica como um ato ilícito no art. 159. Hoje com a vigência do Novo Código Civil, pode-se afirmar, sem nenhuma dúvida, que a responsabilidade civil do médico, continua sendo tratada pelo legislador entre os casos de atos ilícitos, e sendo vista com unanimidade como responsabilidade contratual: Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligencia, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilita-lo para o trabalho. Teresa Ancona sobre o assunto fala, “O Código Civil brasileiro coloca essa responsabilidade entre os atos ilícitos, o que não lhe tira o caráter de contratual”. 64 Não há duvida que a atividade de profissionais liberais tem caráter contratual, ou seja, um médico e seu paciente formarão uma espécie de contrato. Silvio Rodrigues respalda ainda, “A vantagem de colocar a responsabilidade do médico no campo do contrato é limitada, pois, em rigor, o fato de o esculápio não conseguir curar o doente não significa que inadimpliu a avença”. 64 65 LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético: Responsabilidade Civil. 3, ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 319. 65 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 248. 34 Maria Helena Diniz complementa que, “O médico que atende a um chamado determina, desde logo, o nascimento de um contrato com o doente ou com a pessoa que o chamou em beneficio de outrem. Há, portanto, um contrato entre o médico e seu cliente, que se apresenta como uma obrigação de meio e não de resultado...”. 66 A responsabilidade civil indenizatória pelo erro na assistência médica ocorrerá tanto naquela que seja convencionada entre as partes como na que ocorreu independentemente de contrato. Silvio de Salvo Venosa a respeito da matéria ensina: A doutrina tradicional discute o caráter contratual dessa responsabilidade, procurando afastá-la da responsabilidade aquiliana. Como já assentamos, inexiste diferença ontológica entre duas modalidades de responsabilidade, contratual e extracontratual. Sob qualquer prisma, ocorrendo culpa, aflora o dever de indenizar. Contudo, existindo contrato, é no âmbito de seus limites que será apurado o inadimplemento total ou descumprimento, ou o inadimplemento parcial ou mora. Se não há contrato e a culpa emerge de um dever de conduta, é nessa ação do agente que a culpa deve ser aferida. No entanto, em toda responsabilidade profissional, ainda que exista contrato, há sempre um campo de conduta profissional a ser examinado, inerente à profissão e independente da existência de contrato.67 Haverá hipóteses em que a responsabilidade do médico não terá origem no contrato, mesmo sendo menos freqüente elas serão regidas pela responsabilidade extracontratual. Irany Novah Moraes sobre a responsabilidade aquiliana do médico diz, “[...] é ainda tratada como ato ilícito, ou seja, é preciso demonstrar a existência das três circunstancias já referidas. Cabe a quem está alegando provar que houve a culpa do médico, o dano e o nexo”. 68 Devemos ressaltar que em situações de urgência tais como: primeiro socorros em acidentes de trânsitos, maus súbitos fora do ambiente hospitalar, primeiros procedimentos de partos em gestantes e outros casos do gênero, a responsabilidade extracontratual estará caracterizada. Venoza tem a seguinte opinião, “No campo da responsabilidade extracontratual, é de ser considerado o dever do médico de prestar assistência nos casos urgentes e graves quando instado. Esse dever faz parte da ética profissional, podendo responder pelo crime de omissão de socorro na esfera penal”. 69 66 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, p. 265. VENOSA Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 95. 68 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça. 5ª ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 560. 69 VENOSA Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 98. 67 35 Todos profissionais liberais responderão civilmente somente quando estiver caracterizada a negligencia, imperícia e a imprudência de seus serviços prestados (art. 951 do Código Civil e art. 14 § 4º do Código de Defesa do Consumidor). Quando ficar comprovado a inexistência desses requisitos não poderá falar-se em inadimplemento contratual. No caso do médico, não responderá pelo falecimento natural de seu paciente, pois ele não assume o dever de curá-lo mesmo que vulgarmente se possa pensar, mas sim usar todos os meios adequados para o seu tratamento. Há autores que não entendem desta forma, eles acham que esse tipo de responsabilidade não tem caráter extracontratual, mas caso um médico deixe de prestar atendimento nessas urgências cometerá um ilícito penal. Maria Helena Diniz explica esse ponto de vista da seguinte maneira: [...] nítido é o caráter contratual do exercício da medicina, pois apenas excepcionalmente terá natureza delitual, quando o médico cometer um ilícito penal ou violar normas regulamentares da profissão. Assim, se o médico operador for experiente e tiver usado os meios técnicos indicados, não se explicando a origem eventual da seqüela, não haverá obrigação por risco profissional, pois os serviços médicos são, em regra, de meio e não de resultado. Se nenhuma modalidade de culpa – negligencia, imprudência, imperícia – ficar demonstrada, como não há risco profissional, independente de culpa, deixará de haver base para fixação de responsabilidade civil, pois as correlações orgânicas ainda são pouco conhecidas e surgem às vezes de resultados inesperados, desconhecidos.70 Independentemente do vinculo jurídico que estiver caracterizada na relação, o médico somente será responsabilizado diante da comprovação da sua culpa perante a situação em que seu paciente encontra-se. Complementa Silvio Rodrigues, “[...] sendo a obrigação do médico uma obrigação de meio, e não de resultado, é ele responsável pelo insucesso apenas quando fica provada a sua imprudência, imperícia, ou negligencia”. 71 Acrescenta ainda Diniz, “[...] a responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada [...] Não resultando provadas a imprudência ou imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em medicina”. 72 Concluí-se que a responsabilidade dos médicos é contratual baseada na culpa, as provas da negligência e imperícia médicas constituem em tormentos as vítimas e demonstram o despreparo dos médicos. Não havendo a comprovação da culpa do médico, este estará 70 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 265. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 250. 72 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 266. 71 36 isento de responder civilmente em relação ao paciente, esta obrigação assumida não é a de resultado, mas de meio, de prudência e diligência. 2.2 OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. Sabemos que a obrigação do médico não é a de curar o doente. Compromete-se sim, a empregar o tratamento adequado segundo orienta a ciência, visando a sua finalidade. Tem ele, assim, a obrigação de meios e não de resultados. Essa divisão da responsabilidade contratual em obrigações “de meios” e “de resultados” é matéria de discussão há bastante tempo. Por volta da segunda década do século XX, os primeiros passos para essa distinção começaram a ser tomados. Renê Savatier citado pelo professor Rui Stoco comenta sobre essa divisão da seguinte maneira, “[...] a doutrina, na análise dos tipos de contrato, costuma dividi -los em contratos, de resultado e contratos de meio, classificação de relevantes efeitos no plano material e, sobretudo no plano processual, em que opera uma total mudança ao ônus da prova”. 73 O contrato sendo enquadrado numa das duas referidas espécies tem influência direta na definição do objeto do negócio jurídico, isto é, a configuração da prestação devida, e, conseqüentemente, a conceituação do seu inadimplemento. Necessário estabelecer a distinção entre as obrigações de meio e as de resultado, para que se caracterize perfeitamente a responsabilidade do profissional liberal. Quando a obrigação do profissional liberal for de meio (caso dos médicos) a responsabilidade somente existirá mediante a apuração de culpa. Pouquíssimas serão as hipóteses em que teremos obrigação de resultados na medicina, um desses casos será nos de cirurgias plásticas e estéticas. Rui Stoco no que diz respeito da obrigação de meio ensina: Ora, na obrigação de meio o que se exige do devedor é pura e simplesmente o emprego de determinados meios sem ter em vista o resultado. É a própria atividade do devedor que está sendo objeto do contrato. Esse tipo de obrigação é o que aparece em todos os contratos de prestação de serviços.74 Da mesma maneira Humberto Theodoro respalda : Na obrigação de meio, o que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem ter o compromisso de atingi-lo. O objeto 73 74 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p190. STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p190. 