CARLA MARIA ZAMITH BOIN AGUIAR
A HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA PROCESSUAL COMO
FORMA DE REALIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS: MEDIAÇÃO E JUSTIÇA
RESTAURATIVA
CENTRO UNIVERSITÁRIO TOLEDO
ARAÇATUBA/SP
2007
CARLA MARIA ZAMITH BOIN AGUIAR
A HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA PROCESSUAL COMO
FORMA DE REALIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS - MEDIAÇÃO E JUSTIÇA
RESTAURATIVA
Dissertação de Mestrado apresentada como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Direito à
banca examinadora do Centro Universitário Toledo sob
orientação do Prof. Dr. Erik Gramstrup
CENTRO UNIVERSITÁRIO TOLEDO
ARAÇATUBA/SP
2007
Banca Examinadora
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Araçatuba, 10 de novembro de 2007
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a todas as pessoas, que de uma forma ou de outra,
fizeram parte da minha vida. Seria impossível citar o nome de cada uma delas, mas gostaria
de que todos que participaram de minhas vivências e experiências recebessem o carinho de
minha gratidão.
À Miriam Veras Batista e Silvia Losacco pelas ricas conversas estabelecidas
no NCA-PUC, durante o processo de construção de minha dissertação; às amigas e
companheiras de jornada, Ana Lúcia Catão e Camila Sarno Falangue, pelas contribuições
inestimáveis.
Registro, com enorme carinho, meu agradecimento aos profissionais que
participaram de minha formação como mediadora, Mônica Galano da PUC/SP; querida Vânia
Yazbek e toda a equipe do Instituto Familiae; Adolfo Braga Neto do IMAB- Instituto
Brasileiro de Mediação e Arbitragem do Brasil; ao Daniel Isller e ao amigo Egberto de
Almeida Penido pela disponibilidade em me ajudarem com informações a respeito dos
projetos de Mediação e de Justiça Restaurativa; ao Professor Doutor Willis Santiago Guerra,
pela atenção, leitura, sugestões e grande motivação.
Agradeço ao Professor Dr. Erick Gramstrup, meu orientador, pelo apoio e
ajuda na elaboração deste trabalho.
Não poderia deixar de agradecer a meus tios Manoel e Creuza Afonso pela
participação especial de meu processo de formação pessoal e profissional e a meus sogros,
Haroldo e Mary Lucia Aguiar, pela ajuda e carinho irrestrito.
Agradeço, especialmente, a meu marido Fernando pelo amor e apoio
incondicional; a minhas filhas Gabriela e Victória, cada uma à sua maneira, cedendo,
carinhosamente, tempo de convivência e se preocupando comigo; a meus pais, Celso e Isabel,
pela minha existência e por terem me ensinado os verdadeiros valores da vida; a meus irmãos,
Júnior e Alessandra, amigos e companheiros, pela disponibilidade, apoio, interesse, leitura
atenta e valiosas sugestões oferecidas na revisão deste trabalho.
“Se a vida é um processo de conhecimento, os
seres vivos constroem esse conhecimento não,
a partir de uma atitude passiva e sim, pela
interação.
Aprendem
vivendo
e
vivem
aprendendo.”
(Humberto Mariotti, Maturana, 2001, p.12)
RESUMO
O sistema processual brasileiro, a despeito da maturidade teórica alcançada, tem apresentado
grande dificuldade em assegurar a realização dos Princípios Fundamentais de um Estado
Democrático de Direito conforme proclamados pela Constituição Federal de 1988. Este
estudo questiona o papel do sistema jurídico processual como instrumento de Acesso à Justiça
e enfatiza o seu compromisso com a pacificação social. A mecanicidade dos procedimentos
judiciais vem provocando afastamento entre a relação processual e a situação da vida real que
a compõe. Apontamos a necessidade de abertura do sistema jurídico processual para outras
áreas do saber, a fim de ampliar a compreensão sobre a complexidade que envolve as relações
processuais. Propomos reflexões sobre o caminhar da ciência processual ao longo do tempo
para melhor entender a situação em que nos encontramos hoje e, a partir desta compreensão,
analisamos algumas Leis que prevêem formas diferenciadas de prestação jurisdicional. O
referencial teórico construído aponta a importância do refinamento do olhar sobre a
introdução das Novas Formas de Resolução de Conflitos no cenário jurídico processual,
notadamente da Mediação e da Justiça Restaurativa; estas por cuidarem das relações humanas
que fundamentam as relações processuais, por imprimem uma visão diferenciada do conflito e
por acreditarem na realização da Justiça como um valor a ser construído e re-construído a
todo o momento. A Mediação e a Justiça Restaurativa caracterizam-se por serem práticas que
promovem a participação autônoma, responsável e democrática das pessoas, na medida em
que legitimam a humanidade dos envolvidos em uma situação de conflito. Estudamos
algumas experiências de Mediação e de Justiça Restaurativa no Judiciário, com o intuito de
trazer à baila a necessidade de preparo e seriedade para implantação destas práticas e para pôr
luz sobre as mudanças geradas de abordagens humanizadoras dentro do contexto jurídico.
Concluindo, a humanização do sistema jurídico processual, alcançada pelas práticas da
Mediação e da Justiça Restaurativa, representa um caminho viável para alcançar-se a
realização dos Princípios Fundamentais proclamados pela Constituição Federal Brasileira.
ABSTRACT
Despite of the theoretical maturity reached by the Brazilian Procedural System, it has
presented great difficulties to assure the fulfillment of the fundamental principles of a
Democratic State of Law, as established in the Federal Constitution of 1988. This study
questions the role of the Juridical Procedural System as an instrument of access to the judicial
‘world’, and also emphasizes its pledge to the social pacification, as the current mechanical
judicial proceedings have been widening the gap between the legal aspects of a dispute and
the real circumstances that surround it. We also point out the need for a more opened
Procedural System, so that other areas of knowledge could be involved in the understanding
of the complexities of the procedural relations. After suggesting new reflections on how the
procedural ‘science’ has evolved through the years to better understand our current situation,
we analyze new laws that contemplate different forms of judicial assistance. The theoretical
references presented here indicate the importance of a more careful approach on the
introduction of New Forms of Conflict Resolutions within the procedural system, notably in
the cases of Mediation and Restorative Justice. These two forms of conflict resolutions not
only take into account the human relations that are the very basis of the judicial proceedings,
but also bring a different way to look at the conflicts, and share the common belief that the
accomplishment of justice is a value to be built and re-built at all times. Mediation and
Restorative Justice are practices that promote an autonomous, responsible and democratic
participation for the individuals involved, as they legitimize the humanity of such parties, in a
situation of conflict. We have also analyzed different experiences in both practices, aiming to
indicate the necessity of having serious and prepared personnel to implement them, and to
show some of the accomplishments already achieved when humanitarian approaches are used
in the judicial context. In conclusion, we indicate in this study that the humanization of the
juridical procedural system is possible and that Mediation and Restorative Justice could be
ways to fulfill the fundamental principles of the Federal Constitution.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................
10
I
O ESTADO DE DIREITO E A CONSTITUIÇÃO...............................................
14
1.1
A validade da norma Constitucional.....................................
19
1.2
Os Princípios, os Direitos e as Garantias Fundamentais assegurados pela
Constituição Federal de 1988.......................................................................
II
21
1.3 O direito como estrutura social dinâmica......................................................
26
1.4
Prestação jurisdicional e pacificação social..................................................
28
1.5
Humanizar pelo linguajar...........................................................................
31
1.6
Pacificação mediante ação........................................................................
36
1.7
Reflexões sobre o caminhar da ciência jurídica ao longo do tempo e o
momento de seu despertar para novos rumos...............................................
39
BREVE RETROSPECTIVA DO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO.....
45
2.1
O sistema processual e os Princípios Constitucionais do contraditório e do
acesso à justiça.....................................................................................
51
2.2
Juizados Especiais........................................................................................
55
2.3
Lei de Arbitragem.........................................................................................
60
2.4
Setores de Conciliação e Mediação..............................................................
62
2.4.1 Comentários sobre o provimento n. 953 de 7 de julho de 2005........
64
2.5
A Mediação do ponto de vista legal infraconstitucional, de Lege Lata e de
Lege Ferenda.................................................................................................
III
68
NOVAS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS – MÉTODOS
ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS?.................................
74
3.1
75
A revolução das comunicações e sus reflexos na Ciência Jurídica.............
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
A relação existente entre as Novas Formas de Resolução de Conflitos e a
complexidade que envolve as relações humanas........................................
78
Conciliação.................................................................................................
82
3.3.1
Conciliação sem capacitação..........................................................
84
3.3.2
Conciliação com capacitação...........................................................
88
Mediação.....................................................................................................
92
3.4.1
Conceito de Mediação.......................................................................
92
3.4.2
Evolução histórica da Mediação......................................................
94
3.4.3
O processo de Mediação..................................................................
96
3.4.4
O mediador......................................................................................
99
3.4.5
Modelos de Mediação.....................................................................
101
Justiça Restaurativa.....................................................................................
107
3.5.1
Conceito de Justiça Restaurativa......................................................
107
3.5.2
Situando a Justiça Restaurativa na história.......................................
112
3.5.3
Processo de Justiça Restaurativa......................................................
114
3.5.4
O “facilitador” do processo restaurativo.........................................
116
3.5.5
Modelos de Justiça Restaurativa.......................................................
117
Diferenças que fazem diferença...................................................................
118
3.7 Mediação e Justiça Restaurativa como Princípios Fundamentais
IV
Constitucionais............................................................................................
120
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS EM ANDAMENTO.......................................
126
4.1
Projeto de Mediação de Guarulhos..............................................................
4.2
Setor experimental de Mediação das Varas de Família e Sucessões do
Fórum de Santo Amaro................................................................................
4.3 Experiências de Justiça Restaurativa.............................................................
126
129
130
CONCLUSÃO................................................................................................................
134
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
138
ANEXOS.........................................................................................................................
143
Anexo A - Carta de Araçatuba - Princípios de Justiça Restaurativa...............................
144
Anexo B - Declaracion de Costa Rica, sobre la justicia restaurativa en América
Latina...............................................................................................................................
146
Anexo C – Projeto Piloto de Mediação da Vara de Infância e da Juventude de
148
Guarulhos
10
INTRODUÇÃO
Este estudo propõe o questionamento do atual sistema jurídico-processual
como instrumento de realização dos Direitos Fundamentais assegurados por um Estado
Democrático de Direito, ao analisar as possíveis mudanças provocadas dentro e fora do
contexto judiciário pela introdução de outras formas de resolução de conflitos no cenário
jurídico processual.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 assegura uma série de Direitos
Fundamentais de um Estado Democrático de Direito, no entanto, na prática verificamos que
tais direitos estão sendo desrespeitados, dia a dia, pelos próprios operadores do Direito.
Colocam-se questões como: Quais são os entraves que dificultam a
realização dos Direitos Constitucionais? Qual é o papel de um Estado Democrático de
Direito? O que se entende por “Acesso à Justiça”? De que forma o sistema processual se
compromete com a pacificação social? Como é entendida e tratada uma relação processual?
Embora essas perguntas estejam entre aquelas para as quais jamais se
poderá encontrar uma única resposta, suscitam grande reflexão.
É chegada a hora de a ciência jurídica sensibilizar-se para a necessidade de
criar canais de conversação com os saberes de outras áreas do conhecimento, para que tenha
um melhor dimensionamento da complexidade das relações humanas a serem trabalhadas pelo
Poder Judiciário.
A mecanicidade do sistema processual impede a aproximação das pessoas,
a falta da conversa (do “versar com”) causa a rigidez e a desumanização no trato das situações
da vida.
11
A Mediação e a Justiça Restaurativa dentre as Novas Formas de Resolução
de Conflitos surgem neste cenário e vêm sendo gradativamente aplicadas, dentro do Poder
Judiciário, promovendo reflexões sobre o próprio conceito de Justiça.
A Mediação como atitude e prática construída a partir da junção de
conhecimentos trazidos da Sociologia, Direito, Psicologia, Teoria de Sistemas, Técnicas de
Negociação, dentre outros, representa a legitimação de conhecimentos trans-disciplinares,
permite uma riqueza de abordagens elaboradas a partir de diferentes núcleos de referência.
A Mediação leva-nos a perceber a preparação de um terreno fértil para
grandes transformações sociais, na medida em que introduz uma nova cultura no mundo
jurídico.
A conscientização cada vez maior da responsabilidade de cada um de nós
na construção de uma cultura de paz abre caminho para a realização da Justiça Restaurativa.
Construída a partir do conhecimento das práticas utilizadas por tribos aborígines para
resolução de conflitos, a Justiça Restaurativa tem se mostrado como uma possibilidade
criativa de aliar sensibilidade e espiritualidade às formas de resolução de conflitos.
A prática da Justiça Restaurativa vem sendo debatida e utilizada em vários
países, apresentando-se como uma convergência de esforços e reflexões no sentido de
construir formas de resolução de conflitos que ajudem as pessoas a entrarem em contato com
os outros e com elas próprias. A Justiça Restaurativa promove a responsabilização não só das
pessoas envolvidas no conflito como de toda a rede social afetada direta ou indiretamente pela
situação conflituosa.
No primeiro capítulo deste estudo, passaremos os olhos sobre a formação
do Estado de Direito e sua relação com a estruturação de uma Constituição que institui um
Estado Democrático de Direito. Trataremos, em seguida, sobre a questão da validade da
12
norma constitucional, pontuando os Princípios, os Direitos e as Garantias Fundamentais
assegurados pela nossa Constituição Federal, com ênfase em seu compromisso com a solução
pacífica das controvérsias.
Apontamos o Direito como estrutura social dinâmica e como um valor a ser
construído e re-construído a todo o momento, tendo em vista que o consideramos formado
pelas mudanças culturais de um povo comprometido não apenas com a proclamação de
Direitos, mas acima de tudo com a realização da Justiça. Por fim, propomos reflexões sobre o
caminhar da ciência jurídica ao longo do tempo e a necessidade de amadurecimento da tarefa
jurisdicional no que diz respeito a sua função pacificadora, buscando um olhar reflexivo sobre
os valores humanos que pautam a atuação do sistema processual.
No segundo capítulo, faremos uma breve retrospectiva da História do
Direito Processual, a partir da Constituição Imperial, com o objetivo de verificarmos as
diferenças semânticas do conceito de Conciliação ao longo do tempo e a introdução gradual
de previsões legais visando facilitar o acesso à justiça, para entendermos a aplicação das
Novas Formas de Resolução de Conflitos dentro do universo jurídico nacional. Andando
sobre os trilhos percorridos pela Ciência Processual, voltamos nossa atenção ao processo
como instrumento de realização dos Princípios Constitucionais, que, como tal, deve ser
avaliado em suas formas e meios para chegar ao fim almejado. Analisamos a Lei que cria os
Juizados Especiais, a que institui a Arbitragem e, posteriormente, o Provimento que disciplina
a instalação e funcionamento do Setor de Conciliação ou de Mediação, como movimentos
inovadores dentro do Poder Judiciário. Comentamos a Mediação do ponto de vista legal
infraconstitucional, de lege lata e de lege ferenda.
O terceiro capítulo trata das Novas Formas de Resolução de Conflitos,
voltando o olhar sobre a revolução das comunicações e seus reflexos na Ciência Jurídica,
abordando a relação existente entre essas Novas Formas e a complexidade que envolve as
13
relações humanas. Falaremos sobre a Conciliação, sugerindo a diferenciação da Conciliação
sem Capacitação, da Conciliação com Capacitação; sobre a Mediação e a riqueza de suas
várias formas de realização, chegando às práticas da Justiça Restaurativa e os princípios que
as fundamentam. Propomos uma reflexão sobre as práticas da Mediação e da Justiça
Restaurativa como Direitos Fundamentais de um Estado Democrático de Direito, por serem
procedimentos que promovem:
a participação autônoma, responsável e democrática das partes; a legitimação das
pessoas como seres humanos capazes de resolverem suas questões;
o fortalecimento das relações humanas; o sentimento de pertencimento, na medida em
que oferecem às pessoas oportunidades de serem ouvidas e de manifestarem-se
diretamente sobre o que ouviram;
a possibilidade de conversarem de forma organizada sobre suas diferentes versões,
percebendo que não há uma única verdade;
a abertura de novas perspectivas para resolução de seus conflitos que, dentre outros
benefícios, contribuem para uma cultura de parceria e de construção de uma sociedade
mais pacífica, humana e justa.
O Capítulo IV explicita algumas experiências de Mediação e de Justiça
Restaurativa em andamento dentro do Sistema Jurídico Nacional, que comprovam os
benefícios destas práticas no processo de humanização do Poder Judiciário.
14
I. ESTADO DE DIREITO E A CONSTITUIÇÃO
A origem da expressão Estado de Direito surgiu na Alemanha onde se
desenvolveu, no plano teórico e filosófico, a doutrina do Estado de Direito. No entanto, esta
denominação advém de longa data e traz consigo o sentido da existência de um Direito
superior ao Direito criado pelos homens.
Segundo Paulo Napoleão Nogueira da Silva (2001, p. 140):
Os princípios em que se fundava o Estado de Direito, surgido das doutrinas
iluministas que condenavam o absolutismo, erma os da legalidade, da igualdade, da
liberdade, da limitação do poder, e da justiça pura que se desse ‘a cada um o que é
seu’. Deve ser observado, porém tais princípios tinham como parâmetro a lex
naturalis, as referidas “leis para todos os tempos e todos os lugares”, e sobretudo a
submissão do Estado a esse Direito secularmente institucionalizado e
consensualmente consagrado.
O vínculo entre Estado e Direito desenha-se como uma relação de
interdependência pela qual o Estado utiliza o Direito como instrumento de sua ação política e,
ao mesmo tempo, regula e é regulado nessa sua ação pelo próprio Direito.
Vale dizer que a diferenciação clássica existente entre Direito Natural e
Direito Positivo nos coloca a reflexão no sentido de discernir a que Direito o Estado está
vinculado.
O Direito Natural entendido como aquele Direito ligado às leis naturais
existentes na cosmovisão do universo, pelo qual temos a perfeita consciência da interligação
entre todos os seres, dá-nos uma extensa noção de que, a despeito da inegável importância de
se ter o Direito positivado pelos homens, devemos sempre voltar o olhar para a universalidade
de valores que pautam nossa existência para que não deixemos de verificar o fim último do
próprio Direito.
15
A idéia de liberdade de Direito generalizada na sociedade contemporânea,
cujas raízes estão no Ocidente do século XVIII, é no sentido de que o homem é um ser livre,
de acordo com as regras que regem o mundo; a liberdade é entendida como inerente à
natureza humana, portanto, considerada como um Direito Natural de todos os homens.
No entanto, percebe-se que a liberdade absoluta não cabe na vida em
sociedade, pois a liberdade absoluta de uns implicaria na negação da liberdade do outro.
Então, para que houvesse a afirmação da liberdade de todos os homens,
seria necessária, também, a afirmação oposta de um poder de restrição dessa liberdade por
parte das instituições.
O liberalismo, como descendente direto do Iluminismo, delega ao Direito a
tarefa de limitar, instituir e organizar o Poder do Estado, levando sempre em consideração a
liberdade e os direitos do homem.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1999, p. 16) ensina que:
A existência desse Direito, e, portanto, destes direitos, constitui a limitação natural
do Estado. Este não pode contra esses direitos. Ele só pode na medida em que tais
direitos são restringidos para que todos os homens concomitantemente gozem de
igual liberdade. A primeira limitação ao poder do Estado assim é a fronteira que
traça para a sua atuação a existência da liberdade, das liberdades humana.
O reconhecimento de que o homem necessita de outros homens, de que o
ser humano é um ser em constante relação, coloca-nos como indivíduos sujeitos de direitos
específicos e, ao mesmo tempo, genéricos, que a depender do momento histórico, da
circunstância sócio-econômica vivida, apresentam-se de diferentes maneiras.
Segundo o jusfilósofo Norberto Bobbio (1992, p. 18-19):
os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes
últimos séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se
modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou
seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis
para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. Direitos que foram
declarados absolutos no final do século XVIII, como a propriedade sacre et
inviolable, foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas;
16
direitos que as declarações do século XVIII nem sequer mencionavam, como os
direitos sociais, são agora proclamados com grande ostentação nas recentes
declarações.
As Declarações de Direitos Americana e Francesa, representaram grande
conquista na História dos Direitos Fundamentais do Homem, na medida em que
reconheceram o Direito Natural, intangível, inalienável de liberdade absoluta de todos os
homens, lançando a máxima de que todos são iguais perante a lei. Assim, fixou-se, naquela
época, a posição de sujeição do Estado perante a lei, vale dizer, obediente ao princípio da
legalidade.
Essas Declarações trouxeram exigências fundamentais com o fim de pôr
limites aos poderes opressivos dos Monarcas buscando ampliar o espaço de liberdade dos
indivíduos.
Desta forma, a sociedade entrega ao Estado a responsabilidade de
proclamar e de defender seus direitos; o Direito Natural inerente ao homem é reduzido ao
Direito positivado, a partir de então não há outro direito senão o positivado. Opera-se, desta
maneira, a passagem do Estado de Direito para o Estado Legal, onde não existe outro Direito
senão o positivado pelas codificações.
O caráter individualista marca as declarações dos séculos XVIII e XIX, que
se preocupam em defender o indivíduo contra o Estado, e este aspecto perdura na maioria das
Constituições do século XX.
No entanto, com o advento dos regimes ditatoriais, houve lenta erosão das
estruturas institucionais, com a passagem de um regime liberal para um regime totalitário. A
concepção positivista de respeito à legalidade no sentido progressista e liberal, que defendia a
liberdade individual contra os arbítrios do poder estatal, sofreu deturpações, e foi utilizada
exatamente para justificar e legitimar os abusos cometidos pelo poder formalmente legítimo.
17
Assim, houve a constatação da instabilidade das ideologias jurídicas: a
concepção positivista de respeito à autoridade da lei, apropriada para uso diverso, serviu para
a imposição do respeito à autoridade ditatorial.
Pela inviabilidade de se ter os ensinamentos de uma escola preponderando
sobre a outra, procura-se estabelecer a necessária interação complementar entre ambas as
vertentes, do Direito Natural e do Direito Positivo. De ressaltar a ponderação do eminente
jusfilósofo, Norberto Bobbio (1999), quando ensina que:
Mas que un contraste entre generaciones y entre concepciones del derecho, la
oposición entre jusnaturalismo y positivismo jurídico se lleva a cabo, como decía,
dentro de cada uno de nosotros, entre nuestra vocación científica y nuestra
conciencia moral, entre la profesión de científico y la misión como hombre.1
Com o passar do tempo, as necessidades da sociedade foram
transmudando-se pela própria dinâmica da vida e, com isso, exigências de novos direitos
foram surgindo. A reivindicação dos direitos sociais toma corpo em uma sociedade que cobra
a intervenção do Estado em promover proteção e reconhecimento a direitos coletivos, que
somente uma sociedade mais evoluída economicamente e socialmente poderia expressar.
A evolução dos Direitos do Homem deu-se em decorrência das
necessidades de direitos que foram surgindo a partir de contextos sócio-históricos
vivenciados. Nasce, então, a concepção de direitos não de um indivíduo ou de uma
coletividade, mas sim direitos relacionados ao ser humano, como o direito ao meio ambiente
saudável.
O aparecimento dos novos direitos sociais ao lado das liberdades
individuais é fruto da evolução que se inicia pela crítica ao caráter formal das liberdades
1
Tradução: Mais do que um contraste entre gerações e outras conceituações de Direito, a oposição entre
jusnaturalismo e positivismo jurídico, realiza-se, como disse, dentro de cada um de nós, entre nossa vocação
científica e nossa consciência moral, entre a profissão de cientista e a missão como homem.
18
consagradas, pois a liberdade assegurada igualmente a todos, não teria como tornar-se
realidade pela falta de condições de alguns em exercê-las.
Essa nova concepção dos direitos fundamentais foi expressa nas
Constituições republicanas do México em 1917 e da Alemanha em 1919.
Nossa Constituição Federal de 1988 segue essa orientação de que o social
prevalece sobre o estatal, vale dizer, ao invés de disciplinar primeiro a organização do Estado
para depois estabelecer os direitos e garantias individuais, inverte a estruturação dos artigos
tratando primeiramente destes, o que denota que os poderes do Estado estão estruturados em
razão das necessidades da sociedade civil, em função dos cidadãos.
Desse modo, a Constituição Federal de 1988 oferece uma base teórica de
proclamação dos Direitos Fundamentais do Homem, no sentido de se colocar os poderes
estatais a serviço dos indivíduos. No entanto, resta-nos, enquanto cidadãos, refletirmos sobre
como deverá ser a atuação de tais poderes para que haja a efetiva realização dos direitos
proclamados.
Neste momento, não se trata de pensar apenas quais são os princípios, ou
garantias, ou direitos fundamentais proclamados pela Constituição de 1988, mas sim, quais
devem ser os mecanismos que possibilitam sua promoção e realização.
A partir da maturidade teórica representada por nosso diploma legal
constitucional, devemos, agora, desenvolver um espírito crítico com relação, também, à nossa
conduta, como juristas, diante de tal conquista, para que consigamos trilhar caminhos que
assegurem cada vez mais a realização dos direitos proclamados.
19
1.1 A validade da norma constitucional
As normas constitucionais são normas superiores às quais todas as outras
do ordenamento jurídico devem seguir, além de estabelecerem os limites de ação do Estado e
dos indivíduos, também regulamentam garantias de realização dos direitos fundamentais,
prevendo instrumentos capazes de decretar a inconstitucionalidade até mesmo de atos
normativos emanados pelo próprio Estado.
Uma norma constitucional, ao entrar em vigor, já se apresenta formalmente
dotada de eficácia jurídica, com aptidão técnica para produzir efeitos jurídicos; no entanto,
indica a mera possibilidade de aplicação da norma.
A eficácia tem um caráter experimental, enquanto a efetividade será
alcançada somente com a possibilidade de adequação da norma em face da realidade social e
dos valores vigentes na sociedade, com a ocorrência concreta dos fatos normativos, sociais e
valorativos estabelecidos no texto constitucional.
Assim, apesar da disposição constitucional de que “as normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, na realidade, nem toda norma
constitucional é passível de aplicação imediata.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2001, p. 307) ensina que:
O tema se liga à distinção entre normas “auto-executáveis” ou “bastantes em si”, e
normas “não-auto-executáveis” ou “não bastantes em si”. As primeiras são
suscetíveis de aplicação imediata porque são completas, dispensando
regulamentação, enquanto as segundas, por falta de regulamentação, são
inaplicáveis.
Entendemos que tais normas serão aplicados em maior ou menor grau a
depender, também, do processo de interação da Constituição com a realidade social a que se
aplica. Este processo será mais fácil conforme o nível de conscientização de uma comunidade,
20
quanto ao conceito de dignidade humana, ao exercício da cidadania, democracia e ao
significado de soberania popular.
Sobre a questão da efetividade e validade da norma, vale relembrar a lição
de Tércio Sampaio Ferraz Jr. (1999, p. 113): “[...] não é possível saber se uma norma isolada
é válida ou não, mas é possível dizer se ela é efetiva.”
Assevera, ainda, Sampaio Ferraz Jr. (idem, p. 115), que a norma sendo
concebida como discurso deve ser entendida da seguinte maneira:
Que discurso é ação, ação lingüística, em que alguém dá a entender alguma coisa a
outrem. Inclui, portanto, não só palavras pronunciadas, mas quem pronuncia, quem
ouve e as respectivas reações, conforme certas regras. Para enquadrar melhor este
complexo de “ações” e “reações”, dissemos que o discurso é um procedimento
interacional.
No sentido de “ações” e “reações”, vale pensar as normas processuais
constitucionais como procedimentos interacionais, levando em conta desde as palavras
pronunciadas, passando por quem as pronuncia, por quem as ouve e pelas respectivas reações.
Reações estas, analisadas em toda a sua abrangência, pode se dizer, percebidas pelos efeitos
causados na vida das pessoas, com seus reflexos no contexto social e jurídico.
Tais reflexos nascem da complexa rede de interação tecida pelos valores
que subjazem ao discurso normativo, pela forma utilizada de quem o pronuncia e pelo
contexto a ser aplicado. Estes reflexos proporcionam-nos a identificação de uma maior ou
menor realização dos Princípios Fundamentais assegurados constitucionalmente.
Segundo Nelson Nery Júnior (2000, p. 19):
A alegação de ofensa à Constituição, em países com estabilidade política e em
verdadeiro Estado de Direito, é gravíssima, reclamando a atenção de todos,
principalmente da população. Entre nós, quando se fala, por exemplo, em juízo, que
houve desatendimento da Constituição, a alegação não é levada a sério na medida e
na extensão em que deveria, caracterizando-se, apenas, ao ver dos operadores do
direito, como mais uma defesa que o interessado opõe à contraparte.
21
Entendemos que a razão de ser de uma norma procedimental, decorre
justamente dos valores implícitos nos princípios fundamentais que perpassam toda a ordem
constitucional de um país. Vale lembrar que devemos voltar nossa atenção para entender as
regras processuais enquanto possibilidades de aplicação destes princípios, no sentido de ter
maior clareza com relação à sua adequação ao conjunto de princípios que sustenta um Estado
Democrático de Direito.
1.2 Os Princípios, os Direitos e as Garantias Fundamentais assegurados
pela Constituição Federal de 1988
No preâmbulo da Constituição de 1988, os constituintes expressam o
compromisso em
instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
O Título I trata dos Princípios Fundamentais, prescrevendo em seu artigo
1o:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I-
a soberania;
II-
a cidadania;
III-
a dignidade da pessoa humana;
IV-
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V-
o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
22
O artigo 4º traz os princípios que regem a República Federativa do Brasil
nas suas relações internacionais, prescrevendo mais uma vez o comprometimento com a
defesa da paz (inciso VI) e solução pacífica dos conflitos ( inciso VII).
Seguindo para o Título II, verificamos a consagração dos Direitos e das
Garantias Fundamentais. O capítulo I, traz os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos; no
capítulo II versa sobre os Direitos Sociais; no III fala da Nacionalidade.
Posteriormente, no Título VIII “Da Ordem Social” também encontramos a
ênfase na preservação dos direitos fundamentais, além de outros artigos, neste sentido,
esparsos por todo o corpo da Constituição Brasileira.
A leitura do Preâmbulo e do primeiro artigo da Constituição nos revela
uma escolha de valores, nas palavras de Willis Santiago Guerra Filho (2007, p. 16-17):
Enquanto manifestação de uma opção básica por determinados valores,
característicos de uma ideologia, a fórmula política inserida na Constituição se
apresenta como um programa de ação a ser partilhado por todo integrante da
comunidade política, e por isso, responsável a um só tempo pela sua mobilidade e
estabilidade.
Conforme abordamos anteriormente, a eficiência do programa de ação
desenhado pela Constituição está diretamente relacionada com o nível de apreensão de seus
valores por parte de toda a sociedade, tanto de quem faz as leis, quanto de quem cuida da sua
aplicação, chegando àquele que as recebe.
Desse modo, propomos a reflexão sobre a finalidade de uma Constituição
de um Estado de Direito, no sentido de pensarmos formas de viabilizar a realização dos
direitos e das garantias fundamentais do homem, da democracia. Assim conseguiremos
construir mecanismos, a partir de seu arcabouço teórico, que assegurem as condições mínimas
de vida social, de desenvolvimento do senso de dignidade da pessoa humana, bem como do
exercício de cidadania e soberania popular.
23
A soberania popular será exercida somente quando os cidadãos tiverem
consciência sobre o significado do exercício de cidadania, que se constrói com o
enaltecimento da dignidade da pessoa humana.
O homem politicamente maduro reconhece com maior facilidade seus
direitos, passando a exigi-los em sua integralidade, por meio de escolhas. Ao perceber que, a
depender de suas atitudes, conseguirá, em maior ou menor grau, atender às suas necessidades
e que o atendimento de suas necessidades implica, necessariamente, na verificação da
realização das necessidades do outro, poderá atuar no sentido de alcançar a realização não
somente de seus direitos, mas também da comunidade como um todo.
Edgar Morin (2004, p. 107-108) ensina que:
A democracia, evidentemente, necessita do consenso da maioria dos cidadãos e do
respeito às regras democráticas. Necessita de que a maioria dos cidadãos acredite
na democracia. Mas, do mesmo modo que o consenso, a democracia necessita de
diversidade e antagonismos”. Complementa dizendo a seguir que: “A democracia
necessita ao mesmo tempo de conflitos de idéias e de opiniões, que lhe conferem
sua vitalidade e produtividade. Mas a vitalidade e a produtividade dos conflitos só
podem se expandir em obediência às regras democráticas que regulam os
antagonismos, substituindo as lutas físicas pelas lutas de idéias, e que determinam,
por meio de debates e das eleições, o vencedor provisório das idéias em conflito,
aquele que tem, em troca, a responsabilidade de prestar contas da aplicação de suas
idéias.
Propomos um olhar aos preceitos constitucionais além de sua função
diretiva, e entendermos os princípios constitucionais como um programa de ações
pedagógicas, no sentido de pensá-los não só como proclamação de direitos, mas também
como orientador de um modus operandi impregnado de seus valores, que enalteça e promova
a efetiva realização de seus princípios.
Miguel Reale ensina que a validade autônoma e objetiva e o sentido
prospectivo são qualidades inerentes às fontes do Direito, afirmando que o conteúdo das
fontes somente é adequado e plenamente compreendido em termos de regras ou normas de
Direito, quando, entre elas, se dá realce aos modelos jurídicos.
24
Reale, em suas palavras (1999, p. 29-30):
Pode um modelo jurídico coincidir, às vezes, com uma única norma de direito,
quando esta já surge como uma estrutura, denotando e conotando, em sua
formulação, uma pluridiversidade de elementos entre si interligados numa unidade
lógica de sentido, mas, geralmente, o modelo jurídico resulta de uma pluralidade de
normas entre si articuladas compondo um todo irredutível às suas partes
componentes.
Desse modo, continua o ilustre mestre (idem, p. 30): “Por outro lado, a
idéia de modelo jurídico contribui para uma compreensão prospectiva mesmo das regras
gerais que não se apresentam de forma estrutural, visto se situarem no macromodelo do
ordenamento jurídico.”
Neste sentido, o compromisso constitucional com a solução pacífica das
controvérsias, oferece-nos a maravilhosa oportunidade de reflexão sobre as Novas Formas de
Resolução de Conflitos, notadamente a Mediação e a Justiça Restaurativa, como modelos
jurídicos a serem utilizados pelo Poder Judiciário, com o potencial incrível de promoção de
grandes mudanças na forma de pensar e, conseqüentemente, de agir tanto dos operadores do
Direito como das pessoas destinatárias de seus serviços.
Um Estado Democrático de Direito apresenta duas atividades jurídicas
diferentes, a legislativa e a jurisdicional. A tarefa legislativa consiste em produzir normas
genéricas e abstratas, e a jurisdicional, aplica aos casos concretos da vida as previsões
preexistentes, prestando, sempre, atenção a sua função de guardiã dos valores que permeiam
todo o Ordenamento Jurídico.
Sabemos que não é uma tarefa simples colocar em prática o que temos
largamente assegurado por inúmeros preceitos legais. No entanto, estamos certos de que é
possível alcançar resultados mais satisfatórios por meio do conhecimento e da utilização de
outras formas de resolução de conflitos que promovam uma participação mais democrática e
digna das pessoas.
25
Vale ressaltar o inciso LXXVIII do art. 5o. da Constituição Federal,
introduzido pela Emenda Constitucional no. 45, de 2004- Reforma do Judiciário, que estatui
que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Apesar do cuidado que devemos ter no sentido de buscar celeridade sem
uma preocupação maior com os meios a serem utilizados para tanto, percebemos que há um
alerta constitucional no sentido de prescrever como direito fundamental a razoável duração do
processo, assegurando meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
O imenso volume de processos em trâmite e os obstáculos encontrados
pelo ordenamento jurídico em oferecer uma prestação jurisdicional que promova a realização
dos princípios Constitucionais, acendem-nos uma luz de alerta para enxergarmos que o
momento atual clama por formas criativas de pensar a função do Poder Judiciário, frente, ou
melhor, ao lado dos cidadãos para lidar com as situações conflituosas próprias da convivência
em sociedade.
Pensar a ciência jurídica dialogando com os saberes de outras áreas do
conhecimento, abrindo-se para a diversidade de opiniões representa uma via para o
surgimento de uma nova visão; o dogmatismo, a unidimensionalidade, a inflexibilidade
inviabilizam o desenvolvimento humano impossibilitando de forma crescente a realização dos
valores presentes no ordenamento jurídico constitucional.
Nesse sentido, Hilton Japiassu (2006, p. 15) ensina que:
O modo de pensamento ou de conhecimento fragmentado, monodisciplinar e
simplesmente quantificador, tomando como critério de construção o ponto de vista
(o paradigma) de um ramo do saber autodeterminado ou disciplina, com todos os
seus interesses subjacentes, é responsável pela prevalência de uma inteligência
bastante míope ou cega na medida em que é sacrificada a aptidão humana normal
de religar os conhecimentos em proveito da capacidade (também normal) de
separar ou desconectar.
26
1.3 O direito como estrutura social dinâmica
O mestre Miguel Reale (1994, p. 108) ensina que:
Todo modelo social, e o jurídico em particular, é uma estrutura dinâmica e não
estática: é-lhe inerente o movimento, a direção no sentido de um ou mais fins a
serem solidariamente alcançados, o que demonstra ser incompreensível a
experiência jurídica sem se levar em conta, como vimos, a sua natureza dialética.
Neste sentido, o eminente jurista (idem, p. 97) comenta que:
Observo, desde logo, que a colocação de fato, valor e norma, menos como
elementos do que como momentos de um processo, vinha confirmar que, sendo o
Direito uma dimensão da vida humana, compartilhava, ou melhor, expressava a
dialeticidade do homem, compreendido como “o único ente que originariamente é e
“deve ser”, ou, por outras palavras, como “ente, cujo ser é o seu dever-ser”. Os
componentes da experiência jurídica eram, pois, desde o início, focalizados à luz do
homem, de seu ser espiritual, ponto de partida e de chegada do processo histórico.
O Direito, segundo a Teoria Tridimensional de Reale, constitui-se de três
dimensões: fato, valor e norma. No entanto, enfatiza o jusfilósofo (idem, p. 104), que
somente mediante uma dialética de complementaridade, pela qual não se busca identificar
contrários e contraditórios, será possível a compreensão da experiência jurídica em toda a sua
abrangência, considerando, numa correlação essencial, o que nela se apresenta como
experiência espontânea e como experiência reflexa, compondo-se os modelos do Direito com
a vida mesma do Direito.
Partindo desta compreensão, os modelos do Direito agora em voga, ou seja,
a Mediação e a Justiça Restaurativa, podem ser analisados como experiências espontâneas
que, aos poucos, vão se colocando no contexto jurídico.
Os juízes, promotores, procuradores estão, cada vez mais, interessados em
conhecer como estas Novas Formas podem se efetivar; temos notícias de várias experiências
em curso, que aos poucos se estão formatando.
27
Muitos magistrados estão buscando ajuda no sentido de implantar estas
novas práticas no dia a dia de seu trabalho. Consideramos esta nova realidade como um
fenômeno social que vem tomando corpo, e que promete grandes mudanças na estrutura da
experiência jurídica.
Propomos lançar os olhos sobre as práticas da Mediação e da Justiça
Restaurativa, a partir da Teoria Tridimensional do Direito considerada em sua
complementaridade.
Temos primeiro o fato, representado pela situação conflituosa, depois, o
valor: 1- valor humano, enaltecido pelo conversar, “versar com”, que se dá no entrelaçamento
da linguagem com a emoção, proporcionando o espaço de criatividade com o surgimento de
múltiplas possibilidades de resolução pacífica das controvérsias; 2- valor da autonomia das
pessoas que agem pautadas pela liberdade como seres pensantes e responsáveis por suas
escolhas; 3- valor do exercício da cidadania e da democracia participativa, da dignidade
humana, pessoas empoderadas, conscientes do potencial transformador de suas atitudes com
relação às suas vidas e a da comunidade em seu entorno, com profundas reverberações nas
mais diversas dimensões existenciais; 4 – valor de ações que promovam uma cultura de paz.
E, a norma que se cria e se re-cria com o possível entendimento das
pessoas, mediante a participação conjunta de todos os envolvidos. Vale dizer, no entanto, que
tal norma que nasce desta interação e troca estabelecida no processo de construção conjunta,
deve respeitar os Princípios Constitucionais.
A tarefa do mediador é, como agente de realidade, desenhar, depois de as
partes terem chegado a um consenso, juntamente com elas e seus advogados, acordos que
respeitem os limites impostos pelos Princípios Fundamentais do Estado Democrático de
Direito. Em outras palavras, as partes criam normas de condutas que contemplam as
necessidades das pessoas envolvidas.
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As práticas da Mediação e da Justiça Restaurativas criam direitos entre as
pessoas envolvidas, sendo que estes direitos devem estar entre aqueles acolhidos pelo Direito
Natural Transcendental, definido por Reale (1994, p. 109) como resultante da:
constatação de que o homem, através do processo dialógico da história, vai
tomando consciência de determinados valores fundamentais, como, por exemplo, o
da inviolabilidade da pessoa humana, os quais, uma vez trazidos à luz da
consciência histórica, são considerados intangíveis. Tendo dito que, assim como
nas ciências biológicas se tem reconhecido a ocorrência de mutações que dão
origem a “invariantes biológicas”, até o ponto de parecerem “inatas”, da mesma
forma, na experiência ético-jurídica dá-se o advento de invariantes axiológicas
constantes e inamovíveis, por serem consideradas da essência mesma do ser
humano: são as constantes axiológicas transcendentais do Direito, porquanto, no
fundo foram elas que tornaram a experiência jurídica possível.
As práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa, em nosso entender, por
estarem inseridas, ao mesmo tempo em que são, em si mesmas, Direitos Fundamentais,
devem realizar-se em consonância com os valores que embasam o Estado Democrático de
Direito.
Por esta razão, são práticas que demandam preparo e seriedade em suas
implantações. Tais práticas devem ser fundadas em cuidados, tanto com o preparo das pessoas
para atuarem como mediadores ou facilitadores, como com o trabalho de supervisão do
trabalho efetuado. Supervisão esta no sentido de sempre haver uma reciclagem do
conhecimento prático e teórico do profissional e de seu preparo emocional para tanto.
1.4 Prestação jurisdicional e pacificação social
Pode-se afirmar, em consonância com os ilustres autores da conhecida obra
Teoria Geral do Processo, Cintra, Grinover e Dinamarco (2000) que:
A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais
intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o
mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve orientar essa coordenação ou
harmonização é o critério do justo e do eqüitativo, de acordo com a convicção
prevalente em determinado momento e lugar.
29
Quando falamos de tempos em que inexistia a figura do Estado controlador
da ordem jurídica, comumente descrevemos uma época em que sistemas primitivos de
solução de conflitos eram utilizados: autotutela ou autodefesa e autocomposição.
No entanto, a autocomposição usualmente descrita como sendo uma forma
de resolução de conflitos na qual uma das partes em conflito, ou ambas, abrem mão do
interesse ou de parte dele, não denota um olhar mais abrangente sobre a figura da
autocomposição.
Acreditamos que a autocomposição pode ser considerada como uma forma
de encontro das partes, por meio do qual conseguem vislumbrar alternativas que atendam aos
interesses de ambas, sem a conotação de abrir mão de um interesse em prol do outro. Parece
nos que a mensagem de um interesse subjugado ao outro é significativamente diferente da
idéia de construção de um consenso em que todos ganham.
Os citados autores (idem, p. 21) falam de três formas de autocomposição:
a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à
pretensão); c) transação (concessões recíprocas), definindo-as como parciais, no sentido de
que dependem da vontade e da atividade de uma ou de ambas as partes envolvidas.
Relatam o caminho seguido pelos indivíduos, que pouco a pouco, por
encontrarem inconvenientes no antigo sistema, começaram a delegar a um terceiro a resolução
de seus conflitos. Primeiramente mediante árbitros, pessoas de sua confiança que, em geral,
eram sacerdotes que atuavam em consonância com a vontade divina, ou a figura dos anciãos
que conheciam os costumes do grupo social.
Posteriormente, com a criação do Estado, houve a sujeição dos particulares
à vontade da lei. O Estado munido de autoridade para impor sua solução para os conflitos,
30
desempenhando a atividade de analisar as pretensões e resolvendo os conflitos, dá inicio à
tarefa jurisdicional.
No entanto, a prestação jurisdicional é tomada muitas vezes como uma
função estatal de dizer o direito com o fim de eliminar o conflito. O propósito de se eliminar o
conflito para se alcançar a pacificação social leva a distorções com relação à forma de pensar
os procedimentos utilizados para tanto.
Vale ressaltar, inicialmente, que, a despeito da inegável importância das
regras processuais que pautam a tarefa jurisdicional, não podemos esquecer de sua função de
reafirmar valores, utilizando as palavras de Leoberto Brancher, citadas em Justiça 21:
Por detrás de cada norma, residem, antes que direitos ou deveres, valores
fundamentais que se objetiva preservar: dignidade, integridade, igualdade,
isonomia, respeito, pertencimento, reciprocidade, solidariedade, harmonia. Vistos,
assim, desde essa dimensão ética, direitos e valores se confundem.
Completa o jurista que:
É por isso que refletir sobre o valor justiça, em sua dimensão mais profunda – dada
pela individualidade ética dos sujeitos - e sobre as práticas de justiça, em sua
dimensão mais institucionalizada e formal – dada pela função judicial- significa
lançar um olhar reflexivo sobre o modo como são resolvidos os conflitos e como
são respondidas as transgressões, onde quer que seja que essa função seja exercida.
(Idem, p. 10)
A função primordial de uma estrutura processual de resolução de conflitos
é construir um sistema que responda ao principal objetivo da tarefa jurisdicional, qual seja a
pacificação social.
Neste sentido, questionamos: como pensarmos leis processuais que
busquem a efetividade maior do sistema processual sem perceber a relação processual como
uma relação inter e intra-pessoal? Será que, admitindo que a situação conflituosa surgiu pela
dificuldade de entendimento, vale pensar que, se as partes tivessem a oportunidade do
31
encontro, com a ajuda de uma terceira pessoa no sentido de criar novas possibilidades de
diálogo, e, assim, de construção de possíveis soluções, estaríamos promovendo maior
eficiência processual e conseqüentemente uma nova cultura que privilegiasse atitudes
cooperativas e responsáveis?
Tanto a elaboração das leis, quanto a tarefa jurisdicional acontecem dentro
de um contexto de vida social e, a depender da visão de mundo utilizada, diferentes serão as
abordagens e as determinações procedimentais adotadas. Caso tenhamos maior clareza sobre
quais são nossas necessidades enquanto seres em relação, maiores serão nossas chances de
conseguirmos construir formas criativas de promoção de uma nova cultura, que valorize e
enalteça a humanidade que existe em cada um de nós, enquanto partícipe de uma sociedade,
que se constitui em constante relação e inter-relação de troca, num processo contínuo de
construção e reconstrução.
1.5 Humanizar pelo linguajar
Para compreender a historia evolutiva que deu origem ao humano, é
necessário, primeiro, olhar o modo de vida que tornou possível, no hominídeo, a origem da
linguagem.
A linguagem ao aparecer e conservar-se, estabeleceu a linhagem particular
que deu origem a nós, os seres humanos atuais. A origem da linguagem como um domínio de
coordenações comportamentais, consensuais, exige uma história de encontros recorrentes,
intensos e prolongados de aceitação mútua.
O que diferencia a linhagem hominídea de outras linhagens primatas é um
modo de vida social, no qual fêmeas e machos – unidos por uma sexualidade permanente e
não sazonal como a de outros primatas- compartilham alimentos, cooperam na criação dos
32
filhos, praticam a aceitação mútua e a coordenação de ações. Isto ocorre, conforme relatam
Maturana e Varela (2001, p. 243), no domínio das estreitas coordenações comportamentais
aprendidas (lingüísticas) que acontecem na incessante cooperação de uma família extensa.
Podemos afirmar que o modo de vida propriamente humano constitui
quando se agrega o conversar. Assim ocorre a estruturação e a conservação do entrelaçamento
da linguagem – vida mecânica- com o emocionar – vida não mecânica-.
O amor desempenha papel central no emocionar que constitui o espaço de
ações em que se dá o viver do hominídeo. Isso se confirma quando verificamos que a maior
parte das doenças humanas decorre do emocionar, da interferência com o amor.
Desse modo, ao surgir no modo de vida propriamente humana o conversar
como ação, pertencente ao âmbito emocional, surge da linguagem estabelecida por meio do
modo de estar nas coordenações, na intimidade da convivência, vale dizer, no modo de estar
no mundo.
A existência humana na linguagem abrange muitos domínios de realidade.
Cada um deles é constituído por um âmbito de coerências operacionais explicativas. Esses
distintos domínios de realidade são também campo de atividade que geramos na convivência
com o outro. Estes campos representam redes de conversação, ou seja, redes de coordenação
de ações e de emoções, constituindo o modo e o sistema da existência humana.
As emoções correspondem a movimentos, disposições corporais que
especificam o domínio de ações no qual um organismo se move. A emoção define as ações
humanas: tudo o que fazemos é feito a partir das emoções. O ser humano constitui-se como tal
na conservação de um modo específico de viver, pelo qual as ações e encontros humanos
decorrem do entrelaçamento do sentir –emoção- com o falar – linguajar-, ou seja, no
conversar.
33
Nós, seres humanos, pelo fato de existirmos no entrelaçamento de muitas
conversações, em diversos âmbitos operacionais, quando nos damos conta da importância de
recuperar nosso lado emocional – vida não mecânica – começamos a perceber que em nossa
cultura patriarcal, formatada pela razão do iluminismo ( alguns comparam o seu radicalismo
com o fundamentalismo religioso), as emoções foram desvalorizadas em favor da razão.
Desde crianças aprendemos a negar nossas emoções em benefício da razão.
Agora constatamos que esta forma de pensar implica em limitações à nossa humanidade, pois
perdemos a riqueza do contato com nossos sentimentos, negligenciamos o poder da reflexão.
Ser humano é desenvolver a capacidade tanto racional quanto emocional; para ser não basta
existir, e para existir não basta pensar.
A relação entre o emocionar e o “linguajar” fundamenta a arte de
conversar, (do “versar com”), e torna possível nossa compreensão das importantes dimensões
do ser humano: a liberdade e a responsabilidade.
A palavra conversar vem da união de suas raízes latinas que quer dizer
“com”, e versare que significa “dar voltas com” o outro. O dar voltas com o outro representa
a possibilidade de estar com o outro, e este “estar” pode, dependendo do grau de interação da
emoção, da linguagem e da razão, dar-se de diferentes maneiras.
Neste sentido, Maturana (1997, p. 181) ensina que:
Nessas circunstâncias, talvez o mais iluminador dessas reflexões sobre a ontologia
do conversar esteja no darmo-nos conta de que a compreensão racional do mais
fundamental do viver humano, que está na responsabilidade e na liberdade, surge a
partir da reflexão sobre o emocionar que nos mostra o fundamento não-racional do
racional.
A consciência destas duas dimensões do ser humano possibilita-nos
entender que, nas palavras de Maturana (1997, p. 181):
a) somos responsáveis no momento em que, em nossa reflexão, nos damos conta se
queremos ou não as conseqüências de nossas ações; b) somos livres no momento
34
em que, em nossas reflexões sobre nosso afazer, nos damos conta se queremos ou
não queremos nosso querer ou não querer suas conseqüências, e também nos damos
conta de que nosso querer ou não querer as conseqüências de nossas ações pode
mudar nosso desejar ou não desejar tais conseqüências.
Estamos participando de um momento de grandes mudanças na história da
humanidade Aos poucos, percebe-se que algo precisa ser feito para que consigamos construir
uma nova cultura que restabeleça princípios éticos de parceria, onde todos possam ser
respeitados em sua diversidade.
A visão estreita, no sentido de continuarmos preocupados somente com o
desenvolvimento da ciência jurídica, em termos racionais, com prescrições deontólogicas do
certo ou errado, negligencia a riqueza do contato e da aproximação de temas como encontro,
interlocução, sensibilidade, intuição e cooperação. Tais temas dizem respeito a nós enquanto
seres humanos que somos.
Riane Eisler (1989, p. 54), pensadora internacionalmente conhecida na
questão da mulher e da paz mundial, foi uma das diretoras do Center for Partnership Studies,
e, em sua obra O Cálice e a Espada -Nossa História, Nosso Futuro- faz um retrospecto da
história da humanidade desde 7000 a.C. para demonstrar que estudos arqueológicos indicam
que a sociedade pré-patriarcal em sua estrutura geral era notadamente igualitária.
A visão de poder representado pelo Cálice para a qual ela propõe o termo
de poder de realização, era o que predominava, diferentemente da noção atual simbolizada
pela espada como poder de dominação (Idem, p.58).
Pelas evidências do passado, examinadas no sítio arqueológico de Çatal
Hüyük , dentre outros, e pela descoberta da civilização de Creta que começa por volta de 6000
a. C., concluindo que a convivência era estabelecida de forma igualitária e harmônica, alguns
estudiosos resumiram a cultura minóica com palavras e expressões como “sensibilidade”,
“encanto da vida” e “amor à beleza e à natureza”. (Riane Eisler, 1989, p.54)
35
Apesar da influência da visão de poder de dominação da cultura do
patriarcado que passou a predominar na história da humanidade, os valores baseados no amor,
paz, harmonia e solidariedade do antigo sistema matrilinear estão presentes na própria
essência humana. Portanto, cabe a nós escolhermos sustentar e seguir uma estrutura social
dominadora ou de parceria.
Conforme Riane Eisler (1989, p. 248):
[...]sabemos que mudanças estruturais implicam também mudanças funcionais.
Assim como não se pode ficar sentado em um canto de uma sala redonda, em nossa
mudança de uma sociedade dominadora para uma sociedade de parceria, nossas
antigas formas de pensar, sentir e agir serão gradativamente transformadas.
Nesse sentido, continua a autora (idem, p. 248):
Ao longo de milênios da história registrada, o espírito humano esteve aprisionado
pelos grilhões da andocracia. Nossas mentes foram paralisadas, e nossos corações,
insensibilizados. No entanto, nossa luta pela verdade, beleza e justiça jamais se
extinguiu. Assim que rompermos estes grilhões, da mesma forma nossas mentes,
corações e mãos estarão livres, e nossa imaginação será criativa.
Por todo o exposto, constatamos que a ampliação do capital intelectual de
uma pessoa depende de modificações em sua estrutura cognitiva, isto é, mudanças de modelo
mental. A primeira condição para mudar é diminuir nossa resistência à transformação. Para
tanto, é preciso que não estejamos condicionados apenas por um determinado padrão, seja ele
o técnico- cientifico ou o humanista.
Daí a importância de olharmos para as várias nuanças da vida, e
estabelecermos um pensar que valorize os ganhos de cada uma delas. O pensar
complexamente imprime uma nova dinâmica no modo de analisarmos as conquistas da
ciência, da espiritualidade, da filosofia. Assumimos um papel ativo tanto na forma de
estabelecermos juízos críticos quanto na assunção de nossa responsabilidade pelos problemas
existentes. A crítica resulta de um comprometimento com a máxima de que não há uma única
36
verdade, de que toda e qualquer narrativa, seja técnica- científica, seja humanista, deve ser
aceita como contribuição para o engrandecimento humano.
1.6 Pacificação mediante ação
Em 1997 a Assembléia Geral das Nações Unidas declarou o ano de 2000
como o Ano Internacional da Cultura de Paz (resolução 52/15 de 20 de novembro de 1997) e,
em 1998, um manifesto, conhecido por Manifesto 2000, declarou o período de 2001 a 2010
como a Década Internacional da Cultura de Paz e Não Violência para as crianças do mundo
(resolução 53/25 de 10 de novembro de 1998).
Um grupo de contemplados com o Prêmio Nobel da Paz reunidos em Paris,
para a celebração do 50o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborou
o Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não Violência2.
O Manifesto sugere comportamentos e atitudes cuja prática viabiliza
relacionamentos inter-pessoais, com o meio ambiente e com a comunidade global da qual
participamos.
Este movimento abre a oportunidade para todos, juntos, transformar em
uma cultura pautada na desconfiança, competição e uso abusivo do poder em uma Cultura de
Paz, diálogo e responsabilidade partilhada.
A proposta manifesta o anseio coletivo por valores que sustentem uma
sociedade mais justa, solidária, fraterna, no qual a dignidade e o respeito mútuo promovam o
melhor de cada um de nós.
Sua proposta consiste em seis pontos:
2
Disponível em www.unesco.org
37
1- Respeitar a vida - respeitar a vida e a dignidade de cada ser humano, sem
discriminação nem preconceito.
2- Rejeitar a violência - praticar a não-violência ativa, rejeitando a violência em todas
as suas formas: física, sexual, psicológica, econômica e social, em particular contra os mais
desprovidos e os mais vulneráveis, tais como as crianças e os adolescentes.
3- Ser generoso, compartilhar meu tempo e meus recursos materiais no cultivo da
generosidade e pôr um fim à exclusão, à injustiça e à opressão política e econômica.
4- Ouvir para compreender,
defender a liberdade de expressão e a diversidade
cultural, privilegiando sempre o diálogo sem ceder ao fanatismo, à difamação e à rejeição.
5- Preservar o planeta- promover o consumo responsável e um modo de
desenvolvimento que respeitem todas as formas de vida e preservem o equilíbrio dos recursos
naturais do planeta.
6- Redescobrir a solidariedade- contribuir para o desenvolvimento de minha
comunidade, com plena participação das mulheres e o respeito aos princípios democráticos,
de modo a criarmos juntos novas formas de solidariedade.
O art.4o, VI e VII da Constituição Federal determina que:
Art. 4o. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais
pelos seguintes princípios:
VI - defesa da paz
VII - solução pacífica de conflitos
E, como Estado Membro das Organizações das Nações Unidas, o Brasil
está comprometido, também, ao lado da comunidade internacional, com: a construção e a
manutenção da paz; a prevenção de conflitos; a promoção da dignidade humana e dos direitos
humanos; o fortalecimento da democracia; o respeito à legalidade; a verificação da boa
governança e, com igualdade de todos os gêneros, dentre outras iniciativas que contribuam
para a valorização de uma Cultura de Paz.
38
Quando falamos em paz não estamos pensando em ausência de conflitos; o
conflito pode ser entendido como uma expressão de diferenças entre partes que acreditam que
seus interesses não possam ser satisfeitos simultaneamente, e, que, a partir da situação
conflituosa terão a oportunidade de construir ou não novas possibilidades de entendimento
Em uma situação conflituosa ocorre o encontro de inúmeras realidades
diferentes pois cada um a percebe de uma maneira. E a questão que se coloca é: como
trabalhar com essas inúmeras realidades? Entendemos que a tentativa de limitação ou
anulação das diferenças, certamente, provoca o sufocamento da criatividade e da ética da
diversidade, representando uma verdadeira forma de violência.
A paz que almejamos não é uma paz determinada de cima para baixo,
como um ideal apenas, mas sim uma paz construída a partir do potencial de cada ser humano,
com seus vícios e virtudes, sucessos e falibilidades, com amor e ódio, por meio de erros e
acertos, próprios de todo ser humano.
O grande desafio da construção da paz é justamente aprender a lidar com
os conflitos que resultam das diferenças, pois a idéia de catequização de todos no sentido de
alcançar a padronização da maneira de ser dos indivíduos, poderia até gerar uma sociedade
aparentemente tranqüila, sem questionamentos, sem espírito crítico; no entanto, a falta de
respeito pela diversidade, qualquer que fosse, por si só, constituiria desrespeito aos direitos
fundamentais do homem.
É certo que a subjugação de um interesse em prol de outro, não é o que
estamos propondo quando falamos de ações que promovam uma Cultura de Paz. Na medida
em que constatamos que nos tornamos humanos por meio do entrelaçamento da linguagem e
da emoção, percebemos que a comunicação pode ser uma estratégia viável para que a
sociedade humana consiga estabelecer uma troca no sentido de conhecer melhor os valores e
as necessidades que pautam os diferentes comportamentos e atitudes geradoras do conflito.
39
A conquista de um poder central, que imponha de fora para dentro regras
de conduta, tem apresentado dificuldade para lidar com a questão das diferenças. Quando
olhamos para o valor e para os princípios que estão por trás de uma regra de conduta,
percebemos que há um valor maior que une e vincula um individuo ao outro, uma etnia a
outra, que nos liga como seres vivos partícipes de um Universo comum.