37 do contrato limita-se à referida atividade, de modo que o devedor tem de empenharse na procura do fim que justifica o negócio jurídico, agindo com zelo e de acordo com a técnica própria de sua função; a frustração, porém, do objetivo visado não configura inadimplemento, nem, obviamente, enseja dever de indenizar o dano suportado pelo outro contratante. Somente haverá inadimplemento, com seus consectários jurídicos, quando a atividade devida for mal desempenhada.75 Diante das palavras dos ilustres doutrinadores percebemos que a obrigação de meio caracteriza-se pela dedicação do devedor ao utilizar todos os meios possíveis e adequados para realizar a prestação do serviço, sem se comprometer com o resultado final. Miguel Kfouri Neto citando Demogue em sua obra, sobre obrigação de meio diz: O médico contrata uma obrigação de meio, não de resultado. Ele não deve ser responsável se o cliente não se cura. Ele promete somente cuidados atenciosos e o cliente deve provar a culpa do médico e a relação causal entre a culpa e o ato danoso (morte, etc). [...] Por exceção, se o médico que se compromete a prestar serviço ao doente não o faz, ele se torna plenamente responsável pelo dano.76 Stoco inclui em sua obra a RT 613/46 que dispõe a respeito da obrigação de meio da seguinte maneira: A responsabilidade civil do médico é de meio e não de fim, [...] em se tratando de médico a culpa não decorre do resultado da operação, mas dos meios empregados, se a prescrição da medicação foi pertinente e cercada das cautelas recomendáveis e não havendo prova de que o profissional da medicina foi negligente, imperito ou imprudente no acompanhamento do tratamento, não há como considerar procedente a ação de indenização.77 A obrigação é de meios quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidados exigidos pelas circunstâncias, de acordo com sua profissão. Todos os recursos disponíveis somados com o desenvolvimento da ciência auxiliarão o médico na busca do melhor resultado. Na maioria das vezes os médicos assumem a obrigação de meios na elaboração de suas atividades. Miguel Kfouri citando Demongue tenta facilitar a explicação do conceito de obrigação de meio: Há obrigação de meios quando a própria prestação nada mais exige do devedor do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar o resultado. É o caso do médico, que se obriga a envidar seus melhores esforços e usar todos os meios indispensáveis à obtenção da cura do doente, mas sem jamais assegurar o resultado, ou seja, a própria cura.78 75 JUNIOR, Humberto Theodoro. Responsabilidade civil por erro médico: aspectos processuais da ação. Publicada na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 04 - MAR-ABR/2000, pág. 150. 76 NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 227. 77 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 188. 78 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, p. 159. 38 Na obrigação de resultado o médico obriga-se a chegar a determinado fim, por exemplo, quando definimos o modelo de nariz na cirurgia estética. Caso o acordado não seja cumprido, o médico responderá por essa falta. Rui Stoco assim ensina, “Na obrigação de resultado o devedor, ao contrario, obriga -se a chegar a determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou deverá arcar com as conseqüências”. 79 Vejamos então que a obrigação será de resultado quando o devedor se comprometer a realizar um certo fim, como, por exemplo, transportar uma carga de um lugar a outro, ou consertar e pôr em funcionamento uma certa máquina (será de garantia se, além disso, ainda afirmar que o maquinário atingirá uma determinada produtividade). O médico a assume, por exemplo, quando se comprometer a efetuar uma transfusão de sangue, ou a realizar certa visita, ou como ocorre mais habitualmente nas cirurgias plásticas. Sobre as obrigações de resultados Miguel Kfouri tem a seguinte opinião: [...] o imponderável está ausente – ou deve ser desconsiderado. O exemplo mais constantemente lembrado de especialidade médica que obriga ao atingimento do resultado previsto é o da cirurgia plástica, com finalidade exclusivamente embelezadora. Nela, ainda que não se prove a culpa do profissional – nenhum das suas modalidades –, a simples frustração do resultado esperado conduz, inelutavelmente, ao dever de indenizar. Neste caso, o ônus probatório é atribuído ao médico, que só se eximirá de responsabilidade caso prove, cumprida, culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito.80 Salientamos que além da cirurgia plástica estética, fica caracterizada a obrigação de resultado em outras atividades médica técnicas, tais como um exame de Raios-X, a aplicação de injeção, transfusões de sanguíneas. Kfouri em sua outra doutrina continua a caracterizar a obrigação resultado, “O devedor se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou terá que arcar com as conseqüências”. 81 Sendo o objeto do contrato firmado descumprido, o devedor deverá se responsabilizar pela sua inadimplência. Concluí-se fazendo transparecer a diferença básica entre esses dois tipos de responsabilidade. Na obrigação de meio à finalidade é a atividade exercida pelo médico, enquanto na obrigação de resultado, sua finalidade é o resultado de suas atividades. Na as obrigações de resultado, a teoria da culpa é imprópria nos casos de responsabilidade civil em 79 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, p. 190. NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 235. 81 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 160. 80 39 relação aos profissionais liberais. Para as de meio, a responsabilidade obedece aos requisitos traçados pela teoria subjetiva. 2.3 DEVERES DO MÉDICO. Todos os meios necessários e existentes dentro da ciência da medicina deverão ser desprendidos pelos médicos no exercício de suas funções. Entre os juristas que reservam espaço para os deveres dos médicos temos, Maria Helena Diniz, Aguiar Dias (Responsabilidade Civil, Forense, Rio, nº 116) e Ruy Rosado de Aguiar Jr., que em sua maioria enumeram assim: 1. aconselhar; 2. cuidados com os pacientes; 3. abster-se do abuso de poder. Ruy Rosado Aguiar em artigo jurídico comenta sobre a importância do conselho médico: O médico deve esclarecer ao seu paciente sobre a sua doença, prescrições a seguir, riscos possíveis, cuidados com o seu tratamento, aconselhando a ele e a seus familiares sobre as precauções essenciais requeridas pelo seu estado. Ao reverso do que ocorria anteriormente, a tendência hoje, é a de manter o paciente informado da realidade do seu estado.82 Silvio Venoza destaca, “O dever de informação ao paciente, sublinhado como principio geral da lei do consumidor, como vimos, está presente no art. 31; o próprio doente deve ser informado sobre a moléstia; em caso de inconveniência, deve ser informada a família”. 83 Manter-se o paciente informado de todo o procedimento médico tomado, será de suma importância na atividade profissional, pois com o seu consentimento caberá ao paciente decidir sobre a sua saúde, avaliar sobre os riscos a que estará submetido. Sobre o segundo dever enumerado, Maria Helena ensina: De cuidar do enfermo com zelo, diligência, utilizando todos recursos da medicina. Assim, será responsabilizado se não der assistência ao seu cliente ou se negligenciar as visitas, abandonando-o. [...] É imprescindível ressaltar que o dever de atender chamados ou de visitar o enfermo pressupõe a necessidade ditada pela doença ou acordo entre as partes a esse respeito.84 82 AGUIAR, Ruy Rosado. Responsabilidade Civil do Médico. Publicada na RJ nº 231 - JAN/1997, pág. 122. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 100. 84 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro 7, p. 267. 83 40 Silvio Rodrigues ainda comenta, “Com efeito, quando um paciente toma os serviços profissionais de um médico, este apenas se obriga a tratar do doente com zelo, diligencia e carinho adequados, utilizando os recursos de sua profissão e arte”. 85 Exercendo suas atividades com total dedicação e zelo o médico além cumprir seu dever, estará acima de tudo respeitando a pessoa de outro ser humano. A respeito do ultimo dever médico relacionado, a doutrinadora Maria Helena Diniz comenta, “abster -se do abuso ou desvio de poder, pois o médico não terá o direito de tentar experiências médicas sobre o corpo humano, a não ser que isso seja imprescindível para enfrentar o mal que acarreta perigo de vida ao paciente”. 86 O médico não poderá fazer de seus pacientes cobaias humanas a fim de buscar o êxito pessoal, a vida humana tem que ser respeitada acima de tudo, o médico não é Deus, não deve ser ele que controlará a “hora” de alguém, quando ele vai morrer ou não. Ruy Rosado de Aguiar finaliza o tema estudado relembrando outros deveres pertinentes aos médicos, tais como: sigilo, previsto no art. 102 do Código de Ética; b) não abusar do poder, submetendo o paciente a experiências, vexames ou tratamentos incompatíveis com a situação; c) não abandonar paciente sob seus cuidados, salvo caso de renúncia ao atendimento, por motivos justificáveis, assegurada a continuidade do tratamento (art. 61 do Código de Ética); d) no impedimento eventual, garantir sua substituição por profissional habilitado; e) não recusar o atendimento de paciente que procure seus cuidados em caso de urgência, quando não haja outro em condições de fazê-lo.87 O médico exercendo os deveres impostos pela sua profissão estará agindo de maneira ética e correta, fornecendo a seus pacientes o melhor no exercício da medicina. 2.4 CULPA MÉDICA E O ÔNUS DA PROVA. O médico será responsabilizado pelos atos praticados no exercício da sua profissão, tendo ele desprezado ou ignorado seus deveres. A culpa médica é oriunda do desvio ou inobservância dos padrões normais de conduta; não se faz necessário que a culpa seja grave, bastando que ela exista. 85 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 248. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, p. 268. 87 AGUIAR, Ruy Rosado. Responsabilidade Civil do Médico, pág. 125. 86 41 Partindo desses entendimentos, pode-se definir a culpa profissional, na concepção de Irany Novah Moraes como sendo, “a ação ou omissão do médico, que no exercício profissional causa dano à saúde do paciente”. 