Sabemos que os fenômenos sociais são os que garantem vida na terra; a
condição necessária para que exista vida é a legitimação do outro, legitimação como amor e
como anseio biológico que nos faz aceitar o outro com todas as suas diferenças.
Aos operadores do Direito, cabe pensar novas possibilidades de promoção
da paz. É certo que, quando abordamos o tema conflito de interesses, defesa de direitos, não
podemos deixar de perceber as dificuldades que a realidade fática apresenta, seja para
trabalhar as situações ou para assegurar a defesa de direitos.
A proposta é: refletirmos sobre as Novas Formas de Resolução Pacífica de
Conflitos como caminhos que promovam a paz, uma paz construída por seres humanos que,
com toda a sua humanidade apresentam facilidades e dificuldades, competências e
incompetências. Mas, acima de tudo, que estas novas formas possibilitem aos indivíduos o
exercício responsável e autônomo de cidadania em um Estado Democrático de Direito.
1.7 Reflexões sobre o caminhar da ciência jurídica ao longo do tempo e o
momento de seu despertar para novos rumos
O mundo ocidental seguiu a idéia cartesiana da divisão corpo e mente o
que provocou inúmeras distorções de valores e atitudes. O corte entre espírito e matéria levou
ao entendimento do universo como um sistema mecânico subdividido em peças separadas que
não se comunicam.
40
Vemos que essa concepção provocou efeitos em toda nossa cultura:
privilegiamos o pensamento racional linear onde sempre procuramos a lógica da causa e
efeito em detrimento de um entendimento mais amplo e complexo da realidade. Tal cisão
levou à fragmentação de nossas disciplinas acadêmicas, o conhecimento de uma área não se
comunica à outra, como se a vida, nas suas mais diversas formas e expressões, fosse formada
por peças separadas a serem entendidas e estudadas de forma única e estanque.
A filosofia positivista de Auguste Comte, pensador europeu de formação
matemática, propôs dar à Filosofia uma certeza própria das ciências físico- matemáticas.
Comte defendia que a Filosofia teria que estar em consonância com a
própria Ciência, marcando uma visão orgânica da natureza e da sociedade, fundada nos
resultados de um saber constituído, objetivamente, à luz dos fatos ou das suas relações.
Segundo Comte (2000, p. 40), a grande crise política e moral das
sociedades da época provinha da anarquia intelectual; portanto, ele pregava a fixidez das
idéias como primeira condição de uma verdadeira ordem social.
O conhecimento científico, para Comte, proporcionava o desenvolvimento
da técnica e do controle do poder. No período medieval, a verdade subordinava-se aos
enunciados reconhecidos como transcendentais, isto é, o conhecimento era limitado pela
Teologia. Na visão positivista, a verdade passava a ser subordinada aos enunciados da
Ciência.
O positivismo ensejou o sentimento de desconfiança por tudo que não fosse
cientificamente comprovado, passando a valorizar acima de tudo a ordenação e sistematização
do conhecimento humano.
O Direito, inserido neste contexto, passou a ser tratado somente técnica e
racionalmente. Até o final do século XVIII o Direito foi definido individualizando-se duas
41
espécies de Direito, o Natural e o Positivo. È certo que o Direito Natural apresentava-se como
universal, imutável, originário da própria razão humana; enquanto o direito positivo
caracterizava-se justamente pela particularidade, pela mutabilidade com relação ao tempo e à
vontade de quem o postulava, sendo conhecido somente mediante uma declaração posta.
A distinção era feita não pela sua qualidade ou qualificação, mas sim,
tomando em conta a graduação da superioridade de uma com relação à outra. Graduação esta
que deixa de existir no momento que nasce, com o positivismo jurídico, nas palavras de
Bobbio (1995, p. 26): o “direito positivo” e o “direito natural” não mais considerados no
mesmo sentido: “Por obra do positivismo jurídico ocorre a redução de todo o direito a direito
positivo, e o direito natural é excluído da categoria do direito: o direito positivo é direito, o
direito natural não é direito.”
Os Jusnaturalistas modernos consideraram a teoria do Direito Natural no
mesmo plano racional da matemática, para o qual Descartes levou a filosofia e todas as outras
pesquisas científicas, acreditando-se que o recurso à razão levaria às verdades da ciência.
Este corte provocou a crença de que o Direito Natural representava apenas
o direito do homem, único ser racional, opondo-se ao entendimento de Ulpiano (Digesto,
Primeiro Livro, PrimeiroTítulo, Parágrafo 3) de que direito natural dizia respeito ao que a
natureza ensinava a todos os animais e, por isso, não seria próprio apenas do gênero humano,
mas comum a todos os animais que viviam na terra, no mar e no céu.
No contexto jurídico houve grande aceitação da doutrina positivista,
alcançando seu apogeu com a apresentação da Teoria Pura do Direito. A concepção de
positivismo é ligada também à formação do Estado Legal, passando-se a elevar o Estado
como criador e defensor de todos os direitos.
Conforme Bobbio (1995, p.27),
42
com a formação do Estado moderno , ao contrário, a sociedade assume uma
estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em
primeiro lugar aquele de criar o direito: não se contenta em concorrer para esta
criação, mas quer ser o único a estabelecer o direito, ou diretamente através da lei,
ou indiretamente através do reconhecimento e controle das normas de formação
consuetudinária.
A Teoria Pura do Direito desenvolvida por Kelsen (1999, p. 79) afirma que
o objeto da ciência jurídica é o Direito, e que as normas jurídicas representam o objeto a ser
estudado. Ele defendeu que a conduta humana só se constitui como objeto, na medida em que
é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência, ou quando se
constitui como conteúdo de normas jurídicas.
A Teoria de Kelsen, além de defender a divisão do sujeito observante do
objeto a ser observado, como se fosse possível conceber que o objeto estudado não influencia
nem é influenciado pelo seu observante, coloca como objeto de estudo a letra da lei renegando
qualquer influência externa ou interna no momento do estudo.
Este posicionamento é a base do modelo que proporcionou, fazendo uma
analogia ao trabalho desenvolvido pelo magistrado, o trato de uma relação jurídica processual
como um objeto a ser analisado sem que haja interação e troca, com total distanciamento dos
seres humanos envolvidos na situação de conflito.
Temos, nesse contexto, a figura do juiz dissociada de sua humanidade,
sensibilidade e espiritualidade, pois como observante deveria apenas ocupar uma posição
mecânica de avaliador e sentenciador.
Com o tempo, pela complexidade cada vez maior da realidade política
social, ocorreram algumas alterações no sentido de aumentar as possibilidades de participação
do juiz, com maior liberdade de interpretação e participação em função da aplicação de
princípios e de cláusulas gerais.
43
Leoberto Brancher, Juiz de Direito da Vara de Infância e Juventude de
Porto Alegre, fala neste sentido, que:
Nesse contexto o juiz passa a exercer uma contribuição pessoal intensa, mediante
ponderações de ordem valorativa, escolhendo com base nos valores as normas mais
adequadas para alcançar a solução mais justa para cada caso, de forma a respeitar
sua singularidade (JUSTIÇA 21, p. 11).
E, assim, continua o magistrado:
Essa tendência evolutiva, que enfatiza os valores lhes dá relevância cada vez maior
que às leis, indica que a atividade valorativa do juiz possa vir a ser
progressivamente substituída pela contribuição das próprias pessoas envolvidas no
conflito, cuja visão dos fatos e valores certamente serão sempre mais condizentes e
adequados à própria realidade. (Idem, p. 11)
Estamos, assim, diante de uma postura de abertura do sistema judiciário,
para o desenvolvimento de outras formas de resolução de conflitos.
Dito isto, propomos uma reflexão sobre o Direito a partir da luz que Edgar
Morin reflete sobre a necessidade de se desenvolver uma ciência com consciência. Neste
sentido, apontamos para a responsabilidade do cientista enquanto partícipe da construção do
conhecimento que produz, e assim, consciente dos valores éticos e morais do potencial que
nasce de seu trabalho. Potencial no sentido do vir a ser, dos reflexos, das reverberações e das
conseqüências de suas escolhas.
Morin (2000, p. 34) adverte que: “a responsabilidade não tem sentido senão
com relação a um sujeito que se percebe, reflete sobre si mesmo, discute sobre ele mesmo,
contesta sua própria ação”. Percebemos a necessidade da reflexão dos juristas como sujeitos
responsáveis pela construção não apenas de um conhecimento técnico científico mas também
de uma atuação como sujeito consciente que reexamina suas próprias atitudes.
O que se espera dos sujeitos que compõem o sistema processual, advogado,
juiz, promotor de justiça, oficiais de justiça, cartorário, psicólogo, assistente social,
atualmente, também, conciliadores e mediadores, é justamente uma postura reflexiva sobre
44
seu papel enquanto construtor de realidades que podem, a depender de suas escolhas, se
desenhar de diferentes formas.
Luis Alberto Warat (2002, p. 68-69), ensina que:
[...]
A racionalidade deixa de ser suficiente; precisa da sensibilidade que visa ao
religamento do homem com o cosmos e com a natureza, com o outro e consigo
mesmo. São homens sensíveis que se preocupam e ocupam-se com a qualidade de
vida, com a ecologia em todas as suas esferas, com a vida em sua complexidade
multidemensioanal. Particularmente, em relação ao Direito, há uma sabedoria que
não aceita mais, como exclusiva, a razão normativa e começa a pensar nos Direitos,
em uma rede de múltiplas dimensões ocupadas com a qualidade de vida. É uma
sabedoria que começa a dizer aos juristas que a razão das normas não basta para
satisfazer os desejos de realização da autonomia, ou como se falava na
modernidade, da emancipação.
Cada indivíduo, ainda que sendo parte de uma instituição, toma corpo e
existência própria, sendo dono de si, assumindo seus pensamentos e atitudes frente às
situações do dia a dia. Temos o poder de escolha, vale dizer, se cada um de nós se propuser a
desenvolver estratégias para construção de uma cultura de parceria estará contribuindo para a
construção de uma Cultura de Paz.
45
II. BREVE RETROSPECTIVA DO DIREITO PROCESSUAL
BRASILEIRO
Segundo Costa (1970), após a Independência do Brasil, com a
determinação legal de 20 de outubro de 1823 o processo civil continuou a ser regido pelas
disposições do Livro III das Ordenações Filipinas, acrescidas de normas introduzidas pelas
leis extravagantes.
Inicialmente, no Brasil, adotaram-se as Ordenações Filipinas e as Leis
portuguesas avulsas no processo comercial, mais tarde, também o foram no processo civil.
A Constituição Política do Império de 25 de março de 1824 dispôs sobre o
Poder Judicial em Capítulo único, disciplinando algumas matérias.
Interessante notar que trouxe em seu bojo a indispensabilidade da tentativa
de reconciliação como condição prévia ao processamento de qualquer causa e, para esse fim,
seriam eleitos juízes de paz.
Com a Lei de 29 de novembro de 1832, promulgou-se o primeiro Código
de Processo Criminal de primeira instância. Anexa ao Código, vinha a Disposição Provisória
acerca da administração da Justiça Civil contendo 27 artigos; considera-se o primeiro período
do direito processual civil brasileiro.
Essa Disposição Provisória disciplinou a Conciliação como prática
processual. Vale a pena, pela importância deste documento para a História do Direito
Processual Civil Brasileiro, transcrever os artigos que trataram do assunto:
Art. 1o. Pode intentar-se a conciliação perante qualquer juiz de paz onde o réu for
encontrado, ainda que não seja a freguesia do seu domicílio.
Art.2o. Quando o réu estiver ausente em parte incerta poderá ser chamado por
éditos para a conciliação, como é prescrito para as citações em geral.
Art.3o. Se o autor quiser chamar o réu à conciliação, fora de seu domicílio, no caso
do art. 1o., será admitido a nomear procurador com poderes especiais,
declaradamente para a questão iniciada na procuração.
46
Art.4o. Nos casos de revelia à citação de juiz de paz se haverão as partes por não
conciliadas, e o réu será condenado às custas.
Art. 5o. Nos casos que não sofrem demora, como nos arrestos, embargos de obra
nova, remoção de tutores e curadores suspeitos; a conciliação se poderá fazer
posteriormente à providência, que deve ter lugar.
Art. 6o. Nas causas em que as partes não podem transigir, como procuradores
públicos, tutores testamenteiros, nas causas arbitrais, inventários e execução, nas de
simples ofício do juiz e nas de responsabilidade, não haverá conciliação.
Art. 7o. Nos casos de se não conciliarem as partes, fará o escrivão uma simples
declaração no requerimento para constar no Juízo contencioso, lançando-se no
protocolo, para se darem as certidões, quando sejam exigidas. Poderão logo ser as
partes aí citadas para Juízo competente que será designado, assim como a audiência
do comparecimento e o escrivão dará prontamente as certidões.
Estes são os artigos que mencionavam, mais diretamente, o instituto da
Conciliação; no entanto, todo o documento de 27 disposições legais representou um avanço
na concepção do processo civil, nas palavras de Moacir Lobo da Costa (1970, p. 10):
A reforma, inspirada nas idéias liberais de que estavam imbuídos os homens que
detinham o poder, destinava-se a transformar o processo civil em instrumento mais
dúctil e menos complicado, despindo-o de atos e formalidades inúteis e de recursos
excessivos, para possibilitar distribuição da justiça mais rápida e menos
dispendiosa.
Complementa, ainda, o autor que:
Antecipando-se a Chiovenda e demais pregoeiros da oralidade processual e seus
postulados, os autores da reforma de 1832, consagraram, com quase um século de
antecedência, os princípios da imediatidade do juiz com as provas, da publicidade
dos atos probatórios [...] (Idem, p. 10)
De acordo com as primeiras leis e decretos imperiais, no período
compreendido entre a fundação do Império e os Governos da Regência, a determinação do
processo civil era no sentido de que o processo só se instaurava, após a tentativa obrigatória
de Conciliação perante o juiz de paz, salvo nos casos das exceções do artigo 6o. das
disposições transitórias.
Com o Regulamento n. 737 de 1850, inicia-se o segundo período do direito
processual civil. Ao Regulamento somaram-se outras leis e decretos que alteraram, em
47
diferentes pontos, as normas que regulamentavam o processo civil, ou criaram novas regras a
respeito.
O Regulamento n.737 de 1850 trata da Conciliação no Capítulo I, ao longo
dos artigos 23 ao 38, que disciplinam a obrigatoriedade, com algumas exceções, da tentativa
de Conciliação prévia, nas causas comerciais.
A Consolidação das Leis do Processo Civil, em 1876, conhecida como
Consolidação Ribas, tratou da Conciliação nos artigos 185 a 200. Previu para os processos
intentados, em regra, a conciliação obrigatória, devendo ser tentada perante juiz de paz, sua
não realização importava em nulidade do processo.
A regulamentação da tentativa prévia de Conciliação continuou a figurar
até a proclamação da República, quando, por força do Decreto n. 359, de 26 de abril de 1890,
revogadas foram as leis que exigiam a Conciliação como formalidade preliminar.
A nova Constituição Republicana de 1934 restabeleceu a unidade do
direito processual, perdida com a tendência descentralizadora da Constituição de 1891. A
Constituição de 1937, posteriormente, manteve a unidade processual, reservando para a União
a competência privativa para legislar sobre o Direito Processual. Em 18 de setembro de 1939,
o Decreto-lei n. 1608 promulgou como Código de Processo Civil o texto do Anteprojeto.
A legislação trabalhista de longa data prevê a Conciliação, o Decreto
n.21.396, de 12 de maio de 1932 instituiu as Comissões “Mistas” de Conciliação destinadas a
conciliar os conflitos coletivos de trabalho, originários das convenções coletivas. O Decreto
n.22.132, de 25 de novembro de 1932, criou as Juntas de Conciliação e Julgamento para
dirimir litígios individuais. (MTB, SRT, 1997, p.15)
“A Constituição Federal de 1934 instituiu a Justiça do Trabalho, mas
somente em 1939 as Juntas de Conciliação e Julgamento tornaram-se seus órgãos. A partir de
48
então, deu-se a separação da atividade de mediação, prerrogativa do Ministério do Trabalho,
da obrigatoriedade de tentativa de conciliação e a arbitragem judicial, ambas da competência
exclusiva da Justiça do Trabalho”. (MTB-SRT, 1997, p. 16)
A Lei n. 9.958, de 12 de janeiro de 2000, dispõe sobre as Comissões de
Conciliação Prévia, alterando e acrescentando artigos à Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT, que passou a vigorar acrescida do seguinte Título VI-A:
Art. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação
Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos
empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do
trabalho.
Art. 625-B. A Comissão instituída no âmbito da empresa será composta de, no
mínimo, dois e, no máximo, dez membros, e observará as seguintes normas:
I - a metade de seus membros será indicada pelo empregador e outra metade eleita
pelos empregados, em escrutínio,secreto, fiscalizado pelo sindicato de categoria
profissional;
II - haverá na Comissão tantos suplentes quantos forem os representantes títulares;
III - o mandato dos seus membros, titulares e suplentes, é de um ano, permitida uma
recondução.
§ 1° É vedada a dispensa dos representantes dos empregados membros da
Comissão de Conciliação Prévia, titulares e suplentes, até um ano após o final do
mandato, salvo se cometerem falta, nos termos da lei.
§ 2° O representante dos empregados desenvolverá seu trabalho normal na empresa
afastando-se de suas atividades apenas quando convocado para atuar como
conciliador, sendo computado como tempo de trabalho efetivo o despendido nessa
atividade.
Art. 625-C. A Comissão instituída no âmbito do sindicato terá sua constituição e
normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo.
Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão
de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido
instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.
A figura da Conciliação volta a aparecer no cenário Processual Civil com a
Lei n. 968, de 10 de dezembro de 1949, que estabelece a fase preliminar de Conciliação ou
acordo nas causas de desquite litigioso ou de alimentos, inclusive os provisionais e dá outras
providências.
49
Determinando em seu artigo 1o que: Nas causas de desquite litigioso e de
alimentos inclusive os provisionais, o juiz, antes de despachar a petição inicial, logo que esta
lhe seja apresentada promoverá todos os meios para que se reconciliem, ou transijam, nos
casos e segundo a forma em que a lei permite a transação. E, seu artigo 2o. disciplina, ainda,
que: Para os fins do artigo anterior, o juiz, pessoalmente, ouvirá os litigantes, separada ou
conjuntamente e poderá ainda determinar as diligências que julgar necessárias.
Observa-se que essa lei faz referência à reconciliação, insta salientar que
conciliação e reconciliação não significam a mesma coisa, por reconciliação podemos
entender renúncia do autor à pretensão.
A Constituição Federal de 1988, no Capítulo que trata do Poder Judiciário,
faz referência a Conciliação.
Artigo 98. A União, no Distrito Federal e nos territórios, e os Estados criarão:
I- juizados especiais, providos por juízes togados e leigos, competentes para a
conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e
infrações penais de menor complexidade e infrações penais de menor potencial
ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses
previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de
primeiro grau;
II- justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto,
universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei,
celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o
processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional,
além de outras previstas na legislação.
A Conciliação no Juizado Especial tem fundamento em preceito
constitucional, razão pela qual é instituição de ordem pública. E, passou a ser regulamentada
pela Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 e, posteriormente, no âmbito da Justiça Federal
pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001..
Os juizes de paz não passaram a exercer práticas conciliatórias, conforme
previsto.
50
O Código de Processo Civil, em vigência, traz a previsão da tentativa de
Conciliação a ser realizada pelo próprio Juiz de Direito em audiência preliminar. A Lei
8.952/94 alterou, dentre outros, os artigos 125 e 331 do Código de Processo Civil.
Artigo 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
competindo-lhe:
IV- tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
O artigo 331 sofreu nova alteração com a redação dada pela Reforma de 2002.
Artigo 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e
versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência
preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes
intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto,
com poderes para transigir.
Parágrafo 1o Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
A Lei 9.307/96 revitalizou a arbitragem na vertente judicial e reforçou os
poderes conciliatórios do juiz, estimulando sua atividade (mediadora) no curso do processo.
Humberto Theodoro Júnior (1999, p. 147) comenta:
[...] releva notar o empenho do legislador brasileiro em estimular a solução
conciliatória dos litígios correspondente a uma tendência dominante no direito
comparado moderno. Na França, por exemplo, recente reforma do Código de
Processo Civil adotou como medidas obrigatórias a conciliação e a mediação. Com
isso ficou expressamente declarado em lei que “integra a missão do juiz conciliar as
partes (art. 21do novo Código de Processo Civil)”. Foi mais longe, ainda, a
inovação do direito processual francês: criou-se em todo órgão judicial a figura do
“conciliador”, que é um agente auxiliar do juízo, cuja função não é julgar, mas
simplesmente aproximar as posições dos litigantes. Essa conciliação deve ser
tentada antes do ajuizamento da causa e também no curso do processo. Com isso
procura-se valorizar a denominada “justiça consensual”, que goza no momento “de
todos os favores do legislador francês, que nela enxerga um meio de aliviar os
tribunais e de tornar mais humana a Justiça”. Observa Roger Perrot que “a
preocupação é louvável; liga-se à idéia de que neste fim do século XX, o
jurisdicionado aspira a uma Justiça mais simples, menos solene, mais próxima de
suas preocupações quotidianas, àquilo que numa palavra se denomina Justiça de
proximidade.
O rápido passeio pela história da formação do nosso sistema processual,
enfatizando a previsibilidade de novas figuras de resolução consensual de conflitos, tem o
condão de verificar o interesse despendido pelos legisladores neste sentido. No entanto,
51
ousamos afirmar que, apesar da intenção, não houve uma preocupação maior em relação ao
significado e a abrangência das propostas.
Pensamos que a falta de compreensão dos juristas com relação às
diferenças epistemológicas que acompanharam a prática da Conciliação ao longo do tempo,
pede uma reflexão mais apurada sobre o significado da Conciliação; as diferentes
possibilidades de suas aplicações práticas, conforme falaremos com mais detalhes a seguir,
demonstram a falta de uniformidade de entendimento a respeito de seu conceito e a que se
destina.
2.1 O sistema processual e os Princípios Constitucionais do contraditório e
do acesso à justiça
Ao analisarmos as linhas evolutivas da história processual nos deparamonos com três fases principais: a primeira em que o Processo era tido como simples meio de
exercício de Direito, denominado “Direito Adjetivo”; a segunda, marcada por grandes
conquistas científicas do Direito Processual; a terceira, na qual nos encontramos, conhecida
como instrumentalista. (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2000, p. 42)
Partindo da segunda fase, apontada como a época das grandes conquistas
científicas, percebemos a atenção voltada para a busca de autonomia do Direito Processual,
sendo explícita a influência cartesiana na forma de se pensar o sistema processual como uma
ciência independente, vale dizer, como parte separada do todo. Como se o instrumento
processual necessitasse de um estudo específico isolado de toda a ciência jurídica para se
firmar como ciência autônoma.
Nossa intenção não é apenas criticar, pois é inegável a maturidade teórica
alcançada pelo sistema processual; visamos somente apontar que a preocupação de se formar
52
matrizes conceituais e funcionais independentes do Direito material, aliado ao anseio pelo
desligamento do antigo conceito civilista da ação, acabou provocando um afastamento entre a
relação processual e o conflito que lhe deu origem.
Teoricamente pode-se dizer que a ciência processual conseguiu delimitar
seu objeto estabelecendo suas premissas metodológicas. No entanto, por vezes o foco
colocado em classificações terminológicas e conceituais resultou na dificuldade de se
perceber que uma relação jurídica processual é estabelecida entre seres humanos.
O entendimento de que a ação, de instituto de direito material, passa a ser
de instituto processual, dirigida, não à parte contrária, mas ao juiz, denota o distanciamento
entre a dogmática processual e a situação da vida real que consubstancia a relação jurídica
processual.
Os próprios processualistas modernos têm demonstrado preocupação neste
sentido, quando afirmam que conceitualmente a ciência processual já chegara a níveis mais do
que satisfatórios, não se justificando mais a postura metafísica voltada a investigações
conceituais destituídas de aplicação prática. (DINAMARCO, 2001, p. 21)
A formalidade dos ritos processuais causa, muitas vezes, uma situação
artificial da relação processual, como se os envolvidos fossem máquinas que participassem
apenas e tão somente por meio de seus representantes legais e, ao final da demanda,
obtivessem uma solução imposta pelo juiz. As partes, muitas vezes, não conseguem entender
nem mesmo a linguagem utilizada pelos operadores do Direito, dificultando sua compreensão
do que está sendo tratado e discutido durante um processo.
Com a renovação dos estudos do Direito Processual no final da década de
sessenta e início de setenta ocorre um novo ajuste estabelecendo a conexão do Processo com a
53
Constituição. O Direito Processual passa a ser visto como uma espécie de Direito
Constitucional aplicado.
Neste sentido, Willis Santiago Guerra Filho (no prelo), comenta que:
Até o momento, porém, essas análises se limitaram a ensejar esforços no sentido de
realizar adaptações da dogmática processual às exigências de compatibilidade aos
ditames de nível constitucional, relacionados diretamente com o processo, isto é,
aquelas garantias do chamado “devido processo legal”: a independência do órgão
julgador, o direito de os interessados terem acesso ao juízo e serem tratados com
igualdade etc.
Completando, o eminente autor, diz que:
Inexplorada permanece ainda a via que pode levar a uma completa reformulação do
modo de conceber o processo, ao se tentar estruturá-lo de acordo com os
imperativos de um Estado de direito social e democrático, como atualmente se
configuram as sociedades políticas ditas mais desenvolvidas.
É justamente sobre este ponto que queremos voltar nossa atenção,
propondo uma reflexão sobre o processo como um instrumento de realização dos princípios
Constitucionais. E como tal, analisarmos os efeitos pessoais e sociais provocados ao longo de
seus inúmeros passos procedimentais, pois seu caminhar tem o potencial de imprimir, ou não,
o ideal valorativo de um Estado Democrático de Direito.
O desrespeito ao princípio do contraditório é muitas vezes constatado
quando não se concede direito de voz às partes; entendemos voz em seu sentido literal, vale
dizer, a possibilidade de as pessoas se colocarem frente ao outro, para que tenham a
possibilidade de se expressar assegurando-se a probabilidade de realização de uma conversa.
Sabemos que tal concepção do princípio do contraditório é diferente da usual, mas
consideramos o contraditório em sentido amplo, como direito à manifestação e à participação
das partes em juízo.
O direito de voz representa, também, o respeito ao principio da democracia
e da dignidade humana, pois facilita a conscientização de cada um enquanto ser humano, com
54
suas fraqueza, suas virtudes, enfim, humanos em relação ao outro humano. Desse modo, temse a aproximação da realidade teórica – princípios Constitucionalmente proclamados- da
realidade prática da vida – direitos Constitucionais realizados.
O descrédito crescente na efetiva atuação do Poder Judiciário, alimenta
uma insegurança jurídica que nos leva a um cenário de cidadãos desorientados. O
ordenamento jurídico é colocado em cheque quando não promove tranqüilidade com relação à
aplicação coerente de seus mandamentos.
Ademais, analisando o princípio Constitucional de acesso à justiça, vemos
o grande paradoxo em que estamos envolvidos. Como falar em acesso à justiça em um país
onde o número de processos é absurdamente desproporcional ao contingente de magistrados,
com excessivo formalismo e altíssimos custos? Como falar em acesso à justiça com o tempo
quase interminável para um processo chegar a uma sentença que na maioria das vezes não
resolve a situação de conflito que o originou?
O próprio sistema processual propicia o não acesso à justiça na medida em
que não promove valores como respeito à dignidade humana e à democracia – também
consagrados como Princípios Constitucionais.
Cappelletti (1988, p. 67), em sua célebre obra, comenta o despertar, no
início de 1965, do interesse a respeito do acesso efetivo à justiça e distingue três posições
básicas adotadas nos países do mundo Ocidental.
Os posicionamentos surgiram mais ou menos em seqüência cronológica: a
primeira onda desse movimento previu a assistência judiciária para os pobres; a segunda, teve
como objetivo proporcionar representação jurídica para os interesses difusos; já a terceira
onda de acesso à justiça centrou-se não apenas na estrutura clássica do Judiciário mas também
55
no “conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para
processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas”.
É exatamente sobre a terceira onda que queremos voltar o olhar. De
abrangência muito maior, o movimento passa a focar a necessidade de se pensar novos
mecanismos procedimentais que tornem exeqüíveis os direitos conquistados. Cappelletti fala
do encorajamento trazido por este enfoque a uma ampla variedade de reformas, como
alterações nas formas procedimentais, ou seja, mudanças na estrutura dos tribunais, criação de
novos tribunais abrangendo, inclusive, o trabalho de pessoas leigas ou para-profissionais.
Os reflexos das mudanças trazidas pela chamada terceira onda são sentidos
na elaboração da Constituição de 1988, o artigo 98 demonstra esta preocupação quando prevê
a criação dos Juizados Especiais, que vieram à luz seguindo esta tendência. Ressaltamos, mais
uma vez, que a falta de conhecimento sobre a novidade proposta e o conseqüente despreparo
das pessoas idealizadoras deste novo modelo, levaram à ineficiência de sua aplicação,
conforme veremos a seguir.
2.2 Juizados Especiais
Os anos 1980 foram palco de um grande movimento de transformação e
desburocratização do sistema de justiça e pode-se sustentar que houve o início de um processo
de mudança. Dentre as inovações, destacam-se, no âmbito das instituições, os Juizados de
Pequenas Causas, posteriormente Juizados Especiais, como um novo contexto para a
resolução de conflitos.
O surgimento dos Juizados pode ser enquadrado no movimento
internacional de acesso à justiça, ou em conseqüência das ondas de acesso à justiça a que se
56
refere Mauro Capelletti. No Brasil, essa iniciativa foi liderada pelo Poder Executivo, mais
especificamente, pelo Ministério da Desburocratização.
A Lei n. 7.244, de 1984 criou os Juizados de Pequenas Causas, com a
finalidade, principal, de facilitar o ingresso na Justiça do cidadão comum. As principais
características desses Juizados deveriam ser: a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a
celeridade e a busca insistente da solução conciliada e amigável dos conflitos.
Sublinhe-se que os objetivos básicos da criação desses Juizados não foram
para solucionar ou amenizar os problemas que marcam a justiça comum, mas sua razão de ser
foi a de instituir uma nova forma de garantir direitos e solucionar conflitos que
possibilitassem a democratização do acesso à justiça.
A estruturação desses Juizados não apresenta as características da civil law
– sistema jurídico românico-germânico- tal como o ordenamento jurídico brasileiro; sua
matriz para a solução de conflitos é a conciliação e não, a sentença, é a composição e não, a
estrutura adversarial que rege nossa cultura jurídica.
A Constituição Federal de 1988 tratou de tornar a criação desses Juizados
obrigatória em todas as unidades da Federação, alterou sua denominação para Juizados
Especiais Cíveis e dispôs sobre a instituição dos Juizados Especiais Criminais.
A Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 disciplinou os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais, regulamentou a ampliação da competência dos Juizados Cíveis
de 20 para 40 salários mínimos, atribuiu competência para executar suas próprias sentenças e
também para promover execução de títulos extrajudiciais, para processar e julgar ações de
despejo para uso próprio. Posteriormente, possibilitou o acesso de microempresas, tornando
obrigatória a presença de advogados em causas que ultrapassassem o valor de 20 salários
57
mínimos. Introduziu no sistema penal brasileiro um modelo consensual de Justiça Criminal,
representando um enorme avanço com relação a resposta do Estado às situações de conflitos.
A Lei n.10.259, de 12 de julho de 2001 dispôs sobre a instituição dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito Federal, para processar e julgar os feitos de
competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, sendo
assim considerados os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou
multa.
Desse modo, surge no cenário jurídico nacional uma perspectiva de
possível evolução do próprio Direito Processual. A mudança não é sentida somente pela
implantação de novas regras procedimentais, mas trata-se de um novo processo que estabelece
uma nova configuração da relação jurídica processual. As inovações vão desde a filosofia que
permeia a forma de se pensar os conflitos até a mudança efetiva do trato da situação
conflituosa, com as simplificações procedimentais.
Segundo Cândido Rangel Dinamarco (2001, p. 1426), é indispensável a
interpretação histórica e sistemática para a percepção das tendências que a nova Lei revela,
apontando que:
O primeiro elemento a levar em conta, nesse exame sistemático e de tendências, é
representado pelo espírito dos juizados e do processo especialíssimo que neles tem
lugar desde que implantada a Lei das Pequenas Causas. Como foi dito com muita
autoridade, não se trata somente de regras procedimentais simplificadoras, mas
também da implantação entre juiz e partes no processo, novo modo de tutelar
pessoas.
Todavia, a falta de afinidade com relação ao tema, impossibilitou uma
percepção mais apurada, por parte dos legisladores. Este novo espaço aberto para resolução de
conflitos, deveria ter sido pensado juntamente com profissionais de outros campos científicos,
no sentido de aproveitar estudos sobre: métodos de comunicação; uso da linguagem; teoria
58
sistêmica; psicologia, sociologia; filosofia, enfim, conhecimentos advindos de outras áreas do
saber, para viabilizar a construção das formas de desenvolvimento desta nova proposta.
O artigo 3o da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, prevê que o
Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas
cíveis de menor complexidade, assim determinadas, em consideração ao valor da causa,
incluindo às situações enumeradas no artigo 275 do Código de Processo Cível, que versa
sobre o procedimento sumário.
Já o seu artigo 7o determina que os conciliadores e juízes leigos são
auxiliares da Justiça; os primeiros são recrutados, preferentemente, entre os bacharéis em
Direito e os segundos, entre advogados com mais de 5 (cinco) anos de experiência.
Talvez por se imaginar a utilização da prática da Conciliação para se
resolver questões classificadas como de menor complexidade, pensou-se tratar de tarefa fácil.
No entanto, ainda que seja para trabalhar questões conflituosas que não requerem um
aprofundamento no trato das relações intra e interpessoais, não dá para aceitarmos que para
atuar como conciliador basta ser bacharel em Direito ou advogado experiente.
Inclusive a menção sobre os conciliadores e os juízes leigos em um mesmo
artigo, denota grande confusão com relação às diferenças existentes entre a prática
desenvolvida por um conciliador ou por um juiz leigo. Completando esta “salada” conceitual,
temos o artigo 21, que estabelece: Aberta a sessão, o juiz togado ou leigo esclarecerá as partes
presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do
litígio, especialmente quanto ao disposto no Parágrafo 3o, do art. 3o, desta Lei e, o artigo 22,
que esclarece que: A conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador
sob sua orientação.
59
Para facilitar nosso entendimento sobre o que se propõe quando falamos
em Conciliação, trataremos, no próximo capítulo, sobre a diferenciação semântica do termo
Conciliação, desde sua introdução no mundo jurídico até a sua previsão no Provimento n. 953
de 07 de julho de 2005, que estabelece a criação de Setores de Conciliação ou Mediação.
A falta de clareza, também, sobre a diferenciação existente entre
Conciliação, Mediação e Arbitragem, faz com que haja a incompreensão do significado de
atividades oriundas de institutos com princípios basilares completamente diversos. Pois, em
conseqüência da própria confusão a respeito de como colocar em prática uma, ou outra tarefa
completamente diferentes entre si, demonstra a total desatenção e descuido com as
peculiaridades que acompanham cada uma das atividades.
Como falar em capacitação de pessoas sem ter clareza sobre o fundamento
de sua prática? Como pensar em eficiência desta Lei diante deste contexto?
As pesquisas realizadas pelo IBGE e pelo Centro Brasileiro de Estudos e
Pesquisas Judiciais CEBEPEG, demonstram, que o número de Juizados Especiais instalados
no país ainda é muito inferior ao número de municípios; que o número de juízes exclusivos
está muito abaixo do volume de entradas e que os Juizados Especiais Cíveis sofrem do mesmo
mal que tem marcado o Juízo comum: o congestionamento.
Acreditamos que a intenção e o espírito motivador dos constituintes ao
instituírem os Juizados Especiais foi viabilizar o acesso à justiça, exatamente no sentido de
aproximação entre a realidade da vida comum com a realidade do mundo artificial do
processo. No entanto, não é o que estamos vivenciando.
Nesse sentido Dinamarco (2001, p. 1427-1428) comenta que:
É uma questão muito séria a da efetividade de leis novas que se implantam no país
quando portadoras de alterações substanciais ou mesmo rupturas mais ou menos
profundas em relação à ordem pré-existente. Quando despregadas das tradições
bastante dificultada pelas naturais resistências de todos, correndo o risco de
60
permanecerem como letra-morta. De outra parte, a melhor e mais legítima das leis
corre também sério risco de ineficácia enquanto o espírito dos responsáveis por sua
efetivação não chegar a níveis satisfatórios de sintonia com os valores que lhe estão
à base: todo movimento legislativo só se implanta com a efetividade na experiência
concreta quando acompanhado de uma correta preparação cultural que lhe dê apoio
e habilite os intérpretes, notadamente os juízes, a captar a mens das inovações e a
praticá-las adequadamente. Isso se aplica especialmente ás leis de natureza
processual, que não disciplinam realidades da vida comum mas são, elas próprias,
criadoras de realidades do mundo artificial do processo.
Cônscios destas dificuldades, apontamos para a necessidade de atenção
neste momento de abertura do Judiciário para Novas Formas de Resolução de Conflitos, para
que consigamos construir bases de conhecimento que consigam pouco a pouco, num processo
de informação e formação, minimizar os empecilhos apresentados antes e durante suas
implementações no contexto jurídico.
De toda forma, a criação dos Juizados representou uma mudança dentro do
sistema processual A despeito de sua difícil assimilação, provoca, por si só, um movimento de
transformação, por mínimo que seja, dentro de todo o sistema jurídico, pois a ligação
existente entre todos os elementos formadores de uma estrutura proporciona inter-relações e
trocas ainda que imperceptíveis.
2.3 Lei de Arbitragem
A figura da arbitragem é antiga no Direito Brasileiro, no plano
constitucional, a arbitragem foi prevista na Constituição de 1824, na Constituição de 1934 e
na Constituição de 1937. As Constituições de 1891, 1946, 1967, 1969 e 1988 nada
dispuseram sobre a arbitragem. Na atualidade, a arbitragem vem normatizada pela Lei n.
9307, de 23 de setembro de 1996.
61
Para a instauração da arbitragem, pressupõe-se um acordo de vontades no
sentido de nomear um terceiro, da confiança das partes para resolver ou julgar o litígio. A
arbitragem é uma espécie de “justiça privada” pois as próprias partes escolhem o árbitro.
A arbitragem apresenta algumas vantagens como: privacidade; o controle
das partes sobre o foro; o conhecimento especializado do árbitro; procedimento mais célere,
escolha das normas aplicáveis; cria soluções sob medida para as situações; cumprimento
obrigatório -com ressalvas dos últimos julgamentos do Supremo Tribunal de Justiça
questionando tal obrigatoriedade e, é relativamente barata.(COOLEY, 2001, p. 32)
José Eduardo Carreira Alvim (2000, p. 14), conceitua a arbitragem da
seguinte maneira:
A arbitragem é a instituição pela qual as pessoas capazes de contratar confiam a
árbitros, por elas indicados ou não, o julgamento de seus litígios relativos a direitos
transigíveis. Esta definição põe em relevo que a arbitragem é uma especial
modalidade de resolução de conflitos; os árbitros são juízes indicados pelas partes,
ou consentidos por elas por indicação de terceiros, ou nomeados pelo juiz, se
houver ação de instituição judicial de arbitragem; na arbitragem existe o
“julgamento” de um litígio por “sentença” com força de coisa julgada.
Apesar de a arbitragem ser uma forma de resolução de conflitos diferente
da convencional, não apresenta as mesmas características das práticas da Conciliação com
capacitação, nem da Mediação nem da Justiça Restaurativa.
A arbitragem é um processo equivalente ao processo judicial, na medida
em que o árbitro atua como um juiz, com poderes de decisão sobre o litígio, diferentemente
das outras formas de resolução de conflitos mencionadas que têm no conciliador, no mediador
ou no facilitador pessoas incumbidas, grosso modo, de facilitar e organizar o diálogo entre as
partes, mas jamais, de proferir julgamentos sobre a situação conflituosa.
62
2.4 Setores de Conciliação e Mediação
Os Setores de Conciliação ou Mediação, conforme foram denominados,
estão em plena expansão pelas Comarcas e Foros do Estado de São Paulo.
Inicialmente, houve a instituição do “Setor Experimental de Conciliação no
Fórum João Mendes Jr”, pelo provimento CSM 796/2003, atualmente denominado “Setor de
Conciliação ou de Mediação”, no qual atuamos como conciliadora.
Depois, teve o Projeto Piloto de instauração do Setor de Conciliação e
Mediação em segundo grau de jurisdição do Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo
Provimento CSM n. 843, de 9 de novembro de 2004 e, para surpresa de muitos juristas
renomados, que apostaram no fracasso desta tentativa, o número de acordos foi grande.
Deu-se, então, a elaboração do Provimento 893, de 9 de novembro 2004 e,
posteriormente, do Provimento 953 de 7 de junho de 2005, disciplinando a criação, instalação
e funcionamento do “Setor de Conciliação ou de Mediação” nas Comarcas e Foros da Capital
e do Interior do Estado de São Paulo.
Destacamos a necessidade de tecer algumas considerações a respeito da
denominação dada pelo Provimento aos Setores como sendo de Conciliação ou Mediação,
pois trata-se de institutos com diferentes objetivos e peculiaridades.
Interessante falarmos sobre a utilidade de se diferenciar Conciliação de
Mediação, quando pensamos no Provimento n. 953 de 07 de julho de 2005, pela importância,
a nosso ver, de se conversar sobre como podemos tratar da distinção destes dois conceitos.
Quando se pensa na prática da Conciliação e da Mediação, faz –se
confusão entre as peculiaridades de cada atividade. Hoje esta diferenciação tem-se mostrado
63
de grande relevância pela própria eficiência do trabalho a ser desenvolvido pelos Setores. É
preciso ter clareza sobre qual tarefa está sendo proposta: a Conciliação ou a Mediação, e,
também, saber como estamos entendendo a Conciliação neste novo contexto.
Para tanto, preferimos, primeiro, diferenciar as formas de trabalhar os
conflitos a partir de um critério ético, pelo qual se toma consciência das regras e dos
princípios que norteiam o contexto a ser trabalhado. Um profissional que trabalha em um
Setor de Conciliação, atua como conciliador nas sessões de Conciliação – assim denominadas
pelo Setor.
Insta salientar que, uma das razões de preocupação em relação aos
obstáculos existentes para a eficiência dos Setores é a dificuldade de se processar a mudança
de paradigma necessária para a utilização deste instituto processual.
Pelo fato de que quando se introduzem leis novas com alterações
substanciais ou que representam rupturas em relação à ordem já existente, a resistência surge
pela insegurança que o novo e a mudança representam.
Os conciliadores dos Setores de Conciliação por vezes se deparam com um
contexto contaminado pelo paradigma da cultura adversarial. Muitos advogados não sentem o
valor de se dialogar e evitar uma “boa” demanda, muitas vezes deixando de ir às sessões de
conciliação pelo pré-conceito com relação a algo que ainda não conhecem.
As partes, por não entenderem a riqueza de poder construir novas
possibilidades de resolver seus problemas sem uma imposição de quem está com a verdade,
inicialmente colocam-se herméticas ao diálogo.
No entanto, quando o conciliador conhece as ferramentas que favorecem a
conversa, a postura fechada vai se desfazendo aos poucos.
64
Os advogados que se sensibilizam com a oportunidade que têm de
estabelecer um canal de comunicação entre o seu cliente e a parte contrária, contribuem
enormemente para o processo. O advogado desempenha papel de fundamental importância na
Conciliação.
2.4.1 Comentários sobre o Provimento n. 953 de 7 de julho de 2005
O artigo 1o do Provimento n. 953 de 7 de julho de 2005 prevê a criação e
instalação do Setor de Conciliação, nos Foros da Capital e do interior do Estado de São Paulo,
para as questões cíveis que versarem sobre direitos patrimoniais disponíveis, questões de
família e da infância e juventude.
Poderão atuar como conciliadores, conforme prescreve o artigo 3o
magistrados, membros do Ministério Publico e procuradores do Estado, aposentados ou na
ativa (parágrafo 3o) - desde que não haja incompatibilidade com suas atribuições - advogados,
estagiários, psicólogos, assistentes sociais, outros profissionais selecionados, todos com
experiência, reputação ilibada e vocação para a conciliação, previamente aferida pela
Comissão de Juizes (ou Juiz coordenador), quando não constituída a Comissão. Os
conciliadores trabalham voluntariamente.
O parágrafo 2o. deste artigo fala sobre a necessidade de os conciliadores se
submeterem a cursos preparatórios e de reciclagem, a cargo dos juizes e de entidades, sem
custo para o Tribunal de Justiça.
Verifica-se a preocupação com o preparo dos conciliadores, o que denota
uma mudança de entendimento sobre a prática da conciliação, além da previsão de
reciclagem, como uma formação continuada.
65
Em seu artigo 4o, traz a possibilidade da tentativa de conciliação antes do
ajuizamento da ação. O interessado pode se dirigir diretamente ao Setor; um funcionário ou
um voluntário colherá sua reclamação, sem reduzi-la a termo e emite, no ato, carta-convite à
parte contrária, informando dia, hora e local da sessão de conciliação.
O convite também pode ser feito ao destinatário pelo próprio reclamante
por meio de carta postada, ou pelo telefone, fax, ou meio eletrônico. As únicas anotações que
constam na pauta das sessões do Setor são os nomes dos litigantes.
Nestes casos os registros dos acordos serão feitos em sua integralidade em
livro próprio do Setor, sem distribuição. E, caso não haja acordo, as partes são orientadas
quanto à possibilidade de buscar a satisfação de eventual direito perante a Justiça Comum ou
Juizado Especial
Quando já ajuizada a ação, conforme artigo 5o, ficará a critério do Juiz que
preside o feito, a qualquer tempo, inclusive na fase do artigo 331 do Código de Processo
Civil, determinar, por despacho, o encaminhamento dos autos ao Setor de Conciliação.
O parágrafo primeiro recomenda a adoção desta providência, após o
recebimento da petição inicial, determinando a citação do réu e sua intimação, por mandado
ou carta, para comparecimento à audiência no Setor de Conciliação, constando do mandado
ou carta que o prazo para a apresentação da resposta começará a fluir da data da audiência
caso a conciliação não seja obtida. Serão intimados, também, os advogados das partes, pela
imprensa ou outro meio de comunicação.
Interessante salientar que o provimento ora nomeia como sessão de
conciliação, ora como audiência de conciliação. Propomos chamar de encontros de
conciliação, pois o termo sessão se relaciona ao trabalho terapêutico, e audiência é o que
acontece perante o Juiz de Direito.
66
O artigo 6o. estabelece que nas fases processual ou pré-processual, obtida a
conciliação, esta será reduzida a termo, valendo como título executivo extrajudicial.
Não obtida a conciliação, poderá o Setor, a pedido de ambas as partes,
remarcar o encontro dentro de 30 (trinta) dias, o que oferece uma oportunidade a mais para
um possível entendimento. Caso assim não desejem, os autos retornam à Vara de origem para
seu normal prosseguimento.
O artigo 7o. prevê a possibilidade de convocação para o encontro de
conciliação, a critério do conciliador e com a concordância das partes, de profissionais de
outras áreas para esclarecerem às partes sobre questões técnicas controvertidas e assim
colaborarem com a solução amigável do litígio.
A pauta de encontros do Setor de Conciliação é independente da pauta do
juízo; os encontros de conciliação serão marcados em prazo não superior a 30 dias da
reclamação ou do recebimento dos autos no Setor, com a determinação no sentido de prezar
pela agilidade do processo.
O artigo 9o esclarece que o encaminhamento dos casos ao Setor de
Conciliação não prejudica a atuação do juiz do processo, na busca da composição do litígio ou
a realização de outras formas de conciliação ou de mediação.
Os artigos 10 e 11, tratam da organização física do Setor, prevendo
possibilidade de celebração de convênios com Universidades, escolas ou entidades afins para
a cessão de estrutura física, equipamentos e pessoal para a instalação e funcionamento do
Setor.
O artigo 12 versa sobre a responsabilidade do juiz coordenador pelo Setor,
que fará o controle estatístico de suas atividades, anotando a quantidade de casos atendidos,
audiências realizadas, conciliações obtidas, audiências não realizadas, motivo de não
67
realização das audiências, prazo da pauta de audiências, percentual de conciliações obtidas em
relação aos casos atendidos, percentual de conciliações obtidas em relação às audiências
realizadas, entre outros dados relevantes, com separação dos dados por assunto: cível, família,
infância e juventude e por conciliador.
O trabalho minucioso de controle estatístico das atividades que estão sendo
desenvolvidas pelos Setores proporciona uma análise quantitativa de seu desempenho. Ao
abrir esta análise para a averiguação da satisfação das pessoas enquanto receptoras destes
serviços, poderíamos alcançar dados qualitativos do trabalho.
No entanto, já é um avanço considerável em comparação com o tempo da
figura da Conciliação no contexto dos Juizados Especiais. Não há como se falar de uma
mesma prática de Conciliação quando pensamos naquela desenvolvida nos moldes dos
Juizados Especiais, com esta proposta pelo provimento.
O artigo 13 estabelece a questão do sigilo de todos os participantes do
encontro de conciliação- conciliadores, partes, advogado- com relação a todas as atividades, a
tudo o que for dito, exibido, ou debatido no encontro, não podendo tais ocorrências ser
utilizadas para outros fins que não os da tentativa da Conciliação.
O artigo 14 prevê a aplicação de todo o regramento relativo ao Setor de
Conciliação ao Setor de Mediação.
O “Setor Experimental de Conciliação Cível do Fórum João Mendes”,
conforme o artigo 15, passa a denominar-se “Setor de Conciliação Cível” integrado por todas
as Varas Cíveis do referido Fórum.
Os Setores de Conciliação têm desempenhado um trabalho satisfatório e
vêm oferecendo agilidade ao sistema judiciário na medida em que estão alcançando um
68
número de acordos considerável, pondo fim a inúmeros processos. Vale ressaltar, no entanto,
que ainda não há dados sobre o cumprimento destes acordos.
Acreditamos que o olhar deve-se voltar não só para as estatísticas dos
acordos estabelecidos; o sucesso do Setor deve ser avaliado tanto pelos critérios objetivos,
como também, pelos subjetivos. A satisfação dos que recebem este serviço deve ser levada
em consideração, estamos falando de um novo modelo, de uma nova concepção de prestação
jurisdicional. O que está em voga é o entendimento da amplitude do enfoque dado pelas
diferentes formas de resolução pacífica de conflitos à situação conflituosa.
Ademais, além da formação dos profissionais que atuam como
conciliadores, é imperioso, também, a sensibilização dos juízes e demais funcionários que
trabalham no Setor. A criação deste espaço de resolução de conflitos poderá oferecer maiores
benefícios caso haja, paralelamente, um trabalho de conscientização sobre o significado desta
nova possibilidade para a construção de uma cultura de pareceria.
2.5 A Mediação do ponto de vista legal infraconstitucional, de Lege Lata e
de Lege Ferenda
No Estado de São Paulo tiveram iniciativas como o “Projeto Piloto de
Mediação da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos”, aprovado em sessão de 19 de
setembro de 2003 do Conselho Superior da Magistratura e o “Setor Experimental de
Mediação na Vara da Família e Sucessões da Comarca de Jundiaí”.
Atualmente, com o Provimento n. 953, de 7 de julho de 2005 que
comentamos no item anterior, está sendo possível a prática da Mediação no Judiciário.
69
No sistema jurídico nacional a tentativa de consolidação legal é
representada pelo Projeto de Lei n. 94, de 2002, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro,
aprovado pela Câmara dos Deputados, institucionaliza e disciplina a Mediação como método
de prevenção e solução consensual de conflitos.
Esse Projeto sofreu alterações quando a Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, o
Instituto Brasileiro de Direito Processual e a Escola Nacional da Magistratura, em um
trabalho conjunto, chegaram a uma nova versão, em 17 de setembro de 2003, chamada de
Versão Consensuada, abarcou as idéias fundamentais do Projeto de Lei n. 94, de 2002, acima
indicado, e do Anteprojeto de Lei do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Escola
Nacional da Magistratura, apresentado ao Ministro da Justiça Dr. Márcio Thomas Bastos no
mesmo ano.
A Versão Consensuada foi reformulada no Senado, pelo Senador Pedro
Simon e recebeu proposta de Emendas ns.1 a 3, de autoria do Senador Juvêncio da Fonseca,
prevendo a participação da Defensoria Pública como agente condutor das formas
extrajudiciais de solução de conflitos. Adicionalmente, a Emenda n.4, de autoria do senador
Aloísio Mercadante, que propôs o prazo de vacância de quatro meses para que os Tribunais,
primeiramente, se organizassem para realizar os procedimentos necessários para a
regulamentação dos cadastros de mediadores, e outras providências.
Em 21 de junho de 2006, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
aprovou o Relatório do Senador Pedro Simon com o parecer favorável às Emendas propostas,
que passou a constituir Parecer da CCJ, favorável ao Projeto, na forma da Emenda n.1-CCJ
(Substitutivo), e das Emendas ns. 1 a 4, consolidadas no Substitutivo.
No dia 13 de julho de 2006, a Emenda n.1-CCJ (Substitutivo) foi remetida
à Câmara dos Deputados, e, por razões escusas, atualmente, encontra-se arquivado.
70
A Emenda n.1- CCJ (Substitutivo) ao Projeto de Lei da Câmara n. 94, de
2002, em linhas gerais:
a) restringe a Mediação à esfera cível;
b) enfatiza a Mediação como procedimento;
c) define a mediação paraprocessual como prévia e incidental, adota a modalidade
prévia, facultativa, na forma extrajudicial ou judicial, e, a incidental, em caráter
obrigatório;
d) estabelece que são mediadores judiciais os advogados com pelo menos três anos de
efetivo exercício de atividades jurídicas, sua conduta será fiscalizada pela Ordem
dos Advogados do Brasil, e mediadores extrajudiciais, aqueles independentes,
selecionados e inscritos no Registro de Mediadores. O Tribunal de Justiça local
será o responsável por manter atualizado o Registro mencionado, e fiscalizar as
atividades dos mediadores extrajudiciais.
e) determina que homologado o acordo constitui-se em título executivo judicial;
f) estabelece a remuneração do Mediador.
O procedimento, segundo o Projeto, é informal com prazo máximo de
noventa dias para sua conclusão. No caso de Mediação prévia a Mediação interrompe a
prescrição, e no de Mediação incidental o processo judicial resta suspenso.
A co-mediação é obrigatória nas controvérsias submetidas à Mediação que
versam sobre o estado da pessoa e Direito de Família, devendo dela participar,
necessariamente, psiquiatra, psicólogo ou assistente social.
A determinação do Mediador judicial ser advogado, não encontra respaldo
em nenhuma regulamentação sobre o assunto no Direito Comparado. Entendemos que há
71
questionamentos sobre esta exigência, pois a função do Mediador não é prestar assistência
jurídica aos mediandos, muito ao contrário, os mediandos caso apresentem dúvidas neste
sentido, devem contar com o acompanhamento de um advogado.
A forma de diferenciar Mediação judicial de Mediação extrajudicial
utilizada pelo Projeto, levando em conta a profissão do mediador, gera grande confusão, pois
se tem a impressão de que ao falar em Mediação judicial ou extrajudicial está se falando de
uma atividade que acontece dentro ou fora do Judiciário.
Outra grande crítica à proposta apresentada pelo Projeto está na utilização
compulsória da Mediação, pois alguns alegam que desconfigura o mecanismo pretendido uma
vez que a voluntariedade na escolha desta via é a base geradora de cooperação e de confiança
no processo e, indispensável ao seu adequado desenvolvimento.
Vale ressaltar que não se questiona a necessidade de concordância das
pessoas em participar da prática da Mediação como condição para a sua realização. Todavia, a
obrigatoriedade prevista pode ser entendida como obrigatoriedade de presença em um
primeiro encontro, chamado de pré-mediação, que consiste, primeiramente, na apresentação e
prestação de esclarecimentos sobre o processo de Mediação, para que as pessoas possam
livremente escolher participar ou não.
Entendemos que a obrigatoriedade em participar deste primeiro encontro é
válida com o intuito de dar a oportunidade às pessoas de encontrarem-se em um outro
contexto e poderem conhecer novas possibilidades de resolverem seus conflitos. Assim, fica a
critério das partes, depois de conhecerem o trabalho proposto, aderirem ou não ao processo.
Acreditamos que pelo desconhecimento das pessoas com relação ao que
está se propondo, a prática da Mediação está sendo desconsiderada e desprestigiada pelos
próprios operadores do Direito. Por essa razão, a obrigatoriedade da Mediação incidental no
72
processo de conhecimento, salvo algumas exceções, a nosso ver, deve ser mantida como
forma de tornar a prática mais conhecida e acessível ao cidadão comum.
Ademais, alguns processualistas têm demonstrado preocupação com
relação à demora e ao prejuízo à instrumentalidade processual impingida pela obrigatoriedade
da prática da Mediação trazida pelo Projeto. Em nosso entender, esse posicionamento
demonstra pré-conceito e falta de conhecimento com relação à prática da Mediação.
Acreditamos que na medida em que os estudiosos do Direito começarem a compreender as
vantagens e benefícios oriundos desta nova forma de resolução de conflitos, conseguiremos
pouco a pouco nos desvencilhar do automatismo da lógica técnica-processual já conhecida.
A resistência por vezes demonstrada pelos próprios operadores do Direito
em conhecer a Mediação, nos coloca a reflexão sobre como poderemos desenvolver um novo
olhar sobre a Tarefa Jurisdicional, um olhar que consiga ver além da realidade posta, que
consiga avaliar os inúmeros ganhos alcançados pela possibilidade de aproximação das pessoas
oferecidas por esta prática; ganhos estes verificados em várias dimensões.
A possível consolidação legal da prática da Mediação apresenta
questionamentos a respeito de suas vantagens e desvantagens.
A desvantagem argumentada por alguns baseia-se em que ao regulamentarse essa nova forma de resolução de controvérsias pode-se engessar as possibilidades de
desenvolvimento dessa prática nos moldes ditados. O vácuo legal daria margens à
experimentação, o que possibilitaria o desenvolvimento de práticas que melhor respondessem
às necessidades das situações concretas da vida.
Todavia, por ser uma nova cultura que aos poucos vem ocupando espaço
dentro do Poder Judiciário, pode ser importante a previsão legal estabelecendo claramente as
73
regras fundamentais dessa nova proposta conscientizando-se, assim, os estudiosos do Direito
a respeito dos benefícios que ela oferece às pessoas em conflito e à sociedade como um todo.
74
III. NOVAS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS - MÉTODOS
ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS?
Há pouco mais de trinta anos, começa a sistematizar-se, nos Estados
Unidos, o estudo e a utilização de metodologias inovadoras de resolução de conflitos, que
passaram a ser chamadas de Alternative Dispute Resolution- ADR.
No Brasil, a introdução destas inovações tem sido gradual; estamos em um
momento especial deste processo, que requer muita atenção e cuidado por parte dos juristas
em relação à compreensão dos aspectos meta-jurídicos que as acompanham.
No final de 2004, os três Poderes da República reuniram-se para assinar o
“Pacto de Estado por um Judiciário mais Rápido e Republicano”, em virtude da percepção da
gravidade das dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário para prestar um serviço eficiente
à sociedade.
Ao longo dos últimos anos, o debate sobre a Reforma do Judiciário tem
reforçado a necessidade de reflexão sobre o acesso à Justiça no Brasil, fortalecendo a
convicção de que os sistemas “alternativos” de resolução de conflitos representam um
caminho facilitador de construção de uma Justiça mais justa.
No entanto, pelo apego à necessidade de um Estado forte com um
ordenamento jurídico que lhe desse respaldo, acreditamos que tenha surgido a dificuldade de
desvencilhar-se do entendimento de que a prestação jurisdicional é tarefa exclusiva do Estado
representado pelo Poder Judiciário na pessoa do magistrado.
Daí, de forma inadequada, em nosso entendimento, as formas de resolução
de conflitos, situadas fora do universo da prestação jurisdicional tradicional tem sido
conceituadas como métodos “alternativos”, refletindo a impressão de que estamos falando de
algum processo que vem em plano secundário, ao largo de algo mais importante.