88 Assim, quando o médico incorre em culpa, mesmo que pequeno seja o dano causado, resulta na obrigação de indenizar. Miguel Kfouri faz comentários a respeito da culpa do médico da seguinte maneira: Na responsabilidade contratual a culpa se presume, uma vez verificado o inadimplemento do devedor. A ilicitude objetiva é a antijuricidade, o fato contrário ao direito. Daí decorre a presunção iuris tantum do elemento subjetivo – a imputabilidade. [...] Na responsabilidade extracontratual, entretanto, a culpa deve ser demonstrada por quem a alega. [...] Quando se trata de responsabilidade subjetiva, o médico pode eximir-se do dever de indenizar desde que demonstre ausência de culpa ou ruptura do nexo de causalidade.89 Independentemente do tipo de responsabilidade, sendo contratual ou extracontratual, é majoritário o entendimento de ambas estarem fundamentadas na culpa. Em outra doutrina Miguel Kfouri complementa sobre a culpabilidade médica assim: Culpabilidade somente pode ser presumida na hipótese de ocorrência de erro grosseiro, de negligencia ou de imperícia, devidamente demonstrados. Se os profissionais se utilizaram sua vasta experiência e dos meios técnicos indicados, com os habituais cuidados pré e pós-operatório, somente uma prova irretorquível poderá levar a indenização pleiteada.90 Teresa Ancona reafirma os ensinamentos dos autores anteriormente mencionados quando ensina, “Direito Civil pátrio abraçou totalmente a teoria da culpa no que diz respeito à responsabilidade médica. Sendo assim, terá a vítima do dano de provar a imprudência, a negligencia e a imperícia do profissional para ser plenamente ressarcida”. 91 Para que haja culpa devem estar presentes os elementos da imprudência, negligencia e imperícia. A modalidade de imprudência ocorre quando o médico esquecer uma gases dentro do estomago do paciente depois de realizada uma cirurgia; a negligência ocorrerá quando o médico deixar de dar o encaminhamento ao paciente que necessite urgente intervenção cirúrgica; e a imperícia acontece quando um cirurgião realiza as atividades de um obstetra ou vice-versa. Silvio Venosa ensina sobre a culpa médica assim: A prova de culpa, pelo sistema tradicional do Código Civil, assim como o nexo causal entre a conduta e o dano, incubem à vítima, ao paciente e seus herdeiros, 88 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça, p. 575. NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 32 e 35. 90 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, p. 63. 91 LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético, p. 321. 89 42 tanto na relação contratual, como na relação extracontratual. Será sempre menos custosa a prova da culpa quando existe contrato, quando se examina o inadimplemento. De qualquer modo, a prova da culpa médica ficará sujeita às intempéries da prova no processo. A culpa deve ser analisada pelo juiz dentro dos princípios da obrigação.92 Caso não haja a comprovação de culpa do médico, este estará isento de qualquer responsabilidade sobre o paciente. Ruy Rosado Aguiar discorre sobre as dificuldades da avaliação de provas relacionadas no processo da seguinte maneira: O juiz deve se socorrer de todos os meios válidos de prova: testemunhas, registros sobre o paciente existentes no consultório ou no hospital, laudos fornecidos e, principalmente, perícias. Uma das formas de fazer a prova dos fatos é a exibição do prontuário, que todo o médico deve elaborar (art. 69 do Código de Ética), a cujo acesso o paciente tem direito (art. 70).93 O autor da ação, ou seja, a vítima poderá ter dificuldades na obtenção desta documentação acerca de sua enfermidade e dos procedimentos adotados pelo médico, porém cabe ao Magistrado exigir ao médico a apresentação dos mesmos. Nem sempre as partes estarão em igualdade na produção de provas no processo, em virtude da maioria das vezes o autor ser leigo sobre a medicina. Aplicando as regras do ônus da prova a uma ação de indenização por descumprimento de contrato, ficará a cargo do autor requerer a inversão ou não das provas. Evidente que se por acaso o autor achar suficientes as provas por ele juntada, não haverá a necessidade de inversão do ônus das provas. Não se exige prova da culpa do inadimplente, porquanto esta se revela implícita na inobservância do dever de realizar a prestação contratual. Humberto Theodoro ressalta ainda, “no caso de violação do dever contratual, não tem a vítima que provar a culpa do inadimplente, porque decorre ela naturalmente do próprio desrespeito ao dever de cumprir a obrigação negocial”. 94 Focalizando especificamente o contrato de prestação de serviços médicos, o ônus da prova não pode recair apenas sobre o autor da ação. Nesse caso a tarefa do autor de juntar aos autos provas que comprovem a falha médica é muito mais complicada que a do médico de comprovar que agiu de acordo com os procedimentos adequados. Miguel Kfouri explana a respeito desse assunto da seguinte maneira: 92 VENOSA Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 104. AGUIAR, Ruy Rosado. Responsabilidade Civil do Médico, pág. 122. 94 JUNIOR, Humberto Theodoro. Responsabilidade civil por erro médico: aspectos processuais da ação. Publicada na Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 04 - MAR-ABR/2000. 93 43 [...] onde se discute o erro médico, não é dado ao juiz aguardar o encerramento da instrução para só, então, aplicar as regras de distribuição do ônus da prova. Como reiteradamente temos afirmado cientes das dificuldades na produção da prova – traço característico dessas ações – o julgador deverá conceituar as partes (e o médico, em especial) a adotar postura ativa e participante na colheita da prova.95 Todavia, é resguardado ao juiz o papel de receptor das alegações das provas levantadas pelas partes, buscando assim a veracidade dos fatos nem sempre trazida com nitidez pelos litigantes. 2.5 RESPONSABILIDADE MÉDICA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O Código de Defesa do Consumidor lei 8.078 de 11/09/1990, dispõe a respeito das obrigações existentes na relação de consumo entre o fornecedor e o consumidor, tendo a finalidade de igualar as partes dessa relação. Maria Helena comenta, “A lei 8.078, que dispõe sobre a proteção do consumidor, veio a estabelecer normas de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias (art. 1º)”.96 O art. 3º do CDC caracteriza a pessoa do fornecedor, qualificando-o e designando inclusive aquele que presta serviços. Dentre as prestações de serviços incluiremos as atividades de profissionais liberais, encontrada no que dispõe o art. 14, § 4º do texto legal, tais como médico e advogado. A prestação de serviço do médico para com seu paciente poderá ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que é evidente a relação de consumo existente entre o médico e o paciente, pois é patente ser o paciente um usuário do serviço médico e o médico prestador de tal serviço. Denari citado por Kfouri em sua obra diz, “somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência da culpa subjetiva, em qualquer das suas modalidades: negligencia, imprudência ou imperícia”. 97 Mª Helena em seus ensinamentos sobre profissionais liberais respalda, “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de 95 NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 53. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, 375. 97 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, p. 179. 96 44 culpa (art. 14, §§ 1º a 4º), sendo, portanto, subjetiva, se a obrigação for de meio; mas sendo obrigação de resultado, deve ser objetiva sua responsabilidade”. 98 Analisando a sistemática do CDC verificamos que a responsabilidade predominante é a do tipo objetiva, ou seja, independentemente da verificação da culpa. Nelson Nery Jr. sobre o tipo de responsabilidade predominante existente no CDC diz: O Código de Defesa do Consumidor, adotou a da responsabilidade objetiva ou teoria do risco, o qual deve ser aplicado a toda e qualquer pretensão indenizatória derivada da relação de consumo, pois conforme já foi salientado, tanto a responsabilidade pelos acidentes de consumo como pelo vícios dos produtos e serviços são de natureza objetiva, prescindindo da culpa para que se dê o dever de indenizar.99 A responsabilidade civil objetiva é a mais utilizada no CDC, entretanto quando se tratar de relação de consumo envolvendo profissionais liberais aplicar-se-á a responsabilidade subjetiva estabelecida no artigo 927 do Código Civil. Todavia, o artigo 14 parágrafo 4º do Código de Defesa do Consumidor, dispõe sobre a relação de consumo dos profissionais liberais, definindo-a como responsabilidade subjetiva, ou seja, fundada na culpa: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Contudo como a regra geral do Código de Defesa do Consumidor é a da responsabilidade objetiva, conforme já fora salientado anteriormente, foi preciso que o parágrafo quarto do art. 14 mencionasse expressamente a exceção, qual seja da responsabilidade pessoal do profissional liberal a ser investigada a título de culpa. O posicionamento de Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin citado na obra de Kfouri confirma essa tese: Em todo o seu sistema, prevê uma única exceção ao principio da responsabilização objetiva para os acidentes de consumo: os serviços prestados por profissionais liberais – dentre eles o médico – para os quais se manteve o sistema tradicional baseado na culpa. [...] Se o médico trabalha para um hospital, responderá ele apenas, por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada objetivamente.100 98 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, 400. NERY JR, Nelson. Os Princípios Gerais do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revistas dos Tribunais: São Paulo, v. 3, 1992, p. 57. 100 NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, p. 179 e 180. 