75
A linguagem sempre é carregada de significados, portanto, há que se ter
maior cuidado com a denominação que vem sendo dada às outras formas de resolução de
conflitos, que não as apresentadas hegemonicamente pelo sistema judiciário.
Propomos, então, denominar a Conciliação com capacitação, a Mediação e
a Justiça Restaurativa, como “Novas Formas de Resolução de Conflitos”, no sentido de
entendê-las como novas propostas de resolução pacífica de conflitos. Surgem, assim, no
cenário jurídico, diferentes possibilidades de se pensar a prestação jurisdicional desvinculadas
da participação direta do magistrado.
Desta forma, chamamos a atenção para a necessidade de mudança de
paradigma que acompanha tais inovações. Por serem processos comunicacionais, vale a pena
fazermos uma rápida retrospectiva sobre a revolução das comunicações para uma maior
compreensão sobre nosso lugar, como estudiosos do Direito, neste processo.
3.1 A revolução das comunicações e seus reflexos na Ciência Jurídica
Por novo paradigma entendemos novas maneiras de pensar sobre nós
mesmos, sobre nossas relações mútuas e com a sociedade em que vivemos. Partimos do ponto
de que um novo paradigma não surge do nada, mas advém como conseqüência de várias
circunstâncias nascidas das situações da vida. Surge como resposta às condições sociais em
que vivemos.
A revolução das comunicações representa um dos aspectos destas
condições sociais, que interfere diretamente na compreensão da ciência processual, pois o
processo acontece por meio da comunicação escrita e oral entre as partes, seus advogados e o
76
Poder Judiciário, representado pelo magistrado, oficial de justiça, cartorários, e por vezes
promotores, procuradores dentre outros.
Portanto, a comunicação é o cerne de um processo judiciário, o que
demonstra a total relação de interdependência existente entre os atos processuais e a forma
comunicacional utilizada para tanto.
Sendo assim, quando analisamos as mudanças ocorridas na forma de nos
comunicarmos, partindo da fase primária da comunicação de nossa espécie, que se deu pela
comunicação oral, percebemos que esta comunicação acontecia por meio do encontro físico
entre duas ou mais pessoas.
Com a invenção da escrita, e, posteriormente da imprensa, houve
modificações em muitos aspectos da nossa sociedade. Na sociedade oral, quando alguém
precisava aprender algo, recorria a uma pessoa mais antiga, que era considerada mais sábia
por sua maior vivência. Na sociedade do impresso, a busca pelo conhecimento passou a ser
feita mediante livros. O conhecimento erudito passou a ser valorizado e conseqüentemente a
noção de autoridade sofreu alterações. O contato pessoal e a necessidade de interação social
foram diminuindo ao longo do tempo. (SHINITMAN, 1996, p. 175)
A noção de espaço também sofreu alterações em função da evolução das
comunicações: não precisamos estar presentes num mesmo lugar para nos comunicarmos com
outras pessoas. A comunicação acontece sob novas estruturas físicas - o telefone, o correio
eletrônico, as tecnologias áudios-visuais que nos permitem a troca de informações sem o
contato físico.
São inestimáveis as contribuições e facilidades oferecidas pelas inovações
tecnológicas, mas não podemos deixar de perceber que, como tudo na vida, apresentam
facetas tanto positivas quanto negativas.
77
Neste contexto, ou seja, o de análise do sistema processual - reafirmando
nosso reconhecimento pelas maravilhas trazidas pela evolução tecnológica - o grande
prejuízo, a nosso ver, se dá pelo distanciamento das pessoas provocado pelo uso desatento
destas conquistas. Podemos tirar o máximo proveito das descobertas tecnológicas sem,
contudo, esquecermos de questionar com que finalidade estão sendo utilizadas.
A linguagem utilizada no meio jurídico é impregnada de termos técnicos
que, na maioria das vezes, não é compreendida pelo cidadão comum, provocando uma
alienação ainda maior das pessoas leigas no assunto e o que poderia ser tratado como um fato
normal da vida toma vestes de uma situação jurídica de difícil acesso aos próprios
interessados.
Com a ajuda de W. Barnett Pearce (Schnitmam, 1996, p. 176), propomosnos a falar resumidamente das diferenças de concepções sobre a comunicação entre o velho e
o novo paradigma. O velho paradigma supõe que a comunicação funciona bem, quando
descreve perfeitamente o mundo e transmite mensagens sem distorcê-las; tem a linguagem
como representação das coisas que estão “aí fora”.
O novo paradigma fala que a linguagem na comunicação constrói o mundo
(e não o representa), e tem como função primordial a construção de mundos humanos: a
comunicação torna-se um processo construtivo, não atua simplesmente como linha condutora
de informações.
Neste sentido, as Novas Formas de Resolução de Conflitos, mais
especificamente, a Mediação e a Justiça Restaurativa, são processos conversasionais que
atuam para ajudar as pessoas a organizarem suas conversas, no sentido de construírem novas
possibilidades, por suas narrativas, de suas interlocuções internas e externas e estabelecerem
uma meta-comunicação que facilite desfazerem os nós de uma situação litigiosa.
78
3.2 A relação existente entre as novas formas de resolução de conflitos e a
complexidade que envolve as relações humanas
Aprendemos a pensar problemas complexos de forma linear e fomos
acostumados a aplicar a regra da causalidade simples para entender qualquer problema da
vida; no entanto, precisamos ampliar nosso campo de visão.
Humberto Mariotti (2000, p. 84-86), em sua obra As Paixões do Ego
esboçando as principais diferenças entre os modelos de pensamento linear e complexo, ensina
que:
[...]
O modelo de Aristóteles (forma e substância) e o padrão de Descartes (objetos
fragmentáveis e simplificáveis) formam a base do pensamento linear. Por meio dele
é que tentamos entender os objetos isolados, fragmentários, simples e estáticos.
Esses parâmetros não nos fazem compreender os sistemas, porque estes são
complexos e dinâmicos.
[...]
O pensamento linear quer simplificar a complexidade e explicar o todo pelas
propriedades das partes separadas. A visão complexa procura entender as relações
entre as partes e o todo, remetendo um ao outro e vice-versa.
[...]
O pensamento complexo permite entender que cada coisa é ao mesmo tempo causa
e efeito, isto é, torna possível pensar em termos de ciclos que se influenciam
mutuamente e ampliar o significado de nossas conclusões.
Nossa história prova que demonstramos competência para lidar com os
problemas da vida mecânica e, incompetência para solucionar as questões da vida não
mecânica. Quando nos deparamos com situações que envolvem sentimentos e emoções, temos
enorme dificuldade em resolvê-las.
Ao se buscar esta consciência, esbarramos, mais uma vez, com a
concepção cartesiana do todo dividido em partes que não se relacionam. Mudar a maneira de
pensar significa mudança de paradigma que, por sua vez, significa mudança da nossa estrutura
mental que implica em mudança de atitudes.
79
Sentimo-nos mais seguros quando pensamos linearmente, pois temos a
ilusão de que podemos encontrar uma única causa e assim agir com maior facilidade para
resolver a questão. Queremos trabalhar com certezas, sendo que, na realidade, as certezas são
castelos de areia que se desfazem com o menor sinal de brisa no ar: não há como se fazer
previsões de algo incerto como a vida e as relações humanas.
O pensamento complexo pressupõe uma abertura para a aleatoriedade, a
surpresa, as transformações. Partimos da constatação de que o mundo natural é constituído de
opostos, ao mesmo tempo antagônicos e complementares, de que toda ação provoca reflexos
que podem ser sentidos em qualquer parte do Universo, pois a interligação entre os seres
vivos é constante e dinâmica.
Nós, seres humanos, estamos perdendo o contato com nossa humanidade:
preocupamo-nos mais com as conquistas racionais do que com o conhecimento de nossas
emoções e sentimentos.
A compreensão de que fazemos parte de um todo que se inter-relaciona a
todo o momento em um movimento de trocas e interações entre seres vivos e o meio
ambiente, pode auxiliar-nos a ampliar nosso horizonte facilitando a percepção de que a
maioria das situações segue determinados padrões, que é possível diagnosticar esses padrões
e, conseqüentemente, intervir para modificá-los seja no plano individual ou no coletivo.
Quando nos damos conta de que não há existência isolada, de que cada um
de nós é o que é a partir dos olhos do outro; de que criamos nossa identidade como pessoas
dependendo de como nos relacionamos com os outros e conosco mesmos; só assim obtemos
perfeita noção da nossa individualidade ética enquanto seres humanos autônomos em
constante relação.
80
Pensar de forma complexa possibilita desenvolver estratégias para não
apenas entender melhor e mais rapidamente as várias nuanças de um conflito, mas também ter
a possibilidade de mudar a forma de pensar que o provocou.
A complexidade de uma relação processual demonstra a importância da
comunicação, do diálogo entre as partes. Somos seres de linguagem, temos a habilidade de
criar e resolver nossos problemas por meio do diálogo.
No entanto, em nosso sistema jurídico processual aplica-se o pensamento
linear na busca de uma única causa para resolver a questão, deixando de lado a possibilidade
de mudar a forma de pensar que o provocou.
Quem sabe se abrimos a possibilidade para pensarmos a crise do Poder
Judiciário, mediante formas mais simplificadas. Aproveito a ajuda de Morin (2000, p. 31) que
diz: “é preciso notar que os princípios que dinamizaram o conhecimento científico, e que se
mostraram extremamente fecundos, apresentam hoje graves problemas”. E, neste sentido, o
autor propõe resumir os princípios em princípio da simplificação, dizendo que esse caos
aparente se dissolve quando descobrimos as leis simples que, de fato, o governam. Quais
seriam as leis simples que poderiam ajudar a reorganizar a crise do sistema jurídico
processual?
Arriscamos sugerir que, para chegarmos a algumas das tais leis simples
sem esquecer da complexidade que as acompanha, podemos partir da investigação das causas
que levam as pessoas a buscarem a ajuda do Poder Judiciário.
Partindo do entendimento de que (com a exceção dos casos que envolvem
o Poder Público, pois aí teríamos dificuldade de identificação de sujeitos) quando uma ou
mais pessoas ingressam com uma ação, provocando o início de um processo que desencadeia
uma série de procedimentos com a finalidade de se obter uma decisão final, na grande maioria
81
das vezes, pode-se dizer que é em razão da dificuldade de comunicação e da falta de
responsabilização das pessoas por seus atos.
O Poder Judiciário, por sua vez, tem como dever decidir no sentido de
promover a pacificação social. Para desenvolver esta tarefa deve seguir procedimentos
processuais previamente estabelecidos.
No momento em que percebemos que estes procedimentos não estão sendo
suficientes para sustentar o valor maior de Justiça que envolve, além da aplicação da norma, o
meio utilizado para este fim, que tal pensarmos que conflitos fazem parte da vida em
sociedade, e que, talvez, se colocarmos maior atenção nos meios utilizados para resolvê-los,
poderemos alcançar melhores resultados?
A construção da Justiça requer um pensar que consiga chegar aos valores
que sustentem as determinações legais. As leis não são um fim em si mesmas, existem em
função de proclamar, assegurar e realizar direitos a serviço da vida, ou seja, direitos pensados
a partir da constatação de que, como seres em relação, dependemos uns dos outros para
existir. Por isto questionamos: será que o sistema jurídico processual, por vezes, não se está
desligando da essência de sua própria razão de ser?
A visão da interligação e interdependência de todos os seres vivos é de
extrema importância quando pensamos na Mediação e na Justiça Restaurativa.
Neste sentido, propomos um estudo mais detalhado sobre a Conciliação, a
Mediação e a Justiça Restaurativa como diferentes formas de resolução de conflitos, para que
consigamos perceber suas particularidades a fim de clarificar a pertinência da aplicação de
cada uma delas.
Apontamos, desde já, que dentre as Novas Formas de Resolução de
Conflitos, a Mediação e a Justiça Restaurativa são formas humanizantes por excelência, na
82
medida em que promovem com maior facilidade a humanização das pessoas envolvidas,
oferecendo oportunidades de transformação: no modo de ver o conflito; na forma de as
pessoas estarem em uma situação conflituosa; nas posições ocupadas pelas pessoas em suas
inter e intra-relações, além de outras reverberações sentidas como conseqüência do estar
junto, do encontro, que possibilita às pessoas virem a ser, a se tornarem mais humanas nas
suas relações com o mundo em que vivem.
3.3 Conciliação
A definição da palavra conciliar segundo o dicionário Aurélio é: pôr em
harmonia; pôr de acordo; congraçar; reconciliar; aliar; unir; combinar.
Tais definições são explicitas no sentido de perceber que conciliar significa
uma ação desenvolvida visando o acordo, a harmonia, o congraçamento. Os significados
demonstram a sutileza de uma ação direcionada a determinado fim.
Nesse sentido, conciliação define-se como uma prática que se desenvolve
por meio de um terceiro que atua interferindo diretamente na vontade das pessoas com o fim
determinado de obter um congraçamento.
O termo conciliação, introduzido há muito tempo no meio jurídico pela
Constituição do Império, remete-nos, justamente, ao entendimento de que o conciliador é
aquele que se preocupa em apaziguar, sugerindo às partes o que devem ou não fazer, atuando
livremente no sentido de, até mesmo, emitir julgamentos sobre suas atitudes com o fim
determinado de resolver o conflito ou impasse.
83
Apesar de ser uma prática que leva em conta a harmonização das partes,
não consiste em um trabalho pautado pelo conhecimento aprofundado de princípios que
promovam abertura para o diálogo.
O conciliador preocupa-se em atuar com o objetivo de obter um consenso
pelas mais variadas formas possíveis, seja opinando sobre o assunto, seja direcionando as
pessoas no seu modo de pensar e agir.
Para alcançar a finalidade de seu trabalho, muitas vezes acaba provocando
a submissão do interesse de uma das partes com relação à da outra, ou seja, não se propõe a
cuidar para que a versão contada por um não prevaleça sobre a do outro; trata da
superficialidade do conflito, não aprofundando a reflexão sobre as raízes do problema,
deixando por vezes de trabalhar questões importantes causadoras da repetição das situações
conflituosas.
Não pretendemos somente criticar esta forma de atuar, mas sim colocar luz
sobre algo que consideramos fundamental com relação ao propósito deste estudo.
Quando afirmamos que as Novas Formas de Resolução de Conflitos
propõem um novo modo de pensar os conflitos e as relações processuais, trazendo mudanças
de toda ordem ao sistema processual, apontamos que a Conciliação, exercida com base no
significado adotado quando da sua introdução no mundo jurídico, não pode ser incluída neste
universo.
Atualmente, com o Provimento n. 953, de 7 de julho de 2005, que
disciplina a criação dos Setores de Conciliação ou de Mediação, exige-se que os conciliadores
se submetam a atividades e cursos preparatórios, inclusive, prevendo a reciclagem de seus
conhecimentos ao longo de sua atuação.
84
A fim de facilitar a compreensão com relação às diferenças conceituais do
termo Conciliação, propomos distingui-las segundo os seguintes critérios:
3.3.1 Conciliação sem capacitação
Por falta de uma melhor definição, optamos por identificar como
Conciliação sem capacitação, a Conciliação exercida: no cenário Processual Penal e Civil
antes do Provimento n. 953, de 7 de julho de 2005, que autorizou e disciplinou a criação de
Setores de Conciliação ou de Mediação nas Comarcas e Foros da Capital e do Interior do
Estado de São Paulo; e, a prática da Conciliação na área trabalhista.
A prática da Conciliação prevista pela Constituição Política do Império, de
25 de março de 1824, como condição prévia ao processamento de qualquer causa, era
exercida pelos juízes de paz. Estes eram pessoas eleitas de acordo com as conveniências
políticas regionais, a quem se atribuía poder de autoridade segundo critérios políticos.
Os conciliadores eram pessoas comprometidas, de alguma forma, com os
interesses de uma classe dominante de poder. E, além de não conhecerem técnicas de
comunicação ou qualquer outro tipo de treinamento para exercerem essa função, muitas vezes
atuavam com parcialidade.
Posteriormente, a disposição provisória de 27 artigos, anexada à Lei de 29
de novembro de 1832, que promulgou o primeiro Código de Processo Criminal de primeira
instância, introduziu a Conciliação como prática processual. Em que pese o louvável
incentivo à resolução pacífica de conflitos, essa disposição acabou seguindo a mesma
orientação da prática da Conciliação desenvolvida pelo juiz de paz.
85
A Conciliação prévia obrigatória nas causas comerciais, disciplinada pelo
Regulamento 737, de 1850, era, também, efetuada pelos juízes de paz. No mesmo sentido, a
Consolidação das Leis do Processo Civil, em 1876 tratou da obrigatoriedade da tentativa de
Conciliação exercida por juízes de paz
Portanto, a Conciliação, até então, era uma tarefa desempenhada por uma
pessoa, que atuava como conciliador não pelo seu conhecimento de métodos que facilitassem
o diálogo e o entendimento das partes, mas apenas por ocupar uma determinada posição.
Com a Lei n. 968, de 1949, que estabelecia a fase preliminar de
Conciliação ou acordo nas causas de desquite litigioso ou de alimentos, surge a Conciliação
desenvolvida pelo Juiz de Direito.
Da mesma forma, a Lei 8.952/94 que alterou, dentre outros, os artigos 125
e 331 do Código de Processo Civil, também institui, quando a causa versar sobre direitos que
admitam transação, a designação por parte do Juiz de Direito, de audiência para tentativa de
Conciliação, a ser realizada pelo próprio Juiz da causa.
A Conciliação Judicial, nestes moldes, apresenta uma série de problemas,
tornando limitados seus resultados práticos. A posição que os Juízes de Direito ocupam em
uma relação processual dificulta às partes falarem sobre suas questões, pois temem o juízo de
valor possivelmente pré-estabelecido pelo magistrado, o que poderia interferir no julgamento
da causa.
Ademais, além de nem todos os Juízes de Direito terem vocação para
conciliar, poucos são treinados para tanto; sem falar na falta de tempo hábil para o
desempenho da Conciliação.
Mais recentemente, a prática da Conciliação trazida pela Lei 9.099, de 26
de setembro de 1995, prevê que uma terceira pessoa, preferentemente, bacharel em Direito,
86
possa atuar como conciliador nas situações por ela disciplinadas e imprime de certa forma o
mesmo conceito já conhecido até então.
Como dito anteriormente, é inegável que, ao se introduzir esta novidade no
sistema processual, a intenção foi de oferecer agilidade aos procedimentos, de trazer
informalidade ao processo. Todavia, não houve atenção à necessidade de um diálogo com
outras áreas do saber, limitando um conhecimento mais apurado sobre o assunto.
Dessa forma, a falta de critérios basilares para o desempenho da
Conciliação acabou permanecendo. Qual a razão de se imaginar que bacharéis em Direito ou
advogados com mais de cinco anos de experiência teriam condições especiais, preparo ou
vocação para desenvolver tal atividade?
Ainda que fossem pessoas vocacionadas para este trabalho, trazendo
consigo uma enorme qualidade -a boa vontade para conciliar- eles atuavam de maneira
limitada pela falta de preparo em métodos, tanto de comunicação como de negociação.
O grau de descumprimento dos acordos alcançados nos Juizados Especiais
oferece-nos a demonstração prática do que estamos dizendo. Grande parte das causas tratadas
volta ao caminho tradicional do Judiciário.
A Conciliação conhecida no âmbito da Justiça Trabalhista, atualmente
exercida pelas Comissões de Conciliação Prévia, em decorrência da Lei 9.958, de 12 de
dezembro de 2000, segue a mesma orientação, não conta com previsão de preparo dos
conciliadores para exercerem suas funções.
Os artigos 625-A, 625-B e 625-C, mencionados anteriormente,
determinam, apenas, como devem ser formadas as Comissões nos âmbitos da empresa e do
sindicato, o número de integrantes e o prazo do mandato de seus membros. Não há qualquer
87
menção sobre a qualificação dos conciliadores, o que tem gerado práticas completamente
inócuas, provocando, cada vez mais, o descrédito com relação à proposta da Conciliação.
A previsão do artigo 625-D, de que qualquer demanda de natureza
trabalhista deva ser submetida à Comissão de Conciliação Prévia, tem provocado grande
controvérsia no sentido de considerar-se, ou não, a tentativa de Conciliação como novo
pressuposto processual do ajuizamento da reclamação trabalhista.
Temos notícias de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2148 e
2160) discutindo o assunto. Lamentamos que a atenção, neste momento, esteja voltada apenas
à obrigatoriedade ou não da Conciliação Prévia, não havendo preocupação maior com relação
à compreensão dos requisitos essências ao desenvolvimento desta prática, a ineficiência do
modelo utilizado certamente é conseqüência do despreparo dos conciliadores e da falta de
cuidado com o desenvolvimento do trabalho das Comissões de Conciliação.
A Conciliação sem capacitação vem sendo exercida por pessoas com
autoridade legal, mas não legitimadas por seu conhecimento e preparo.
CONCILIAÇÃO SEM CAPACITAÇÃO
REGULAMENTAÇÃO
-Constituição Política do
Império de 1824
QUEM CONDUZ
CRITÉRIOS
juiz de paz
Pessoa eleita de acordo com as
conveniências políticas
regionais
juiz de direito
vínculo com a relação
processual, ocupa outra
posição dentro da relação
-Disposição Provisória- Lei
de 29 de novembro de 1832
-Regulamento 737/1850
- Consolidação das Leis do
Processo Civil 1876
-Lei n. 968/1949
- Lei 8.952/94- artigos 125 e
88
331 do CPC
processual além de conciliador
-Juizados Especiais
preferentemente bacharel
em Direito
Pessoa com conhecimento
jurídico apenas
-Comissões de Conciliação
Prévia- Lei 9.958/2000
representantes de
empregadores e de
empregados
metade de seus membros
indicados pelo empregador e
outra metade eleita pelos
empregados
3.3.2 Conciliação com capacitação
O Provimento n. 953, de 7 de julho de 2005, que instaura e disciplina a
criação do Setor de Conciliação ou de Mediação, dispõe em seu parágrafo 2o sobre a
necessidade de os conciliadores se submeterem a cursos preparatórios e de reciclagem.
Verifica-se a preocupação despendida com o preparo dos conciliadores
para o desempenho de suas funções. Trata-se de uma nova configuração da prática da
Conciliação, visto que o conciliador, além de receber capacitação para o desenvolvimento de
seu trabalho, passa a ser uma pessoa que não tem vínculo algum com as partes nem com a
relação processual a ser trabalhada. Aliás, aplicam-se aos conciliadores os motivos de
impedimento e suspeição previstos em lei para os Juízes e auxiliares da justiça.
Podem atuar como conciliadores, conforme prescreve o artigo 3o do
Provimento, magistrados, membros do Ministério Publico e procuradores do Estado,
aposentados ou na ativa -desde que não haja incompatibilidade com suas atribuições
(parágrafo 3o) - advogados, estagiários, psicólogos, assistentes sociais, outros profissionais
89
selecionados, todos com experiência, reputação ilibada e vocação para a conciliação,
previamente aferida pela Comissão de Juizes ou Juiz coordenador, quando não constituída a
Comissão. Os conciliadores trabalham voluntariamente.
Considerando que não existem técnicas estabelecidas que embasem o
trabalho da Conciliação, os cursos de “Conciliação e Mediação”, conforme estão sendo
chamados, quando falam sobre a Conciliação acabam explicando-a como uma prática similar
à Mediação avaliativa de Harvard, conforme veremos a seguir, item 3.4.5. No entanto, parecenos que os profissionais do ramo não estão atentando para este fato.
Há diversas formas e modelos de Mediação: uma delas é a Mediação de
Harvard, que pode ser entendida como uma maneira de trabalhar os conflitos por meio de
negociações. É indicada para tratar de situações conflituosas mais pontuais, ou seja, que não
tragam questões relacionais mais complexas.
Assim, uma pessoa ao fazer um curso de capacitação que ensina a trabalhar
com as técnicas da Mediação de Harvard, passa a exercer, em nosso entender, uma prática
diferenciada de Conciliação, que difere totalmente das desenvolvidas anteriormente. Parece
surgir uma figura híbrida entre Conciliação e Mediação.
A Conciliação com capacitação oferece um trabalho ágil, que contribui
para a diminuição do volume de processos e facilita a aproximação das pessoas. A postura do
conciliador, em consonância com essa definição de Conciliação, difere do da Conciliação sem
capacitação, na medida em que sua atuação pauta-se em procedimentos previamente
estudados, fundamentados em princípios éticos bem definidos.
Leonardo Sica (2007, p. 50), ao definir Conciliação, traz elementos da
Conciliação com capacitação quando ensina que:
Na conciliação, o terceiro neutro não tem o poder de decidir sobre o problema
trazido pelas partes (ao menos enquanto aja na qualidade de conciliador), mas tem
90
um papel ativo na resolução da disputa: na tentativa de chegar a um “compromisso”
entre as partes, ou seja, de um balanceamento dos interesses destas, o conciliador
tem uma função diretiva na promoção da conciliação e no controle e orientação da
discussão sobre elementos tidos como úteis para a resolução do problema. Não
obstante a decisão final ser tomada formalmente pelos contendores, o conciliador
exerce um papel determinante na construção dos termos do acordo e na proposição
deste às partes para que o aceitem.
E, da Conciliação sem capacitação, quando prossegue dizendo que:
“Usualmente, a função diretiva é exercitada a partir da posição de autoridade que reveste o
conciliador (é o caso do juiz que promove a conciliação entre as partes) e que torna mais
determinante a sua intervenção.”
Vale a pergunta: qual é a utilidade da diferenciação entre Conciliação sem
capacitação e Conciliação com capacitação? Em nosso entender, imaginamos que a clareza
com relação à distinção das duas propostas possibilita o desenvolvimento de um trabalho mais
eficiente. Por esta razão, julgamos de suma importância este esclarecimento, para que os
juristas dispensem maior atenção à Conciliação com capacitação que está sendo proposta,
atualmente, pelo Setor de Conciliação e, assim, consigam perceber que há situações em que a
Conciliação se aplica muito bem, mas existem casos em que a prática da Conciliação não é
recomendada, como casos de conflitos familiares.
A figura da Conciliação em conseqüência de sua concepção inicial no meio
jurídico, apresenta-se desgastada e desacreditada. Há advogados que não comparecem às
“audiências de conciliação” do Setor de Conciliação, por “pré-conceito”. Alguns tecem
comentários desqualificadores com relação a esta prática, pelo desconhecimento dos possíveis
benefícios que a proposta do Provimento n. 953, de 7 de julho de 2005, pode oferecer ao
Judiciário.
Todavia, a realização da Conciliação com capacitação vislumbrada pelo
Provimento pede cuidados como: qualidade da formação dos conciliadores; supervisão do
trabalho de Conciliação; esclarecimento aos advogados, às partes, aos funcionários do Setor
91
que a prática da Conciliação não se destina apenas a diminuir o volume de processos em
trâmite, mas também em oferecer abertura para uma forma diferenciada de resolução de
conflitos.
Interessante notar que a prática da Conciliação, quando efetuada por
conciliadores que passaram pela capacitação prática e teórica, por si só já provoca certa
mudança na forma de as pessoas estarem na sessão de conciliação. A Conciliação com
capacitação, ainda que seja um trabalho que visa maior rapidez no trato da situação
conflituosa, dependendo do caso concreto e da habilidade do conciliador, proporciona um
diferencial dentro do Judiciário, na medida em que promove reflexões sobre as possibilidades
a serem alcançadas por meio da conversa entre as pessoas.
O clima criado pela abertura ao diálogo enseja uma mudança na forma de
pensar a situação conflituosa, o cultivo do pensamento linear de causa e efeito, com o qual
fomos acostumados sofre alterações que levam as pessoas pouco a pouco a repensarem suas
crenças iniciais.
Juan Carlos Vezzulla (2001, p. 83) ensina que:
A Conciliação, como técnica, exige a intervenção de um profissional que domine a
investigação e a escuta e mantenha a sua imparcialidade para que, sem forçar as
vontades das partes, as convença das vantagens de alcançar um acordo que, mesmo
não sendo totalmente satisfatório, lhes evite complicações futuras em que ambas
perderão tempo e dinheiro.
Dito isto, importante agora, feita a diferenciação entre a Conciliação sem
capacitação e a Conciliação com capacitação, passarmos para uma abordagem sobre
Mediação e Justiça Restaurativa.
Para uma melhor compreensão do que estamos dizendo, partimos para o
esclarecimento sobre Mediação, diferenciando os vários modelos possíveis de sua prática, ao
92
demonstrar como cada um deles pode e deve ser aplicado às diferentes situações de conflito.
Apontaremos as inúmeras vantagens e benefícios decorrentes de sua realização.
3.4 Mediação
3.4.1 Conceito de Mediação
Mediar conforme a definição do Dicionário Aurélio significa dividir ao
meio; repartir em duas partes iguais; ficar no meio de dois pontos; distar.
Nicola Abbagnano (2003, p. 655), ao conceituar Mediação fala que:
1o Segundo Aristóteles, o silogismo é determinado pela função mediadora do termo
médio, que contém um termo e é contido pelo outro termo. (An.pr. I, 4,25 b 35) (v.
Silogismo); 2o Segundo a Lógica de Port-Royal, a Mediação é indispensável em
qualquer raciocínio. ”Quando apenas a consideração de duas idéias não é suficiente
para se julgar se o que se deve fazer é afirmar ou negar uma idéia com a outra, é
preciso recorrer a uma terceira idéia, simples ou complexa, e esta terceira idéia
chama-se intermediária.” (ARNAULD, Log., III). 3O. Segundo Hegel, a Mediação é
a reflexão em geral (Werke, ed. Glockner, II, p.25; IV, p.553, etc.) “Um conteúdo
pode ser conhecido como verdade só quando não é mediado por outro, quando não
é finito, quando, portanto, medeia-se consigo mesmo, sendo, assim, o todo em um,
Mediação é relação imediata consigo mesmo.
As definições citadas, ensinam que mediar é uma ação que consiste em:
dividir ao meio; repartir em duas partes iguais; ficar no meio de dois pontos; distar; ajudandonos a entender a prática da Mediação como um trabalho efetuado por um terceiro que, a partir
de dois pontos eqüidistantes, não está nem de um lado nem de outro, busca manter um
distanciamento equilibrado das partes.
O mediador ocupa a posição intermediária entre duas pessoas, colocandose em uma posição de imparcialidade com relação às diferentes versões trazidas, buscando
sempre o equilíbrio e a igualdade entre elas.
93
Ao considerar os outros significados, percebemos que mediar é uma ação
que busca não apenas a harmonia, o acordo ou conciliação entre duas verdades, mas sim, a
verdade que será criada a partir das idéias intermediárias, sendo que uma pode conter ao
mesmo tempo em que está contida na outra.
Mediar é ajudar as pessoas a se organizarem para elaborarem uma ou mais
versões que possam ser verdadeiras e justas para elas. Mediação é a abertura para o diálogo
no sentido do reconhecimento e do respeito dos envolvidos visando a construção conjunta de
novas possibilidades de entendimento. O trabalho da Mediação exige um aprofundamento na
relação conflituosa, o que possibilita a maior efetivação das soluções alcançadas pelas partes.
Adolfo Braga Neto (1999, p. 93) expressa que Mediação é:
uma técnica não adversarial de resolução de conflitos, por intermédio da qual duas
ou mais pessoas (físicas, jurídicas, públicas, etc.) recorrem a um especialista neutro,
capacitado, que realiza reuniões conjuntas e/ou separadas, com o intuito de
estimulá-las a obter uma solução consensual e satisfatória, salvaguardando o bom
relacionamento entre elas.
Para Warat (2001, p.79-80):
Existem várias correntes sobre o sentido, funções e destino da mediação. O
entendimento que adotamos considera a mediação como um procedimento distinto
da conciliação e da arbitragem. A distinção dá-se pelo caráter transformador dos
sentimentos que, por graça da mediação, pode ocorrer nas relações
sentimentalmente conflituosas, o que é ignorado no procedimento judicial e nos
outros procedimentos alternativos de resolução de conflitos judiciais.
[...]
A mediação seria uma proposta transformadora do conflito porque não busca a sua
decisão por um terceiro, mas, sim, a sua resolução pelas próprias partes, que
recebem auxílio do mediador para administra-lo. A mediação não se preocupa com
o litígio, ou seja, com a verdade formal contida nos autos. Tampouco, tem como
única finalidade a obtenção de um acordo. Mas, visa, principalmente, ajudar as
partes a redimensionar o conflito, aqui entendido como conjunto de condições
psicológicas, culturais e sociais que determinaram um choque de atitudes e
interesses no relacionamento das pessoas envolvidas. O mediador exerce a função
de ajudar as partes a reconstruírem simbolicamente a relação conflituosa.
94
3.4.2 Evolução histórica da mediação
A Mediação sempre esteve presente em quase todas as culturas do mundo.
As religiões judaicas, cristãs, hinduístas, budistas, confucionistas e muitas culturas indígenas
têm longa tradição na prática da Mediação.
No Oriente Médio as sociedades pastoris resolviam seus conflitos por meio
de reuniões com idosos que discutiam, debatiam e deliberavam sobre os conflitos que surgiam
nas tribos.
As sociedades de cultura hinduísta e budista também realizavam
Mediações. Nestas culturas, conforme nos conta Cristopher W. Moore (1998, p. 33), “a
religião e a filosofia enfatizavam fortemente o consenso social, a persuasão moral e a busca
do equilíbrio e da harmonia nas relações humanas.”
Nas últimas três décadas houve uma expansão da utilização da Mediação:
os EUA começaram a aplicá-la nos conflitos de família e trabalhistas, principalmente no setor
industrial, entre patrões e empregados. Em seguida, passou a ser utilizada nas relações
comerciais, imobiliárias, de consumo, escolares, dentre outras experiências.
Christopher W. Moore (1998, p. 36-37), consultor e mediador
internacional, treinado pelo U.S. Federal Mediation and Conciliation Service (1979 e pela
American Arbitration Association (1976), comenta que:
Nas disputas familiares, os acordos mediados e consensuais são em geral mais
adequados e satisfatórios do que os resultados litigados ou impostos. Os modelos de
prática nesta área incluem programas obrigatórios ligados aos tribunais, em que os
disputantes devem experimentar a mediação antes de um juiz examinar o caso;
programas de tribunais voluntários; e formas de prática privada, como o
profissional isolado, a parceria, e agência privada sem fins lucrativos.
95
Em janeiro de 1997, surge em Portugal a Associação Nacional para
Mediação Familiar, constituída por magistrados, advogados, terapeutas familiares e
psicólogos, todos eles com formação em mediação familiar. Nesse mesmo ano foi celebrado
um protocolo de colaboração entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados dando
origem ao projeto de Mediação Familiar em Conflito Parental, que teve como finalidade a
implantação de um serviço de mediação familiar em matéria de regulação do exercício do
poder paternal, em caráter experimental, formado por equipes interdisciplinares articuladas
com os tribunais, acessíveis aos casais em situação de risco.
Na França, a Mediação foi aos poucos ganhando espaço, passando a fazer
parte da estrutura do Poder Judiciário a partir do advento da Lei 95-125 de fevereiro de 1995,
que disciplinou a organização das jurisdições e ao processo civil, penal e administrativo.
(SIX, 2001, p. 143)
No Brasil, notamos a tentativa de implementação da Mediação na Justiça
do Trabalho quando o Decreto n. 88.984, de 10 de novembro de 1983, instituiu o Sistema
Nacional de Relações do Trabalho, criando o Serviço Nacional de Mediação e Arbitragem –
SNMA-. Em 17 de maio de 1988 regulamentou-se o procedimento de Mediação Pública por
meio da Portaria MTb n. 3.097, posteriormente modificada, em 05 de julho de 1988, pela
Portaria n. 3.122 para ampliar os procedimentos para composição dos conflitos individuais e
coletivos. Adicionalmente, as Portarias n. 817 e n. 818 de 30 de agosto de 1995
estabeleceram: critérios para a participação do mediador nos conflitos de negociação coletiva;
e, o credenciamento do mediador perante as Delegacias Regionais do Trabalho,
respectivamente.
Em Genebra, no ano de 1981, a Convenção 154 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) instituiu o incentivo à negociação coletiva. O texto dessa
96
Convenção foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 22, de 12 de maio de 1992 e promulgado
pelo Decreto n. 1.256, de 29 de setembro de 1994.
Na América Latina merece, ainda, registro a Argentina que editou a Lei n.
24.573, de 4 de outubro de 1995, regulamentada pelos Decretos n. 1021/95 e n. 477/96, que
tornaram a Mediação obrigatória previamente ao início do processo judicial, a partir de abril
de 1996.
Assim, a Mediação coloca-se, atualmente, como resgate de uma prática
milenar, que se apresenta lapidada pelos avanços dos conhecimentos conquistados nas mais
diversas áreas do saber, adaptada às garantias de um Estado Democrático de Direito.
Passamos a analisar a seguir como a Mediação está sendo introduzida no
universo jurídico processual brasileiro, e quais os cuidados que devemos ter para que sua
prática não perca a preciosidade de sua fundamentação ideológica, para que haja o
desenvolvimento de um trabalho sério e comprometido com a realização dos princípios
Constitucionais de um Estado verdadeiramente democrático.
Aplicada ao mundo do Direito, a Mediação promove flexibilidade e maior
adaptação ao caso concreto, auxiliando na resolução das contradições entre os planos da
universalidade dos direitos e da singularidade de sua aplicação aos sujeitos, conferindo
valores humanizantes ao Sistema Judiciário. A Mediação mesmo que não leve ao acordo pode
criar condições mais favoráveis ao processo judicial.
3.4.3 O Processo de Mediação
A Mediação acontece por meio de um processo sigiloso e voluntário em
que um terceiro neutro e imparcial, o mediador, cria um espaço de conversa que facilita às
97
partes identificarem seus interesses e suas necessidades, para que juntas, consigam encontrar
maneiras criativas de lidar com seus conflitos, favorecendo a transformação da forma como
vêem o conflito e, conseqüentemente, a relação existente entre elas.
Warat (2001, p. 38) ensina que: “A mediação que realiza a sensibilidade é
uma forma de atingir a simplicidade do conflito. Tenta que as partes do conflito se
transformem descobrindo a simplicidade da realidade. A mediação com sensibilidade é uma
procura da simplicidade.”
Tais transformações poderão ocorrer, em maior ou menor grau, a depender
do modelo de Mediação a ser utilizado. Cada situação, por suas particularidades, pede um tipo
diferente de abordagem.
As transformações de visão do conflito em pauta serão obtidas mediante
uma ação pautada na ética direcionada ao cuidado e ao reconhecimento da autonomia dos
mediados, por meio de ações que resguardem o equilíbrio de poder e que promovam a
legitimação dos mediados como sujeitos de direitos e obrigações, re-significando e recontextualizando suas narrativas. Ocorre o empoderamento das pessoas envolvidas,
propiciando a assunção compartilhada de responsabilidade pela construção de eventual
acordo.
Juan Carlos Vezzulla (2000, p. 97) observa que:
A mediação não tem por objectivo, como o sistema judicial, vigiar o cumprimento
das leis e cuidar do ordenamento social. A mediação atende os problemas
apresentados entre as pessoas, procura a sua satisfação e o restabelecimento da
harmonia social, melhorando os relacionamentos e promovendo a cooperação e o
respeito
A prática “Mediativa” não propõe, de forma alguma, eliminar conflitos,
mas foca-se justamente na construção de novas possibilidades a partir da situação conflituosa,
98
ajudando aos mediados a manejá-la em um contexto de diálogo e reflexão. A Mediação vem
se constituindo como um fenômeno de mudança e amadurecimento da sociedade.
Nesse sentido, Warat (2001, p. 88) observa que:
Em termos de autonomia, cidadania, democracia e direitos humanos a mediação
pode ser vista como a sua melhor forma de realização. As práticas sociais de
mediação configuram-se um instrumento de exercício da cidadania, na medida em
que educam, facilitam e ajudam a produzir diferenças e a realizar tomadas de
decisões, sem a intervenção de terceiros que decidem pelos afetados em um
conflito. Falar de autonomia, de democracia e de cidadania, em um certo sentido, é
ocupar-se da capacidade das pessoas para se autodeterminarem em relação e com
os outros; autodeterminarem-se na produção da diferença (produção do tempo com
o outro).
A Mediação proporciona: uma cultura de consenso no “dês-senso”, os
deveres inicialmente cobrados tornam-se compromissos assumidos. A prática da Mediação
acontece em um contexto horizontal de participação: todos atuam conscientes de suas
responsabilidades, não há um direcionamento hierárquico, a solução é co-construída, uma
verdadeira representação da democracia promovendo o exercício da cidadania dos envolvidos.
Pode-se dizer que o saber da Mediação propõe-se a ser um saber transdisciplinar, na medida em que valoriza e legitima a aptidão humana de religar os
conhecimentos multi e interdisciplinares, dando espaço à criatividade para criar canais de
comunicação entre as pessoas.
Não estamos afirmando que a Mediação é um trabalho fácil, nem tão pouco
que apresenta somente vantagens; no entanto, ela possibilita a participação consciente das
pessoas, o que gera uma inversão da lógica conflitante para uma lógica colaborativa, levando
o conflito para um universo de cooperação.
A Mediação requer um trabalhado mais detalhado por parte do mediador,
sendo necessários vários encontros para a efetivação de sua prática. O número de encontros
será determinado pelo mediador ou mediadores, caso o formato escolhido seja a co-
99
mediação. Por esta razão, a Mediação consiste em um trabalho mais minucioso que pede mais
tempo e preparo para a sua realização.
A Mediação traz em seu conceito uma riqueza na forma de se entender a
existência humana em suas relações tanto intrapessoais quanto interpessoais, na medida em
que proporciona às pessoas a capacidade de tomarem as rédeas de suas questões para resolvêlas de forma consciente. O encontro proporcionado pela Mediação representa uma
possibilidade sagrada de relacionar-se com seus conflitos internos e externos. Atua
promovendo o empoderamento dos mediados em relação às suas vidas, fazendo com que se
sintam vivos pela conexão com a essência do ser, do estar presentes e vivos atendendo suas
reais necessidades.
O advogado é muito importante no processo de Mediação, o mediador,
ainda que seja advogado, não pode dar assistência jurídica aos mediandos. Em um processo
de Mediação podem surgir dúvidas a respeito de direitos e obrigações legais, sendo necessária
a presença dos advogados para auxiliar as pessoas nesse sentido.
Dessa forma, o processo de Mediação pode ser facilitado pelo advogado
consciente dos benefícios que esta prática oferece a seu cliente, a postura colaborativa do
advogado proporciona ganhos para todos os envolvidos no processo.
3.4.4 O mediador
O mediador é um gestor de conflitos comprometido com a promoção do
diálogo a ser estabelecido em um contexto de confiança, que auxilia as pessoas envolvidas a
reformularem a situação de conflito em que se encontram.
100
A atuação do mediador deve ser orientada pelos princípios do sigilo, da
imparcialidade, da flexibilidade, do respeito mútuo, da igualdade, assumindo obrigações
éticas em relação ao processo de Mediação.
Segundo Adolfo Braga Neto (1999, p. 94):
O mediador pode ser melhor definido como um facilitador da comunicação entre os
mediados, uma vez que ele passa a trabalhar em conjunto com eles no sentido de
auxiliá-los, em razão de um trabalho cooperativo, que deverá ser comum entre
todos os envolvidos. Esse conceito cooperativo possibilitará que os mediados não
se enfrentem (daí ser uma técnica não adversarial), mas sim se solidarizarem,
assumindo o problema e buscando uma solução satisfatória para eles próprios.
Dessa cooperação dependerá o trabalho investigativo, durante as sessões, inerente à
atividade desempenhada pelo mediador, pois dele dependerá e muito o atingimento
da descoberta dos reais interesses, necessidades e anseios dos mediados.
Despido de autoridade, o mediador não tem o propósito nem de julgar nem
de procurar culpados. Em situação de igualdade com as partes, não traz solução, apenas
promove o diálogo, possibilitando aos envolvidos no conflito que conversem sobre suas
diferentes versões e identifiquem sua participação na construção de uma possível verdade que
contemple as necessidades de todos.
Como fruto desse diálogo, o conflito pode ser redefinido sem que alguém
seja visto como único responsável e culpado pela situação, possibilitando a identificação de
interesses comuns e a construção de soluções complexas e duradouras que beneficiem a todos.
O conflito é entendido como possibilidade de crescimento e mudança.
O mediador assume o papel de difusor das vantagens que a Mediação pode
oferecer às pessoas envolvidas na situação de litígio, esclarecendo as dúvidas dos
participantes, com o intuito de estabelecer um clima da confiança no processo.
O mediador não se coloca como um especialista; sua função é abrir espaço
para a conversa por meio de caminhos cooperativos. Procura tirar as pessoas do jogo de
acusações mútuas, desviando o foco do julgamento para o esclarecimento, a energia do julgar
transforma-se em energia do criar.
101
Conforme Jean-François Six (2001. p.167-168):
O mediador cidadão sabe primeiro que um conflito não é o mal em si, nem
necessariamente um mal. Ele sabe que não há resultado absoluto em um conflito,
mas uma certa passagem, uma brecha que se abre; isto não se faz dentro de um
clima de harmonia suave: toda passarela é custosa e não se estabelece senão com
esforço, os bons sentimentos não têm futuro, ou têm somente futuros
desencantados. Dentro dessa mesma relativização, poder-se-á definir o mediador
cidadão como, simplesmente, um homem que tem a honra de ser um homem, que
se quer simplesmente responsável por si mesmo, modestamente, em seu lugar,
responsável por outro, responsável pelas relações entre os homens. Foi o princípio
ético que o impulsionou a tornar-se vantajosamente, consciente, mediador. Se ele se
colocasse acima da lei e acima dos outros, deixaria seu justo lugar de mediador
cidadão.
As funções positivas do mediador que devem sempre ser atendidas são:
facilitar a comunicação; saber ouvir com atenção o relato das pessoas; legitimar as partes;
desenvolver estratégias para que consigam sair de suas posições, para terem maior clareza
sobre seus interesses e suas necessidades; manter-se imparcial.
O mediador busca desenvolver uma postura reflexiva sobre como é afetado
pelos relatos das pessoas, procurando manter-se o mais imparcial possível; elabora perguntas
que geram mudanças e reflexões; promove um diálogo colaborativo; atua como agente da
realidade, fazendo projeções futuras sobre a viabilidade de cumprimento do que estão
acordando.
As atitudes que jamais podem acontecer são: julgar as pessoas; procurar
entender quem está certo ou errado; atuar como autoridade; impor sua verdade; fazer
perguntas por curiosidade.
3.4.5 Modelos de Mediação
O esclarecimento sobre as diferentes formas de trabalhar a Mediação é de
suma importância. Cada modelo apresenta um enfoque particular, o que acaba determinando a
forma de abordagem do mediador.
102
Nos Estados Unidos há três linhas de pensamento que embasam os
modelos de Mediação. A determinação da prática a ser escolhida, dependerá, primeiro, do
maior ou do menor conhecimento por parte do mediador sobre as diversas ferramentas ou
instrumentos oferecidos pelas diferentes metodologias - a linguagem proposta pela Mediação
pede a conceituação das formas utilizadas em sua prática como ferramentas ou instrumentos e
não, como técnicas, pois técnicas nos remetem à idéia de causalidade simples, de
mecanicismo-. Segundo, dependerá das características apresentadas pela situação a ser
mediada e, finalmente, dependerá do contexto em que será aplicada a Mediação.
Esta classificação tem sido mais utilizada por distinguir algumas
características que evidenciam a diferenciação da escolha das ferramentas a serem utilizadas
em um caso concreto. No entanto, pode haver outros modelos de Mediação, além dos
apresentados a seguir, que ofereçam ferramentas muito eficazes para trabalhar o conflito.
Ressaltamos o cuidado de, ao fazermos esta diferenciação, não
imprimirmos restrições às inúmeras outras possibilidades a serem desenvolvidas
criativamente no trato da situação conflituosa. Além disso, quanto maior o rol de experiências
neste sentido, mais amplo e rico será o processo de Mediação.
O conhecimento das diversas ferramentas desenvolvidas por cada um dos
modelos possibilita ao mediador um maior campo de atuação, sendo possível, dependendo do
caso a ser trabalhado, a escolha das diferentes ferramentas utilizadas por um ou mais modelos
de Mediação.
A experiência no manejo das várias ferramentas de trabalho oferecidas
pelos diferentes modelos de Mediação, denota a importância de um profissional bem
preparado.
Os modelos mais conhecidos são:
103
a) Modelo tradicional de Harvard ou mediação avaliativa;
Esse modelo utiliza os seguintes princípios:
separar as pessoas do problema;
focalizar os interesses e não, as posições;
criar opções para o benefício mútuo;
insistir no uso de critérios objetivos.
Esse modelo, desenvolvido por Roger Fish, William Ury & Bruce Patton
(1994), fundamenta-se na comunicação entre dois indivíduos, sendo que cada um conta sua
versão dos fatos enquanto o outro escuta. A função do mediador é atuar como um facilitador
da comunicação para dar espaço ao diálogo entre os mediados.
Foca-se na comunicação verbal, no princípio da causalidade simples não
levando em conta outras possíveis causas mais complexas; não se ocupa de contextualizar a
situação conflituosa; trabalha com a pessoa no sentido de apontar seus interesses e
necessidades sem dispensar maior atenção ao fator relacional.
Este método valoriza a expressão das emoções no início do processo, como
um efeito de catarse, para que as pessoas se acalmem e consigam pensar melhor. Não se trata
de trabalhar com os sentimentos das pessoas, é apenas um instrumento utilizado para que os
mediados consigam extravasar todas as suas emoções. Tem a imparcialidade, neutralidade e
eqüidistância como princípios, e entende o conflito como um movimento caótico que precisa
ser colocado em ordem, acreditando que a função do mediador é restabelecer a ordem perdida
pela situação conflituosa. Tem como meta diminuir as diferenças entre as partes, aumentar as
semelhanças.
104
Neste método podem ser feitas sugestões no sentido de oferecer maiores
possibilidades de escolha; mas nada tem a ver com aconselhamento, pois há regras
procedimentais bem definidas. Parte, primeiro, da análise e do diagnóstico do conflito; depois
passa para o planejamento, gerando novas idéias e opções de benefícios mútuos para a tomada
de decisões e conseqüente construção do acordo, a partir da reflexão sobre as novas
possibilidades apresentadas.
As sugestões devem ser entendidas como indicações de caminhos possíveis
a serem seguidos, no sentido de se buscarem acordos sensatos. O mediador sugere que, ao
negociarem, as partes não esqueçam de três fatores importantes que dizem respeito a si
próprios e ao outro: percepções; emoções e comunicação.
A crítica feita a este método é que por não trabalhar as relações e os
conflitos subjacentes ao conflito aparente, algumas pessoas acabam não tendo um
comprometimento maior e, por vezes, o acordo não é cumprido.
Em resumo pode-se dizer que o Modelo Tradicional de Harvard enfatiza
mais o acordo do que o trabalho relacional dos mediados. Podemos imaginar que seja um
método a ser utilizado em situações de conflito que não apresentem questões relacionais
importantes, como conflitos oriundos de relações comerciais pontuais.
b) Modelo Transformativo
Este método surgiu da observação de Robert Bush e de Joseph Folger
(1994) das Mediações Tradicionais de Harvard. Ao assistirem às Mediações começaram a
perceber que, em determinados casos, além da obtenção do acordo, acontecia também a
transformação das pessoas e da forma de se relacionarem entre si.
105
Resolveram investigar as razões destas mudanças e constataram que, em
alguns casos, os mediadores utilizavam um outro modelo de comunicação, dispensando maior
atenção ao aspecto relacional.
Este modelo funda-se na comunicação verbal e não verbal, levando em
conta o novo paradigma trazido pela Teoria Sistêmica, pela Cibernética, e pelas diversas áreas
de conhecimento, pelas quais se percebe a causalidade circular dos conflitos. Acredita-se que
a comunicação acontece entre pessoas que se relacionam e produzem modificações como
produto das interações. Inclui-se a imagem do emissor e receptor que reage ao emissor.
Tem como objetivo fundamental a promoção do empoderamento das
pessoas, para que atuem como protagonistas de suas vidas assumindo as responsabilidades de
suas escolhas, reconhecendo o outro. Utiliza-se de perguntas que possibilitam entender
melhor o sentimento e as necessidades do outro.
O modelo transformativo de Mediação, foca-se na modificação da forma
dos mediandos se relacionarem, sendo o acordo uma conseqüência desta mudança. Centra-se
na transformação relacional que levará como conseqüência à resolução do litígio.
Este modelo oferece uma ferramenta de trabalho que é a equipe reflexiva,
que consiste em um grupo de mediadores que se coloca ao lado dos mediados e dos
mediadores de campo, no caso da co-mediação, e atuam em determinados momentos, quando
solicitado pelos mediadores, com o objetivo de promover abertura de reflexão aos mediados,
por meio de perguntas reflexivas.
c) Modelo circular-narrativo
Preconizado por Sara Cobb (1995), defende que os conflitos são criados na
maioria das vezes por meio do uso da linguagem. A história da pessoa é a narrativa que ela
106
faz de sua realidade; a forma como narramos é a maneira como coordenamos nossa visão de
mundo. É uma idéia trazida pelo construcionismo social.
Trabalha a comunicação circular, entende que as pessoas se comunicam de
diversas formas e que, mesmo negando-se a comunicar, estão comunicando alguma
mensagem. Acredita na causalidade circular, não há uma causa única que produza um
determinado significado e sim, uma retro-alimentação constante.
Este modelo, assim como o modelo Transformativo, foi criado a partir de
concepções trazidas de outras áreas das ciências sociais. Recebeu contribuições dos
conhecimentos desenvolvidos pela Terapia Familiar Sistêmica. Leva em consideração os
aspectos pragmáticos da comunicação de acordo com a noção de contextos espaciais e
históricos como pano de fundo para o desenvolvimento do trabalho
Seu método propõe aumentar as diferenças e, ao contrário do entendimento
do método de Harvard, acredita que as pessoas chegam a uma Mediação em uma situação de
ordem, em uma posição que as mantém rígidas, o que as impede de encontrar alternativas.
Com a introdução do caos, há uma flexibilização no sistema, possibilitando às pessoas
encontrarem uma nova ordem de possibilidades.
Tem como foco fomentar a reflexão, a mudança de significados, buscando
transformar as histórias trazidas nos encontros. Entrevê um acordo mas não como meta
principal. Este modelo prioriza as relações.
Os modelos Transformativo e Narrativo de Sara Cobb são muito
semelhantes. O que interessa enfatizar é que o conhecimento de um maior número de
instrumentos ou ferramentas proporciona ao mediador um refinamento de suas abordagens,
viabilizando a criação de maiores oportunidades de entendimento e conseqüentes soluções
para a dissolução das situações conflituosas.
107
Algumas ferramentas utilizadas por estes dois modelos são: análises de
soluções intentadas mediante perguntas; re-enquadramento do contexto trazido pelo relato da
situação conflituosa; re-significação da narrativa, oferecendo a oportunidade de conotar
positivamente a situação conflituosa a partir da compreensão da possibilidade de geração de
mudanças.
3.5 Justiça Restaurativa
3.5.1 Conceito de Justiça Restaurativa
A Justiça Restaurativa apresenta-se como um resgate às formas tribais de
resolução de conflitos, pois reconduz à pratica comunitária de justiça. Todavia, o movimento
restaurativo é recente tendo florescido de há vinte a trinta anos e nessa perspectiva é algo
novo. (ZEHR, 2002)
A Justiça Restaurativa pede a compreensão da complexidade que envolve
as relações humanas. Capra (2005, p. 14) em sua obra, O Ponto de Mutação, traz a nova visão
da realidade que inclui a emergente visão sistêmica de vida, mente, consciência e evolução. O
autor mostra como a revolução da Física moderna prenuncia uma revolução iminente em
todas as ciências e uma transformação de nossa visão de mundo e de nossos valores.
Embora o termo Justiça Restaurativa seja o mais utilizado, alguns autores
preferem chamar de “Justiça Transformadora ou Transformativa” (Bush e Folger, 1994),
outros
de “Justiça Relacional”(Burniside e Baker em Van Ness e Strong, 1997, p.25),
“Justiça Restaurativa Comunal”(Young em Van Ness e Strong, 1997, p.25), “Justiça
Recuperativa”(Cario, 2003, p.219-242). Enfim, há uma diversidade de títulos, o que
demonstra que a Justiça Restaurativa não tem um padrão conceitual unificado.
108
Este novo paradigma representa uma nova forma de olhar o conflito. A
situação conflituosa, sob esse ponto de vista, deixa de ser considerada um mal para a
sociedade: ela passa a ser vista como uma possibilidade de encontro entre as pessoas que em
determinado momento não conseguem entender-se pelas mais diversas razões.
Acreditamos que a Justiça Restaurativa tem como fundamento justamente
a nova visão de realidade constatada pelas descobertas da Física do século XX. Pois
proporciona a constatação da vida como constante e dinâmica inter-relação entre todos os
seres vivos, oferecendo a possibilidade de entender nossa multifacetada crise cultural. A
Justiça Restaurativa traz a noção de formação de rede, uma rede que se tece, conjuntamente,
pela soma de ações de apoio e sustentação no sentido de cuidar das mais diversas
necessidades percebidas com a situação de conflito.
Os chineses usam o ideograma wei-ji para definir o conceito de crise, que
quer dizer “perigo” e “oportunidade”. Portanto percebemos o momento de crise do sistema
processual moderno como oportunidade de abertura para desenvolvimento de formas criativas
de pacificação social.
A idéia de disputa ou contenda judicial demonstra a forma competitiva e
excludente da lógica jurídica. O pensar competitivo estimula que cada um queira estabelecer
a sua verdade, sendo que a razão de um deve prevalecer sobre a do outro: tem-se a falsa noção
de que é possível haver apenas uma verdade.
A Justiça Restaurativa parte do seguinte pressuposto: o crime ou o ato de
violência causa dano às pessoas e aos relacionamentos. Portanto, entende-se que não só a
vítima e o transgressor são afetados, mas também toda a comunidade. O enfoque é dado às
necessidades que surgem a partir do ato. Inverte-se a pergunta: Quem cometeu o ato
criminoso? para: Quais as necessidades que surgiram a partir deste ato?
109
A Justiça Restaurativa deixa de preocupar-se com quem está errado e
enfatiza qual o valor que está sendo violado.
Howard Zehr e Harry Mika em Zehr (2002, p.64) lançam de forma pioneira
os conceitos fundamentais da Justiça Restaurativa, estabelecendo suas principais premissas e
proposições, conforme expomos a seguir:
1- O crime é fundamentalmente uma violação de pessoas e de relacionamentos interpessoais.
As vítimas primárias são afetadas mais diretamente pela ofensa, mas as
outras, como os membros da família das vítimas e dos ofensores, as testemunhas e os
membros da comunidade afetada, também são vítimas.
Os relacionamentos afetados (e refletidos) pelo crime devem ser
abordados.
2- Os participantes-chave na Justiça são as vítimas, os ofensores e a comunidade afetada.
Um processo de Justiça Restaurativa maximiza a contribuição e
participação especialmente das vítimas primárias assim como dos ofensores e também da
comunidade afetada na busca de restauração, cura, responsabilidade e prevenção.
Os papéis destas partes variarão de acordo com a natureza da ofensa assim
como das capacidades e preferências das partes. O Estado circunscreve papéis, como
investigar fatos, facilitar processos e assegurar a segurança; mas o Estado não é uma vítima
primária.
3- As violações criam obrigações e responsabilidades.
As obrigações dos ofensores são corrigir as coisas tanto quanto seja
possível. Como a obrigação primária é com as vítimas, um processo de Justiça Restaurativa
dá poder às vítimas para participar efetivamente na definição dessas obrigações.
110
Os ofensores têm oportunidades e encorajamento para entender o dano que
eles causaram às vítimas e à comunidade e para desenvolver planos para assumir a devida
responsabilidade.
A participação voluntária dos ofensores é maximizada; são minimizadas a
coesão e a exclusão. Porém, pode-se exigir que os ofensores aceitem suas obrigações, se eles
não o fizerem voluntariamente.
As obrigações para com as vítimas como restituição são prioritárias sobre
outras sanções e obrigações para com o Estado como por exemplo multas.
Na Justiça Restaurativa os ofensores têm obrigação de serem participantes
ativos na abordagem de suas próprias necessidades.
4- As obrigações da comunidade são para com as vítimas e os ofensores e para o bem estar
geral de seus membros- apoio;
A comunidade tem as seguintes responsabilidades: apoiar e ajudar as
vítimas a satisfazerem suas necessidades, pelas condições sociais e relacionamentos que
propiciem tanto o mal feito como a paz na comunidade.