99 45 Muito embora, um dos pressupostos básicos da responsabilidade civil, estabelecida pelo artigo 927 do Código Civil, seja existência de culpa, existem alguns casos em que a lei excepciona essa regra geral, uma delas e que interessa, é a regra do Código de Defesa do Consumidor, que tem como base à teoria do risco ou responsabilidade objetiva. Sendo assim, diante da responsabilidade sem a existência de culpa (objetiva), o dever de produzir prova da relação entre o ato ilícito e o dano, não está desincumbido do autor, pois essa já esta inclusa na teoria da responsabilidade objetiva. Sobre a inversão do ônus da prova Miguel Kfouri explana: O Código de Defesa do Consumidor atribuiu ao juiz, a critério dele próprio, facilitar a defesa do consumidor, parte mais fraca da relação de consumo: se necessário, invertendo o ônus da prova. [...] A inversão da carga probatória somente terá lugar no sistema da responsabilidade subjetiva, posto que tal inversão está compreendida no próprio conceito de responsabilidade objetiva.101 Desnecessário é a inversão do ônus da prova na responsabilidade civil objetiva, visto que esta não exige prova de culpa do agente para reparação do dano, por já estar presumida a culpa pela lei. Antônio Gidi faz comentários sobre a questão dentro do CDC, “A inversão do ônus da prova em favor do consumidor, estabelecida no artigo 6º, VIII do CDC, é um dos meios em que o direito procura atingir maior obtenção de justiça, compensando a desigualdade em que se encontram os litigantes”. (Aspectos da Inversão do Ônus da Prova no Código do Consumidor. Ciência Jurídica: Salvador, v.64, 1995, p. 25). Kfouri complementa sobre o assunto: A conseqüência disso será que, ao invés de o consumidor provar que a culpa pela ocorrência do evento que lhe causou prejuízo foi do fornecedor (profissional liberal), tal ônus passa a ser deste, que, in casu, deverá demonstrar que houvesse perícia, prudência ou zelo, não tendo, dessa forma, incidido em nenhuma modalidade de culpa.102 Diante de uma disputa judicial de relação de consumo, ao fornecedor (médico) cabe a exibição de provas referentes ao dano causado ao consumidor (paciente), assim demonstrando a eficiência e qualidade na prestação de serviço. Relacionando o fato a responsabilidade médica nota-se que maiores são as dificuldades existentes ao paciente em apresentar provas a respeito da prestação de serviço realizada pelo médico. 101 102 NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 148. NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 149. 46 É de suma importância ressaltar que não é unânime o entendimento de inversão do ônus da prova ao profissional liberal. Miguel Kfouri Neto faz um breve comentário a respeito desta controvérsia: Portanto, revela-se palmar equivoco, em demandas indenizatórias ajuizadas em face de médicos, autorizar a inversão do ônus da prova, o que se faz, de costume, com respaldo no art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Primeiro, porque – como se procura demonstrar – é vedada por lei tal inversão, relativamente aos profissionais liberais; segundo, porque a responsabilidade médica encontra-se disciplinada, sem tergiversações, no art. 951 do Código Civil brasileiro, que condiciona a reparação de danos ligados às atividades profissionais nele mencionadas à verificação da ocorrência de imperícia, imprudência ou negligência.103 Assim também é o entendimento jurisprudencial, conforme o acórdão que passamos a transcrever. EMENTA. INDENIZAÇÃO. TRATAMENTO MÉDICO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Não cabe ao paciente demonstrar ausência de qualidade do atendimento. Ao hospital e ao médico cabe a demonstração de que os procedimentos adotados foram corretos, e que o resultado, mesmo assim não pode ser evitado. (Ac. Da 6º Câmara Cível do Tribunal de Justiça/RS, APC N. 595157199, Relator Des. Ivan Leomar Bruxel. 24.09.96). Desta forma, no que diz respeito à inversão do ônus da prova, estabelecido no Código de Defesa do Consumidor (artigo 6º, VIII), somente será admitida pelo juiz quando for satisfeito um dos seus dois pressupostos de admissibilidade, quais sejam, quando for verossímil a elegação ou for o consumidor hipossuficiente. 2.6 LIQUIDAÇÃO DO DANO. Após estudo feito sobre a responsabilidade civil do erro médico, não se pode encerrar este capítulo, sem que se verifique de que a forma se dá a liquidação do dano. O dano está comprovado na ação, enquanto que a estipulação de seu valor será fixado na fase de liquidação do mesmo. Maria Helena Diniz discorre a respeito dessa fase de liquidação do dano: Assim a sentença judicial deverá condenar o lesante ao pagamento da indenização cabal, que abranja tudo a que o credor faz jús mais custas processuais, honorários advocatícios e os juros que serão contados desde o momento da ocorrência do ato lesivo. [...] A função jurídica da liquidação é a de tornar efetiva a reparação do 103 NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 151. 47 prejuízo sofrido pela vítima, ou seja, fixar concretamente o montante dos elementos apurados na reparação, que foi o objeto da ação.104 Surgem várias controvérsias a respeito da liquidação dos danos, pois caberá ao judiciário a fixação dos prejuízos. Assim o magistrado apreciará o prejuízo resultante do ato lesivo, incluindo tanto os danos materiais e morais. Sobre essa distinção entre o dano emergente e o lucro cessante, o professor Miguel Kfouri averba: Por tanto, nos danos emergentes, o desfalque patrimonial não traz maiores empecilhos quanto à justa reposição, ao contrário, quando a condenação abrange os lucros cessantes, uma vez que, as vezes é muito difícil apurar o que realmente determinada pessoa deixou de lucrar, pelo tempo em que ficou sem poder trabalhar, em razão do tratamento médico inadequado.105 Ademais, quanto ao ressarcimento relacionado ao dano médico passaremos a sintetizar algumas formas de indenização, resultantes do ato ilícito estabelecido no Código Civil. No caso de erro profissional resultar em morte do paciente a indenização conforme o artigo 948106 do Código Civil, consistirá no pagamento das despesas de tratamento com a vítima, seu funeral e o luto da família, bem como a prestação de alimentos às pessoas a que a vítima os devia. Na hipótese de qualquer ofensa à saúde da vítima, estabelece o artigo 949107 do Código Civil que o ofensor indenize o ofendido, pagando-lhe as despesas com o tratamento e os lucros cessantes até o fim da convalescença. No tocante à liquidação do dano moral, há inúmeras controvérsias em relação ao quantum indenizatório, uma vez que a indenização, em dinheiro, na reparação dos danos morais, é meramente compensatória, isso porque não se pode restituir a coisa ao seu “staus quo” anterior, como é possível na reparação do dano material. Com relação a liquidação do dano moral e a estipulação de seu valor, Silvio Rodrigues tem o seguinte entendimento: O mais sério argumento contra a reparação do dano moral é à impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro, pois como compensar a dor em pecúnio, uma vez 104 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, p. 161. KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 105. 106 Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. 107 Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido. 105 48 que são duas coisas heterogêneas. [...] o legislador não está atribuindo poder excessivo ao juiz, ao permitir que ele fixe moderadamente o valor a ser pago pelo ofensor, pois não está conferindo poder a um homem; em rigor está conferindo ao Poder Judiciário aquela prerrogativa.108 Neste mesmo sentido, o entendimento é de que o dinheiro provocará na vítima, uma sensação de prazer, que visa compensar a dor provocada pelo ato ilícito. A valoração do dano moral deverá ser estipulada pelo Magistrado, respeitando sempre razoabilidade da extenção do dano com a possibilidade do infrator. 108 Rodrigues, Silvio. Direito Civil 4, p. 192. 49 3 CIRURGIA PLÁSTICA E O ESTUDO DE CASO CONCRETO O cirurgião plástico juntamente com sua atividade fim tem destaque nesse capítulo. A divisão da cirurgia plástica, e a responsabilidade e sanções sofridas pelo médico que comete ato ilícito são matéria de estudo. Encerra-se a pesquisa com o estudo de um caso concreto. 3.1 CIRURGIA PLÁSTICA. A cirurgia plástica, cuja finalidade é aperfeiçoar a aparência do ser humano portador de alguma imperfeição, seja por necessidade ou vaidade, vem sendo desenvolvida e por esta razão é crescente o número de profissionais habilitados em cirurgia plástica. Em contrapartida, também é cada vez maior o número de clientes que estão aderindo a esta prática independente das razões que as levariam a tomar tal decisão. Caio Mário da Silva citado por Miguel Kfouri tenta explicar essa procura desesperada e desenfreada pelas cirurgias plásticas assim, “No meio -dia da vida, homens e mulheres sentindo os primeiros sintomas externos da degeneração dos tecidos, procuram por vaidade ou por necessidade de melhorar a aparência, a cirurgia estética como meio de obtê-lo”. 109 A professora e advogada Rosana Jane Magrini entende que a definição de cirurgia plástica é: Convém, portanto, definir a cirurgia plástica como sendo: a subespecialidade do ramo da medicina de cirurgia geral que tem por finalidade, modificar, reconstruir, reconstituir ou embelezar parte externa do corpo deformada por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita, reunindo o nobilíssimo ramo da medicina que trata de doenças por meio de cirurgia, com a beleza da arte de improvisar e criar. Esta finalidade pode ser necessária e reparadora ou puramente estética.110 A respeito da divisão existente dentro cirurgia plástica, Kfouri explana seus conhecimentos: Distinguem-se, inicialmente, nessa especialidade, duas atividades fundamentalmente diferente: a cirurgia estética propriamente dita e a cirurgia estética reparadora. A primeira destina-se a corrigir imperfeições da natureza; a segunda tem por fim reparar verdadeiras enfermidades, congênitas ou adquiridas. 