A comunidade é responsável, também, de envidar esforços para a reintegração dos ofensores na comunidade, de envolver-se ativamente nas definições das
obrigações de ofensor e de assegurar oportunidades para que os ofensores façam
indenizações.
5- A justiça restaurativa busca curar e corrigir as injustiças.
As necessidades das vítimas por informação, validação, justificativa,
reparação, restituição, testemunho, segurança e apoio são os pontos de partida para a Justiça
Restaurativa;
111
A segurança das vítimas é prioridade imediata. O processo de justiça provê
uma estrutura que promove o trabalho de recuperação e cura que é, em última instância, o
domínio da vítima individual.
As vítimas recebem poder ao maximizar sua contribuição e participação na
determinação das necessidades e resultados. Os ofensores estão envolvidos em reparar o dano
na medida do possível.
6- O processo restaurativo maximiza as oportunidades para troca de informação,
participação, diálogo e consentimento mútuo entre vítima e ofensor;
Os encontros cara a cara são apropriados para algumas situações, enquanto
formas alternativas de troca são mais apropriadas em outras. As vítimas têm o papel principal
na definição e condução dos termos e condições de troca.
O acordo mútuo tem precedência sobre os resultados impostos. São dadas
oportunidades para o remorso, o perdão e, se for o caso, para a reconciliação.
São
abordadas
as
necessidades
e
competências
dos
ofensores.
Reconhecendo que os próprios ofensores foram prejudicados, a cura e a integração dos
ofensores na comunidade é enfatizada.
7- O processo restaurativo pertence à comunidade.
Os membros da comunidade participam ativamente para fazer justiça. O
processo de Justiça Restaurativa promove mudanças na comunidade na medida em que
contribui para seu fortalecimento, impedindo que danos semelhantes aconteçam a outros.
8- A justiça restaurativa está consciente dos resultados, intencionais e não intencionais, de
suas respostas ao crime e à vitimização.
112
A Justiça está segura, não pela uniformidade dos resultados, mas pela
necessária provisão de apoio e oportunidades para todas as partes.
3.5.2 Situando a Justiça Restaurativa na história
Desde os anos 70, uma variedade de abordagens e programas surgiu em
resposta às frustrações sentidas por profissionais do Direito - juizes, advogados, promotores,
agentes prisionais etc. - com a ineficiência do sistema processual, situação que perdura até
hoje. Tem-se a impressão de que o processo de justiça convencional por vezes aumenta as
feridas e os conflitos sociais, em vez de contribuir para sua cura ou transformação.
O país pioneiro na implantação das práticas restaurativas, inspiradas em
costumes dos aborígenes Maoris, foi a Nova Zelândia com a edição do Children, Young
Persons and Their Families Act em 1989, que reformulou o Sistema de Justiça da Infância e
Juventude, com grande sucesso de prevenção e reincidência de infratores.
Atualmente, há vários casos de procedimento de Justiça Restaurativa para
crimes praticados por adultos na Nova Zelândia, alguns deles situações de crimes graves e
violentos.
Logo outros países a seguiram e hoje projetos similares estão sendo
desenvolvidos no Canadá, Austrália, África do Sul, Reino Unido, Estados Unidos e
Argentina.
Na Inglaterra e País de Gales há, hoje, onze projetos em funcionamento
trabalhando com a Justiça Restaurativa.
113
O impacto deste movimento gerou interesse generalizado e desde o final da
década de 90, a Organização das Nações Unidas passou a recomendar a adoção da Justiça
Restaurativa pelos Estados Membros.
O marco inicial da regulamentação da Justiça Restaurativa pela
Organização das Nações Unidas foi a Resolução 1999/26, de 28 de julho de 1999, que dispôs
sobre o “Desenvolvimento e Implementação de Medidas de Mediação e de Justiça
Restaurativa na Justiça Criminal”. Seguiu-se a Resolução 2000/14, de 27 de julho de 2000
reafirmando a importância do tema; e, em 2002, a Resolução 2002/12 do Conselho Social e
Econômico da ONU- Basic principles on the use of restorative justice programmes in
crinminal matters define as bases principiológicas para um programa de Justiça Restaurativa,
tornando-se o documento internacional de referência na matéria.
No Brasil, além de várias práticas isoladas, existem três projetos-piloto em
andamento desenvolvidos por meio de um trabalho conjunto, que contou com a cooperação
técnica do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) com a Secretaria
Especial de Direitos Humanos, com a sociedade civil organizada e com o Ministério da
Justiça.
O primeiro em Porto Alegre, na Vara da Infância e Juventude; outro, em
Brasília, no Juizado Especial Criminal; o terceiro em São Caetano do Sul na Vara da Infância
e Juventude abrangendo Escolas Públicas, Conselho Tutelar, Programa da Saúde da Família,
Polícia Militar dentre outras instituições.
Em abril de 2005, aconteceu o primeiro Simpósio Nacional de Justiça
Restaurativa em Araçatuba, Estado de São Paulo, em que tivemos a alegria de participar
como organizadora e como mediadora de duas mesas debatedoras. Nesta ocasião houve a
elaboração de uma Carta de Princípios, chamada Carta de Araçatuba. (Anexo A)
114
Em setembro de 2005, ocorreu, dando continuidade aos debates iniciados
no Simpósio de Araçatuba, o seminário “Building Restorative Justice in Latin América”
ocasião em que foi lançada a Declaração da Costa Rica sobre Justiça Restaurativa na América
Latina. (Anexo B)
Recentemente, foi lançado o Projeto -Justiça e Educação: Parceria para a
Cidadania- uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, o Tribunal
da Justiça do Estado de São Paulo e os Juizes de Direito das Varas da Infância e da Juventude
de Heliópolis e Guarulhos.
3.5.3 Processo de Justiça Restaurativa
O agressor, a vítima e a comunidade devem ter um papel ativo na solução
do conflito, a partir de seus sentimentos e necessidades próprias. A Justiça Restaurativa
propõe a participação democrática dos afetados, direta ou indiretamente, pela situação
conflituosa na construção de soluções que atendam às necessidades surgidas.
Daí, dizer-se que o Estado, antes responsável pela punição do autor, passa a
ter o papel de orientador e facilitador do diálogo entre as várias partes envolvidas e
instituições, restabelecendo a formação da teia de proteção social.
O processo restaurativo atravessa a superficialidade do conflito,
promovendo reflexão sobre as necessidades que surgem a partir da situação conflituosa. A
Justiça Restaurativa concentra-se em quem está envolvido no processo restaurativo e como
está envolvido, o que demonstra possibilidade maior de reparação do dano. Propõe-se a
superação do modelo adversarial/retributivo.
115
Pedro Scuro Neto (2005, p. 193 – 207), fala dos três modos de Justiça
diferenciando-os da seguinte maneira:
Justiça retributiva ( ou comutativa)- atua segundo a máxima punitur quia
peccatum, impondo pena proporcional ao mal praticado, segundo a lógica
do mercado característica do capitalismo;
Justiça distributiva (ou justiça pelo mérito)- que não é atribuída a todos
igualmente, mas segundo a situação jurídica e social da conduta do
infrator, a quem são destinados serviços e benefícios para recuperá-lo e
reintegrá-lo à sociedade;
Justiça restaurativa (ou justiça do reconhecimento), que visa a
correspondência entre a semelhança judicial e o sentimento de justiça dos
atores afetados pela infração.
O autor acredita que a determinação da culpa e da punição aos
transgressores, como ocorre no modelo retributivo, tem fraco potencial transformador. Isso
porque , não há a conscientização do dano e do sofrimento causado, o qual promoveria uma
responsabilidade perante as condutas realizadas.
Esta conscientização pode ser alcançada mediante a eficácia do encontro
realizado no processo restaurativo. Tal encontro requer cuidados especiais em sua preparação,
pois só poderá acontecer se estiverem presentes os requisitos legais e procedimentais para a
sua admissibilidade e continuidade. Um dos requisitos primordiais é assunção da
responsabilidade por parte do autor do ato criminoso, como cuidado para que não haja, de
forma alguma, a re-vitimização da vítima.
No caso de impossibilidade do encontro, o processo de restauração pode
ser realizado por outros atores. A vítima, pela oportunidade de ser ouvida e reconhecida, já se
sente de certa forma legitimada em sua dor. O sistema binário, característico do Sistema de
Justiça convencional, valoriza as informações que provem diretamente a inocência ou a culpa
do ofensor, não cuida dos sentimentos e emoções que permeiam o fato e que trazem consigo
potencial de transformação e restauração dos danos sofridos.
116
O Estado Democrático de Direito, pelo Poder Judiciário, pode criar espaços
que propiciem o encontro entre as pessoas envolvidas em uma situação de conflito. Tal
encontro deve ser orientado e dirigido por uma pessoa preparada para mediar as partes, tendo
sempre o entendimento de que o conflito que atinge os envolvidos diretamente atinge,
também, indiretamente, toda a comunidade.
3.5.4 O “facilitador” do processo restaurativo
Nas práticas da Justiça Restaurativa o terceiro que auxilia, organiza, facilita a
conversa entre os participantes presentes, é chamado de “facilitador”.
Pela complexidade das relações conflituosas, percebe-se que estes encontros
envolvem uma série de sentimentos e emoções fortes como ódio, raiva, ressentimento, mágoa,
medo, desconfiança, amor, compaixão, perdão, coragem, determinação.
Por esta razão, esses encontros devem ser conduzidos com muito cuidado e
atenção por pessoas capacitadas para tanto. O facilitador deve saber trabalhar com as
ferramentas da Mediação, sendo capacitado para desenvolver maneiras criativas de resolução
pacífica de conflito. Deve, também, ter muito cuidado e atenção com a comunicação utilizada.
As palavras, os gestos podem representar abertura ou barreira em uma
comunicação; daí, a importância do facilitador ter habilidade e conhecimento que viabilize o
verdadeiro encontro entre os envolvidos.
A Justiça Restaurativa deve fundamentar-se na ética: os preceitos legais são
importantes, mas o que norteia uma prática restaurativa é o compromisso de todos os
envolvidos em seguir eticamente os preceitos básicos observando-se sempre princípios e
117
valores como: equilíbrio, respeito, responsabilidade, sigilo, honestidade, humildade,
interconexão e cooperação entre os participantes.
3.5.5 Modelos de Justiça Restaurativa
Existem várias
formas
distintas
de desenvolvimento
da Justiça
Restaurativa como a Mediação vítima-ofensor (Victim Offender Mediation), a conferência
(conferencing), os círculos de pacificação (peacemaking circles), círculos decisórios
(sentencing circles), a restituição (restitution), dentre outros.
Alguns destes projetos, além da capacitação em Mediação, também
contaram com o treinamento dos facilitadores em Comunicação Não-Violenta.
A CNV (Comunicação Não Violenta ) é uma organização nãogovernamental americana, fundada pelo psicólogo Marshall Rosenberg, que há 35 anos vem
difundindo a teoria da Comunicação Não-Violenta por meio de facilitadores e mediadores em
vários países. Esta teoria foi desenvolvida pela própria experiência do psicólogo que morava
em um bairro muito violento em Chicago (EUA).
A Comunicação Não-Violenta visa a transformação de agressões,
julgamentos e acusações nas relações interpessoais ou em grupos, em ações construtivas.
Resolver conflitos, comunicar os próprios interesses e satisfazer as necessidades sem usar a
violência contra as pessoas são os conceitos básicos desta teoria.
A Comunicação Não-Violenta consiste em facilitar a conexão interpessoal
ou de grupos em conflito, aprimorando-a a fim de evitar a violência. Acredita que a forma que
as pessoas se comunicam, muitas vezes, pode provocar grandes problemas e mal-entendidos.
118
As pessoas se agridem verbalmente e se machucam com as palavras, apesar das boas
intenções.
Segundo Marshall Rosemberg (2006, p. 283):
O CNVC (Centro para a Comunicação Não-Violenta) se dedica a estimular uma
resposta compassiva às pessoas por meio de honrar nossas necessidades
universalmente compartilhadas de autonomia, celebração, integridade,
interdependência, sustento físico, diversão e comunhão espiritual. Em todos os
aspectos de nossa organização e em todas as nossas interações, temos o
compromisso de funcionar em harmonia com o processo que ensinamos, operando
por consenso, usando a CNV para resolver conflitos e dando treinamento em CNV
a nosso pessoal. Freqüentemente trabalhamos em colaboração com outras
organizações em prol de um mundo pacífico, justo e ecologicamente equilibrado.
Na Nova Zelândia tem sido utilizada uma espécie de “audiência familiar”
como forma de encontro nos procedimentos de Justiça Restaurativa. A idéia é abrir a
oportunidade de participação do encontro às pessoas que realmente tenham importância para
cada uma das partes, não apenas familiares mas também amigos ou pessoas respeitadas e
consideradas pelas vítimas e pelos infratores.
3.6 Diferenças que fazem diferença
Para melhor compreensão, elaboramos uma representação gráfica,
abordando: Conciliação com preparo ou capacitação; Mediação de Harvard; Mediação
Circular Narrativa; Mediação Transformativa, levando em consideração determinados pontos
que entendemos importantes.
Desde já, deixamos claro que não temos a menor pretensão de fazer uma
classificação fechada e estanque das diferentes modalidades, pois estaríamos indo de encontro
à própria essência da proposta destas práticas, de desenvolver formatos abertos e flexíveis à
adequação, à aleatoriedade e à dinâmica das situações complexas da vida.
119
No entanto, parece-nos fundamental, ao menos esboçarmos diferenciações
em razão da importância de se enfatizar o comprometimento ético do profissional:
conciliador, mediador e facilitador, conforme o caso, ao desenvolver seu trabalho, e as
diretrizes que norteiam cada uma das Novas Formas de Resolução de Conflitos.
As Novas Formas de Resolução de Conflitos, mais especificamente a
Mediação e a Justiça Restaurativa, têm como princípio básico devolver às pessoas a
responsabilidade de suas escolhas; o Mediador atua no sentido de trabalhar as diferenças
inerentes à situação de conflito, para que os envolvidos consigam desenvolver suas
capacidades e percepções.
QUEM
CONDUZ
OBJETIVO
CONTEXTO
A SER
APLICADO
CONCILIAÇÃO
COM
CAPACITAÇÂO
Terceiro que tenha
passado por
cursos
preparatórios e de
reciclagem
MEDIAÇÃO
HARWARD
(Avaliativa)
terceiro com
capacitação
em Mediação
Avaliativa
trabalhar o
conflito por meio
de negociações e
concessões
recíprocas a fim
de obter um
acordo
semelhante à
Conciliação
com
capacitação
situações de
conflito que não
apresentem
questões
relacionais
importantes,
como: conflitos
semelhante à
Conciliação
com
capacitação
MEDIAÇÃO
TRANSFORMATIVA
terceiro com capacitação
em Mediação
Transformativa
trabalhar a forma de ver
o conflito,gerando o
empoderamento e a
participação
responsável, autônoma e
democrática das partes,
legitimando-as como
seres humanos capazes
de fazer escolhas,
estabelecendo mudanças
na maneira de
relacionar-se por meio
da construção conjunta
de novas possibilidades
de entendimento.
Promover práticas que
fortaleçam o exercício
de cidadania
Fortalecer as relações
humanas por meio de
processos
conversacionais.
situações de conflito
provenientes de relações
que caracterizam-se pela
existência de vínculos
continuados
MEDIAÇÃO
CIRCULAR
NARRATIVA
terceiro com
capacitação em
Mediação
CircularNarrativa
semelhante à
Mediação
Transformativa
semelhante à
Mediação
Transformativa
MEDIAÇÃO
JUSTIÇA
RESTAURATIVA
terceiro (muitas vezes
da própria comunidade)
com capacitação em
Mediação
Transformativa/Circular
Narrativa/Comunicaçãonão-violenta
trabalhar a compreensão
das pessoas sobre a
situação conflituosa,
para que haja a
humanização dos
envolvidos
possibilitando a
identificação das
necessidades geradas
pelo conflito/crime.
Buscar a
responsabilização de
todos os afetados, direta
e/ou indiretamente, pelo
conflito, promovendo a
conscientização dos
direitos e deveres de
cada um.
Facilitar a formação de
redes interligadas de
apoio e sustentação.
situações de conflito
que podem ser ajudadas
pelo envolvimento de
outros atores, além das
partes diretamente
afetadas. Contextos que
possibilitem a formação
120
QUEM
PARTICIPA
DEFINIÇÃO
DE
SUCESSO
oriundos de
relações
comerciais
pontuais
partes diretamente
afetadas pela
situação de
conflito
obtenção de
acordo
de uma rede social de
apoio
semelhante à
Conciliação
com
capacitação
semelhante à
Conciliação
com
capacitação
partes diretamente
afetadas pela situação de
conflito, mas, caso se
entenda necessário,
também pessoas
indiretamente envolvidas
transformação da relação
e da forma de ver a
situação de conflito,
alcançar um contexto
mais colaborativo por
meio da flexibilização
das posições e, como
conseqüência secundária
mas não
necessária/indispensável,
a obtenção do acordo. A
humanização
proporcionada pela
mediação, mesmo que
não leve ao acordo, cria
condições mais
favoráveis ao processo
judicial.
semelhante à
Mediação
Transformativa
semelhante à
Mediação
Transformativa
pessoas, direta e/ou
indiretamente, afetadas
pela situação
conflituosa. A JR pede
envolvimento da
comunidade.
assunção de
responsabilidade e
comprometimento de
todos os envolvidos,
direta e/ou
indiretamente, com a
resolução da situação de
conflito. Restauração da
Justiça como um valor a
ser construído
conjuntamente.
3.7 A Mediação e a Justiça Restaurativa como Princípios Fundamentais
Constitucionais
Recorremos ao ensinamento do eminente jurista Willis Santiago Guerra
Filho (2007, p. 49) sobre a norma jurídica de direito fundamental e sua interpretação, a fim de
analisarmos a Mediação e a Justiça Restaurativa, traçando uma possível relação com os
denominados Princípios Fundamentais.
A descrição do autor sobre a diferenciação entre os Princípios
Fundamentais e as normas jurídicas de Direito Fundamental, proporciona-nos uma maior
compreensão da posição ocupada pela Mediação e pela Justiça Restaurativa no cenário do
ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito, comprometido com o “núcleo
essencial intangível” dos Direitos Fundamentais. (idem, p. 58)
121
Nossa proposta é, a partir do raciocínio adotado pelo autor, ao explicar que
a “norma de direito fundamental” não é a única forma de expressão dos Direitos
Fundamentais, demonstrar como estas práticas estão intimamente ligadas aos Princípios
Fundamentais Constitucionais.
Guerra Filho (2007, p. 51-52) afirma que:
Já de há muito que a teoria do direito deixou de centrar-se na figura da norma
jurídica, abandonando essa perspectiva por assim dizer “micro”, em nome daquela
outra, “macro”, na qual se estuda o Direito a partir do ordenamento em que ele se
dá a conhecer positivamente, e que transcende a mera soma das normas, a que se
sugere referir como sendo a “ordem jurídica objetiva”- em contraposição à “ordem
jurídica subjetiva”, expressão cunhada para designar o conjunto das situações
jurídicas subjetivas derivadas da ordem jurídica objetiva.
Desse modo, as práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa podem ser
entendidas como Direitos Fundamentais, que, apesar de não estarem, diretamente,
explicitadas na Constituição, estão positivadas em nosso ordenamento, conforme o parágrafo
2o., de seu artigo 5o, que prevê a possibilidade de haver outros Direitos Fundamentais
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, além dos direitos e garantias
expressos na Constituição.
O eminente autor comenta que:
deve-se levar em conta a circunstância de que a teoria do direito contemporânea, ao
expandir o seu objeto de estudo da norma para o ordenamento jurídico, terminou
por incluir nele espécie de norma que antes sequer era considerada como tal, o que,
por via de conseqüência, acarretou uma ampliação também no conceito de norma
até então corrente. (idem, p. 50)
Partimos da proposta do autor de se fazer um recorte epistemológico para
se estudar o topo da pirâmide onde estão situados os Princípios Constitucionais, dentre os
quais se encontram as normas de Direito Fundamental para embasar nossa afirmação.
No primeiro artigo da Constituição temos os Princípios Fundamentais,
decorrentes do Princípio do Estado Democrático de Direito, que, segundo Santiago Guerra, se
distinguem, primeiramente, em: “princípios fundamentais estruturantes” e, “princípios
122
fundamentais gerais”, sendo que estes ocupam um nível inferior com relação aos primeiros;
em seguida, tem-se os “princípios constitucionais especiais” e as normas constitucionais
considerados em patamares mais baixos conforme a ordem descrita.
Os “princípios fundamentais estruturantes”, segundo o jusfilósofo Guerra
Filho (1996 p. 57), são: o “princípio do Estado de direito” e o “princípio democrático”.
Sugerimos adicionar, a estes, o “Princípio da Promoção de Paz”, que decorre, a nosso ver, do
compromisso assumido no Preâmbulo Constitucional com a solução pacífica das
controvérsias.
É certo que não há como pensarmos em Estado Democrático de Direito
dissociado de seu compromisso com o a Promoção da Paz. Por esta razão, julgamos ser
interessante destacá-lo como um Princípio para termos maior clareza de sua abrangência.
Chamamos a atenção para a necessária correlação existente entre a
exigência de se assegurar um Estado Democrático de Direito, e os meios utilizados para tanto,
vale dizer que, por vezes, procedimentos adotados em consonância e respeito à legalidade e
devidamente amparados na legitimidade, deixam escapar as nefastas conseqüências das
implicações subjetivas de seu modus operandi.
Daí, a nosso ver, a necessária observação ao Princípio da Promoção da Paz,
para que haja um cuidado maior neste sentido, sob pena de se colocar por terra toda a razão de
ser de uma Constituição preocupada com a realização dos Direitos Fundamentais do Homem.
Dentre os “princípios fundamentais gerais”, trazidos pelo art. 1o, da
Constituição, ainda conforme a lição de Guerra, destaca-se o respeito à dignidade da pessoa
humana. O jusfilósofo nos ensina que: “Os direitos fundamentais, portanto, estariam
consagrados objetivamente em “princípios constitucionais especiais”, que seriam a
123
densificação (Canotilho) ou a “concretização” (embora ainda em nível extremamente
abstrato) daquele “princípio fundamental geral”, de respeito à dignidade humana.
As práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa podem ser consideradas
como normas jurídicas fundamentais, na medida em que representam a concretização, tanto
dos “princípios fundamentais estruturantes”, da democracia, da promoção de paz, como do
“princípio fundamental geral” do respeito à dignidade da pessoa humana.
Tais formas inovadoras traduzem no campo da ação os valores que
sustentam e estruturam uma ordem jurídica democrática. A possibilidade aberta por estas
práticas, de promoção do encontro e da troca entre as pessoas é de uma riqueza indescritível
para a construção de uma sociedade responsável, autônoma e mais humana.
Ao participarem destas práticas, as pessoas desenvolvem sentimentos de
autonomia e responsabilidade pelas suas escolhas, conquistando uma postura mais
participativa e atuante enquanto um ser humano que pensa, cônscio de suas capacidades de
promover mudanças em sua vida e na dos outros com quem convive.
Um ser humano que exerce seu potencial sagrado de conexão com outros
seres humanos, em sintonia com todos os seres do cosmos age como um indivíduo conectado
com sua essência divina da compaixão, com base em leis da harmonia e equilíbrio, por meio
de uma Justiça que não representa apenas uma virtude moral ou norma ética, mas um padrão
cósmico; a maneira de ser do Universo, que nasce do próprio tecido da criação.(SLAKMON,
2006, p. 572)
Muitas vezes, a dificuldade de se comunicar cria barreiras intransponíveis
para um indivíduo que, imerso em uma situação de conflito, não consegue enxergar solução
para seu problema. As práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa, por meio do trabalho
de pessoas capacitadas para tanto, se propõem a abrir canais de contato e de diálogo.
124
Com o contato pessoal, as barreiras anteriores muitas vezes se desfazem
possibilitando que as partes, e até mesmo os advogados, experimentem a maravilha de se
resolverem os impasses e, conseqüentemente, os conflitos, mediante um comportamento
cooperativo e não adversarial; com a promoção de uma cultura de parceria, de união de forças
para a resolução de um ou mais conflitos responsáveis pelo sofrimento, tanto de pessoas
diretamente envolvidas, como de outras tantas até mesmo inconscientes de tal fato.
Humberto Maturana e Gerda Verden-Zöler (2004, p. 09), trazem na
introdução de sua obra, Amar e Brincar - Fundamentos Esquecidos do Humano do
Patriarcado à Democracia, que:
Pensamos que a existência humana acontece no espaço relacional do conversar. Ou
seja, consideramos que, embora do ponto de vista biológico sejamos animais,
somos também Homo Sapiens. A espécie de animais que somos, segundo o nosso
modo de viver- vale dizer, nossa condição humana -, ocorre no modo como nos
relacionamos uns com os outros e com o mundo que configuramos enquanto
vivemos. Ao mesmo tempo, efetivamos nosso ser biológico no processo de existir
como seres humanos ao viver imersos no conversar.
As práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa consistem na mais clara
demonstração do exercício de cidadania e possibilitam a realização do Princípio da
Democracia, do respeito à Dignidade Humana, da promoção da Paz, enfim, da promoção de
um Estado Democrático de Direito.
Os Princípios Processuais Constitucionais de acesso à Justiça, do
contraditório, da igualdade, dentre outros, são alcançados pela prática da Mediação e da
Justiça Restaurativa
Vale lembrar as palavras de Eduardo Mansano Bauman (2006, p. 36)
quando, na introdução de seu livro: O Processo Civil e a Efetividade dos Direitos
Fundamentais, pondera:
Se o processo espelha valores, é preciso aferir sua capacidade para refletir o mais
alto de todos – o valor humano, que encontra seu ápice no conceito de liberdade.
Aliás, a noção de dignidade o reflete – ter e reconhecer nos demais o direito de ser
125
livre para escolher. Este conceito, no entanto, é fruto de uma longa evolução social,
sendo hoje universalmente aceito, remanescendo, entretanto, a dificuldade de sua
implantação.
Entendemos as práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa como
caminhos viabilizadores de comportamentos que enaltecem valores humanos, na medida em
que valorizam a autonomia das pessoas para fazerem suas escolhas, e, com isso, aprendem a
respeitar a autonomia do outro com relação às suas vidas, proporcionam às pessoas um
aprendizado de como lidarem com situações conflituosas do dia a dia. Elevam o conceito de
liberdade a um nível tal, que acabam por demandar a responsabilização de cada um para
exercê-la, vale dizer, promovem seres humanos titulares de direitos e de responsabilidades.
Assim, nesta oportunidade, pela falta de espaço para um estudo mais aprofundado
sobre o tema, deixamos registrada a reflexão sobre a proposta de considerarmos a Mediação e
a Justiça Restaurativa como Princípios Fundamentais Constitucionais.
126
IV. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS EM ANDAMENTO
4.1 Projeto de Mediação de Guarulhos
O Projeto Piloto de Mediação idealizado por Daniel Isler, Juiz de Direito
da Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos, em parceria com as Faculdades Integradas
de Guarulhos(FIG) e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, iniciado em 24 de
novembro de 2003, representou o começo de um trabalho inovador dentro do Poder Judiciário
com resultados comprovadamente satisfatórios, conforme verificamos na pesquisa anexa .
Inicialmente esse Projeto abrangia apenas os casos encaminhados pela
Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos, posteriormente, pela capacidade oferecida pela
estrutura montada para receber um número maior de feitos, o Projeto foi autorizado, em junho
de 2004, a também cuidar dos processos relativos a conflitos familiares encaminhados por
todas as Varas Cíveis de Guarulhos.3
Esse Projeto teve como objetivo realizar e estudar os resultados da
Mediação aplicada em casos de conflitos familiares e atos infracionais de menor gravidade,
buscando a construção de possíveis soluções que atendessem às necessidades das partes
envolvidas, especialmente, das crianças e dos adolescentes.
Interessante salientar que esse Projeto apontou a especial vantagem da
prática da Mediação nas Varas da Infância e da Juventude e na de Família e Sucessões, por
trabalhar questões relacionais. Reconheceu, também, que a briga das partes perante Tribunais
– utilizando-se do exemplo das ações de guarda – gera prejuízos de toda ordem para o futuro
dos envolvidos, podendo, até, resultar em subseqüentes e sucessivos conflitos.
3
Informações obtidas no http://www.fig.br/mediacao/estatsinic.htm
127
A iniciativa desse Projeto pautou-se na promoção de uma diferente forma
de pensar a função jurisdicional, na medida em que acreditou que por meio da Mediação as
partes teriam chance de conhecer-se e entender-se melhor, podendo ter consciência sobre suas
posições dentro da situação conflituosa, com maiores probabilidades de acordar soluções
adequadas às necessidades de todos os envolvidos, facilitando e preservando as relações
futuras.
Ademais, o Projeto aponta a mudança de paradigma representada pelo
aumento do número de profissionais, das mais diversas áreas, interessado no assunto. Fala
sobre Faculdades que passam a integrar a disciplina da Mediação em seus currículos, comenta
o surgimento de diversas Organizações Não-Governamentais ligadas à solução alternativa de
conflitos, e, a legislação que vem sendo elaborada a respeito do tema.
A capacitação dos mediadores, no início, contava com vinte horas de
treinamento, era a cargo do Juiz da Vara da Infância e da Juventude, que poderia valer-se da
colaboração de pessoas de reconhecido conhecimento na matéria.
Atualmente, são exigidas ao menos 60 horas de capacitação para o ingresso
na função de mediador. O treinamento compreende programa teórico e prático. No início, não
havia supervisão, posteriormente, foi instituída com a escolha de alguns mediadores mais
experientes para acompanhar o desenvolvimento dos mais novos.
O trabalho de supervisão é um processo de aprendizagem em que um
profissional mais experiente e mais informado orienta um outro profissional, ou estagiário, no
seu desenvolvimento humano e profissional.
Essa atividade acontece a partir da observação de todos os participantes da
equipe, pois todos contribuem e isso permite o enriquecimento comum da qualidade do
trabalho desenvolvido. Da observação, segue a orientação.
128
A eleição de casos para a Mediação é feita pelo Juiz do processo, podendo
valer-se da cooperação dos Setores Técnicos da Vara da Infância e da Juventude e do
Ministério Público, além das próprias partes que podem requerer a instauração do processo de
Mediação.