109 110 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico,p. 156. MAGRINI, Rosana Jane. Responsabilidade Civil do Médico: Cirurgia Plástica e Estética. Publicada no Juris Síntese nº 31 - SET/OUT de 2001. 50 No campo da cirurgia plástica, tanto o posicionamento doutrinário como no jurisprudencial, é necessário fazer a distinção entre as duas modalidades de cirurgia, a reparadora e a estética. Contudo a cirurgia plástica poderá ser tratada tanto como uma obrigação de meio como uma obrigação de resultado. 3.1.1 Cirurgia Reparadora A cirurgia reparadora é aquela que tem por finalidade reparar algum defeito oriundo de algum evento danoso ou mesmo por alguma imperfeição se sua natureza. Ela é caracterizada como uma obrigação de meio. A respeito da cirurgia reconstrutiva Irany Moraes ensina, “É considerada, à semelhança de todos os procedimentos médicos e cirúrgicos, como regida por um contrato de meio, não sendo, pois, exigido resultado”. 111 A cirurgia reconstrutiva ocorre, por exemplo, quando a pessoa sofre algum tipo de trauma e tem parte do seu rosto desfigurado. Os médicos-cirurgiões irão realizar uma cirurgia de reconstrução com o objetivo de remodelar o rosto do paciente, visando deixa-lo mais parecido ao estado que se encontrava antes do trauma. Este tipo de cirurgia pode ser considerada como obrigação de meios, e sendo assim, a culpa deverá ser comprovada para que o dano seja ressarcido, sendo necessário neste caso que se estabeleça o nexo de causa e efeito entre o procedimento e a seqüela. Assim, Miguel Kfouri, ao transcrever em sua obra lições de Aguiar Dias enfatiza que, “a cirurgia plástica reparadora representa uma obrigação de meio na relação contratual médico paciente, ligada a um estado de necessidade ou a uma condição terapêutica”. 112 Portanto, é quase que unânime a posição doutrinaria e jurisprudencial, de que se tratando de cirurgia reparadora a obrigação que se forma em torno da relação, médico e paciente, é a mesma que ocorre na cirurgia terapêutica, ou seja, é de meio e não de resultado, conforme se verifica através da ementa a seguir: EMENTA. ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE MEIO. NECESSIDADE DE PROVAR A CULPA. O médico (salvo na cirurgia estética) não está vinculado a uma obrigação de resultado, mas a uma obrigação de meio, no sentido de que lhe cumpre envidar seus melhores esforços, dentro da técnica conhecida, para obter o resultado almejado, que, lamentavelmente, nem sempre pode ser atingido, em virtude das limitações inerentes ao atual estágio do conhecimento 111 112 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça, p. 243. KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 160. 51 científico. Inexistindo prova de conduta culposa do profissional, improcede o pedido. RECURSO DA AUTORA IMPROVIDO. RECURSO DOS RÉUS PROVIDOS. Ac. Da 5 Câmara Cível do Tribunal de Justiça/RS, AC N. 597 083 948, Relator Des. Luiz Felipe Brasil Santos. 18.09.97 3.1.2 Cirurgia Estética. Juntamente com a reparadora, a cirurgia estética complementa a cirurgia plástica, entretanto seu objetivo definido é diferente, pois visa o rejuvenescimento estético ou puramente o embelezamento. Sobre a transformação histórica sofrida pela cirurgia estética, o professor Gerson Branco, expõe assim: Historicamente, a cirurgia estética transformou a concepção de que, a obrigação do médico é apenas utilizar-se de meios adequados, ser perito e diligente, tal característica se deu em face de que, embora socialmente aceita, não apresenta a mesma relevância da terapêutica, uma vez que seu objetivo não é a de salvar vidas ou eliminar a dor. [...] Na maioria das vezes a cirurgia estética trata de pessoas que não estão doentes, não podendo assim, tal intervenção alterar esta situação. Todavia, mesmo que o paciente goze de boa saúde, sempre que haja uma intervenção sobre o corpo humano riscos existem.113 A cirurgia estética não tem caráter de urgência, sendo dispensável para saúde do paciente sua realização. Seu interesse é na maioria das vezes o embelezamento pessoal, a necessidade superficial que o ser humano tem de ser vaidoso. Partindo desta característica, os estudiosos do direito, afirmam que a obrigação nesta modalidade de cirurgia plástica é de resultado, assim, ressaltando o posicionamento de alguns doutrinadores. Em relação à cirurgia estética com característica de obrigação de resultado, Silvio Venosa averba: Não resta dúvida de que a cirurgia estética ou meramente embelezadora trará em seu bojo uma relação contratual. Como nesse caso, na maioria das vezes, o paciente não sofre de moléstia nenhuma e a finalidade procurada é obter unicamente um resultado estético favorável, entendemos que se trata de obrigação de resultado. Nessa premissa, se não fosse assegurado um resultado favorável pelo cirurgião, certamente não haveria consentimento do paciente.114 113 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Aspecto da Responsabilidade Civil e o Dano Médico. 7.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1996. p. 56. 114 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil IV, p. 101. 52 Cita-se entre esses doutrinadores Silvio Rodrigues que preleciona, “o paciente espera do cirurgião, não que ele se empenhe em conseguir um resultado, mas que obtenha resultado em si”. 115 Praticamente em todo o exercício da medicina adota-se um contrato fundado na obrigação de meio, enquanto que na cirurgia plástica estética esse contrato é fundado na obrigação de resultado. Os nossos julgadores também têm entendido reiteradamente que na cirurgia plástica estética a obrigação é de resultado e não de meio, como se constata pelos acórdãos abaixo: EMENTA. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. 1. É de resultado, e não de meio, a obrigação do cirurgião plástico, que realiza mamoplastia da qual resulta flacidez. Falta de obtenção do resultado, e necessidade de corrigir o estado atual da paciente, através de outra cirurgia, apuradas pela perícia. Dano moral devido. 2. APELAÇÃO DESPROVIDA. Ac. Da 5 Câmara Cível do Tribunal de Justiça/RS, APC N. 597004902, Des. Relator Araken de Assis. 27.02.97 EMENTA. RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. Implicando em obrigação de resultado a realização de cirurgia plástica meramente estética, licito erperar-se, da técnica utilizada, que ocorra melhora da imagem da paciente, não estigmas, que existentes, geram direito a indenização. Dano Moral. Não provado nos autos Ter o cirurgião agido com culpa, não pode ele ser snacionado com indenização por danos morais. Ação Improcedente em primeiro grau. Sentença reformada. APELO PROVIDO EM PARTTE. Ac. Da 4 Câmara Cível do Tribunal de Justiça/RS, APC N. 595182346. Des. Relator Ramon Georg Von Berg. 20.12.95 Importante ressaltar ao cirurgião estético o dever de priorizar a saúde da paciente antes mesmo do objetivo de seu trabalho, a beleza. A saúde do corpo é muito mais importante e por essa razão deverá ele ter cuidado para não provocar danos onde não existem. 3.1.3 Responsabilidade do Cirurgião Plástico. O código civil em seu artigo 951116 dispõe a respeito da possibilidade de indenização a profissionais que no exercício de suas funções agem com culpa incidindo em imperícia, negligência ou imperícia. 115 116 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 252. Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligencia, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilita-lo para o trabalho. 53 No erro médico, a cirurgia plástica ocupa uma situação peculiar, pois é de um tipo diferente, uma vez que está ligada a um juízo de valor que está relacionado com o resultado, mesmo sabendo-se que todo o ato cirúrgico envolve um risco. Sobre a indenização devida pelo cirurgião que não cumpri o acordado, Carlos Gonçalves ensina: [...] Se o cliente fica com aspecto pior, após a cirurgia, não se alcançando o resultado que constituía a própria razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito a pretensão indenizatória. Da cirurgia mal-sucedida surge a obrigação indenizatória pelo resultado não alcançado.117 Para que o médico seja responsabilizado, necessário se faz que este tenha desprezado ou ignorado seus deveres. Ele sempre deve ser claro com o paciente, não apenas para que este fique consciente do risco a que vai ser exposto, como também, quanto ao tratamento que deverá ser submetido após a cirurgia. Sobre essas informações que o cirurgião deve prestar atenção, Miguel Kfouri consubstancia: Dois aspectos fundamentais são levados em linha de conta: a informação devida ao paciente e a obtenção de seu consentimento (sem se olvidar que o princípio da integridade do corpo humano é norma de orem pública – volenti non fit injuria – não se faz injuria a quem quer). [...] ao cirurgião plástico incumbe advertir o paciente sobre todos os riscos, mesmo quanto àqueles que excepcionalmente previsíveis. Consoante o entendimento citado anteriormente, o professo Silvio Rodrigues averba, “Todavia, deverá o médico advertir o doente de todos os riscos do tratamento, principalmente da intervenção cirúrgica a que será submetido, devendo, pois o médico evitar tal intervenção se o perigo for maior que o resultado pretendido”. 118 Neste sentido, passaremos a transcrever a seguinte jurisprudência, pela qual se verifica que os julgadores não acolhem o pedido quando comprovado que o médico esclareceu o paciente dos possíveis riscos. EMENTA. INDENIZAÇÃO. PRÓTESE DE SILICONE. IMPLANTAÇÃO MAMÁRIA. RUPTURA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. Paciente que foi devidamente esclarecida pelo cirurgião dos possíveis efeitos colaterais indesejados (encapsulamento das próteses, com rigidez dos tecidos subjacentes) relativos ao procedimento de implantação de prótese mamaria de silicone. Formação de capsula fibrosa sobre o implante. Rompimento da prótese. Ausência de prova de que o produto apresentasse defeito, pretensão indenizatória desacolhida pela sentença. APELO DESPROVIDO. Ac. Da 10 Câmara Cível do Tribunal de Justiça/RS, APC N. 599262235, Relator Des. Paulo Antônio Kretzmann. 27.05.99. 117 118 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, p. 269. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil 4, p. 252. 54 Havendo o cirurgião advertido ao paciente sobre todos os riscos que estava sendo submetido, não poderá o médico ser responsabilizados por eventuais efeitos colaterais. Seguir a risca os conselhos médicos no pós-operatório é fator determinante para uma recuperação segura. 3.1.4 Dano Estético. Iniciando o estudo sobre o dano estético, a professora Teresa Ancona ressalva a origem do vocábulo estético, “[...] origina do grego aistheis que significa sensação, trata-se do ramo científico que tem como objeto material à atividade humana e como objeto formal o belo. O objetivo deste ramo é o estudo da beleza e as manifestações na arte e natureza”. 119 Falando-se de dano estético está relacionando-se uma lesão à beleza física, a harmonia as formas externas. A maneira de enxergar o belo é relativo, sabemos que o belo para uma pessoa será diferente para outra. Os prejuízos estéticos serão avaliados em relação às modificações sofridas pela vítima, comparando-se a sua aparência anterior ao fato danoso e o atual. A professora Maria helena Diniz conceitua dano estético assim: O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que no mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influencia sobre sua capacidade laborativa.120 A apreciação do dano estético só é possível após observar as modificações sofridas pela vítima em relação ao seu estado a quo. É de suma relevância lembrar que esta lesão deverá ser permanente. Sobre essa questão do dano estético, Miguel Kfouri em seus ensinamentos salienta: [...] dano estético exige que a lesão que o enfeiou determinada pessoa seja duradoura, caso contrario não se poderá falar em dano estético propriamente dito (dano moral) mas em atentado reparável à integridade física ou lesão estética passageira, que se resolve em perdas e danos habituais.121 Não sendo permanente a lesão sofrida pela vítima, essa perde caráter de dano estético sendo apenas uma lesão passageira podendo ser ressarcida com o pagamento de outra 119 LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético, p. 39. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil 7, p. 76. 121 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 94. 120 55 cirurgia. Acerta Kfouri, pois consagra o dano estético como sendo uma ofensa a personalidade, uma agressão à individualidade do ser humano. Sobre a cumulação de pedidos de dano moral e dano estético na mesma ação há uma grande controvérsia, pois parte da doutrina entende pelo cabimento da cumulação e a outra entende pelo seu não cabimento. A professora Teresa Ancona entende ser possível a cumulação desse dois tipo de danos na mesma ação, ela ressalva que a Constituição Federal na parte destinada aos direitos e garantias no inciso V, admite-se três tipos de danos: o moral, material e o à imagem. Dessa distinção a possibilidade da cumulação desses dois tipos de danos na mesma ação.122 Em exemplos torna-se evidente esse conflito. A manequim que resolve fazer uma cirurgia plástica e vem sofrer alguma lesão que cause alguma deformidade permanente em suas pernas, com certeza essa lesão a impedirá de trabalhar ou lhe falte emprego. Nessa hipótese, observa-se nitidamente dois tipos de prejuízos, um de ordem extrapatrimonial (danos morais) e outro patrimonial. Aqueles que são contra esse entendimento baseiam-se na teoria que o dano moral e o dano estético não se cumulam, por que o dano estético importa em dano material ou está compreendido no dano moral.123 3.2 AS SANÇÕES JURÍDICAS DO ERRO MÉDICO. O erro médico envolve conseqüências de ordem ética e no mundo jurídico, além de reflexos na área administrativa, civil e penal. Todas derivadas do conceito de responsabilidade médica. Todo médico após ter sido comprovado a negligência, a imperícia ou a imprudência, ou seja, cometido erro médico estará sujeito a estas sanções administrativas ou jurídicas, na esfera cível ou penal. 122 123 LOPES, Teresa Ancona. Dano Estético, p. 155. KFOURI, Miguel. Culpa Médica e Ônus da Prova, p. 272. 56 3.2.1 Processo Administrativo. O médico no exercício de sua profissão cometendo algum ato ilícito estará sujeito a instauração do procedimento administrativo adequado para a verificação de responsabilidade por possível dano a terceiros, conseqüente a um erro médico. Os Conselhos Regionais de Medicina estaduais cuidam dos processos administrativos a respeito da conduta médica. O professor Genival Veloso de França citado no artigo jurídico escrito pelo advogado Ricardo Brandão diz, “A responsabilidade é da competência dos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), através de processos ético-disciplinares”. 124 Nos próprios CRM estaduais é o local onde geralmente encontramos o Tribunal de Ética. O professor Irany Novah Moraes discorre sobre o assunto assim, “Sendo os Conselhos Regionais de Medicina o Tribunal de Ética, o de São Paulo é a que, cabe a julgar o comportamento ético da classe que exerce a medicina no Estado de São Paulo [...]”. 125 A respeito dos processos administrativos sofridos pelo médico, o advogado Ricardo Brandão averba: Os processos ético-profissionais são o instrumento de que dispõem os CRMs para punir moral e administrativamente os seus jurisdicionados, ainda que estes já hajam sido alcançados por meio de sanção civil pela condenação à reparação do dano causado ou da sanção penal via ação criminal regularmente instaurada e na qual venham a ser julgados culpados. [...] O processo administrativo disciplinar esgota-se no âmbito da matéria disciplinar mesmo, não gerando efeitos de ordem civil ou penal, não impondo obrigação de reparação material do dano causado nem aplicando medidas de constrição à liberdade de ir e vir. Sua repercussão é ela toda no campo da moral e da atividade profissional.126 Os CRM são responsáveis para fiscalizar a classe médica, tendo os processos éticos uma arma contra a má conduta dos médicos. Da avaliação do processo administrativo e havendo condenação, poderá o médico ser: advertido, suspenso, demitido, ter sua carteira do CRM cassada, destituição de cargo em comissão, destituição de função comissionada.127 124 BRANDÃO, Ricardo. Erro médico na Função Pública. Conselho Federal de Medicina, ano de 2002. disponível em:http://www.cfm.org.br . Acesso no dia 10 de junho de 2004. 125 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça, p. 519. 126 BRANDÃO, Ricardo. Erro médico na Função Pública. Conselho Federal de Medicina, ano de 2002. disponível em:http://www.cfm.org.br . Acesso no dia 10 de junho de 2004. 127 Cf. BRANDÃO, Ricardo. Erro médico na Função Pública. Conselho Federal de Medicina, ano de 2002. disponível em:http://www.cfm.org.br . Acesso no dia 10 de junho de 2004. 57 Encontra-se da mesma forma que no poder judiciário, um órgão superior que julgará os recursos das decisões formuladas pelo CRM, qual seja, o Conselho Federal de Medicina avaliará esses recursos. O professor Irany faz referência a esse órgão, “Compete ao Conselho Federal de Medicina julgar em grau de recurso às penalidades estabelecidas pelos vários Conselhos Regionais. Assim parte dos julgamentos efetuados pelos Conselhos Regionais do país recorre aquele Tribunal pleiteado revisão do resultado”. 128 Persistindo o entendimento do Conselho Federal de Medicina em condenar o médico, este estará sujeito a todas condenações citadas anteriormente pelo CRM. Inúmeros são os processos de erro médico no país. O professor Irany trás em sua obra dados referentes às especialidades da medicina que mais incorrem em erro médico no Brasil julgados pelo Conselho Federal de Medicina: 1º Ginecologia e Obstetrícia; 2º Cirurgia Plástica; 3º Oftalmologia; 4º Cirurgia Geral; 5º Ortopedia; 6º Pediatria; 7º Clínica Geral; e 8º Neurologia.129 Nota-se que a cirurgia plástica tem destaque quanto ao ranking nacional das especialidades médicas que mais sofrem processos ético-profissional dentro da medicina. 3.2.2 Processo Criminal. Os ato ilícitos cometidos pelo cirurgião médico poderão ser caracterizados como infrações penais. Esses ilícitos geralmente tem como conseqüência para o paciente: lesões corporais de todas as naturezas e inclusive a morte. O professor Irany Moraes ressalva: Além da denúncia no Conselho Regional de Medicina, o paciente ou familiar insatisfeito com o atendimento, a atuação do médico ou com os resultados do tratamento, tem o direito deacionar o profissional na Justiça, nas esferas criminal e cível.130 128 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça, p. 523. MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça, p. 524. 130 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça, p. 531. 129 58 Na área criminal a sanção ao agente da conduta punível será adequada ao ilícito descrito no bojo do Código Penal instituído por meio do Decreto - Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, atendendo o julgador, na gradação da pena, aos requisitos previstos em lei. Na área penal, o médico será processado criminalmente e terá suas funções suspensas temporariamente, atendendo à gravidade da infração e ao modo como a mesma for praticada. O médico respondendo processo judicial na esfera penal, dentre as sanções penais existentes que poderá sofrer: multa, detenção, reclusão e penas alternativas. O professor Miguel Kfouri averba a este respeito: O ato lesivo praticado pelo médico pode repercutir, também, na esfera penal. Assim, v.g., a morte resultante de imperícia e negligência médicas configura homicídio em sua forma culposa, respondendo o médico, concomitamente ou não, em ambas jurisdições – a criminal e a civil.131 A morte do paciente resultante de imperícia, negligência configura homicídio na forma culposa, ou seja, por inobservância do dever a ser tomado pelo médico antes de realizar suas atividades o paciente vem ao óbito. Estabelecido e comprovado a existência de culpa, o juiz exara sentença tendo em vista ao grau de responsabilidade do médico culpado. 