Terminada a Mediação, frutífera ou não, as partes preenchem o
questionário relativo à satisfação com o serviço prestado. Tais questionários são arquivados
em livro próprio para a realização das estatísticas. Em seguida, os autos e o acordo são
devolvidos à Vara de origem, para manifestação do Ministério Público e homologação pelo
Juiz.
Além da estatística anexa (anexo b) com a avaliação dos mediados quanto
ao serviço prestado pelos mediadores do Setor, tivemos, também, acesso a alguns
depoimentos feitos por participantes das práticas da Mediação, que demonstram a satisfação
com o trabalho realizado pelos mediadores; em razão da preservação do sigilo os relatos serão
apresentados sem autoria ou quaisquer referências sobre as Ações Processuais instauradas:
“Achei muito bom pois assim nós temos a oportunidade de resolvermos o problema de
uma forma melhor.”
“Foi maravilhoso participar as pessoas que me atenderam foram maravilhosas elas
souberam me escutar e ajudaram.”
“Quando cheguei aqui achei que estava tudo perdido e que nunca íamos conversar mas
tudo mudou minha vida mudou hoje eu consigo conversar com o F ele me escuta e a
nossa filha ta feliz obrigada.”
“Vocês me ajudaram muito eu não via que fazia mal para o L fazendo o que fazia
agora eu posso dividir as preocupações com o pai e não to mais sozinha.”
129
4.2 Setor experimental de Mediação das Varas de Família e Sucessões do
Fórum de Santo Amaro
Uma equipe de cinco mediadoras: Ana Lucia Prado Catão, Camila Sarno
Falanghe, Carla Maria Zamith Boin Aguiar, Lucia Cronemberger e Silvana Cappanari, as três
primeiras com formação em Direito, e as demais com formação em Serviço Social e
Psicologia, respectivamente, juntamente com Lídia de Andrade Conceição, Juíza
Coordenadora do Setor de Conciliação e Mediação das Varas de Família e Sucessão do
Fórum de Santo Amaro estão trabalhando para a implantação de um Setor Experimental de
Mediação neste Fórum.
A Carta de Apresentação das mediadoras responsáveis pelo Projeto de
Implantação do Setor de Medição nas Varas de Família e Sucessão do Fórum de Santo Amaro
em São Paulo, explicita como a Mediação é entendida pela equipe:
[...]
um processo de condução de conflitos em que um profissional, o mediador, cria
espaço de conversa que permita às partes encontrarem maneiras criativas para lidar
com seus impasses e conflitos, favorecendo a transformação da relação existente
entre elas.
Obtemos essa transformação por uma ação pautada numa ética direcionada ao
cuidado e ao reconhecimento da autonomia do outro, por meio da legitimação das
partes; da re-significação e re-contextualização da situação de conflito e de outras
divergências que a permeiam; do empoderamento das pessoas envolvidas; e da coresponsablilização pelo processo e eventual acordo.
[...]
Sem pretensão de eliminar conflitos, constrói possibilidades para manejá-los em
um contexto de diálogo e reflexão, construindo acordos mutuamente satisfatórios e
passíveis de homologação judicial. A Mediação se coloca como um fenômeno de
mudança e amadurecimento da sociedade
[...]
A Mediação que propomos tem seu foco direcionado não só para a construção de
um acordo momentâneo entre as partes, como também permitir que construam
novos acordos e ou conversas ao longo de suas relações continuadas.
Abordagem transdisciplinar, a mediação facilita o trânsito na multiplicidade de
culturas, formações, valores, crenças e visões de mundo que permeiam as
negociações do dia a dia.
[...]
Em situação de igualdade com as partes, (o mediador) não traz nem espera solução,
apenas promove o diálogo, possibilitando aos mediandos que conversem sobre suas
diferentes versões da situação e se identifiquem capazes de construir, em conjunto,
um espaço de conversa para melhor atender a suas necessidades.
130
A implantação deste Setor de Mediação vem sendo construída com muito
cuidado e dedicação pela equipe de mediadoras e pela juíza Lídia de Andrade Conceição,
trata-se de um trabalho que, além de preparo e capacitação prévia por parte das mediadoras,
exigiu organização e estruturação do Setor, de seus aspectos procedimentais, os passos a
serem dados ao longo de todo o processo de Mediação com supervisões e estudos sobre a
atuação e desempenho dos mediadores.
A implantação de um Setor de Mediação requer muita responsabilidade,
zelo, preparo, organização, tempo e dedicação por parte dos mediadores e dos juizes, que
estabelecem mútuo comprometimento com o trabalho a ser oferecido.
A equipe não tem medido esforços para esclarecer aos advogados, aos
cartorários, às partes, e a outros interessados, dúvidas a respeito da prática da Mediação.
Sabemos que é um trabalho inovador que requer mudança de postura por parte dos operadores
do Direito, por esta razão paralelamente à prática da Mediação nos propomos, sempre que
necessário, falarmos sobre nosso trabalho.
Pouco a pouco os benefícios serão sentidos, a mudança de mentalidade
requer tempo, no entanto, quem escreve esta dissertação acredita que a prática da Mediação
será catalisadora de um processo de humanização do sistema judiciário.
4.3 Experiências de Justiça Restaurativa
O Projeto de Justiça Restaurativa em São Caetano do Sul/SP foi um dos
Projetos Pilotos patrocinados pelo Ministério da Justiça, por meio da Secretaria da Reforma
do Judiciário e do PNUD- Programa das Nações Unidas.
131
Eduardo Rezende Melo, juiz de direito da 1a Vara Criminal e da Infância e
da Juventude foi um dos idealizadores da parceria, firmada em 2004, entre o Sistema de
Justiça e o Sistema de Educação, com a participação técnica da CNVBrasil - Rede de
Comunicação Não-Violenta.
O Projeto “Justiça e Educação: parceria para a cidadania”, como foi
chamado, envolveu inicialmente 3 Escolas Estaduais de ensino médio. Com apoio do
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Caetano do Sul,
buscou-se a capacitação das Escolas envolvidas para funcionarem de maneira sistêmica, em
rede com outras organizações e instituições da comunidade, em especial, com o Fórum e o
Conselho Tutelar.
A 1a Vara Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de São
Caetano do Sul, em parceria com as Promotorias Criminais que com ela atuam, com a
Promotoria da Infância e da Juventude e a Promotoria do Idoso e da Pessoa com Deficiência,
elaboraram para a área criminal, em complementação ao Projeto “Justiça e Educação: parceria
para a cidadania”, o “Projeto Família, Comunidade, Respeito”, voltado aos adultos,
principalmente aos crimes de violência doméstica, de relações de vizinhança e de crimes
contra a criança e o adolescente. Esse Projeto teve, ainda, como parceiros em sua construção a
Guarda Civil Municipal, a Polícia Militar e Civil, a OAB e as Secretarias Municipais de
Saúde e de Desenvolvimento Social. (MELO, 2006, p. 62)
Esse novo Projeto teve como objetivo, segundo Eduardo Rezende Melo
(2006, p.63):
desenvolver a metodologia de implementação de um programa de justiça
comunitária e restaurativa na Comarca de São Caetano do Sul, para atendimento de
conflitos de violência familiar e de vizinhança sujeitos a representação penal e ou
transação penal, e passíveis de atendimento igualmente pelo Juizado Especial
Criminal desta Comarca, numa perspectiva interinstitucional voltada a criar
condições para o desenvolvimento social local e o encontro de soluções
preventivas, por parte da comunidade, dos problemas por ela vivenciados
132
O modelo adotado foi o de “círculos restaurativos”, nos círculos
restaurativos, a resolução de conflitos não focaliza as pessoas da “vítima” ou do “ofensor”,
mas os danos causados aos envolvidos, direta e indiretamente, voltando-se a atenção para as
necessidades oriundas da situação conflituosa, envolvendo a comunidade na compreensão e
na superação dos mesmos.
Consideram facilitadores as pessoas da comunidade que recebem
treinamento em Comunicação-Não- Violenta e práticas de Mediação.
Os círculos duram cerca de uma hora e meia e podem ser repetidos com a
participação, se necessário, de outros pessoas que possam prestar auxilio aos envolvidos.
A participação dos círculos:
os facilitadores de justiça fazem plantão de atendimento, todos os sábados das 9 às
17h, em uma Escola Estadual, dentro do programa Escola da Família.
quando a procura dos círculos acontece espontaneamente pelos envolvidos na situação
de conflito, nada é comunicado à polícia ou ao juiz, mas caso as pessoas cheguem a
um acordo e queiram que a homologação do Juiz de Direito, os facilitadores
encaminham ao Fórum os pedidos dos participantes do círculo e dos envolvidos nesse
sentido.
Passado um ano e meio, diante do êxito do Projeto, ampliou-se para as
onze Escolas Estaduais de ensino médio que se localizam no Município de São Caetano do
Sul.
Em 2006, o Projeto foi ampliado para Heliópolis e Guarulhos, com o apoio
da Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE, da Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo, por meio das Diretorias de Ensino do Centro-Sul e Guarulhos –
133
Norte, do MEC e das Varas Especiais da Infância e da Juventude de Heliópolis e Guarulhos,
graças ao empenho dos Juizes de Direito, Egberto de Almeida Penido e Daniel Issler.
As ações realizadas em São Caetano do Sul têm sido complementadas com
novas atividades e, em alguns aspectos, reformuladas, a partir dos aprendizados alcançados
durante a sua implementação em 2005. Ainda na perspectiva de um Projeto-Piloto, o Projeto
envolveu um total de 19 escolas, sendo oito em Heliópolis e onze em Guarulhos.
As formações, nos eixos de Facilitação de Práticas Restaurativas e
Lideranças Educacionais, foram finalizadas em dezembro de 2006, em algumas escolas já
estão acontecendo os primeiros círculos, em outras, simulações de círculos, principalmente
com professores no HTPC4.
Interessante salientar a responsabilidade compartilhada pela garantia dos
Direitos da Criança e dos Adolescentes, entendendo que tanto no âmbito familiar, como no
comunitário ou social esses direitos devem ser sustentados, contando com a Rede de Apoio
para viabilizar a discussão das questões relacionadas aos atos infracionais, as suas causas e
suas conseqüências.
4
CECIP- Centro de Criação de Imagem Popular, www.cecip.org.br
134
CONCLUSÃO
Este trabalho objetivou demonstrar que apesar de termos uma Constituição
Federal que proclama os Direitos Fundamentais do homem e que determina o acesso à Justiça
a todos os cidadãos brasileiros, esses direitos vêm sendo desrespeitados pela própria estrutura
do sistema judiciário que tem apresentado dificuldades em promover o tão almejado acesso à
Justiça.
O estudo do sistema processual provocou a reflexão sobre a importância
dos procedimentos processuais como caminhos viabilizadores ou não da realização dos
Direitos Fundamentais da Constituição Federal de 1988.
Constatamos a indispensável correlação entre a exigência de se assegurar
um Estado Democrático de Direito e os meios utilizados para tanto. Por vezes, procedimentos
adotados em consonância e respeito à legalidade e devidamente amparados na legitimidade,
deixam escapar as nefastas conseqüências das implicações subjetivas de seu modus operandi.
Daí a afirmação das práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa como
Princípios Fundamentais Constitucionais por ratificarem o compromisso Constitucional com a
solução pacífica das controvérsias e por solicitar possibilidades de efetivação de Princípios
que fundamentam um Estado Democrático de Direito. Concluímos, assim, que a Mediação e a
Justiça Restaurativa geram:
a participação autônoma, responsável e democrática das partes; a legitimação das
pessoas como seres humanos capazes de resolverem suas questões;
o fortalecimento das relações humanas; o sentimento de pertencimento, na medida em
que oferecem às pessoas oportunidades de serem ouvidas e de manifestarem-se
diretamente sobre o que ouviram;
135
a possibilidade de conversarem de forma organizada sobre suas diferentes versões,
percebendo que não há uma única verdade;
a abertura de novas perspectivas para resolução de seus conflitos e, dentre outros
benefícios, contribuem para uma cultura de parceria e de construção de uma sociedade
mais pacífica, humana e justa.
As Novas Formas de Resolução de Conflitos, notadamente a Mediação e a
Justiça Restaurativa, representam abertura do sistema judiciário para o diálogo com outras
áreas do saber em busca de melhor desempenho da tarefa jurisdicional qual seja: a pacificação
social.
Nesse sentido, a breve retrospectiva sobre as diversas roupagens assumidas
pela Conciliação ao longo da História do Direito Processual nos coloca a preocupação com o
esclarecimento a respeito das Novas Formas de Resolução de Conflitos, para se ter maior
clareza sobre o que se pretende com a Mediação e com a Justiça Restaurativa, bem como com
a conscientização, tanto dos operadores do Direito como dos cidadãos brasileiros, com relação
à diferenciação existente entre Conciliação sem Capacitação, Conciliação com Capacitação,
Mediação e Justiça Restaurativa.
A depender da forma adotada para introduzir estas práticas, diferentes
serão seus resultados. A complexidade que envolve as relações humanas pede um olhar mais
abrangente da ciência jurídica; estamos vivendo um momento em que não podemos incorrer
no erro da busca por resultados rápidos, sem o cuidado com a sustentação das decisões
tomadas.
Por essa razão, são práticas que demandam preparo e seriedade em suas
implantações. Tais práticas devem ser fundadas em cuidados, tanto com o preparo das pessoas
para atuarem como mediadores ou facilitadores, como com o trabalho de supervisão do
136
trabalho efetuado. Supervisão esta no sentido de sempre haver uma reciclagem do
conhecimento prático e teórico do profissional e de seu preparo emocional para tanto.
Constatamos que a possível consolidação legal da prática da Mediação, por
meio de regulamentação própria e específica, apresenta questionamentos a respeito de suas
vantagens e desvantagens.
Por um lado, ao regulamentar-se essa nova forma de resolução de
controvérsias pode-se engessar as possibilidades de desenvolvimento dessa prática nos
moldes ditados, enquanto que o vácuo legal pode dá margens à experimentação,
possibilitando o desenvolvimento de práticas que melhor respondam às necessidades das
situações concretas da vida.
Por outro lado, por ser uma nova cultura que aos poucos vem ocupando
espaço dentro do Poder Judiciário, a previsão legal estabelecendo claramente as regras
fundamentais dessa nova proposta de resolução de conflitos pode ser importante para a
conscientização dos estudiosos do Direito, a respeito dos benefícios que ela oferece às pessoas
em conflito e à sociedade como um todo.
Assim, as experiências em andamento envolvendo as Novas Formas de
Resolução de Conflitos pautam-se na promoção de uma diferente forma de pensar a função
jurisdicional, apontam para uma mudança de paradigma representada pelo aumento do
número de profissionais, das mais diversas áreas, interessados no assunto. Falam sobre
Faculdades que passam a integrar a disciplina da Mediação em seus currículos, mencionam o
surgimento de diversas Organizações Não-Governamentais ligadas à solução alternativa de
conflitos.
Pouco a pouco os benefícios são sentidos, a mudança de mentalidade
requer tempo, no entanto, acreditamos que as práticas da Mediação e da Justiça Restaurativa
137
como Princípios Fundamentais Constitucionais estão sendo catalisadoras de um processo de
humanização do sistema judiciário brasileiro.
138
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143
ANEXOS
144
ANEXO A
Carta de Araçatuba
Princípios de Justiça Restaurativa (*)
Acreditamos que o século XXI pode ser o século da justiça e da paz no planeta, que a
violência, as guerras e toda sorte de perturbações à vida humana e ao meio ambiente a que
temos estado expostos são fruto de valores e práticas culturais e, como tal, podem ser
transformadas. Acreditamos que o poder de mudança está ao alcance de cada pessoa, de cada
grupo, de cada instituição que se disponha a respeitar a vida e a dignidade humana.
Acreditamos que o modo violento como se exerce o poder, em todos os campos do
relacionamento humano, pode ser pacífico, mudando-se os valores segundo os quais
compreendemos e as práticas com as quais fazemos justiça em nossas relações interpessoais e
institucionais.
Reformular nossa concepção de justiça é, portanto, uma escolha ética imprescindível na
construção de uma sociedade democrática que respeite os direitos humanos e pratique a
cultura de paz. Essa nova concepção de justiça está em construção no mundo e propõe que,
muito mais que culpabilização, punição e retaliações do passado, passemos a nos preocupar
com a restauração das relações pessoais, com a reparação dos danos de todos aqueles que
foram afetados, com o presente e com o futuro.
Acreditamos que só desse modo será possível resistir às diversas modalidades de violência
que contaminam o mundo sem realimentar sua corrente de propagação.
Acreditamos que, por isso, será necessário recomendar que cada pessoa, família, comunidade
e instituição promovam reflexões e diálogos acerca dos temas da justiça e da paz, em especial
acerca das alternativas para implementar valores e práticas restaurativas.
Acreditamos que estas mudanças devem ser paulatinas e que, portanto não podem prescindir
do modelo institucional de justiça tal como hoje estabelecido, sobretudo das garantias penais e
processuais asseguradas constitucionalmente a todos aqueles que têm contra si acusações de
práticas de atos considerados como infracionais.
Acreditamos, ainda, que as práticas restaurativas não implicam uma maximização da área de
incidência do direito penal, mas, pelo contrário, uma reformulação do modo como encaramos
a resolução dos conflitos.
As práticas restaurativas preconizam um encontro entre a pessoa que causou um dano a
outrem e aquela que o sofreu, com a participação eventualmente de pessoas que lhe darão
suporte, caso assim o desejarem, inclusive de advogados, assistentes sociais, psicólogos ou
profissionais de outras áreas. Pautada pelo entendimento de que o envolvimento da
comunidade é fundamental para a restauração das relações de modo não violento, o encontro é
145
a oportunidade dos afetados pelo ato de compartilharem suas experiências e atenderem suas
necessidades, procurando chegar a um acordo.
Desta forma, entendemos que as práticas restaurativas que pretendemos passem a fazer parte
do modo de consecução da justiça entre nós se norteiem pelos seguintes princípios:
1. plena informação sobre as práticas restaurativas anteriormente à participação e os
procedimentos em que se envolverão os participantes;
2. autonomia e voluntariedade para participação das práticas restaurativas, em todas as
suas fases;
3. respeito mútuo entre os participantes do encontro;
4. co-responsabilidade ativa dos participantes;
5. atenção à pessoa que sofreu o dano e atendimento de suas necessidades, com
consideração às possibilidades da pessoa que o causou;
6. envolvimento da comunidade pautada pelos princípios da solidariedade e cooperação;
7. atenção às diferenças sócio-econômicas e culturais entre os participantes;
8. atenção às peculiaridades sócio-culturais locais e ao pluralismo cultural;
9. garantia do direito à dignidade dos participantes;
10. promoção de relações equânimes e não hierárquicas;
11. expressão participativa sob a égide do Estado Democrático de Direito;
12. facilitação por pessoa devidamente capacitada em procedimentos restaurativos;
13. observância do princípio da legalidade quanto ao direito material;
14. direito ao sigilo e confidencialidade de todas as informações referentes ao processo
restaurativo;
15. integração com a rede de assistência social em todos os níveis da federação;
16. interação com o Sistema de Justiça.
Araçatuba, 30 de abril de 2005
(*) Redação elaborada pelos integrantes do I Simpósito Brasileiro de Justiça Restaurativa
– o Braço da Cultura de Paz na Justiça realizado na cidade de Araçatuba, Estado de São
Paulo - Brasil, nos dias 28, 29 e 30 de abril de 2005.
146
ANEXO B
DECLARACION DE COSTA RICA, SOBRE LA JUSTICIA
RESTAURATIVA EN AMERICA LATINA
PROLOGO
Reconociendo como fundamento la declaración de Aracatuba, Sao Paulo, Brasil y la
resolución del Consejo Económico y Social de las Naciones Unidas del 13 de Agosto de 2002
y con el fin de promover procesos de Justicia Restaurativa, ademas de sostener estos
procedimientos mediante información y comunicación a traves de los medios a la sociedad
civil y propiciar Programas de Justicia restaurativa que incluya todos aquellos que utilicen
procesos restaurativos y busque resultados restaurativos,
CONSIDERANDO:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Que America Latina sufre los mayores índices de violencia, de encarcelamiento,
exclusion social y limitaciones.
Que lamentablemente se usan maneras distintas de aplicar justicia para ricos y pobres.
Que a pesar de existir herramientas de justicia restaurativa, las sanciones retributivas,
en especial el encarcelamiento sigue siendo la sanción mas utilizada.
Que los procesos restaurativos, incluye la Asistencia a las víctimas, la mediación penal,
y todos aquellos que busquen resultados restaurativos.
Que los programas de JR garantizan el pleno ejercicio de los derechos humanos y
respeto a la dignidad de todos los intervinientes.
Que su aplicación debe extenderse a los sistemas comuntarios judiciales y penitenciarios.
Que se debe favorecer un proceso de sensibilización ante los organismos internacionales
con la finalidad de modificar la legislación penal en favor de la justicia restaurativa como
complementaria adoptando los princpios e instrumentos restauratios.
Que los principios y valores de la Justicia Restaurativa pueden contribuir para el
fortalecimiento de una ética pública como paradigma de una sociedad más justa en los
paises Latinoamericanos.
Esta Declaración RECOMIENDA:
Articulo 1o: Es programa de JR todo aquel que utilice procedimientos restaurativos y busque
resultados restaurativos.
Paragrafo 1o: Procedimiento Restaurativo significa todo aquel en el cual víctima y ofensor y
cualquier otro individuo miembro de la comunidad participe cuando sea adecuado juntos a la
ayuda de un colaborador en la busqueda de la paz social.
Paragrafo 2o: Podran incluirse entre los resultados restaurativos
respuestas de
arrepentimiento, perdon, restitución,
responsabilización, rehabilitación y reinserción social, entre otros.
Articulo 2o: Son postulados restaurativos los basados en principios y valores estaurativos
tales como:
1. Garantia del pleno ejercicio de los derechos humanos y respeto a la dignidad de todos los
intervinientes.
147
2. Aplicación en los sistemas comuntarios judiciales y penitenciarios.
3. Plena y previa información sobre las prácticas restaurativas a todos los participantes de
los procedimientos.
4. Autonomía y voluntad para participar en las prácticas restaurativas en todas sus fases.
5. Respeto mutuo entre los participantes del encuentro.
6. Co – responsabilidad activa de los participantes.
7. Atención a la persona que sufrió el daño y atención de sus necesidades con consideración
a las posiblidades de la persona que lo causó.
8. Participación de la comunidad pautada por los principios de la justicia restaurativa.
9. Atención a las diferencias socioeconómicas y culturales entre los participantes.
10. Atención a las peculiaridades socioculturales, locales y al pluralismo cultural.
11. Promoción de relaciones ecuanimes y no jerárquicas.
12. Expresión participativa bajo la observación del Estado Democrático de Derecho.
13. Facilitación por personas debidamente capacitadas en procedimientos restauratvos.
14. Uso del principio de la legalidad en cuanto al derecho material.
15. Derecho a la confidencialidad de todas las informaciones referentes al proceso
restaurativo.
16. Integración con la red de asistencia social de cada país.
17. Integración con el sistema de justicia.
Artículo 3o: Las estrategias para implementar las práctcas restaurativas son:
1. Concientización y educación sobre Justicia Restaurativa
• Abrir el diáologo sobre Justicia Restaurativa en las Universidades
• Implementar Programas de JR en todos los niveles educativos.
• Promover metodologías de la JR en la resolución de conflictos.
• Promover un cambio de cultura por medio de los diferentes medios de comunicación que
muestren los beneficios de la JR.
2. Promoción de la JR en las comunidades
• Usar procedimientos restaurativos como heramientas para la resolución de conlfictos.
• Aplicar programas de JR
3. Aplicación de la JR en el sistema penal
• Deribar casos jduciales a programas de JR
• Usar la prisión como último recurso buscando soluciones alternativas a la misma.
• Aplicar JR en el sistema penitenciario.
4. Legislación y políticas públicas
• Aplicar con la legislación vigente de cada Estado políticas que apliquen la JR y además
Desarrollar legislación según los postulados de la JR para eliminar o reducir barreras
sistemáticas legales para el uso de la JR, para insentivar el uso de JR, para crear
mecanismos que proveen dirección y estructura a programas de JR, para asegurar la
protección de derechos de victimarios y víctimas que participen en programas restauratvos
y para establecer principios guías y mecanismos de monitoreo para adherirse a dichos
principios.
Santo Domingo de Heredia
COSTA RICA
SEMINARIO CONSTRUYENDO LA JUSTICIA RESTAURATIVA EN AMERICA
LATINA
SEPTIEMBRE 21 AL 24 DE 2005
148
ANEXO C
PROJETO PILOTO DE MEDIAÇÃO DA VARA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE DE GUARULHOS
TIPOS DE VARAS
Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Guarulhos
1ª V.F.S.
2004
2ª V.F.S.
2005
3ª V.F.S.
2006
4ª V.F.S.
5ª V.F.S.
6ª V.F.S.
V.I.J
2ª V.C.
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
3ª V.C.
FIG - Faculdades Integradas de Guarulhos
4ª V.C.
V.F.S: Vara de Família e Sucessões
6ª V.C.
V.C.: Vara Cível
7ª V.C.
V.I.J.: Vara da Infância e Juventude
8ª V.C.
9ª V.C.
Quant. de Processos
10ª V.C.
0
Dez/03 – Dez/06
TIPOS DE AÇÕES
Infrator
Total de ações: 1.811
34,9%
22,2%
Alimentos
15,7%
Guarda
90,0%
100
200
4,0%
Paternidade
3,4%
Divórcio
1,9%
500
600
700
800
Dez/03 – Dez/06
Acordo Extra
Redesignadas Mediação
1%
(ainda não
realizadas)
1%
Acordo
77,8%
Realizadas
53%
Não
Realizadas
45%
7,5%
Separação
Conviv. Familiar
400
RESULTADOS
9,7%
Visitas
300
Acordo
Parcial
1,7%
Conviv. Marital inclui:
rec. diss. sociedade, união estável.
Não Acordo
20,4%
Guarda inclui:
pedido providências, busca e apreensão
Sucessão
0,1%
Tutela
0,6%
Total de ações: 1.811
Sucessão inclui:
RESULTADOS - Infrator
Acordo Extra
Redesignadas Mediação
0%
(ainda não
realizadas)
1%
Dez/03 – Dez/06
Acordo
92,6%
Realizadas
51%
RESULTADOS - Alimentos
Redesignadas
(ainda não
realizadas)
0%
Dez/03 – Dez/06
Acordo Extra
Mediação
1%
Acordo
69,1%
Realizadas
55%
Não
Realizadas
44%
Não
Realizadas
48%
Acordo
Parcial
0,5%
Acordo
Não Acordo
Parcial
5,8%
1,5%
Total de ações: 634
Total realizadas: 979
arrolamento, petição herança.
Total realizadas: 326
Total de ações: 401
Não Acordo
30,5%
Total realizadas: 220
149
RESULTADOS - Guarda
Redesignadas
(ainda não
realizadas)
0%
Dez/03 – Dez/06
Acordo Extra
Mediação
1%
Acordo
70,0%
Realizadas
53%
Não
Realizadas
46%
RESULTADOS - Visitas
Redesignadas
(ainda não
realizadas)
1%
Dez/03 – Dez/06
Acordo Extra
Mediação
3%
Acordo
81,2%
Realizadas
57%
Não
Realizadas
39%
Acordo
Parcial
2,0%
Acordo
Parcial
2,0%
Não Acordo
28,0%
Total de ações: 176
Total de ações: 283
Total realizadas: 101
Total realizadas: 150
RESULTADOS - Separação
Acordo Extra
Mediação
2%
Dez/03 – Dez/06
Acordo
68,7%
Redesignadas
(ainda não
realizadas)
1%
RESULTADOS – Redesignadas (já realizadas)
Redesignadas
(ainda não
realizadas)
16%
Acordo
81,6%
Realizadas
47%
Realizadas
61%
Não
Realizadas
36%
Não
Realizadas
37%
Acordo
Parcial
4,8%
Não Acordo
18,4%
Não Acordo
26,5%
Total de ações: 556
Total de ações: 137
TEMPO MÉDIO DA MEDIAÇÃO (minutos)
Ano 2006
Ausência
Ambos
42%
Dez/03 – Dez/06
Tempo Médio
55,76
Tempo
*Acordo
Tempo Não
Acordo
Ausência
Requerente
20%
Total realizadas: 261
Total realizadas: 83
MOTIVO DA NÃO-REALIZAÇÃO
Ausência
Requerido
31%
Não Acordo
16,8%
Outro
Motivo
7%
54,50
Total realizadas: 979
* Inclui Acordo Parcial
Total de ações não realizadas: 418
55,82
150
AVALIAÇÃO DOS PARTICIPANTES
AVALIAÇÃO DOS PARTICIPANTES
2. Como você se sente sobre a competência
profissional do seu mediador?
1. Como você se sente sobre o serviço recebido
do seu mediador?
96,7%
95,7%
Neutro
0,8%
Insatisfeito
0,1%
0,8%
Dez/03 – Dez/06
0,6%
Insatisfeito
0,2%
Não Respondeu
0,5%
4. Como se sente sobre os resultados obtidos
com o procedimento de mediação?
46,9%
Muito Satisfeito
49,1%
90,2%
93,5%
43,3%
Satisfeito
44,4%
Satisfeito
Neutro
6,3%
4,5%
Pouco Satisfeito
1,0%
Insatisfeito
0,3%
Não Respondeu
Dez/03 – Dez/06
Total respondentes: 2.485
AVALIAÇÃO DOS PARTICIPANTES
3. Como você se sente sobre a mediação como
uma maneira para que as pessoas possam
discutir e resolver seus problemas?
Muito Satisfeito
Pouco Satisfeito
Total respondentes: 2.485
AVALIAÇÃO DOS PARTICIPANTES
Neutro
2,0%
2,6%
Pouco Satisfeito
Não Respondeu
36,3%
Satisfeito
36,7%
Satisfeito
Neutro
60,4%
Muito Satisfeito
59,0%
Muito Satisfeito
0,8%
Dez/03 – Dez/06
Total respondentes: 2.485
Pouco Satisfeito
1,5%
Insatisfeito
1,0%
Não Respondeu
1,1%
Dez/03 – Dez/06
Total respondentes: 2.485
Download

Dissertação Carla Boin