3.2.3 Processo Cível Os médicos responderam civilmente pelos erros cometidos no exercício da medicina. Na maioria das vezes essa ação visa a reparação dos prejuízos causados aos pacientes. O advogado Ricardo Brandão em seu artigo jurídico consubstancia a respeito dessa ação cível assim: Como vimos, o erro médico pode ter repercussões na esfera civil, por meio da pertinente ação de reparação de danos, por força das disposições instituídas nos artigos 186 e 951 do Código Civil vigente, sendo que este último contempla não só os médicos como os "cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas que provocarem dano por imprudência, negligência ou imperícia e do qual resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento"; na esfera penal com o ajuizamento contra o profissional de ação criminal correspondente e na esfera ética mediante o processo disciplinar na entidade fiscalizadora e julgadora da classe médica. 132 A respeito da legitimidade ativa da ação de indenização proposta contra o profissional da medicina, Kfouri averba: 131 132 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 196. BRANDÃO, Ricardo. Erro médico na Função Pública. Conselho Federal de Medicina, ano de 2002. disponível em:http://www.cfm.org.br . Acesso no dia 10 de junho de 2004. 59 No pólo ativo da ação de reparação de danos decorrentes da má atuação profissional médica, figurará a vítima – em caso de lesões, ferimentos incapacitantes, deformidade – e, na hipótese de morte, o herdeiro, o parente, ou aquele a quem a lei reconhece o direito de buscar a indenização.133 A ação movida contra o médico será fundamentada na imperícia, negligencia e imprudência por ele cometidos. O autor da ação, no caso o paciente, demonstrará a culpa do médico para o surgimento do evento danoso ou ato que tenha gerado o descumprimento do contrato acordado. O professor Miguel Kfouri entende que o pedido desta ação será: Pede o autor, nas ações de reparação de dano resultante da culpa médica, que o órgão jurisdicional condene o causador da lesão a repara-la, do modo adequado. Este, o objeto imediato do pedido. O mediato é o bem que o autor pretende conseguir por intermédio dessa providência. 134 O ato culposo do profissional da medicina subentende-se o pedido indenizatório formulado pelo autor da demanda. Praticamente a fundamentação do pedido da demanda darse-á na condenação do médico à indenização pelos danos materiais, ou seja, todas as despesas referentes ao ato ilícito cometido pelo médico, mais uma indenização por danos morais relacionada aos prejuízos sofridos a intimidade do paciente. 3.3 ESTUDO DE CASO CONCRETO. Esta parte do trabalho é destinada ao estudo de um caso onde ocorre a condenação de um médico, este fato ocorreu no estado de Goiás e no Distrito Federal. As informações existentes nesse estudo ficaram restritas as nas notícias e reportagens divulgadas na época do ocorrido, conforme as fontes citadas nas referencias bibliográficas. Os trâmites processuais das ações questionada nesse estudo tiveram grande dificuldade de serem analisados, em razão da impossibilidade do seu acompanhamento. Os processos envolvendo o médico em questão correm em segredo de justiça. 133 134 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 184. KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 182. 60 3.3.1 Relato do Ocorrido. O fato tomou relevância nacional no ano de 2002 com a morte da 5ª (quinta) paciente do médico Denísio Marcelo Caron, que é formado em medicina desde de 1987 na Universidade Severino Sombra, no município de Vassouras/RJ. No ano de 2000, o médico acima referido, começou a ter sua carreira comprometida por uma série de denúncias de imperícias a respeito de seu trabalho. Acontece que em março daquele ano, uma de suas paciente Vera Lúcia Teodoro Batista veio a falecer dias depois de realizar uma lipoaspiração de abdome e plásticas nos seios. Depois no ano seguinte, mais precisamente em janeiro de 2001, mais uma tragédia acontece envolvendo o nome de Caron. A concunhada do médico, Janete Figueiredo morre 9 (nove) dias após realizar uma lipoescultura com ele. Familiares afirmam que o laudo confirma a perfuração no intestino de Janete. Praticamente dois meses após o falecimento de Janete, mais um caso envolve o nome de Caron. Flávia de Oliveira Rosa morre 5 (cinco) dias depois de fazer uma lipoaspiração com Caron. Os familiares afirmam que após a cirurgia, Flávia reclamava de muitas dores na região, mas o médico disse que não era relevante. Examinada por outro médico ficou constatado uma hemorragia interna, e no dia seguinte a infecção já era generalizada. Após a morte de Flávia o cirurgião já estava “famoso” em face do que vinha acontecendo com seus pacientes, e várias outras mulheres que haviam consultado com Caron procuraram o Ministério Público e o Conselho Regional de Medicina de Goiás dizendo terem sido vítimas dele. Conseqüentemente com a repercussão do caso de Caron o CRM de Goiás divulga que estavam abertas 3 (três) sindicâncias apurando denuncias contra ele. Três meses depois de aberta a primeira sindicância o numero já passava de 35 (trinta e cinco). Não resistindo a pressão o médico firmou um acordo junto ao MP, onde se comprometeria a se afastar dos consultórios até que fosse apuradas todas as sindicâncias. Passado algum tempo, em janeiro de 2002, Adcéia Martins de Souza vem a falecer na mesa de operação. O fato diferente dos demais ocorreu na cidade de Taguatinga/DF no hospital Anchieta, mas o cirurgião responsável era o mesmo de Goiás, Denísio Marcelo Caron. 61 O médico desrespeitou o acordo firmado com CRM-GO de não exercer as práticas da medicina enquanto fossem apuradas as sindicâncias contra sua pessoa. Acontece que após a divulgação da noticia de Adcéia, paciente de cirurgia de lipoaspiração de Caron realizada no hospital Anchieta, a família de Graziela Murta Oliveira resolveu tornar pública o fato da moça ter realizado uma cirurgia de lipoaspiração com o Dr. Caron. Porém após a cirurgia, a paciente entrou em coma e permaneceu nesse estado por cerca de 25 dias não resistindo e vindo a falecer. Após esses acontecimentos no Distrito Federal, o CRM-DF abriu novas sindicâncias para apurar os casos que envolvem o nome do médico. Após a morte da sua 5ª (quinta) paciente, o médico foi imediatamente preso. 3.3.2 Processo Administrativo. No caso concreto exposto nesse estudo, foram abertas inúmeras sindicâncias contra o médico Denísio Marcelo Caron. Relembrando a respeito do assunto, cita-se o professor Irany Moraes explicando passo a passo as fases do processo administrativo do médico: O médico denunciado está sujeito à apuração da denuncia, que tem duas fases: a sindicância que é a fase preliminar para averiguação dos fatos denunciados. As sindicâncias são abertas a partir de denúncias ao CRM ou por iniciativa do próprio Conselho. Se forem constatados indícios de infrações éticas passa-se à segunda fase, chamada de processo ético-disciplinar quando o denunciante e denunciado tem iguais oportunidades de apresentar provas de acusação e defesa. O próximo passo é o julgamento, realizado pelas Câmaras de Julgamento do CRM.135 Encerradas as sindicâncias contra o médico, foi encaminhado ao CRM de Goiás, haja vista o local onde o médico está registrado, para formalizar o processo e encaminha-lo para julgamento. O site do CRM do estado de Goiás informa que o médico Denísio Marcelo Caron encontra-se atualmente com o seu registro médico cassado. 135 MORAES, Irany Novah. Erro Médico e a Justiça, p. 530. 62 3.3.3 Processo Criminal Na esfera penal o cirurgião Denísio Marcelo Caron foi denunciado pelo Ministério Público de Goiás no crime de homicídio doloso relacionado ao exercício de suas atividades médicas. Todavia o médico foi excluído dessa prática delituosa por entender que essa não era a tipificação penal cabível ao caso. Sobre a prisão preventiva requerida pelo Ministério Pública em razão das denúncias contra o médico, o Tribunal de Justiça do estado de Goiás pronunciou-se assim: EMENTA : "RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE PRISAO PREVENTIVA. INEXISTENCIA DE RAZOABILIDADE DA ADEQUACAO DO FATO COMO CRIME DOLOSO, PUNIDO COM RECLUSAO. PROBABILIDADE DE CONDENACAO POR CRIME CULPOSO, PUNIDO COM DETENCAO. INEXISTINDO RAZOABILIDADE DA ADEQUACAO DO FATO CRIMINOSO EM NORMA DEFINIDORA DE CRIME DOLOSO, PUNIDO COM PENA DE RECLUSAO, EM FACE DO CONTEUDO INFORMATIVO DA 'OPINIO DELICTI', ESTANDO A PROBABILIDADE DA CONDENACAO DO AGENTE ADSTRITA A CRIME CULPOSO, PUNIDO COM PENA DE DETENCAO, PELO MESMO FATO, NAO ESTA O ESTADO AUTORIZADO A INTERFERIR NA ESFERA DO DIREITO DE LOCOMOCAO DO AGENTE, MEDIANTE A DECRETACAO DE SUA PRISAO PREVENTIVA, POR AUSENCIA DA CONDICAO DE ADMISSIBILIDADE ASSINALADA NO ART. 313, 'CAPUT' E INC. I, DO CPP. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO." DECISÃO...: "ACORDAM OS INTEGRANTES DA QUARTA TURMA JULGADORA DA SEGUNDA CAMARA CRIMINAL DO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DE GOIAS, A UNANIMIDADE DE VOTOS, DESACOLHENDO O PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTICA, EM CONHECER DO RECURSO E O IMPROVER NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. CUSTAS DE LEI". (Ac. 4ª Turma da 2ª Câmara Criminal do tribunal de Justiça/GO, Rec. Sent. Estr. N 7473-6/220, Rel. Des. Aluizo Ataides de Souza. 25/06/2002). As noticias na época dos acontecimentos informam que o médico cirurgião iria ser indiciado por homicídio doloso (com intenção de matar) pela morte de uma de suas pacientes (Flávia de Oliveira Rosa). Não foi possível ter maiores informações acerca do processo do Dr. Caron, em virtude da demanda estarem em segredo de justiça. 63 3.3.4 Processo Cível. O médico Denísio Marcelo Caron responde a inúmeros processos de indenização na esfera cível, a maioria dessas ações pedem a indenização por danos morais (estéticos) e patrimoniais. Conforme as reportagens sobre o caso, Caron vem procurando pagar as indenizações que for condenado, na maioria delas ele e as vítimas estipulam um acordo. O teor dessas ações baseia-se na responsabilidade subjetiva de erros cometidos por Caron na prática da cirurgia plástica, ou seja, o exercício das atividades sem que o mesmo esteja habilitado para exercer a profissão, logo com culpa. Configura-se a responsabilidade subjetiva do médico, pois ele age com culpa. A culpa esta devidamente demonstrada em todas as demandas contra o médico, Caron sabia que não estava apto para realizar nenhuma cirurgia plástica em face de não possuir nenhuma especialização nesta área. Sobre a culpa do médico e suas modalidades, o professor Delton Croce averba assim: Escorreita a noção de que o fundamento jurídico da responsabilidade médica repousa na culpa, ou seja, na negligencia, imprudência ou imperícia, inescusável, irretorquível, manifesta. [...] Embora a negligencia, a imprudência ou a imperícia, em verdade, nada mais sejam do que sutis distinções nominais de uma situação culposa substancialmente idênticas, provada em juízo qualquer dessas modalidades de culpa é o de condenação. 136 O médico do caso em estudo agiu com culpa, tendo todas suas ações caracterizada nos três tipos de culpas, negligência, imperícia e imprudência. Negligência é a omissão aos deveres que serão exigidos conforme a circunstância. Caron agiu com negligência na conduta de seus atos quando não orientou adequadamente as pacientes sobre os riscos e tratamentos pós-operatório, quando não se ateve a reclamação das pacientes. A imperícia é a falta de aptidão técnica, teórica ou prática, no desempenho de uma atividade profissional. O médico não possuía especialidade em cirurgia plástica, logo foi imperito no exercício de suas atividades médicas, jamais poderia ter realizado alguma cirurgia plástica estética. 136 CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito, p. 14. 64 Imprudente é o médico que age com falta de atenção, descuido no exercício de suas ações. Caron foi imprudente quando não prestou a atenção necessária aos seus pacientes ou quando verificou complicações nas pacientes durante a cirurgia plástica e omitiu a informação. Os autores ainda relevam nas demandas o descumprimento contratual na obrigação de resultado estabelecida pelas partes. É caracterizado o rompimento contratual do médico, pois o celebrado pelas partes não foi cumprido. As cirurgias realizadas pelo médico nas pacientes eram estéticas, não havia necessidade de sua realização, as pacientes não estavam correndo risco de morte, seu objetivo era simplesmente embelezador. Junta-se a emenda de uma cirurgia plástica mau sucedida onde fica demonstrada a obrigação de resultado: CIRURGIA PLÁSTICA – OBRIGAÇÃO DE RESULTADO – INDENIZAÇÃO – DANO MATERIAL E DANO MORAL. Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quanto pelo moral, decorrente da deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito.137 Conforme o exposto na emenda da jurisprudência, caberão as vítimas do médico Denísio Marcelo Caron a possibilidade de cumular em suas respectivas demandas a indenização de danos morais e materiais. 3.3.5 Ação Civil Pública. Outra possibilidade que nosso ordenamento jurídico nos propõem é a admissibilidade de interpor uma ação civil pública. Nesta demanda haverá uma pluralidade de autores, ou seja, as vítimas do médico, representada por um promotor de justiça. A respeito da legitimidade no processo de reparação de danos originados pelo médico temos no pólo ativo da demanda a figura da vítima, enquanto no pólo passivo o médico, o cirurgião, o causador do ato ilícito. O promotor de justiça representará a vítima ou seu representante legal na ação reparadora. Haverá a possibilidade de representação de algum parente ou herdeiro em caso de 137 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 258. 65 morte do paciente, inclusive de pleitear danos morais. Miguel Kfouri comenta esta possibilidade representação assim: No pólo ativo da ação de reparação de danos decorrentes da má atuação profissional do médico, figurará a vítima em caso de lesões, ferimentos incapacitantes, deformidade – e, na hipótese de morte, o herdeiro, o parente, ou aquele a quem a lei reconhece o direito de buscar a indenização (grifo nosso). [...] O dano moral poderá ser reclamado pela própria vítima ou, sobrevindo morte, pelos lesados moralmente.138 No caso estudado, houve a interposição de uma ação civil pública onde o Ministério Público representava as vítimas do Dr. Caron interpõe peça em face do CRM-GO, Hospital Municipal Dr. Mário Gatti e a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Em virtude de a ação estar no poder judiciário como segredo de justiça, as informações desse estudo restaram em razão da peça inicial. O objetivo dessa ação civil pública era apurar a existência de responsabilidade das autarquias de estarem concorrendo para a consecução dos resultados danosos. O Procurador da justiça procura demonstrar a responsabilidade das entidades em concorrer com o médico para a consecução dos resultados danosos as vítimas, cada uma de um modo bem particular. Afirma o procurador que a origem dos danos provocados as vítimas tem origem muito antes da realização das cirurgias. A desleixo do CRM-GO em averiguar se as informações trazidas pelo médico Denísio Marcelo Caron eram verdadeiras. Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás credenciou o Dr. Caron como médico especialista em cirurgia plástica. Este título foi destinado a ele após a apresentação de um certificado pela realização de um estágio junto ao Hospital Municipal Dr. Mário Gatti. O interesse demonstrado e o estágio garantiram ao Dr. Caron a especialidade em cirurgia plástica, haja vista que depois de graduado no curso de medicina não teria realizado a residência nesta especialidade. O mesmo documento apresentado por Caron ao CRM-GO foi juntado para a inscrição do mesmo na Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, ou seja, não procurando maiores detalhes sobre a especialidade profissional do médico. O Procurador Federal demonstra que todas as entidades tiveram sua parcela de culpa para que o Dr. Caron realizasse delituosamente todas as cirurgias plásticas. O defensor público ainda ressalta que a negligência cometidas pelas entidades equipara-se a concessão de um cheque em branco para que o médico causasse danos morais e materiais a todos que 138 KFOURI, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico, p. 184. 66 fossem submetidos a suas cirurgias. Naturalmente com a caracterização destas instituições como concorrentes de Caron nos prejuízos causados, deve-se assim indenizar tanto no âmbito moral como no patrimonial as vítimas. 67 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao concluir este trabalho espera-se ter conseguido demonstrar os efeitos legais da responsabilidade civil do médico. O tema comporta constantes debates, principalmente em face da particularidade de casos que aportam para discussão judicial. Certamente, existem ainda inúmeros profissionais médicos que desconsideram o tema, e reclamam erroneamente das ações contra eles propostas. A orientação de profissional do Direito é indispensável, tão quanto à do médico para se evitar doenças. Algumas medidas preventivas, todavia, podem e devem ser tomadas pelo médico, no seu labor diário. A responsabilidade civil encontrada no direito brasileiro e que resguarda os atos do médico e cirurgião, é o instituto a forma de segurança de todos aqueles que se submetem às atividades médica. O médico deverá ser responsabilizado pelos atos ilícitos cometidos no exercício de sua profissão. O profissional da medicina que agir com culpa sendo ele negligente, imperito ou imprudente se responsabilizará em reparar os danos causados a seus pacientes. O cirurgião plástico, especialidade estudada com maior intensidade neste trabalho, também sofrerá das mesmas obrigações, contudo devem ater-se as especificações da origem do ato por ele causado. O universo jurídico está em constante mutação, acompanhando a evolução da sociedade. A responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica na jurisprudência. A cada momento estão sendo criadas novas teses jurídicas como decorrência das necessidades sociais. 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, Ruy Rosado. Responsabilidade Civil do Médico. Publicada na RJ nº 231 JAN/1997. BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Aspecto da Responsabilidade Civil e o Dano Médico. 7.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1996. BRANDÃO, Ricardo. Erro médico na Função Pública. Conselho Federal de Medicina, ano de 2002. disponível em:http://www.cfm.org.br . Acesso no dia 10 de junho de 2004. BRASIL. Código Civil Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5. ed. São Paulo: RT, 2002. BRASIL. Senado Federal. Decreto-Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providencias. Disponível em: http://www.senado.gov.br Acesso em: 22 mai. 2004. CARVALHO, Gilberto de Paiva. Últimas Notícias Medicina & Direito & Odontologia. 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